Um Filme de BILLY WILDER
Com Jack Lemmon, Juliet Mills, Clive Revill, Edward Andrews, Gianfranco Barra, etc.
EUA-ITÁLIA / 144 min / COR /
16X9 (1.85:1)
Estreia nos EUA a 17/12/1972
Estreia em Portugal a 11/10/1973
(cinema S. Jorge)
speaking a foreign language.
I just wish they'd all speak the same foreign language»
Uma das melhores características dos filmes de Billy Wilder é o nunca se saber se deverão ser catalogados como dramas ou como comédias, embora sejam invariavelmente muito divertidos. Herdeiro directo de um Lubitsch que venerava, Wilder sempre se divertiu a sublinhar os aspectos mais frágeis da natureza humana. “Sabrina” (1954), “Love in the Afternoon” (1957), “The Apartment” (1960) ou “The Fortune Cookie” (1966) constituem pinturas da cobiça e da ambição do poder de rara dureza, dentro da comédia americana. Por outro lado, em filmes como “The Seven Year Itch” (1955), “Some Like It Hot” (1958), “Irma La Douce” (1963) ou “Kiss Me, Stupid” (1964), o que se encontra em destaque é a visão muito pouco lisonjeira de Wilder relativa à atitude dos seus concidadãos perante o sexo.
Este “Avanti!” de 1972 (um filme que me traz uma rara e estranha sensação de felicidade sempre que o revejo - e por isso o amo incondicionalmente) tem um pouco de tudo, é uma brilhante e deliciosa comédia romântica, pincelada de humor negro, e onde Wilder corrosivamente se ri (e nós com ele) dos clichés que povoam as mentes dos cidadãos americanos. Quinta colaboração de I.A.L. Diamond e Jack Lemmon com Wilder, “Avanti!” é baseado na peça homónima de Samuel Taylor e fala-nos da viagem dum industrial de Baltimore, Wendell Armbruster III (Jack Lemmon) à ilha de Ischia, em Itália, onde vai buscar o corpo do seu pai, recentemente falecido num desastre de viação. Lá chegado, descobre atónito que no veículo sinistrado se encontrava a amante do pai, também falecida, e cuja existência desconhecia por completo. Rapidamente se apercebe que não se trata de um caso esporádico mas que efectivamente existia uma longa relação de dez anos entre os dois, que todos os anos se encontravam no mesmo hotel, onde já eram figuras populares, respeitadas por todo o pessoal. Irritado por essa inesperada revelação e pela lentidão da burocracia italiana, Wendell tem ainda que lidar com Pamela (Juliet Mills), a filha dessa mulher, que insiste para o casal ser enterrado lado a lado em solo italiano. A intransigência inicial de Wendell vai esmorecendo no contacto diário com Pamela, acabando por se transformar numa nova relação de amor que no futuro irá prolongar a história dos respectivos progenitores.
Mesmo com toda a indulgência do mundo dificilmente se percebe porque é que este magnífico filme de Wilder foi considerado durante anos como uma comédia menor do realizador. Na verdade estamos perante uma atmosfera melancólica e nostálgica, que poderia parecer pouco propícia ao desenvolvimento de uma comédia clássica. Mas tal não impede(antes pelo contrário) que “Avanti!” seja uma das melhores e mais ácidas sátiras de Wilder, e simultâneamente uma comédia romântica e delicada, que se atravessa docemente com um sorriso permanente. Ao longo de duas horas e vinte minutos o lado sórdido do poder, dos compadrios e da corrupção anda de braço dado com a ligeireza contagiante de uma história de amor. Só um grande cineasta, na posse total da sua criatividade, poderia conciliar dois lados tão antagónicos e revertê-los num fabuloso ensaio cinéfilo. Um filme claramente à frente do seu tempo, tendo sido por isso mesmo um rotundo fracasso de bilheteira, a ponto da obra se ter eclipsado durante tanto tempo. Hoje basta vê-la de novo para comprovar toda a sua genialidade.
