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sexta-feira, novembro 15, 2024

Conversas com memórias (das curiosas e boas)...


Por motivos profissionais, por vezes cruzamo-nos com figuras públicas, e por razões óbvias, tratamos-as como qualquer outra pessoa. Até somos capazes de fingir que não vemos telenovelas ou programas de "novidades artísticas", apenas porque sim...

Conversámos sobre isso ao jantar, porque a minha filha, que dá os primeiros passos na sua vida profissional, confrontou-se com uma situação destas e disse-nos que se sentiu confortável, por ser capaz de tratar a "vedeta" como qualquer outro paciente.

Acabei por viajar no tempo e ver alguns "filmes" a passarem por mim. 

Primeiro passaram estes artistas da televisão. Nunca esqueci a cena patética de um actor que passou por mim, três ou quatro vezes no corredor de um supermercado, e em vez de ser eu a olhar para ele, era ele que não parava de olhar para mim. Não se tratou de uma cena de "assédio sexual" (duas palavras que andam na moda...), mas sim de busca de reconhecimento. Não só fingi que não o conhecia, como deixei o meu olhar ficar preso nas prateleiras deste espaço comercial.

E depois apareceu-me um outro "filme" e passaram por mim as pessoas que só são conhecidas por uma minoria, os leitores. Claro que falo de escritores. Normalmente preferem observar em vez de ser observados, pelo que têm uma postura antagónica em relação à gente da televisão, que já sai de casa com a preocupação de ser vista. 

Penso que a primeira pessoa do "mundo dos livros" que cruzou o seu olhar comigo, foi o grande José Gomes Ferreira, no Chiado, no começo da década de 80 (tinha acabado de chegar à "cidade grande"...). A sua farta cabeleira branca que o vento levantava, não enganava. Durante uns segundos olhámos um para um outro com espanto e também com vontade sorrir, como se fossemos apanhados em qualquer situação imprevista. Depois perdemo-nos na multidão, sem sequer trocarmos um bom dia ou boa tarde. Fiquei sempre com pena de não lhe dizer: "Olá "Poeta Gigante".

Acabei por recordar outros encontros. O mais curioso aconteceu com a Maria Gabriela Llansol, que estava à porta de uma livraria (também no Chiado...) e me ofereceu um sorriso, daqueles bonitos, também sem palavras. Sem fugir da zona, na escadaria do metro, na estação Baixa-Chiado, cruzei-me, recentemente, com o Mário de Carvalho, ele descia e eu subia. Também ficámos uns segundos a olhar um para o outro, mais uma vez sem dizermos uma palavra, com a tal vontade de sorrir, fruto da cumplicidade que existe entre leitor e autor.

Também podia falar do encontro na Praça Gil Vicente com Luísa Costa Gomes, onde experimentámos o mesmo espanto. Mas tenho uma história ainda mais curiosa e diferente, de todas estas, que teve como protagonista a minha poeta preferida, a Sophia. Nos anos 90 cruzámo-nos na Graça (nessa altura não sabia que ela vivia por ali...), ela vinha com um saco de compras e falava sozinha. Por ter óculos escuros, só a reconheci depois de nos cruzarmos. Desta vez não houve troca de olhares. Ela estava tão entretida a "falar com os seus botões", dentro do seu mundo, que o resto devia ser apenas paisagem. Mas pela elegância e altivez, só podia ser ela, a minha Poeta...

Só por estas "viagens dentro da minha memória", valeu a pena a conversa durante o jantar...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, setembro 14, 2024

As mulheres que gostam de mulheres e os livros...


Estava a caracterizar uma personagem no meu "caderno de ficções"  e de repente comecei a dar-lhe rostos, por ser diferente de outras. 

Escrevi: A "aparição" da Leonor recordou-me que gosto de mulheres que gostam de mulheres, tal como eu. O que pareceu uma coisa estranha, foi-se tornando normal, à medida que iam aparecendo outros rostos femininos a quererem colar-se ao papel.

Não, não tinha nada de estranho, muito menos tinha qualquer relação com preferências sexuais. Olhava para elas sobretudo como pessoas. E as mulheres que se iam soltando da minha cabeça, eram "gente boa"...

O mais curioso, foi, ter recuado no tempo enquanto escrevia. Lembrei-me da Carla, por quem tive uma ligeira paixoneta (talvez por ela me dar para trás). Demorei algum tempo a perceber que ela gostava de uma amiga comum, que era muito menos feminina que ela (os seus traços físicos dominantes eram o cabelo curto, as roupas largas e um andar sem curvas na rua). Além de eu ser distraído, nessa altura - nos finais dos anos 80 -, a sociedade obrigava-as a serem discretas...

