Um Filme de ELIA KAZAN
Com Natalie Wood, Warren Beatty, Pat Hingle, Audrey Christie, Barbara Loden, Zohra Lampert, Fred Stewart, Joanna Roos, John McGovern, Sandy Dennis, Gary Lockwood, Jan Norris, etc.
EUA / 124 min / COR /
16X9 (1.85:1)
Estreia nos EUA a 10/10/1961
Estreia em PORTUGAL a 9/2/1962
(Lisboa, cinema Éden)
«What though the radiance which was once so bright
be now for ever taken from my sight.
Though nothing can bring back the hour
of splendor in the grass, of glory in the flower,
we will grieve not, rathher find
strenght in what remains behind»
(William Wordsworth)
Para além de ter sido uma mulher lindissima, Natalie Wood (Natasha Nikolaevna Zakharenko), filha de emigrantes russos, foi também uma menina-prodígio de Hollywood, que aos 5 anos de idade já entrava em filmes e séries televisivas. Aos 17 anos contracenou com James Dean em "Rebel Without a Cause", e cinco anos depois, em 1961, interpretou as duas personagens que lhe valeram o acesso directo à eternidade cinéfila: a Maria de "West Side Story" e a Wilma Dean Loomis deste "Esplendor na Relva". Deixemos o musical para mais tarde e vamo-nos focar agora neste último.
Ruy Belo (1933-1978), poeta português, era cinco anos mais velho que Natalie. Como muitos outros, deve ter ficado apaixonado pela actuação da actriz quando o filme se estreou no cinema Éden, em Lisboa, no dia 9 de Fevereiro de 1962. E escreveu este belissimo poema, dedicado a Dean Loomis:
Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste.
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais.
Apesar de toda a poesia a ele ligado, "Esplendor na Relva" não é um filme para se contar, não é sequer um filme para se ler. "Esplendor na Relva" é, isso sim, um filme para se ver, para se sentir, é cinema no seu estado puro. E essa pureza evidencia-se em cada olhar, em cada gesto, muito por culpa de Elia Kazan que atinge aqui a arte suprema de bem dirigir, evitando os habituais clichés do melodrama; e a maravilhosa Natalie Wood, que é a luz que emana de todo o filme e que me fez perder de amores (a mim e a muito mais gente) com a sua Deanie Loomis, uma das criações mais espantosas de toda a história do cinema. Por isso, abençoados todos quantos não se limitaram a olhar para o écran e conseguiram ver e sentir toda a genialidade do esplendor de que fala o filme.
Produzido numa época de grandes mudanças (quer da sociedade – a norte-americana em particular – quer do próprio cinema), “Splendor in the Grass” é um olhar desapiedado sobre a juventude do final dos anos 20 do século passado: as suas aspirações, ansiedades, e desejos; e a repressão (sexual e não só) exercida sobre eles pela sociedade da época. Uma repressão que está em toda a parte, que se vai insinuando através de vários comportamentos, desde o mais grosseiro (a pressão asfixiante do pai de Bud) até ao mais sofisticado (a complacência do pai de Deanie, parcialmente redimida naquela pungente cena final, em que ele lhe indica o paradeiro de Bud e recebe em troca uma carícia e um beijo na testa); e que estabelece regras muito próprias, consoante o sexo das personagens sobre as quais se abate. Era a altura em que as jovens eram catalogadas em duas únicas categorias: as "decentes", com quem se podia casar; e as "vulgares", com quem era apenas permitido passar um bom bocado. (Wilma Dean: «Is it so terrible to have those feelings about a boy?» Mrs. Loomis: «No nice girl does.»)
