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sexta-feira, maio 27, 2016

THE PINK PANTHER (1963)

A PANTERA COR-DE-ROSA
Um filme de BLAKE EDWARDS


Com David Niven, Peter Sellers, Robert Wagner, Capucine, Claudia Cardinale, Fran Jeffries

EUA / 115 min / COR / 
16X9 (2.35:1)

Estreia na RFA a 19/12/1963
Estreia na GB a 7/1/1964
Estreia nos EUA a 18/3/1964
Estreia em PORTUGAL a 17/12/1964



Sempre que assisto a este filme é como saborear um delicioso pitéu. Nada de muito condimentado, apenas uma pequena iguaria que serve para me confortar o estômago e deixar saciado (e feliz) para o resto do dia. “The Pink Panther” vê-se com um sorriso permanente nos lábios, independentemente do número de vezes que já acompanhámos as inenarráveis peripécias do desastrado Clouseau. Foi a primeira vez que a hoje célebre personagem foi apresentada ao grande público e o sucesso não poderia ter sido mais inesperado.

Com efeito, quando o filme foi idealizado, a figura principal apontava para Sir Charles Lytton, requintado ladrão de jóias conhecido pelo “Fantasma” (David Niven), cujas aventuras teriam neste filme o seu início. Mas não houve qualquer sequela; e tudo por causa do extraordinário desempenho de Peter Sellers que, não contente em ter roubado as melhores cenas do filme, ainda por cima deu ao mundo do cinema uma das suas personagens mais queridas. O inspector Clouseau tinha vindo para ficar e Sellers vestiu-lhe a pele em mais quatro filmes, de valor cinéfilo variável mas todos eles recheados de cenas de antologia: “A Shot in the Dark” (1964), “The Return of the Pink Panther” (1975), “The Pink Panther Strikes Again” (1976) e “The Revenge of the Pink Panther” (1978).

Em 1982, dois anos após a morte do actor, seria estreado “The Trail of the Pink Panther” em que, numa indecorosa acção de marketing, foram usadas algumas sequências inéditas, rodadas para os anteriores filmes mas que não tinham sido usadas nas montagens finais. O actor Alan Arkin interpretaria também a personagem de Clouseau num filme de 1968 (“Inspector Clouseau”), do mesmo modo que Steve Martin, este já neste século: “The Pink Panther” (2006) e “The Pink Panther 2” (2009), ambos filmes perfeitamente escusados e que só vieram mostrar, uma vez mais, a política oportunista e gananciosa dos estúdios norte-americanos, evidenciada nas duas décadas anteriores com mais dois filmes onde a célebre personagem foi também alvo de uma abusiva apropriação: “The Curse of the Pink Panther” (1983) e “Son of the Pink Panther” (1993).

Mas regressemos a este primeiro e refrescante filme da série. Para além do brilhantismo de Sellers e do bom desempenho de todos os restantes actores (belissima Claudia Cardinale, sensual e desconcertante Capucine e o sempre fleumático David Niven interpretando-se a si próprio) “The Pink Panther” está impregnado de um humor delicioso, com sequências inesquecíveis, que tornaram o filme numa clássica comédia de Hollywood (apesar de rodada inteiramente em Itália) e dos anos 60 em particular. Recordemos apenas duas delas: a passada no quarto de Clouseau e da sua idolatrada Simone, onde diversas peripécias se sucedem a um ritmo de puro vaudeville, a lembrar os antigos filmes dos Irmãos Marx; e a louca perseguição em quatro viaturas (de todos atrás de todos, incluindo gorilas siameses  e uma tresloucada zebra) após o baile de máscaras, que culmina num espalhafatoso choque frontal presenciado por um seráfico habitante da praceta local – um momento indescritível de puro nonsense e burlesco.

Foi neste filme que, de um momento para o outro, nasceu a conhecida alquimia entre Sellers e Blake Edwards (um "amor à primeira conversa", entre dois homens que até então nunca se tinham visto, mas que rapidamente descobriram uma infinidade de gostos e paixões comuns), a qual viria a dar frutos no futuro: para lá das sequelas da Pantera cabe aqui referir o hilariante “The Party” (1968), que pessoalmente considero o apogeu da dupla. Neste “The Pink Panther” a revelação Sellers estilhaçou por completo o argumento original, dando azo a um vendaval de improvisações para gáudio de todos os intervenientes nas filmagens, quer fossem actores ou elementos da equipa técnica. Ao mesmo tempo que finalizava o filme, Edwards já se encontrava a reescrever todo o guião de “A Shot in the Dark”, de modo a conferir à personagem de Clouseau o foco principal. É por isso que muita gente considera esse segundo filme como o “verdadeiro” arranque da personagem.