Depois lembrei-me do Francisco (José Viegas), que foi o principal responsável por o Pedro Gama (personagem principal do meu primeiro e único romance...) ter sido trocado por uma mulher, depois da sua separação. Além de bom conversador, o Francisco era um bom conselheiro. Tivemos conversas memoráveis no seu gabinete de trabalho, em Benfica, sobre livros, cinema e futebol...

Voltei ao "caderno das ficções" e pensei que tinha ido longe demais ao escrever: Claro que não falo das mulheres que têm um homem dentro delas, que cortam o cabelo à escovinha, escondem as curvas do corpo com roupas de homem e andam de forma desengonçada. 

Não, nada disso. A ficção pode, e deve ser, pura e dura. E cada personagem pode esconder dentro de si, várias pessoas que conhecemos...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, setembro 03, 2024

Parece que não chegam os "50 palhaços" que estão na Assembleia da República...


Embora seja importante descodificar estes "timings" que unem a justiça a alguma comunicação social, nos "tribunais populares", os factos falam por si, tal como o papel dos seus protagonistas...

Infelizmente, ano após ano, não conseguimos sair deste registo. A falta de sentido de Estado é notória na maior parte dos políticos que estão envolvidos em processos de privatização, com os privados a fazerem sempre o papel de "espertos" e os representantes do Governo de "parvos". Muitos, de parvos não têm nada (Miguel Relvas é um bom exemplo...), outros "assinam" em branco, sem terem percebido muito bem onde estão metidos (por impreparação e incompetência, talvez seja este o papel de Pinto Luz na privatização da TAP...).

O mais grave é esta gente do "bloco central" (há poucas diferenças entre PS e PSD nestas negociatas...) ainda não ter entendido a mensagem que lhes foi dada, por uma parte do povo português, quando quase gritou, "Já chega!", e abriu a porta a "50 palhaços" na Assembleia da República...

É triste esta gente não perceber que o mundo real fica ligeiramente ao lado do mundo onde vivem...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, junho 16, 2024

O mundo com "coitadinhos" e com a "gente que só tem direitos"...


Nunca percebi muito bem a quem é que interessa um estado exageradamente assistencialista, como é cada vez mais o nosso. O problema é que à medida que vou procurando respostas, vou descobrindo interesses onde não esperava. Mas a vida é isso...

Sei que quanto mais nos viramos para a direita (a mais clássica, não a liberal...), mais se faz sentir a filosofia de um mundo com "coitadinhos", como se o mundo fosse mais bonito com pobrezinhos e estropiados. Também sei que os socialistas contribuíram para "este estado de coisas", ao evitarem resolver alguns problemas sociais que careciam de alguma urgência, roubando a dignidade a cada vez mais pessoas...

E também se mantém a ligação ao catolicismo mais conservador, que gosta que exista a "esmola", quase como instituição, alimentando a fábula de que os ricos à medida que vão distribuindo umas moeditas aos pobres, "compram" o seu espaço no céu...

Normalmente quem recebe rendimentos mínimos e afins, são as franjas que cresceram (e habitam...) em meios mais pobres, muitos, mesmo jovens, nunca chegaram a terminar o secundário. O mais curioso é a sua filosofia de vida: fazer o mínimo possível e sacar o mais possível ao estado, à igreja ou seja a quem for (fazem da pedincha um modo de vida e são capazes de ir buscas alimentos ao máximo de instituições que puderem, muitas vezes para os venderem, obrigando a que sejam criados sistemas burocráticos, que não permitam estes abusos completamente egoístas). Ou seja, fazem da "esperteza" um modo de vida (só que nós não somos todos estúpidos, como eles pensam...).

E por muito que queiramos proteger ou ajudar esta gente, rapidamente percebemos que não pertencemos a este mundo, onde as pessoas, por serem "pobrezinhas" (às vezes até parece que gostam deste estatuto...), pensam que só têm direitos e nada de deveres...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


sábado, junho 15, 2024

«Somos todos malucos. É por isso que continuamos aqui, à espera do Godot...»


Muitas vezes fico sem muitas palavras para meter nos diálogos, quando converso com amigos. Parece que fico preso àquela frase velha e gasta de que, "só sei que nada sei". 

Talvez seja por isso que gosto do depois. Sim, é o depois que me faz acordar com uma vontade imensa de escrever, no dia seguinte e nos outros, sobre as pontas soltas e as outras.