Deanie percorre um caminho demasiado estreito entre essas duas categorias: começa por se furtar às intenções mais atrevidas de Bud (Warren Beatty) e mais tarde, quando os escrúpulos desaparecem de vez, já é tarde demais. Talvez por isso seja um filme que, tematicamente, diga muito pouco às novas gerações de agora, as quais, consumada que foi a revolução sexual iniciada nos anos 60 do século passado, vivem abertamente uma liberdade que nada tem a ver com os tempos que emolduram este filme. Mas os amantes do cinema têm razões mais do que suficientes para poderem rejubilar com a visão de “Splendor in the Grass”, uma das obras mais emotivas de sempre (e da carreira de Kazan em particular), que continua actualmente tão bela e poética, profunda e poderosa, como o foi há 60 anos atrás.
O escritor e argumentista William Inge (o autor de “Picnic” e “Bus Stop”), baseou-se num poema extraído do livro “Ode: Intimations of Immortality From Recollections of Early Childwood”, de Wiliam Wordsworth (1770 – 1850) - um poeta inglês que lançou juntamente com Samuel Coleridge, a chamada Era Romântica na literatura inglesa – para escrever o romance, primeiro, e mais tarde o argumento em que “Splendor in the Grass” se baseia. Segundo o próprio Inge, outra inspiração para a sua história, teriam sido algumas pessoas que ele próprio conheceu durante a adolescência na cidade do Kansas. Falou com Elia Kazan, que na altura trabalhava com ele na sua peça “The Dark at the Top of the Stairs” e o realizador mostrou-se desde logo interessado em passar a história para o grande ecrã, aproveitando o clima de mudança que se vivia na América para dar um maior ênfase à história de Deanie e Bud.
Quando se iniciou o casting do filme, Inge lembrou-se de um jovem actor de diversas séries televisivas, que seria perfeito para interpretar o personagem principal: Warren Beatty. Os dois conheceram-se na fracassada peça “A Loss of Roses”, mas a relação perdurou e tornaram-se amigos. De início, a sugestão de Inge não foi bem recebida por Kazan, que não gostou da arrogância de Beatty, mas posteriormente viu nele presença e talento suficientes para lhe entregar o papel principal. “Splendor in the Grass” marcou, assim, a estreia de Beatty no grande ecrã (tinha 24 anos) e fez dele uma das grandes estrelas de Hollywood. A escolha de Natalie Wood foi uma imposição da Warner que tinha a actriz sob contrato e cujos últimos filmes não tinham tido o êxito esperado. Embora tivesse apenas 22 anos quando participou na rodagem de “Splendor in the Grass”, Natalie era já uma veterana de Hollywood, tendo começado a sua carreira com apenas 5 anos e conseguido fazer a transição para papéis mais adultos com sucesso.
Mas a actriz estava também interessada em participar no filme, a ponto de ter concordado filmar uma cena de nu, a primeira feita por uma estrela em Hollywood. No entanto Jack Warner (o patrão do estúdio) acedeu ao pedido da Catholic Legion of Decency e a cena foi excluída do filme. Refira-se que a sequência em questão surgia logo após Deanie Loomis discutir histericamente com a mãe enquanto toma banho. A câmara acompanhava o trajecto de Deanie a correr nua pelo corredor, entre a casa-de-banho e o seu quarto. Dada a exclusão da cena, o que se vê no filme é uma transição brusca entre a discussão na banheira e Loomis a soluçar, já deitada na cama, transição essa muito bem resolvida por Kazan ao introduzir entre as duas cenas um curto diálogo dos pais de Deanie.
Os dois actores entregaram-se tão intensamente aos seus personagens que a relação pessoal extravasou a vertente profissional e os dois viveram um tórrido romance durante as filmagens. Embora Natalie Wood fosse casada com o também actor Robert Wagner e Warren Beaty vivesse com outra actriz, a relação foi encorajada pelo próprio Kazan que viu no romance uma boa oportunidade para obter a tão desejada química entre os dois actores. Quando "Slpendor in the Grass" estreou, em Outubro de 1961, Natalie e Warren tinham abandonado os seus anteriores relacionamentos e viviam já juntos. “Splendor in the Grass” foi nomeado para dois Óscares (melhor actriz e melhor argumento), com o trabalho de Inge a ser o único a ter direito à famosa estatueta. Muito injustamente, Natalie Wood perdeu para Sophia Loren no filme "La Ciociara", de Vittorio De Sica.