Seja como for, “The Pink Panther” permanece, quase 50 anos depois, uma comédia brilhante e espirituosa em todas as suas variantes (veja-se por exemplo o "número musical" onde Fran Jeffries interpreta em italiano a canção "Meglio Stasera" - ver videoclip abaixo - ou a sensual sequência de Niven e Cardinale, com esta completamente embriagada e deitada no tigre de tapeçaria), que teve a sorte de incluir a comicidade fulgurante de Peter Sellers, evidenciada sobretudo na interacção de Clouseau com os adereços do plateau. É na mímica, na gestão do espaço à sua volta, no sentido de ritmo e sobretudo nos silêncios que o génio do actor melhor se manifesta. Já para não falar na incrível pronúncia, que viria a ser ainda melhor trabalhada nos filmes seguintes (recorda-se que uma das especialidades do actor, desde os tempos da rádio e do Goon Show, programa televisivo transmitido entre 1951 e 1960, era a imitação de vozes de personalidades conhecidas) ou naquela absurda mas indefectível postura, impregnada da maior das dignidades.

De referir ainda a belissima fotografia, que confere a “The Pink Panther” um visual magnífico, sobretudo em toda aquela primeira parte rodada na estância de desportos de inverno da Cortina D’Ampezzo, em Itália - a paisagem coberta de neve confere um atractivo suplementar ao filme, adicionando-lhe um esplenderoso glamour. Bem como a partitura musical, assinada por Henry Mancini, e cujo tema principal se tornou instantaneamente num verdadeiro clássico. Não só como identificativo de toda a série mas sobretudo do desenho animado da pantera cor-de-rosa, que faz a sua estreia absoluta no fabuloso genérico. Tal como Clouseau, que iniciou aqui a sua história, o cartoon criado por Friz Freleng e David H. DePatie ganharia vida própria dando origem a centenas de desenhos animados.

CURIOSIDADES:

- Peter Ustinov foi o actor inicialmente escolhido para interpretar o inspector Clouseau. A sua injustificada ausência nos primeiros dias de filmagens em Roma (que levou os produtores a processá-lo) foi a razão pela qual Peter Sellers conseguiu o papel. Capucine também não foi uma primeira escolha: Ava Gardner e Janet Leigh recusaram entrar no filme – a primeira por desacordo quanto ao salário e a segunda por se ter casado recentemente (pela quarta vez) e não querer interromper a lua-de-mel.

- Claudia Cardinale não sabia falar inglês, pelo que foi dobrada em todas as cenas por Gale Garnett.

- Na cena da banheira com Capucine e Robert Wagner, o forte ingrediente usado para a abundante espuma provocou queimaduras nos dois actores. Wagner, que chega a estar completamente imerso durante longos segundos, acabou por ter problemas de visão, ficando praticamente cego durante cerca de três semanas.




Para os interessados disponibiliza-se aqui a banda-sonora original:

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

PORTFOLIO - "THE PARTY" (1968)


THE PARTY (1968)

FESTA DE LOUCOS
Um filme de BLAKE EDWARDS





Com Peter Sellers, Claudine Longet, Steve Franken, Stephen Liss, Fay McKenzie, Denny Miller, Gavin MacLeod, etc.

EUA / 99 min / COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA a 4/4/1968
Estreia em PORTUGAL a 5/4/1969

Hrundi V. Bakshi: «Birdie num num»

Este filme é como uma aspirina, que deve ser deixada sempre à mão, para tratamento urgente de stress, mau humor, irritação e outras pancadas que tais. E o melhor de tudo é que resulta, todas as vezes a que a ele recorremos. Comédia delirante, bem representativa dos anos 60, esta é das obras de Blake Edwards aquela que mais se aproxima do universo de um Jacques Tati, nomeadamente da sequência do restaurante de “Play Time” [1967], filme claramente assumido por Edwards como inspiração-base: «Adoro esse filme. Se consegui transferir toda essa adoração para “The Party" não tenho a certeza. Quando era garoto absorvia também todos os filmes de Laurel & Hardy, juntamente com tantos outros daqueles grandes filmes mudos. Provavelmente é todo esse conjunto de referências que usei neste filme.»


