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quarta-feira, julho 29, 2015

POINT BLANK (1967)

À QUEIMA-ROUPA
Um filme de JOHN BOORMAN



Com Lee Marvin, Angie Dickinson, John Vernon, Keenan Wynn, Carrol O'Connor, Lloyd Bochner, Michael Strong, Sharon Acker, etc.

EUA / 92 m / COR / 16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA: 30/8/1967
Estreia em PORTUGAL: Lisboa (cinemas Condes e Roma) 18/5/1968

À primeira vista, tudo nos diz que se trata de uma simples história de gangsters. A publicidade é quase isso que sugere, a figura de Lee Marvin não a desmente. A história é tradicional (extraída de um romance de 3.a ordem de Richard Stark) - Walker participa num assalto a convite do seu melhor amigo, Mal Reese (John Vernon, na sua estreia no cinema). Um desentendimento de processos cria a ocasião: Walker é traído pelo amigo, que o deixa quase morto, e pela mulher, que o abandona. Mas Walker resiste, recusa a morte. E lentamente, reconstruíndo-se como rosto, reconstruíndo-se como corpo, reajustando os fragmentos duma experiência interrompida, recompondo a realidade desfeita, lentamente Walker regressa, lentamente prepara a vingança. É essa peregrinação solitária, ou quase, que o filme nos descreve: furiosa, obsessiva restituição das coisas à sua verdade justa. A traição desequilibrara os eixos da realidade. Walker percorre o real (corredores, ruas, cidades) para lhe atribuir o equilíbrio perdido. Lutando contra uma engrenagem que o despreza e ignora, WaIker opõe-lhe o desespero da sua solidão. Mas (sabemos nós) ao lutar  contra a engrenagem é a engrenagem que o move; a sua vingança, livremente executada, teve afinal a necessidade de um mecanismo de precisão. Novamente a realidade se desequilibra, novamente ela se estilhaça: mas Walker descobriu no amor o eixo frágil mas imenso duma verdade suspensa.


Se quisermos fazer o elogio de "À Queima-Roupa" teremos de analisar os vários elementos que contribuem para a sua qualidade. Em primeiro lugar, este filme tem um peso específico, uma textura própria, que o torna denso e opaco. As imagens nunca estão reduzidas à categoria de instrumentos para contar uma história, mas funcionam como pedaços de uma realidade irredutível a qualquer esquematismo ou significação. Cada sequência possui uma força íntima que nos esmaga pela sua energia e riqueza transbordantes. Dos objectos aos rostos, dos gestos às palavras, tudo tem a medida exacta da realidade. Mas esta realidade não é a realidade imediata: é uma realidade construída, é o produto da complexa elaboração de mil factores que a transformam em presença e enigma, em nudez e dissimulação. Para tal contribui certamente um apuradíssimo sentido dos ambientes, a espantosa construção de um espaço que nunca é indiferente, que é sempre, na sua asfixia, no seu desacerto ou desvario, uma das personagens nucleares de toda a obra.


Acentuemos ainda os elementos de irrealidade que marcam a primeira parte do filme. Boorman utiliza com mestria uma banda sonora extremamente trabalhada, e o resultado é a desarticulação do real, é a multiplicação do presente numa pluralidade de tempos. Recordando para a vida, Walker não sabe distinguir o presente do passado, o actual da recordação. Isso permite uma desagregação das coordenadas do espaço e do tempo. E uma vez que não há em Walker a mais leve sombra de «vida interior», uma vez que toda a «psicologia» foi banida em benefício duma análise rigorosa dos comportamentos, as recordações não aparecem com a auréola poetizante que lhes é tradicional. A recordação e o presente coexistem, fundem-se, sobrepõem-se numa violência quase insuportável.


Por outro lado, o que nos fascina são as várias obsessões que cortam transversalmente o itinerário linear do filme. A sua insistência acaba por produzir um clima ambíguo, mórbido, exaltante, sedutor, terrível na sua intensidade. De uma boite  enlouquecedora a um corredor sem fim, de uma multidão que é preciso atravessar às águas como obstáculo a transpor, do encontro serenamente desenhado pelo vento ao grito selvagem da separação e da morte, em tudo este filme nos perturba, e envolve, e enleia. Acrescentemos ainda que Boorman soube reduzir as personagens às suas dimensões físicas, destituindo-as de qualquer dimensão «psicológica». E é nessa redução que elas se humanizam, que elas se esquivam aos modelos do drama tradicional e se nos impõem na sua ambiguidade inteiriçada e convulsiva. Boorman não insufla suplementos de alma aos seus intérpretes; ensina-os a dominarem o corpo, a existirem como corpos que existem num espaço.


