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quinta-feira, maio 08, 2025

Quase toda a vida dentro de uma mala...


Há pessoas que nos habituamos a cumprimentar, diariamente, apenas porque nos cruzamos quase todos os dias nos nossos bairros. Não sabemos nada delas, nem temos grande curiosidade em saber mais coisas...

Era o que acontecia com o homem que costumava estar à janela a fumar, com quem compartilhava o vulgar bom dia e boa tarde, sem qualquer sinal de fardo.

Um dia vi os bombeiros à volta da casa... E claro, na mercearia do bairro vim a saber que o senhor era um "acumulador" e que fora levado para um lugar qualquer, enquanto despejavam e limpavam a sua habitação. Depois fizeram obras e hoje tem novos inquilinos...

Meses depois vi-o, na paragem do metro, cumprimentámo-nos, como de costume, apenas com um boa tarde. Estava mais magro e vestia de negro. Fiquei a pensar que podia ter trocado duas ou três palavras com ele, mas. Pois, há sempre um mas...

Há uns tempos comecei a ver um homem, que anda sempre com boné e barba crescida, com bengala e uma mala de viagem, sentado em bancos públicos ou nos da estação do metro da Gil Vicente, onde pernoitava. Não o achei familiar (está ainda mais magro e a barba crescida também o transfigura...).

Foi a minha companheira que me disse quem era o senhor. A princípio não acreditei, mas uma amiga comum, que trabalha numa pastelaria, oferece-lhe diariamente o pequeno-almoço. Hoje olhei-o com mais atenção, e sim, é ele...

As nossas vidas estão longe de serem lineares. Por isto ou por aquilo, há quem escolha "não ter família", apagando todos os laços que existem. É possível que não ande assim tão longe da realidade deste homem, que agora, guarda quase toda a vida dentro de uma mala, que nunca larga...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


sábado, abril 12, 2025

Pensamentos em volta do encontro de três homens na mercearia de bairro...


Ao sábado de manhã, uma das coisas que cá em casa se faz, é o primeiro que se levanta ir à mercearia comprar um pão alentejano do Cercal para comermos ao pequeno-almoço.

Mas não é sobre a delícia deste pão que quero falar, é com o facto de à hora que cheguei (deviam ser umas nove e um quarto, mais minuto menos minuto) estar lá e senhor e logo a seguir a mim, apareceu outro.

Se eu acabei por levar apenas o pão, o fiambre e um pouco de presunto espanhol (para experimentar, o bom do moço da mercearia tem estas coisas, consegue que se leve sempre mais qualquer coisita...), os outros dois companheiros de aventuras tinham uma lista extensa de compras.

Fiquei a pensar que, mesmo que se finja que não, muita coisa mudou. Este quadro era impossível há trinta anos (não vou recuar meio século...), a mercearia era um espaço de mulheres, os homens só lá apareciam para comprar alguma urgência de última hora, que faltava para o jantar (e nem todos...), nunca com uma lista nas mãos.

É por isso que me faz confusão a volta que estão a querer dar ao mundo, muitas vezes com a cumplicidade das próprias mulheres (os espectáculos mais horríveis do Parlamento têm como intérpretes, as mulheres do Chega contra as outras mulheres dos outros partidos, ao mesmo tempo que se deixam manietar por aquele grupo manhoso de falsos "marialvas").

Se não estivéssemos a viver tempos de perdas de direitos, em que se coloca quase tudo em causa, talvez não pensasse desta forma, a partir de uma coisa tão simples, como foi o encontro de três homens na mercearia de bairro...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, março 30, 2025

O "comércio justo" é bom, mas o "comércio simpático" ainda é melhor...


Fala-se aqui e ali do "comércio justo", mas do que eu gosto mesmo, é do "comércio simpático".

Nem sei por onde comece. Não é que sejam muitos, eu diria até que, são do clube dos "poucos e bons".

