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domingo, setembro 22, 2013

GASLIGHT (1944)

À MEIA-LUZ
 Um Filme de GEORGE CUKOR


Com Charles Boyer, Ingrid Bergman, Joseph Cotten, Dame May Whitty, Angela Lansbury, Barbara Everest, etc.

EUA / 114 min / P&B / 4X3 (1.37:1)

Estreia nos EUA : Los Angeles, 15/5/1944
Estreia em PORTUGAL: Lisboa, Cinema S. Luiz, 26/3/1946



"Gaslight" é uma das obras mais célebres de George Cukor e a mais popular e premiada das onze que assinou nos forties. Três Óscares recebeu: o da melhor interpretação feminina (para Ingrid Bergman), o da melhor art direction (para Cedric Gibbons e William Ferrari) e o do melhor décor (para Edwin Willis e Paul Huldchinsky). Mas o homem que tão admiravelmente soube combinar esses vários talentos e essas notáveis contribuições - George Cukor - foi preterido a favor de Leo McCarey (por "Going My Way") como preterido foi o fotógrafo Joseph Ruttenberg, que neste filme assinou um dos seus máximos trabalhos.


"Gaslight" é um remake do filme homónimo de Thorold Dickinson de 1939, como este baseado na peça de Patrick Hamilton, um dos grandes êxitos dos palcos londrinos nos anos 30. A Metro já andava no encalço dos direitos da peça desde 38 e não perdoou que os britânicos se tivessem antecipado. O acolhimento feito ao filme de Dickinson mais os enraiveceu. Daí que - aproveitando-se da guerra e de várias confusões, de certo modo, aproveitando-se da "meia-luz" que reinava nesses domínios autorais - tivessem conseguido renegociar com Hamilton em 1943 e obter o exclusivo do nome "Gaslight", da peça e do filme. Para teste, adquiriram o negativo e todas as cópias existentes do filme de Dickinson, retiram-no de circulação e preparam este celebérrimo remake que atirou para a tal "meia-luz" o original.



Tem-se dito que este "Gaslight" é mais ilustrativo das técnicas e do funcionamento dos estúdios da MGM do que do estilo de Cukor. Este não teria conseguido conferir a esta obra (tão próxima da gothic novel) a sua marca pessoal. O filme seria, ao fim e ao cabo, por esse lado, mais "inglês" do que "americano", mais hitchcockiano do que cukoriano. Quem isto disse, esquece-se que Cukor veio para o cinema exactamente pelos dotes que revelara no teatro e que o seu prestígio inicial assentou no modo como transpôs peças cujo estilo não difere muito da de Hamilton. Peças todas elas de autores ingleses, baseadas no teatro de boulevard.


"Gaslight" não é, no fundo, nada de diferente, nem nada de novo a não ser na medida em que a mecânica "rosto/diálogo" é agora com o fulgurante rosto de Ingrid Bergman. Nada de novo não quer dizer nada de bom. E sobretudo não quer dizer que, uma vez mais, se não reflictam esplendidamente em "Gaslight" as obsessões formais da obra de Cukor. Exemplifiquemos, começando - como todos os filmes de Cukor - no lugar do décor. 90% do filme situa-se num único lugar, a casa, que é na verdade o principal protagonista. Mas a importância da casa é a que é, por ser precedida pelas sequências iniciais (em Itália) e por ser pontuada por "saídas" que lhe vão conferindo todo o seu peso.


Assim, após a curta e assombrosa sequência inicial (a do crime e da viagem de Ingrid Bergman em criança), tão típica dos gothic films dos forties, somos levados à sequência da lição de canto, já em Itália. Ingrid Bergman, que antes víramos mas não ouvíramos aos 11 anos (na cena da carruagem, em que fora dobrada apenas para o plano médio, pois que o genial grande plano de cabelos corridos é dela) terá agora 20 e não consegue acertar com o décor (a música e a área de "Lucia") nem com o que diz («your troubles are not in your voice but in your heart», diz-lhe o professor). Ao fundo, num discreto segundo plano, Charles Boyer é o acompanhante, e se a perturbação é associada a ele, ninguém que não conheça a história a associará ao que irá ser a natureza dessa perturbação.


Entre grades, medos e estátuas vêmo-los na sequência da declaração. Daí se passa a um comboio onde Ingrid Bergman quis seguir sózinha o que não conseguirá devido à presença inoportuna de Dame May Whitty. É essa presença que a leva aos braços de Boyer (grande plano da mão deste agarrando-a à chegada) como, mais tarde, a levará aos de Cotten, numa inversão de inoportunidades. Depois é o décor do hotel à beira do lago, da lua de mel e da felicidade, com a passagem ao sonho e o plano de Boyer agarrando-lhe no pescoço em ligeiro contre-plongé quando lhe fala de Londres. Estamos na grande paixão romântica e no susto dela, definindo a atracção da protagonista pelo lugar da vítima que lhe cabe (por isso Boyer lhe invocará no final esse décor quando tenta a última recuperação).