Há ainda a violência. Mas essa violência é linguagem. Porque Walker perde o sentido da realidade e só o recupera através da violência. É vê-lo entrar numa casa, de pistola em punho, animal ofegante de espanto, frágil até na sua solidão e desamparo. É vê-lo depois, na cedência do amor (que é um desvio que pode dar sentido a esse plano), na fadiga das cenas finais, no seu olhar exausto. Walker utiliza a violência como a única linguagem de que dispõe para reconstítuir o seu mundo. E se disséssemos também que "À Queima-Roupa" é um filme feito de ternura, com a presença obsessiva do mar, com a ondulação dos gestos, com a alegria pressentida no traço balanceado da câmara lenta? Porque douce est la parole de l' eau (escreveu um dia Tzara, poeta).


Walker, um dos personagens mais cool da história do cinema, é Lee Marvin, compacto, maciço, esmagador, num desempenho talhado à sua medida. A seu lado, Angie Dickinson, para além de todo o sex-appeal que sempre lhe foi reconhecido, revela-se uma espantosa actriz, especialmente em duas sequências (a cena de amor simulado com Reese e a luta impotente com Walker). Quando os olhos dela se alargam imperceptivelmente em ternura e serenidade, nós sentimos que a sua beleza tem a rara qualidade de nos comover. Há ainda Sharon Acker (a mulher de Walker), com um monólogo esplêndido, pela contenção com que é dito, e pelos silêncios de Lee Marvin, que o entrecortam. É talvez um dos mais belos momentos do filme.


CURIOSIDADES:

- Primeiro filme rodado na ilha de Alcatraz, após o encerramento da prisão em 1963.

- A mansão onde Walker se encontra com Brewster, situa-se em Hollywood Hills, e foi alugada de propósito para o filme. Foi nesta mesma casa que Os Beatles se hospedaram quando visitaram Los Angeles. O nome da rua inspirou uma canção dos Fab 4: "Blue Jay Way", composta por George Harrison em 1967.

- Este mesmo argumento, da autoria de Richard Stark (pseudónimo de Donald E. Westlake), daria origem a outro filme em 1999: "Payback (A Vingança)", dirigido por Brian Helgeland e com Mel Gibson no protagonista principal.


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terça-feira, fevereiro 11, 2014

DRESSED TO KILL (1980)

VESTIDA PARA MATAR
Um Filme de BRIAN DE PALMA




Com Michael Caine, Angie Dickinson, Nancy Allen, Keith Gordon, Dennis Franz, David Margulies, Susanna Clemm, etc.

EUA / COR / 105 min / 16X9 (2.35:1)

Estreia nos EUA a 25/7/1980
Estreia em PORTUGAL a 5/6/1981


Liz Blake: «Thank god, straight fucks are still in style!»

“Dressed To Kill” é talvez um dos filmes de Brian De Palma que mais acusa a passagem do tempo. E isso apesar de conter duas das melhores sequências do seu cinema: a emocionante perseguição no metro e, sobretudo, todo o encadeamento imagético que se inicia no museu e culmina no assassínio de Angie Dickinson no elevador. Aliás, só por causa desta última sequência vale a pena rever o filme. No entanto, para os detractores do realizador, esta é a obra que eventualmente lhes dará mais razão quando muitas vezes acusam Brian De Palma de copiar descaradamente o cinema de Hitchcock. Na verdade, neste filme em particular, o fantasma de “Psycho” encontra-se omnipresente, não há forma de negá-lo. 