Apesar do Manel da mercearia do bairro se esticar um pouco com os preços, é de uma simpatia a toda a prova. Não é por acaso que há algumas avós que vão lá só para "namorar" com o jeitoso do moço, que nasceu para atender pessoas. Também é bastante culto (formado em gestão, ficou com a loja dos pais, no período complicado do pós-troika), ou seja, tem conversa para toda a gente.

Depois desço à Gil Vicente, onde tenho pelo menos quatro cafés à minha disposição. Curiosamente, nem sempre vou ao que tem melhor atendimento, graças à Soraia, porque tenho de atravessar a rua e nem sempre o faço (o piloto automático leva-me vezes demais na direcção do "Repuxo", mais pelo peso histórico da primeira tertúlia cultural que frequentei, que pelo "atendimento", que deixa muito a desejar, porque  há quem esteja sempre a fazer um "frete ao cliente" e deixe o sorriso em casa.

Continuo na direcção de Cacilhas e entro na "melhor farmácia do mundo". Sim, são quatro os funcionários (três "elas" e um "ele"...), além do sorriso e das palavras agradáveis que oferecem a quem chega, tentam resolver todos os problemas, nunca nos mandam para a concorrência. Penso que acabam por ser vítimas da simpatia, deve haver quem lá vá, só para se sentir bem atendido e ter "uma prosa", sobre um dor qualquer.

Sobre Cacilhas, estamos conversados. 

Depois subo a Almada e entro no "Olivença", que mesmo sem ter nada de especial como restaurante, tornou-se quase familiar, muito graças ao Carlos, que recebeu de braços abertos a nossa cada vez menos expressiva, "Tertúlia do Bacalhau com Grão", no primeiro dia da semana.

Falta falar da loja de fotocópias que frequento, no centro de Almada, há mais de vinte anos. Falo de um casal daqueles que já não há (o Carlos e a Maria José). Além da simpatia e do serviço de excelência, são de uma honestidade que também já se usa pouco nestes tempos estranhos.

Antes de acabar esta pequena crónica, escrita por ser adepto do "comércio simpático", ainda fiquei a pensar se esquecera alguém. Acho que não. Claro que há mais pessoas que sabem receber, com a Carla dos "óculos" ou o casal simpático da tabacaria mais pequena de Cacilhas, mas não sou um cliente tão assíduo como nos outros lugares.

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sábado, março 22, 2025

Encontro na cidade quase deserta...


As mesas e as cadeiras mantiveram-se em cima umas das outras, mais um dia, nas duas esplanadas que fazem concorrência ao vazio, na Gil Vicente.

Compreende-se: faz sol, depois frio, chove, o vento está por aí, algures, atrás de uma nuvem, dá um sopro ou dois e depois esgueira-se, para outra rua. 

As pessoas ficam por casa, mesmo que seja sábado à tarde. Hoje não é dia do "chá das velhas"...

Foi por isso que gostei de ver o Carlos Alberto, com os seus quase noventa anos, a caminhar em direcção a casa, depois de beber a bica no café que fica ao lado do meu. Gosto do serviço mas a bebida escura é fraquita pelo que vou à concorrência.

Não foi difícil apanhar o Carlos, com o seu andar lento, apoiado com uma canadiana. Disse-lhe que gostei de o ver, sem medo de ser levado pelo vento. Ele sorriu e disse que, tem de ser, tem de sair de casa, todos os dias, nem que seja apenas para beber café...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


quinta-feira, março 13, 2025

Uma manhã bem passada na escola...


Hoje passei parte da manhã numa escola do primeiro ciclo, na companhia de duas turmas do quarto ano.

Fui convidado para falar sobre a Liberdade de Expressão e de Informação, ainda no âmbito da comemoração dos 50 anos da Revolução de Abril (pelas professoras Ângela e Edite).