Os dados estão lançados e permitam agora a entrada no nº 9 de Angel Street como protagonista. Dele, Ingrid Bergman só sairá duas vezes: para a visita à Torre de Londres (sala das torturas) e para a recepção (de novo com canto) em que "estraga" o décor, confirmando publicamente a imagem que Boyer tentava sobrepor à imagem dela. Mas se essas saídas - do ponto de vista da evolução da narrativa e do lugar onde se sai - são fundamentais para a interiorização da culpa de Bergman, é nelas que encontra Cotten - o detective - que finalmente conseguirá levar o "lá fora" lá para dentro e sacudir os fantasmas. Se é lá fora que Bergman mais se perde, é também aí que encontra - como em Itália - o mensageiro de uma outra viagem.


Dentro de casa, Cukor procede de novo, à separação por andares, entre o alto e o baixo (por meio duma vertical - a escada - precisamente inserida), ambos igualmente abissais. Em baixo é o reino das criadas: o espantoso personagem representado por Angela Lansbury e a velha surda, ambas utilizadas para seu maior medo e humilhação, atingindo-a no estatuto sexual (a mulher) e no estatuto social (a "dona de casa" que o não sabe ser. Em cima, é o sótão, onde as luzes se apagam e quebram e onde jazem os fetiches de Alice Alquist (imperatriz Teodora), em torno dos quais (quadro, luvas, jóias) se processam as pistas centrais.


A separação desse sótão do resto da casa é dada admiravelmente por outra escada e um tabique provisório. Mas esse é o espaço nunca transposto (Boyer entra nele por outro lado) e tão abissal como as caves (que também não vemos), funcionando os acessos não como lugar de passagem mas como lugar de proibição. Quando, no fim do filme, Cotten consegue transpor esse espaço e levar Bergman a entrar nele, a acção inverte-se. No sótão, a mulher tomará o lugar do marido e é aí que ela fabrica a sua assombrosa vingança. Ou seja, quando penetra no lugar proibido, Bergman serve-se desse décor como Boyer se tinha servido dele: como sala de torturas para, por sua vez, torturar o marido. Simulando a loucura, incorpora a imagem que lhe tinham querido colar e destrói Boyer assumindo essa imagem, no único momento em que aquele tenta ressuscitar a outra.


É assim através do décor que o famoso "jogo de duplos" dos filmes de Cukor intervém em "Gaslight". O discreto Boyer de Itália (tímido apaixonado) revela a outra imagem na casa de Londres, na sala das torturas da Torre e oculta-a no sótão em que nunca o vemos, excepto no fim. É nesse sótão e no momento em que finalmente descobre as jóias, quando a luz do dia se substituirá à luz do gás (fora o seu artifício de ocultação de luzes que o impedira de as descobrir mais cedo), que Boyer se perde (por essa outra luz) e passa de carrasco a vítima, encurralado no seu próprio décor e na sua própria mise-en-scène.


Por seu lado, Ingrid só se salva quando sobe ao sótão (o lugar da morta) para assumir aí a componente sádica complementar ao seu masoquismo. Se as suas perdições e salvações avançam por fetiches, (o medalhão, a luva, a faca) são também esses fetiches que vão marcando a permanente "meia-luz" do personagem, a sua permanente duplicidade. É nesse sentido, e se prolongarmos as reflexões esboçadas, que se poderá captar, na sua dimensão especular e de "simulação da simulação", a sequência capital em que a criada Elizabeth confirma a Boyer que ninguém entrou em casa naquela noite, confirmando a Bergman que a visita de Cotten apenas existiu na imaginação dela. Quando se desmascaram a esse ponto as aparências, o que pode triunfar é só outra aparência: a relação Bergman-Cotten ou o último plano de Boyer descendo as escadas perante Lansbury, ainda como "senhor", ocultando atrás das costas as algemas que o definem como vítima final (e catártica) do jogo de sucessivas encenações que "Gaslight" é.
(João Bénard da Costa)


CURIOSIDADES:

- Para preparar a sua personagem, Ingrid Bergman passou algum tempo numa instituição psiquiátrica a acompanhar uma mulher que tinha sofrido uma grande depressão nervosa.

- Estreia de Angela Lansbury no cinema, com apenas 17 anos. Trabalhava numa loja de Los Angeles (Bullocks) e o patrão disse-lhe que cobriria a diferença do salário que ela pudesse vir a ganhar, para assim a poder manter ao serviço. Não contava era que a sua empregada passasse dos 27 dólares semanais para 500...


- Quer Irene Dunne quer Hedy Lamarr recusaram o papel de Paula.

- A peça "Angel Street", de Patrick Hamilton, na qual o filme é baseado, estreou-se na Broadway, no John Golden Theater, a 5 de Dezembro de 1941, onde se manteve durante 1295 exibições. Do elenco principal faziam parte Leo G. Carroll, Vincente Price e Judith Evelyn.

