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sábado, novembro 02, 2013

MITOS DE HOLLYWOOD - MAE WEST, A CINE-FÊMEA


Se houve estrela que explorou inteligentemente a censura foi Mae West. Soube aproveitar-se dos escândalos causados pelos seus diálogos e poses. West afirmava: «os censores nem sequer me deixavam sentar-me ao colo de um tipo, e estive em mais colos que um guardanapo». West estava nos antípodas de Mary Pickford, a menina-sensação da década anterior. Conta-se que nunca pisava um palco com saltos de menos de 20 centímetros e usava mamilos postiços. O actor Tony Curtis chegou a atribuir a maneira sensual que Mae West tinha de andar às portentosas plataformas que usava nos pés. Mas era sobretudo com as palavras que provocava: West, filha de um pugilista e de uma actriz de vaudeville de origem alemã, era uma mulherona sem papas na língua. A sua carreira teatral e cinematográfica, no auge nos anos 30 e 40, esteve recheada de provocações. Terrorista verbal, estava sempre pronta para um duplo sentido. Não era esbelta nem formosa mas potencializava a sua beleza, exibindo o corpo, ofuscando as mentes dos homens.


Mae West não era um títere dos estúdios, planeava a sua vida, controlava tudo usando a sua inteligência, antecipando a conduta das estrelas actuais. Quando Mae convidou a imprensa para visitar a sua casa, os espelhos distribuídos por todas as salas revelavam o seu narcisismo extremado, condensado noutra frase famosa que se lhe atribui: «Nunca amei tanto ninguém como me amei a mim própria.» A voluptuosa actriz justificava assim o escandaloso espelho colocado no tecto sobre a sua cama: «Gosto de ver como me estou a sair...» Esse espelho retirava as dúvidas aos repórteres mais cépticos. A sua vida confirmava a sua obra e vice-versa.


- «Vejo um homem no seu futuro.» - «O quê, só um?» Mae West exibia a sua sensualidade insubmissa na vitrina do cinema falado. Foi o arquétipo da mulher libertada e senhora da sua vida, e usou as palavras como armas para se rebelar contra a ordem e os preconceitos. Estaria mais perto de Madonna do que de Marilyn Monroe, que considerava uma cópia pálida e barata de si mesma. Ainda assim, concedeu-lhe o benefício da dúvida, e sobre Monroe, chegou a dizer que «foi a única que se aproximou de mim em termos de capacidade para atrair sexualmente. O resto das concorrentes só tinha as mamas grandes». Mae, que tinha 40 anos quando fez o seu primeiro filme (antes, tinha sido actriz de teatro e autora) era frontal e arrojada, desafiava os homens no seu território. Questionava a sexualidade. Foi senhora das suas frases espirituosas, dona e autora de trocadilhos picantes, o mais famoso dos quais foi «is that a gun in your pocket or are you just happy to see me?».


- «Suponho que não acredite no casamento, certo?» - «Só em último caso» A censura exigia inúmeros cortes e impunha cenas «moralmente elevadas». Mae respondia roubando o protagonismo aos seus parceiros homens. Em "I'm No Angel", atirava frases do género «O que importa não é quantos homens tiveste na tua vida, mas quanta vida havia nos homens que tiveste!» Noutro filme arrasava com as máximas: «Um homem em casa vale três na rua» e «Não tentem ir para o paraíso logo na primeira noite». Ou ainda «Vale a pena ser bom, mas não vale muito». Sobre o casamento, West sentenciou «O casamento é uma grande instituição, mas ainda não estou preparada para uma instituição.»


Como é que os seus filmes iludiam a censura? Haveria mais liberdade em dizer do que em mostrar? Mae West conta como lidava com os comités: «Como sabia que os censores andavam atrás dos meus filmes escrevia cenas para eles cortarem! Eram cenas tão rascas que nem eu as usaria. Mas funcionavam como isco. Filmava cenas sobre a braguilha de um homem, eles riam-se e mandavam cortar. E deixavam as cenas que realmente me interessavam. Quando o filme estreava, os furibundos «Narizes Azuis» («Lápis Azuis» em Portugal porque os censores usavam um lápis azul para cortar os textos incómodos para o regime fascista) da censura reclamavam que eu não lhes tinha mostrado as outras cenas. Mas eles tinham dado o OK a todas elas!» A ardilosa Mae West escrevia cenas-isco para os censores cortarem, autênticas kino-armadilhas.


Esta astúcia não a impediu de ser presa por "corromper a juventude", depois da estreia de "Sex" (1926), uma peça da Broadway da sua autoria. Sobre o episódio, West terá dito: «os agentes que me investigaram pareciam desfrutar muito com o seu trabalho». Mae West foi condenada a dez dias de prisão, acabou por cumprir apenas oito por bom comportamento (!) e, ao sair, doou mil dólares à biblioteca da prisão onde tinha estado encarcerada. Eram estes sofisticados gestos de ousadia que a definiam e West nunca abandonou a via subversiva sensacionalista ao longo da sua vida.


Num documentário sobre a actriz - "Mae West... And the Men Who Knew Her" - podemos vê-la em palco, com mais de 60 anos, rodeada por musculadíssimos homens de tanga-fralda em poses culturistas. Esta performance fazia parte de um show intitulado "Mae West and Her Adonisis", uma tentativa da actriz reavivar a sua carreira. Nos anos 50, Mae ainda estava na vanguarda da luta pela longevidade da sexualidade feminina. Quando a vedeta em ascensão Jane Mansfield (conhecida pela sua estratégia de marketing softcore isto é, a jovem fazia topless em locais públicos para atrair a atenção dos estúdios e da imprensa), com pouco mais de 20 anos, lhe "rouba" - isto é, casa com - um dos "seus" homens, West processa-a por "alienação de bens". Para a diva eram os homens a mercadoria, invertendo o sentido da transacção. Capitalista, anarquista, feminista, humorista... Eis Mae West, a cine-fêmea.

Pintura de Salvador Dali (1934-35)
Edgar Pera