Acabou por ser uma sessão bastante gira e viva, com largas dezenas de perguntas feitas por aquelas crianças curiosas (a maior parte das perguntas foram feitas por miúdas...).

Falámos de muitas coisas, do antes, e do depois de Abril. Começámos pelos jornais com censura, trazendo quase colados, o Salazar, o Marcelo e a PIDE. E depois veio a liberdade, o PREC - com os usos e abusos próprios das revoluções - o 25 de Novembro. E também falámos de coisas destes nossos tempos, no mínimo estranhos...

Graças às perguntas foi possível aprofundar mais algumas coisas, como a "arte de driblar" a censura, escrevendo pelas entrelinhas. Também falámos dos livros proibidos e apreendidos. O grande Zeca e a sua "Grândola"  e os "Vampiros" apanharam boleia, também quiseram estar presentes, para "animar (ainda mais) a malta".

Quiseram saber como tinha sido o meu 25 de Abril... E eu disse que foi um dia sem escola, a brincar no quintal da minha casa, com a minha mãe presa à rádio, a querer saber as últimas novidades da Revolução. Foi quase um dia normal, tirando a parte de não haver escola, não fosse eu um rapaz de apenas onze anos...

Gostei da manhã passada na escola, e penso que a miudagem também gostou de ficar a saber mais coisas (curiosidade foi coisa que não lhe faltou...) de Abril.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quarta-feira, fevereiro 19, 2025

Nem sempre temos noção "do que é sofrer"...


Ainda não me tinha acontecido uma coisa parecida, nas ruas, uma senhora chamar-me e pedir-me o braço.

Voltei atrás, sem perceber muito bem o que ela queria. 

A senhora só queria chegar a casa e devia estar com alguma dificuldade, embora morasse apenas a setenta, oitenta metros daquela esquina. 

Dei-lhe o braço de uma forma desajeitada, ela disse-me para deixar o braço normal e depois agarrou a manga do meu casaco e seguimos na direcção da sua casa. Para me descansar e perceber que não morava no fim da avenida, disse que ficava ao lado dos "Pinto's (barbearia)".

E depois nunca mais parou de falar. Fiquei a saber que estava cega de uma vista e da outra tinha um glaucoma e outro problema qualquer, ou seja devia ver pouco mais que sombras... Também me falou de um tratamento inovador, que usava o seu próprio sangue. Fiz-lhe poucas perguntas, uma delas foi se vivia sozinha. Disse-me que vivia com uma senhora de 93 anos. Quase que me silenciou...

E depois chegámos à sua porta. Tinha um carrinho de compras, tentei ajudá-la, foi quando percebi que estava carregado. Ela disse-me que não era preciso, acrescentando que o carro era a sua "bengala".

Deixei-a e fiquei a pensar que nos queixamos de mais, e que nem sempre temos noção "do que é sofrer"...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quarta-feira, dezembro 04, 2024

Eles não sabem, mas o teatro é o exagero da realidade...


A maior parte da gente que o conhece, não percebe nem olha com bons olhos para a sua paixão pelo palco.

As conversas quase de ouvido, têm quase sempre apenas um sentido, a sua vaidade pessoal, o querer exibir-se, o querer mostrar-se, em qualquer palco.

Esquecem a sua vontade de ajudar, o querer estar, o querer fazer, a aceitação de qualquer papel mesmo que seja de um simples figurante, como o de um actor amador menor, que ficou no "anedotário local", por causa da mulher. Falo do Tó da Mutela, que também gostava de tudo aquilo, de estar ali ao lado de todos aqueles homens e mulheres com muito mais jeito que ele para a arte de talma.

Quando me contaram a história da "queda em palco", sorri e lembrei-me logo do Tó...

Sim, é histórica a frase da sua mulher após a estreia. Depois de lhe fazer o jantar mais cedo, vê-lo sair de casa e passar os serões a ensaiar a nova peça do grupo cénico, meses seguidos, disse: «Tanta merda para isto? Para atravessares o palco, três vezes, de um lado ao outro, e dizeres apenas boa noite?», insistindo, irritada, «para dizeres uma merda de um boa noite, não era preciso ensaio nenhum.»