Deliciosamente anarquista, rico em observações sociais, “The Party” (“Festa de Loucos” na tradução original portuguesa, mais tarde abreviada para “A Festa”) percorre todo um encadeado de gags non stop que têm lugar dentro de uma faustosa mansão de um produtor de Hollywood na qual se realiza uma festa para a qual é convidado por engano um infeliz actor indiano, Hrundi V. Bakshi, que tinha sido despedido alguns dias antes durante a rodagem de um filme. A personagem é desempenhada, com sotaque incluído, pelo genial actor inglês Peter Sellers, que atinge aqui o apogeu máximo de toda a sua comicidade. Há ainda quem veja em “The Party” uma paródia ao filme “La Notte”, de Michelangelo Antonioni, devido à sua estética fria e geométrica, ou ainda ao aborrecimento reinante nos convidados (que Bakshi se encarregará de subverter…)

Autor de rádio e televisão, argumentista, principalmente de Richard Quine, realizador de uma meia dúzia de filmes na década de 50, Blake Edwards encontrou o seu estilo na comédia dos anos 60. Um estilo que ele explicava do seguinte modo: «Por mim esforço-me por elevar o nível de slapstick e por simplificá-lo, caminhando no sentido natural.» "The Party" é uma homenagem antológica ao burlesco, um filme em que o elemento dramático se encontra reduzido à expressão mínima ou mesmo inexistente. Logo desde a sequência que serve de prólogo se adivinha o tom geral do filme: o corneteiro que se obstina em prolongar a vida no campo de batalha apesar de alvejado massivamente por todos à sua volta e que de seguida faz explodir inadvertidamente o cenário principal. Longe de ser um idiota, é pela sua falta de jeito, timidez e uma certa ingenuidade que o personagem de Peter Sellers nos conquista desde logo.

Hrundi V. Bakshi é suficientemente lúcido para se aperceber da sua má adaptação às situações mais corriqueiras, equivalente a um paquiderme em loja de porcelana. Aliás, um pouco pior, pois o elefante-bébé que é alvo das atenções gerais no final, consegue mesmo assim comportar-se melhor que o nosso herói. E no entanto, Bakshi enfrenta todos os contratempos com fleuma e dignidade, sempre com um sorriso nos lábios, tentando dar a volta às situações embaraçosas que vai criando (no mínimo afastando-se para bem longe, para o fundo do jardim). Tarefa inglória, conforme o desenrolar do filme nos vai dando a perceber. O efeito das boas intenções de Bakshi é o de um dominó em queda vertiginosa, sempre imprevisível e hilariante, e que inevitavelmente irá desembocar num final caótico.

Esse caos, na perspectiva de Blake Edwards, tem forçosamente de ser desencadeado para nivelar as divergências sociais presentes, numa intenção claramente alegórica. Depois de Bakshi caír na piscina, é levado para um quarto do piso superior afim de mudar de roupa (vestem-lhe um roupão vermelho do dono da casa), depois de o fazerem ingerir uma bebida alcoólica (algo a que ele não estava de todo habituado). Pouco depois descobre Michèle (Claudine Longet) em pranto, por causa das tentativas do seu agente em a seduzir, e consola-a à sua maneira muito peculiar. Os dois descem depois ao andar de baixo, dispostos a disfrutar ao máximo da festa em curso.

Entretanto há uma troupe de bailarinos russos a dançar o kalinka e a filha dos donos da casa aparece com os amigos, acompanhados por um elefante-bébé, pintado com diversos slogans dos sixties. Bakshi indigna-se por tal humilhação num animal que é sagrado na Índia e resolvem então lavá-lo, o que tem como consequência que as bolhas de sabão se vão espalhando pouco a pouco, acabando por encher todo o salão. A festa torna-se então completamente caótica, mas, simultaneamente, acaba com a hierarquia do status social que esteve na sua origem. No caos das bolas de sabão já não existem grandes diferenças e todos acabam de igual modo, completamente encharcados.

“The Party” é ainda hoje, mais de 40 anos depois, uma jóia rara de humor inteligente, por vezes corrosivo, mas que jamais cai na vulgaridade. E mesmo que já o tenhamos visto dezenas de vezes (como é o meu caso) o prazer é sempre enorme. Podemos conhecer todos aqueles gags e situações de cor e salteado, mas a sua antevisão deixa-nos sempre ansiosos para os revermos de novo. Quem poderá esquecer o episódio do sapato navegador que acaba numa travessa de aperitivos («I’m on a diet, but the hell with it»), o criado que vai bebendo cocktail atrás de cocktail (Steve Franken noutro desempenho memorável), o bilhar a três («howdy partner»), a desastrosa sequência na casa de banho, aquele caótico e indescritível jantar, (mal) servido pelo mesmo criado (já completamente embriagado), a alimentação do papagaio («birdie num num», frase que foi adoptada por todo o elenco para se cumprimentarem no dia-a-dia) e tantos outros momentos de antologia? E depois há a maravilhosa Claudine Longet a cantar (“Nothing To Lose”) e a encantar-nos. A nós, espectadores e a um Peter Sellers imobilizado, incapaz de ir satisfazer uma urgente necessidade fisiológica…