Ela sempre que me vê oferece-me um sorriso, de mão dada com um olá. Eu retribuo.
Às vezes fico a pensar que devia ir atrás dela e convidá-la para beber café, para saber se ela ainda continua a fazer a mesma coisa, a "passar por dentro dos filmes".
Só falámos uma vez, num daqueles acasos, que quase que nos empurram uns contra os outros. Aquela não era a nossa onda e foi por isso que começámos a fugir para o miradouro que num dos cantos olhava para uma nesga do Tejo.
Não foi por acaso que escolhemos aquele canto. O Tejo pertencia-nos, tanto do lado de cá como do lado de lá. E só podia ser ele a soltar-nos a língua... Quis saber o que fazia e eu disse-lhe que escrevia coisas. Ela ofereceu-me o seu sorriso luminoso e disse que não escrevia mas fazia várias coisas.
Quem diria, éramos os dois especialistas em "coisas"...
Depois disse-me que entrava em filmes, mas não era actriz. Foi quando exclamou: "Passo por dentro dos filmes."
Fiquei sem perceber se ela estava a brincar ou a falar a sério. Foi quando me ofereceu três títulos de filmes, acrescentando que estavam disponíveis no "YouTube".
E depois olhou o relógio disse que tinha de se ir embora e deixou-me por ali, quase abandonado.
Quando cheguei a casa fui directo ao computador, para ver um dos filmes e perceber alguma coisa, daquela conversa quase estranha. Quando a vi, na primeira das duas cenas em que entrava, percebi que não havia nenhum enigma. Ela estava certa, entrava no filme mas não participava. Caminhava mas não falava. Estava só lá, a passar.
Era mesmo verdade, aquela moça de que ainda não descobri o nome, "passava mesmo por dentro dos filmes".
Como devem calcular, trata-se de uma ficção. Se fosse verdade, já a tinha convencido a beber um café e a contar-me mais coisas da sua vida.
(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)