Claro que era preciso ensaio. Mas eles não sabem, nem sonham... 

O Tó tinha de conhecer a deixa, tinha de saber o caminho que iria percorrer, de um lado para o outro, no palco. Bastava um precalço para tornar o drama numa comédia...

O que ela nunca percebeu, foi a paixão do seu homem pelo palco, o querer estar ali, participar, nem que fosse apenas para ver os outros. 

Talvez preferisse que ele passasse os serões na taberna (lá não havia mulheres) e não no ensaio...

Foi por isso que percebi a frase do encenador, quando dois ou três elementos do grupo, o criticavam: «Dêem-lhe espaço, deixem-no ter o seu momento, deixem-no cair, sozinho...» 

O papel que fazia, era de um amante, que acabava assassinado em palco. Achavam que ele não caia com naturalidade, fazia um espectáculo dentro de um espectáculo. 

Eles fingiam não perceber que o teatro é isso, é o exagero da realidade...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, outubro 17, 2024

As pessoas que dizem graças (e têm graça) com o ar mais sério do mundo...


Eu até aquela tarde, apenas o conhecia de vista, e estava longe de ter a melhor opinião do mundo de alguém, que ainda pertencia à família do "Má Língua" (Este senhor fazia as delicias da malta quando aparecia nas assembleias gerais da Incrível e tentava virar as coisas de "pernas para o ar").

Mudar de opinião foi apenas uma questão de minutos...

E eu nem achei piada a forma como ele se sentou junto a nós, ocupando a cadeira vaga como se já fizesse parte do "mobiliário"...

Deve ter percebido o meu incómodo e foi por isso que me obrigou a baixar "a guarda", ao começar a falar de um amigo comum, sem se esquecer de demonstrar, aqui e ali, que sabia mais coisas de mim que eu dele...

Só não sabia que o melhor estava para vir...

Não estávamos tristes, mas com a chegada deste sujeito, que eu achava estranho (e não é das pessoas mais normais do mundo...), a alegria nunca mais nos desamparou. Quase tudo o que ele dizia tinha piada, ainda por cima ditas com o ar mais sério do mundo.

Ele não se limitava a procurar o lado cómico das coisas, como o bom do Dinis chegou a escrever, usava-o, para proveito de todos nós...

Quando regressava a casa, senti-me feliz por ter mudado de opinião sobre uma daquelas pessoas, que pensava ser mais "cinzenta que azul", sobretudo pelo que ouvia dizer por aí.

Ainda bem que o que o que os outros dizem, nem sempre corresponde à nossa verdade...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


segunda-feira, setembro 23, 2024

«É a primeira?»


Talvez ele me quisesse fazer aquela pergunta há mais tempo. Talvez.

Mas naquela tarde, perguntou mesmo, chamou-me e quis saber se aquela mulher era a minha esposa. Disse que sim. E ele, ainda curioso, foi mais longe: «É a primeira?»

E eu respondi com um sorriso: «É a primeira, e única. Faço parte do "clube" dos homens que só casam uma vez na vida.»

Ele devolveu-me o sorriso e despedimo-nos com um até já.

Os nossos cafés ficavam separados por menos de uma vintena de metros. Quando me sentei na esplanada, ao lado da minha companheira, fiquei a pensar na questão, colocada por aquele homem que conhecia há mais de trinta anos. Talvez eu soubesse mais coisas da vida dele que ele da minha. Talvez.  

Curiosamente, ou não, ele pertencia a um "clube" ainda mais restrito que o meu, o dos homens que nunca casaram. 

Havia várias explicações. Mas a única, com alguma lógica, era ele ser demasiado livre para se deixar prender por uma instituição, que fingia fazer as pessoas felizes. 