"Splendor in the Grass" está repleto de cenas inesquecíveis: a passagem de ano novo com a tentativa de violação de Ginny (Barbara Loden), a irmã de Bud Stamper; a tentativa de suicídio de Dean Loomis nas cataratas, a já referida cena da banheira entre uma mãe inquisidora (Audrey Christie) e uma Dean histérica, à beira da exaustão psicológica («No, mom! I'm not spoiled! I'm not spoiled mom! I'm just as fresh and virginal like the day I was born, mom!») ou o reencontro final entre os dois antigos apaixonados («Are you happy, Bud?» «Well... I think I am, but I don't think much about it these days»): um último olhar de despedida de Dean já dentro do carro com as palavras de Wordsworth em voz-off:
«A luz que brilhava tão intensamente
foi agora arrancada dos meus olhos.
E embora nada possa devolver os momentos
do esplendor na relva e da glória na flor,
não sofreremos, melhor
encontraremos força no que ficou para trás»
Mas a cena-chave, por ser a súmula de todo o filme, é a aula de literatura, na qual Dean Loomis é forçada pela professora a ler e a interpretar o poema de Wordsworth de pé, perante toda a classe. Numa folha da Cinemateca, João Bénard da Costa descreveu tal cena com a mestria que o caracterizava. Aqui fica a transcrição:
«Sirvo-me do exemplo mais conhecido, também ele poético, e que dá o título ao filme. No liceu de Natalie Wood (onde ela entrava sempre com três livros apertados ao peito, um deles de capa azul), a aula de literatura, nesse dia, não era sobre “Os Cavaleiros da Távola Redonda” mas sobre Wordsworth e a “Ode of Intimation to Immortality”. Deanie / Natalie chegava de vestido grenat muito escuro, gola de rendas. Todas as colegas sabiam - e ela também, embora ninguém lho tivesse dito - que Bud / Warren, incapaz de separar por mais tempo o desejo e o amor, tinha enganado, na véspera à noite, a fome do corpo dela, no corpo de Juanita (Jan Norris), única da turma que não se ficava pelos beijos. Nada seria mais, para eles, como antes fora. Como também se diz no filme (noutro contexto), Deanie trazia, debaixo do vestido, o primeiro golpe na sua própria carne.
E é quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe perguntar o que é que o poeta quis dizer com os versos famosos: «No, nothing can bring back the hour / the splendor in the grass, the glory in the flower.» Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta ou - a esse nível - só há a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que o poeta quis dizer. O que conta, o que o poeta quis dizer, é o que Natalie só naquela altura sente e sabe, ou pressente e entrevê. Por isso, o que conta e o que o poeta quis dizer é o espantoso traveling que arranca Deanie ao lugar e a põe diante da professora atónita, depois aquele outro em que sai a correr da aula e nos atira com a porta na cara e, por fim, esse plano em que a vemos sózinha, na profundidade de campo do corredor do liceu, até ir parar à enfermaria. Nesse minuto de cinema, sabemos, para além das palavras que «that radiance that was once so bright / Is now forever taken from my síght.»
ALGUMAS CURIOSIDADES:
- Apesar de Kazan ter preferido rodar o filme no Kansas (onde decorre a história no romance de Inge), razões económicas forçaram-no a filmar unicamente no estado de Nova Iorque. As cataratas são as de High Falls de Catskills e o edifício de Yale é na verdade o City College de New York.
- Jane Fonda (24 anos) e Lee Remick (26 anos), chegaram a fazer testes para o papel de Deanie Loomis, mas foram consideradas demasiado maduras. Também Dennis Hoper chegou a ser equacionado para o papel de Bud Stamper. Pat Hingle, o actor que faz de pai de Bud, era apenas 13 anos mais velho do que Warren Beatty.