Mas ao contrário da remake de Gus Van Sant, de 1998, em que a obra original era refeita practicamente plano por plano, aqui trata-se sobretudo de recriar situações análogas num novo contexto, ao qual não será estranho o próprio universo fílmico do realizador, que chega a evocar-se a ele próprio. Relembrem-se as sequências que abrem e fecham “Dressed To Kill”, ambas inspiradas directamente no filme “Carrie”, datado de quatro anos antes. Na primeira nem sequer falta o sabonete a rodar por entre as partes íntimas do corpo feminino, e a única diferença é a descoberta menstrual ser substituída pelo prazer masturbatório. Na última tenta-se recriar o mesmo sobressalto final, sem contudo se conseguir atingir a mestria desse filme. Aliás, o que em “Carrie” era genuíno e inovador, aqui não vai além de uma cópia algo grosseira.


No número saído a 16 de Outubro de 1980 a revista Rolling Stone interrogava-se: «Brian De Palma: the new Hitchcock or just another rip-off?» - uma pergunta que durante alguns anos pairou no pensamento da maior parte dos críticos (e que se calhar ainda não obteve uma resposta conclusiva de muitos deles). Pessoalmente, julgo que, influências à parte (de que ninguém se pode isentar), De Palma conseguiu o seu espaço próprio, quer na estilização quer na técnica com que tem adornado os seus filmes. À semelhança do seu mentor, De Palma coloca-se quase sempre a uma distância irónica das suas histórias. Sem a arte ou o classicismo do mestre, como é evidente, mas com um sentido satírico ainda mais profundo. Ou seja, subverte frequentemente as suas personagens, tornando-as quase caricaturas do american way of life. Vejam-se por exemplo, neste “Dressed To Kill”, as figuras do cínico inspector Marino ou dos hooligans do metro.


Em “Dressed To Kill” o sexo encontra-se presente ao longo de toda a trama e não sómente nas cenas mais ou menos explícitas, como a já citada sequência de abertura. Na verdade, é toda uma tensão erótica que atravessa o filme do princípio ao fim e que se encontra subjacente a todos os episódios nele contidos. De Palma aborda sem qualquer prurido numerosos aspectos da sexualidade, que vão dos comuns e naturais aos mais particulares e secretos - desde a evocação dos jogos de sedução (mais uma vez de realçar a famosa sequência do museu) ao adultéro, à masturbação, ao voyeurismo, ao strip-tease, à prostituição. Nada fica de fora, nem sequer um certo tipo de pedofilia, levemente sugerida na relação entre Liz (Nancy Allen) e Peter (Keith Gordon). Até a música sensual de Pino Donaggio foi escolhida intencionalmente para enraizar todas estas variantes do sexo no espírito do espectador.


“Dressed To Kill” pode por isso ser considerado um thriller erótico, assente numa arquitectura emocional, que mistura uma mestria refinada com pinceladas, aqui e ali, de um certo mau gosto. Angie Dickinson, uma das razões pelas quais a revisão de “Dressed To Kill” continua a cativar, mostra à saciedade a razão pela qual sempre foi associada ao erotismo no cinema, mesmo que tenha sido dobrada nos momentos mais explícitos, como na cena do duche. Ao seu lado é gratificante reencontrarmos o sempre perfeito Michael Caine ou os habitués dos filmes de Brian De Palma, como Dennis Franz (aqui no papel do detective Marino) e a sempre sensual Nancy Allen (na altura casada com o realizador). De referir ainda a presença de Keith Gordon, futuro realizador e herói de “Christine”, de John Carpenter.


CURIOSIDADES:

- Os exteriores da sequência do museu foram rodados em Nova Iorque, ao passo que os interiores mostram o Museu de Arte de Filadélfia. O quadro do gorila (intitulado “Reclining Nude”) encontra-se hoje no gabinete do gerente do museu.

- Brian De Palma chegou a oferecer o papel do Dr. Robert Elliott a Sean Connery, que com muita pena sua não pôde aceitar, devido a compromissos já assumidos na altura.

- Angie Dickinson declarou no programa televisivo “The Tonight Show” que o papel desempenhado neste filme (com uma duração total de apenas 20 minutos) era o seu favorito de sempre. A actriz tinha 48 anos quando filmou “Dressed To Kill”.

- Em todas as cenas (excepto no final, em casa do Dr. Elliott), a personagem da psycho-killer Bobbi é interpretada por Susanna Clemm, que também desempenha o papel da detective Luce.