Quando o conheci, andava sempre bem vestido (ainda anda, continua a usar calça e casaco, mesmo que hoje apenas faça o caminho de casa até ao café...) e sei que tinha duas ou três namoradas, mulheres separadas ou viúvas. Não tinha problemas em afirmar que nunca se metia no meio de casamentos, quando o tentavam colar a algumas senhoras casadas, em algumas brincadeiras de mau gosto. Como homem livre que era, só procurava mulheres livres...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, setembro 20, 2024

«Sou anarquista mas não sou parvo»


Estávamos a falar de comércios, da gente que além de passar o tempo a explorar os outros, ainda se dirige aos clientes como se lhes estivesse a fazer um favor. Normalmente acabam mal. Só conseguem subsistir se não existir concorrência nas proximidades. 

Estava a ouvir e a pensar, Foi o que se passou durante mais de vinte anos na aldeia dos meus avós, até aparecer o vivaço do Tio Zé David, quando abriu o seu "tasco"(naquele tempo estes espaços estavam divididos em duas partes, a mercearia de um lado e a taberna do outro...). Ele além de vender as coisas mais baratas, estava sempre de cara alegre, pronto para animar a festa. 

Eu adorava fazer recados à avó, só para ouvir as suas "graçolas"... 

O outro senhor não fechou a "loja" , apenas por orgulho, mas  foi tendo cada vez menos clientes...

Entretanto o Carlos trouxe para a mesa o exemplo do Fernando, que tinha um café, cuja esplanada abraçou várias tertúlias ao longo dos anos. Houve uma vez um cliente que, depois de mais um aumento da bica, chateado, disse-lhe que se ele fosse um verdadeiro anarquista, não vendia as coisas ao mesmo preço dos outros.

Fernando não era homem para perder tempo com discussões estéreis, por isso limitou-se a dizer-lhe: «Sou anarquista mas não sou parvo.»

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, setembro 04, 2024

Uma cidade suja gerida por governantes cheios de nódoas e (no mínimo) incompetentes...


Um dos problemas mais graves da gestão autárquica em Almada é à falta de limpeza e higiene das ruas.

Além desta coligação contra natura (PS/ PSD) nunca ter resolvido o problema, apesar das promessas eleitorais - logo no primeiro mandado - conseguiu piorar tudo nas ruas e fazer com que a gestão anterior da CDU, se tornasse um bom exemplo (a todos os níveis).

O lixo não se limita aos contentores, ocupa o espaço público que os rodeia. Fica assim dias seguidos, sem que exista qualquer recolha. E o mais grave, é que não se sente a preocupação de resolver o problema com a população (que também está cada vez menos sensibilizada e acha que pode deitar tudo para a rua...). Este "deixa andar", além de ser grave em termos de saúde pública, é preocupante também ao nível da responsabilidade (que não existe...) política. Teoricamente, o pelouro é da responsabilidade do PSD, mas todo o executivo é responsável pelo que se passa nas ruas de Almada.

E nem vale a pena falar da vegetação que cresce por todo lado, meses seguidos, ou dos buracos nos passeios e nas estradas, que são companhia diária dos Almadenses, em praticamente todas as artérias do Concelho.

Tenho alguma curiosidade em saber o que é que esta gente pensa da sua acção governativa (e nem vou falar da cultura e do associativismo, áreas que me são queridas, onde nunca houve tanta falta de apoio ou de iniciativa...). Provavelmente estão preparados para cumprir mais um mandato e deixar tudo ainda pior, do que está, na actualidade...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


segunda-feira, julho 15, 2024

O extraordinário Fernão Mendes (cada vez menos "Minto"...) Pinto


Um dos livros que levei para ler nas férias foi "Na Senda de Fernão Mendes Pinto", de Joaquim Magalhães de Castro.

O autor não só desmonta muitas das falsidades que se foram escrevendo sobre este grande aventureiro, que felizmente se tornou escritor de viagens, quando estes ainda não existiam, como prova a passagem desta figura histórica pela China, Japão e muitos outros orientes. É importante recordar que Fernão viveu os últimos anos da sua vida no Pragal, em Almada, onde escreveu a "Peregrinação".

Neste caso particular, o tempo tem sido amigo do escritor português, pois, ano após ano, o seu registo histórico vai-se valorizando, pela quantidade de informação - cada vez mais respeitada e enaltecida - que nos ofereceu e também pela forma como conta as suas peculiares epopeias, positivas e negativas. Ou seja, afinal não é o "mentiroso" que muitos pensavam e difundiam.

Publico esta fotografia especial, de um amigo que já não está por cá, porque neste ano de 2024, se comemora o centenário do seu nascimento: o também almadense Fernando Barão. Fotografia tirada numa tertúlia histórica de Almada ("As Tertúlias do Dragão", organizadas pela SCALA no Café Dragão Vermelho...), com o Fernando a encarnar com graça e história, o extraordinário Fernão Mendes Pinto.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quarta-feira, junho 26, 2024

Não é nenhuma novidade , de que «há gente para tudo»...


Nunca mais tinha entrado no café. Preferia parar na pastelaria. Mas naquele domingo a pastelaria estava fechada e ele lá entrou, de fugida, no café, para beber a bica da manhã. 

A cara não me era desconhecida. Mas não lhe dei muita atenção, embora tenha percebido que foi atendido com maus modos e foi por isso que mal bebeu o café saiu pela porta fora.

Mal ele saiu, a dona do café começou a "pintar-lhe a manta", dizendo que «Há gente para tudo.»

A minha companheira disse-me que ele morava na Avenida e era deputado, desde as eleições de Março.

«Vejam lá, que o merdas até mudou de penteado e comprou óculos redondos cor pele de tartaruga», continuou a mulher atrás do balcão.

Um dos clientes encostado ao balcão deu a novidade de que o tipo ainda não usara da palavra nos Passos Perdidos. Estava lá apenas a para fazer parte do coro dos "muito bem", assim que alguém acabava de falar, e bater palmas, claro.

«Faz cá tanta falta como a fome!» Insistiu a dona do café.

Entretanto nós saímos, com a sensação de que a conversa estava longe de ter acabado.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, maio 25, 2024

O café que agora era das "velhas"...


Estava ali, quase encostado ao balcão, à espera de um café. As quatro empregadas parece que estavam ali para outras coisas e não para atender clientes.

Sabia que só parava ali porque queria, a praça continuava a ter mais três cafés, um deles até ficava a menos de vinte metros de distância. Só que o café que usavam era fraquito, contrariando a dinâmica do dono, que trabalhava pelas quatro empregadas, que falavam e resmungavam, fingindo que não havia clientes deste lado.

Uma delas queixava-se que o café se tinha tornado no "café das velhas". Olhei de soslaio e vi que ela tinha razão, as mesas estavam cheias delas, com chá e bolinhos, misturados com palavras alegres. Felizmente havia por ali pouca preocupação com os diabetes e com o colesterol.

Pensei que há muito tempo que não me sentava no interior, na tal sala que agora era de visitas das "velhas". Talvez nem fosse má ideia ficar por ali na mesa ao lado, a fingir-me distraído e a escrever o que me apetecia e não me apetecia, nos guardanapos de papel tipo bíblia, roubando-lhes uma ou outra história das suas vidas.

Mas quando olhei para a sala, já com a chávena de café na mão, senti que não era boa ideia. Faltavam-me os amigos de ontem, que também conversavam muito mas faziam menos despesa que aquelas senhoras que ainda tinham roupa de domingo nos armários.

