Título: a máquina de fazer espanhóis
Autor: Valter Hugo Mãe
N.º de Páginas: 312
PVP: 17€
Sinopse:
Esta é a história de quem, no momento mais árido da vida, se surpreende
com a manifestação ainda de uma alegria. Uma alegria complexa, até
difícil de aceitar, mas que comprova a validade do ser humano até ao seu
último segundo. "A Máquina de Fazer Espanhóis" é uma aventura irónica,
trágica e divertida, pela madura idade, que será uma maturidade
diferente, um estádio de conhecimento outro no qual o indivíduo se
repensa para reincidir ou mudar. O que mudará na vida de antónio silva,
com oitenta e quatro anos, no dia em que violentamente o seu mundo se
transforma?
A minha opinião:
A máquina de fazer espanhóis marca a minha estreia na escrita de valter hugo mãe. Desrespeitando completamente os sinais de pontuação e as maiúsculas no início de cada frase e no nome das personagens em muito me fez lembrar Saramago, mas o que podia ser uma coisa contra em relação á leitura deste livro, tornou-o bastante agradável e especial. Resultou na perfeição.
O livro conta a história de alguns dos 93 utentes de um lar, o lar da feliz idade, protagonizados por António Silva, um velhote de 84 anos que ali é depositado quando a sua mulher, Laura, morre. O que inicialmente é tido como uma afronta da sua família, que no entender dele não o quer mais, o lar acaba por ser um espaço de convívio, de troca de impressões e de histórias do passado, onde o sr. silva trava amizades com as mais diversas personagens.
Cruzamo-nos assim com homens e mulheres que conheceram, ou não, Fernando Pessoa tendo servido de inspiração para o seu poema A Tabacaria, Eugénio de Andrade, Cubillas, mas também nos deparamos com o inspector Jaime Ramos e o inseparável Isaltino de Jesus, personagens dos policiais de Francisco José Viegas.
Mas é sobretudo no sr. silva, no sr. antónio silva já que o apelido silva é partilhado por muitos dos utentes, que nos vai desenrolando a maior parte das suas memórias, tempos do Estado Novo, de um grande amor pela sua laura, da ingratidão dos seus filhos, um que está na Grécia e que nunca o visita nem telefona e de uma Elisa que o traiu colocando-o naquele local.
Pelo lar feliz idade vão passando amigos, vão morrendo amigos, mas vai-se vivendo...
A máquina de fazer espanhóis, dedicado ao pai de valter hugo mãe que não teve oportunidade de viver a terceira idade, é uma mordaz crítica à sociedade. À sociedade passada, mas também à actual que deixa os velhos num novo lar e se esquece de os visitar, de conviver com eles, de aprender com eles.
Este foi o primeiro livro que li de valter hugo mãe, mas de certeza não será último. Muito bom.
Excerto:
"com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutria pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu, devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem, senhor silva, vamos levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante."