Era o que acontecia com o homem que costumava estar à janela a fumar, com quem compartilhava o vulgar bom dia e boa tarde, sem qualquer sinal de fardo.
Um dia vi os bombeiros à volta da casa... E claro, na mercearia do bairro vim a saber que o senhor era um "acumulador" e que fora levado para um lugar qualquer, enquanto despejavam e limpavam a sua habitação. Depois fizeram obras e hoje tem novos inquilinos...
Meses depois vi-o, na paragem do metro, cumprimentámo-nos, como de costume, apenas com um boa tarde. Estava mais magro e vestia de negro. Fiquei a pensar que podia ter trocado duas ou três palavras com ele, mas. Pois, há sempre um mas...
Há uns tempos comecei a ver um homem, que anda sempre com boné e barba crescida, com bengala e uma mala de viagem, sentado em bancos públicos ou nos da estação do metro da Gil Vicente, onde pernoitava. Não o achei familiar (está ainda mais magro e a barba crescida também o transfigura...).
Foi a minha companheira que me disse quem era o senhor. A princípio não acreditei, mas uma amiga comum, que trabalha numa pastelaria, oferece-lhe diariamente o pequeno-almoço. Hoje olhei-o com mais atenção, e sim, é ele...
As nossas vidas estão longe de serem lineares. Por isto ou por aquilo, há quem escolha "não ter família", apagando todos os laços que existem. É possível que não ande assim tão longe da realidade deste homem, que agora, guarda quase toda a vida dentro de uma mala, que nunca larga...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)