Não. Iria continuar a beber café ao balcão, sozinho. E quando estivesse acompanhado, continuava a preferir a esplanada...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


sábado, maio 04, 2024

Nunca foi tão visível que o povo português "só serve para votar"


Nunca se viveu uma experiência governativa tão surrealista como esta, da AD de Montenegro, com o governo a fingir que tem maioria absoluta pode usar a premissa do "quero, mando e posso" em relação ao parlamento e afins. Quase em "sintonia" está a oposição, que finge que é governo, pois sabe que se há alguém que tem maioria, é ela.

Parece que não há mais mundo, para lá de São Bento. 

Noutros tempos ainda fingiam que tínhamos alguma importância. Agora, brincam de tal maneira com todos nós, que nunca foi tão visível que só servimos para votar.

Sim, não brincam apenas com as forças de segurança, os professores, médicos, enfermeiros ou os oficiais de justiça. Brincam com todos nós.


Passados 50 anos depois de Abril, apetece-me desabafar que, a democracia tem de ser muito mais que isto.

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sexta-feira, abril 19, 2024

A Resistência Almadense e as Bibliotecas Humanas


Voltei a aparecer na sessão da tarde de hoje das "Bibliotecas Humanas" (foi a quarta, é mensal...), cujo tema era a "Resistência Antifascista em Almada", muito graças ao entusiasmo do Luís e do David, os bibliotecários que festejam Abril desta forma, de Janeiro a Dezembro.

Como de costume dizem-se coisas interessantes e pertinentes. Até se questiona o regime actual, que se percebe à légua que se finge mais democrático do que o que é realmente, com novas formas de censura, sem lápis azul, mas com outras subtilezas, próprias deste tempo, cada vez mais estranho.

Já percebi há algum tempo que Almada é um Concelho, que diverge de muitos outros, porque se antecipou vezes demais à história. Foi por isso que falei da sua vocação de resistente, que se mantém bem viva, quase desde a fundação da Nacionalidade, com D. Afonso Henriques. E continuou presente na Crise de 1383, na Restauração de 1640, antecipou o 24 de Julho para 23, na Revolução Liberal, o 5 de Outubro, para 4. E no dia 25 de Abril não antecipou nada, mas saiu descaradamente para a rua, para dar vivas à liberdade, enquanto uma boa parte do país passou este dia agarrado à rádio, fechado em casa...

Ainda bem que somos uma comunidade que, sempre sentiu que tinha mais a ganhar que a perder com as várias Revoluções, que foram mudando o rumo da nossa história.

Nota: Esqueci-me de escrever que no final da sessão cantámos todos a "Grândola Vila Morena" do nosso Zeca e de Abril, em homenagem ao António Policarpo, escritor de Almada, que nos deixara ontem.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


segunda-feira, março 11, 2024

«Quem é esta gente que vive à nossa volta?»


Depois de saber os resultados eleitorais no meu distrito, Setúbal, com o Chega no segundo lugar, fiquei completamente abismado.

Por saber o que está pela frente e por detrás desta força política, a única pergunta que fiz a mim próprio foi: «Quem é esta gente que vive à nossa volta? Quem são estas pessoas que votam num partido assumidamente, racista, xenófobo, conservador e autoritário?»

Mesmo que esteja a divagar um pouco, não me deverei enganar muito.

Provavelmente é o merceeiro da rua de baixo, que usa um bigode fininho e ainda se penteia com brilhantina (onde só entro por necessidade extrema, porque tem sempre os preços mais altos do bairro...); o meu barbeiro, que ainda vive com os "fantasmas do Prec" dentro da cabeça; ou o meu vizinho da frente que vê em cada estrangeiro um bandido...

Só faltava mesmo este partido saltar para o poder, para todos "curarem a tosse" e fingirem-se felizes por a "missa" voltar a ser um acontecimento nacional...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas) 


quinta-feira, fevereiro 29, 2024

Talvez...


Lá fora gritam.

É algo no mínimo estranho, a rua é calma. Por vezes até acaba por ser calma demais.