A propósito de um dos grandes momentos deste filme, a cena passada na morgue, onde toda a subtileza de Wilder se revela na sua arte de misturar o cómico com o trágico, a ternura e a sátira, a ferocidade e o pudor, dou a palavra a João Bénard da Costa, que numa das suas exemplares “folhas da Cinemateca”, escreveu: «Se pensarmos friamente – tão friamente como Wilder dá a ver naquela radiosa paisagem – não há casal menos atraente do que o que se estabelece entre Lemmon e Juliet Mills. Por alguma razão, estão ligados por cadáveres (os do respectivo pai e da respectiva mãe) e tudo começa, para eles, numa morgue. Eles próprios cheiram tanto a morte como o Barão das enfermeiras e o que os leva um para o outro nada tem de redentor. Querem três exemplos (todos geniais)? O primeiro pode ser o do banho matutino, com o “strip tease” algo obsceno de Miss Piggott e as cuecas perdidas por Lemmon. Quando os dois se aquecem ao sol, no rochedo, não são propriamente Adão e Eva perdidos – ou achados – no paraíso, mas dois corpos de quarentões flácidos em que o erotismo não será seguramente valor predominante. Talvez por isso Lemmon tanto se indigne com as fotos da “Polaroid”, embora, depois de as rasgar, guarde perversamente um bocadinho.
Segundo exemplo é a transferência de Miss Piggott do Quarto 126 para a Suite 121-122. Antecedida pelo passeio matinal da dita carregado de pormenores equívocos (as freiras e o “Love Story”, os quatro gelados todos para ela, etc.) a pujante Pamela entra exultante no quarto de Lemmon, até perceber que só a espera mais uma humilhação. Mas não era uma questão de peso, era uma questão de altura e a balança fatal se encarrega de compensar essa falta de tamanho. E ao segundo “avanti” é de vez, com Juliet Mills a ensinar a Jack Lemmon algumas coisas que provavelmente a mulher nunca lhe ensinou. Ensinamento que tem suprema ilustração no mais perverso plano do filme: Jack Lemmon a receber na cama já compartilhada o telefonema do homem do State Department e o rosto de Juliet Mills espelhado nas costas da cama revelando uma posição mais do que “comprometedora”. E há um pijama dividido ao meio: para ele as calças, para ela o casaco.»
O grande legado de “Avanti!” é a sua simplicidade, o modo fácil com que nos coloca um sorriso na alma, lembrando-nos da beleza do mundo e como a vida pode ser agradável se disfrutada de braços abertos. No princípio Jack Lemmon é um homem de negócios, apressado e rude, que viaja para Itália apenas porque o sentido do dever o impele a fazer tal viagem. No fim do filme é um homem bem diferente aquele que regressa, um convertido romântico em busca do melhor que o futuro lhe poderá trazer ainda. O mesmo ocorre com Juliet Mills. A inglesa infeliz e paranóica com a obsessão das dietas transforma-se numa mulher linda e radiosa, com os mesmos anseios de Lemmon pelos prazeres descobertos.
No final o caixão do pai de Wendell regressará a casa mas com um ocupante diferente lá dentro. No enterro, já em solo americano, Lemmon fará provavelmente o pio descurso que tanto ensaiou. Por outro lado Miss Piggott regressará a Inglaterra onde voltará a ser caixeira onze meses por ano. Mas antes das respectivas partidas ambos selam a garantia de no final desse tempo voltarem a usufruir de uma felicidade conjunta, nem que seja por apenas um escasso mês de ilusão milionária num hotel de luxo de Itália. E não será essa meta de excepção, continuamente renovada, a chave da verdadeira felicidade?
CURIOSIDADES:
- Juliet Mills, irmã mais velha de Haley Mills, engordou cerca de 12 quilos para desempenhar o papel de Pamela Piggott. Foi a única intervenção digna de registo da actriz no mundo do cinema, visto ter-se especializado, ao longo da carreira, em papéis de séries televisivas.
- Jack Lemmon ganhou o Globo de Ouro na categoria Musical / Comédia, tendo o filme sido nomeado para mais 5 Globos: Filme (Musical / Comédia), Realizador, Actriz (Musical / Comédia), Argumento e Actor Secundário - Clive Revill.