- Uma estação de rádio (Lux Radio Theater) transmitiu uma adaptação radiofónica do filme, de 60 minutos, no dia 29 de Abril de 1946. Foram os proprios actores, Charles Boyer e Ingrid Bergman, que recriaram os respectivos personagens.


sábado, novembro 06, 2010

PORTFOLIO - "LAURA" (1944)

"LAURA" - 1944

LAURA (1944)

LAURA




Um filme de OTTO PREMINGER


Com Gene Tierney, Dana Andrews, Clifton Webb, Vincent Price, Judith Anderson




EUA / 88 min / PB / 4X3 (1.37:1)




Estreia nos EUA a 11/10/1944 (New York)




Waldo Lydecker: "I'm not kind, I'm vicious. It's the secret of my charm"

Dos grandes cineastas revelados na década de 40, Otto Preminger terá sido um dos que mais me decepcionou ao longo dos anos, sobretudo a partir do início da década de 60, durante a qual realizou alguns filmes a roçar mesmo a mediocridade (recorde-se por exemplo “Exodus” ou “O Cardeal”). Mas tal não será razão suficiente para que se lhe retire os devidos méritos, nomeadamente o seu notável sentido de “mis-en-scène” na direcção de actores, uma das características que mais identificam o seu cinema.
Nascido em Viena d’Austria, a 5 de Dezembro de 1906, Preminger cursou direito e filosofia, mas logo aos 17 anos teve o primeiro contacto com o mundo do espectáculo como actor. Em 1924 começou a trabalhar com Max Reinhardt, o que o não impediu de se formar em direito em 1926. Nesse mesmo ano substituiu Reinhardt na direcção do Josefstadt Theatre e durante os cinco anos seguintes dirigiu mais de 50 peças de teatro, tornando-se um dos primeiros nomes da cena germânica. Toda essa experiência de palco ir-se-ia reflectir nos seus filmes, rodados já em solo americano, para onde emigrou em 1936, quando a proximidade dos nazis o começou a incomodar.
Cronologicamente, “Laura” é o terceiro filme de Preminger (após “Margin For Error” e “In The Meantime, Darling”) mas pela sua importância é verdadeiramente o início do seu reconhecimento quer junto ao público quer junto à crítica. É uma obra incontornável do thriller e do film noir, e que permanece até hoje como o título mais emblemático da sua carreira. Pessoalmente considero-o algo sobrevalorizado, até porque grande parte da sua fama se deve à presença encantatória de Gene Tierney, que nunca esteve tão sublime como neste filme.
Outra das características de Preminger, presente quase sempre nas suas obras mais importantes, é o jogo do “gato e do rato” com que se entretém a ludibriar o espectador. Quase sempre o que parece certo ou lógico tem outros significados, que pouco a pouco se vão descobrindo à medida que a acção se desenvolve. Nesse sentido “Laura” funciona quase como um cartão de visita de Preminger. Começa com adornos claros de um qualquer policial mas o talento do cineasta vai-o progressivamente transformando numa história romanceada onde o papel principal é conferido à obsessão de um inspector da polícia, primeiro por um retrato, depois pela mulher que lhe serviu de modelo e que subitamente reaparece, ressuscitada de uma morte previamente anunciada.
Como atrás referi, o grande trunfo de “Laura” é a presença fabulosa de Gene Tierney cujas imagens ficarão para sempre associadas ao filme, muito por causa também do excelente guarda-roupa de Bonnie Cashin, mas sobretudo devido à fotografia luminosa de Joseph La Shelle, que ganhou o Oscar da Academia na respectiva categoria. A célebre partitura musical, da autoria de David Raksin, fica-nos de igual modo no ouvido, servindo exemplarmente os propósitos de Preminger. Não fosse o argumento tão densamente recheado de diálogos (teatralizando em demasia o romance policial de Vera Caspary) e “Laura” ganharia certamente outro fôlego como obra cinematográfica.
CURIOSIDADES:

- A primeira escolha para o papel de Laura foi a actriz Jennifer Jones, que o recusou. Hedy Lamarr foi outra das actrizes que também se esquivou. E só por obrigações contratuais é que Gene Tierney entrou no filme

- Um dos legados mais duradouros do filme é o tema musical, composto num fim de semana por David Raksin (que originalmente o apelidou de “Judy”, em homenagem a Judy Garland). No entanto Preminger queria usar o tema “Sophisticated Lady”, de Duke Ellington, depois de ver gorada a tentativa de comprar os direitos de “Summertime”, de Gershwin.

- “Laura” começou por dirigida pelo realizador Rouben Mamoulian. Otto Preminger, que o substituíu depois, começou logo por destruir todo o material entretanto filmado

- Para além do Oscar da melhor cinematografia, o filme foi ainda nomeado nas categorias de Realização, Argumento, Direcção Artística e Actor Secundário (Clifton Webb)

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