Espreitei à janela e percebi que era uma confusão familiar de um dos prédios da frente. Nem sequer faltou a cena "agarrem-me se não vou-me a ele". 

Parecia um "arrufo de namorados", com pais metidos ao barulho.

Felizmente, um minuto depois regressou o silêncio.

A rua voltou a ser uma das "mais calmas do mundo"...

Talvez se tivessem sentido intimidados com a curiosidade alheia, com a quantidade de pessoas que vieram à janela...

Talvez tenham decidido continuar a contenda familiar dentro das quatro paredes. 

Talvez...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


quarta-feira, fevereiro 14, 2024

«Lembras-te do "Laranjadas"? O que será feito dele?»


O mundo mudou um pouco por todo o lado.

O Vitor estava na oficina a arranjar um vitrine, quando passou por lá o Dinis, mesmo a tempo de nos interromper a conversa, com as banalidades do costume.

Por saber que muitas das nossas conversas começavam e acabavam na Incrível, começou a falar de quase toda a gente que andava por ali, pelo salão, à procura de qualquer coisa para matar o tempo, enquanto ajudavam a manter de "cara lavada" que era a sua "segunda casa".

De repente soltou quase um grito, para o Vitor: «Lembras-te do "Laranjadas"? - fez uma pausa, para voltar a perguntar - O que será feito dele?»

O Vitor sorriu, lembrava-se muito bem dele, era quase a sua sombra. E era mesmo...

O rapaz que devia ser ligeiramente mais velho que eu, tinha um problema qualquer cognitivo, daqueles que costumamos associar a "fios mal ligados, na caixa dos fusíveis". Mas andava sempre por ali e gostava de ajudar. O único prémio que queria, era um copo de sumo de laranja. Foi por isso que ficou o "Laranjadas".

Ele tinha ido viver para o Alentejo com a mãe, que se reformara e foi à procura das suas raízes... e por lá ficou. Há dez, quinze anos? 

Como o tempo passa...

Gostei de me recordar desta Cidade, que era capaz de tratar os "maluquinhos" como gente quase igual a nós...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, janeiro 18, 2024

"As Bibliotecas Humanas" em Almada e a História (antes e depois de Abril)


Fui convidado para estar presente na primeira sessão de "Bibliotecas Humanas - Antes e Depois do 25 de Abril, Trabalho e Profissões em Almada", como historiador local.

A sessão funcionou como mesa redonda, com os convidados e assistentes em pé de igualdade, para que todos aqueles que quisessem dar o seu testemunho, se sentissem mais à vontade para falar (excelente ideia).

Foram ditas muitas coisas interessantes, também falei sobre a indústria naval e vinícola, sobre as deslocalizações e também sobre uma ou outra profissão, que se foi perdendo no tempo. 

Mas a parte que mais me tocou foi o testemunho de uma senhora, que relatou a sua experiência profissional, com apenas 11 anos, numa fábrica de fiação. Com esta idade colocaram-na à frente de uma máquina, onde acabou por ter um acidente de trabalho, por clara inocência, e falta de responsabilidade. Ela própria assumiu que quem ainda é criança e é obrigada a trabalhar, vê em quase tudo uma possibilidade de brincar (que era o que ela devia estar a fazer, assim como estudar, em vez de estar a trabalhar...).

Nunca tinha pensado neste ponto de vista, das crianças (que se diz que são "homens e mulheres que nunca foram meninos e meninas", a frase não é bem assim, mas assim fica mais justa...) com 10, 11 anos, ainda não terem a cabeça formatada para todas as responsabilidades que lhes eram atribuídas nas profissões que eram "obrigadas" a abraçar, e que por terem uma atitude ainda infantil perante as coisas, deviam ser muitas vezes vítimas de acidentes, completamente escusados.

Houve muitas mais coisas interessantes quer foram ditas, mas só esta valeu pela tarde passada na Biblioteca Municipal de Almada.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)