Pois é, a noite tanto é boa como má conselheira.

Aquecia o café e não me saía da cabeça a proximidade daqueles amigos teatreiros com a "Avenida do Brasil". Foi a Rita que disse, num ar alegre, com a concordância geral: «Somos todos malucos. É por isso que continuamos aqui, à espera do Godot...»

Sim, mas além da tal loucura, deve ser preciso alguma dose de marginalidade, e até ausência de amor próprio, como se sentiu no desabafo do Ricardo. A "sopa" que os alimenta, deve ter ainda mais ingredientes, para os ajudar a viver tantas vidas diferentes, esquecendo o "Eu", que é nada mais nada menos, que o primeiro rosto que encontram quando se olham ao espelho de manhã (que quase nunca é de manhã...), e dizem para ele, «estou uma desgraça», como nos contou a Ana a sorrir.

Por serem parecidos com os palhaços, tão são capazes de rir com as coisas sérias, como de chorar, a fingir, porque a personagem que encostaram à pele é ainda mais melodrámatica que eles...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, maio 06, 2024

Há coisas que não se perguntam...


Eu sei, há muitas coisas que não se perguntam. O Rui estava certo quando nos contou que ficou surpreendido com a reportagem da revista "E" sobre o doutor Carvalho (edição de 25 de Abril), figura parda da Censura e que depois da Revolução de Abril se regenerou e se tornou um simpático e generoso (para os amigos, claro...) democrata.

Conheceu a personalidade. Como também conheceu um agente da PIDE/ DGS, que era da família da companheira. Ao contrário do doutor da Linha (viveu mesmo uma "segunda vida"...), toda a gente próxima sabia do passado pidesco do senhor, que no contacto pessoal, até dava ares de boa pessoa.

Apesar de tudo isso, havia uma espécie de "muro invisível" que o separava, que fazia com que o Rui não quisesse ter qualquer proximidade com este familiar afastado, ao ponto de ser capaz de "fugir" de reuniões familiares, porque havia qualquer coisa que os separava, para todo o sempre... 

Falaram poucas vezes, de coisas banais. Embora fosse curioso (somos todos os que escrevemos...), nunca lhe passou pela cabeça perguntar o que quer que fosse sobre a sua "vidinha" de agente pouco secreto, que se assemelhava mais a "fode vidas" (a expressão é do Pedro), que a outra coisa.

Também nunca lhe disse, mas ele sabia, que o Rui era neto de um "perigoso comunista", que esteve "internado" (ainda há alguns "filhos da puta" que preferem usar esta palavra e não a de preso...) em Caxias e em Peniche...

O antigo agente da polícia política também sabia que há coisas que não se perguntam...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


segunda-feira, março 25, 2024

Ontem falei de títulos, hoje falo dos nomes das personagens dos livros...


Não conheci António Tabucchi. Mas li dois ou três livros da sua autoria. Entre os quais "Afirma Pereira", que despertou alguma confusão com o nome de personagens, à hora do café. O Jorge falou da existência de um senhor Ventura nesta sua história sobre Lisboa e sobre Pessoa. Quem lera o livro não se lembrava da existência da dita personagem (eu por ser péssimo em nomes, não entrei na discussão). Foi quando o Mário trouxe outro livro para a mesa, "O Senhor Ventura" de Miguel Torga, que tinha mesmo esta personagem. 

Se li o livro, não me lembro dele nem do senhor Ventura. O Mário disse que se tratava da história de um emigrante, um português mais perto do nosso Fernão Mendes Pinto que do comum emigrante dos arrabaldes de Paris, pois era bastante curioso e não tinha medo do mundo.

A existência deste livro fez com que o Jorge mantivesse a sua vontade de nos provocar, por causa desse grande mentiroso, que lidera a extrema-direita, que até foi capaz de inventar uma história de resistência e de fuga à guerra colonial de um nosso emigrante que partiu a salto para França, em 1976, eleito agora deputado pelo círculo da Europa.

E lá cometemos o erro mais comum dos jornalistas e comentadores: começámos a falar deste pequeno caso, de mais uma mentirinha do outro senhor Ventura. O Jorge queria saber se as pessoas tinham noção de que aquele sujeito tinha dificuldade em dizer uma frase sem mentir. A maior parte de nós, achámos que essa característica era secundária na vida política, só passaria a importante se ele alguma vez fosse primeiro-ministro, defraudando as espectativas dos seus seguidores como está a acontecer na Argentina, por exemplo.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


segunda-feira, fevereiro 19, 2024

A transformação de um debate num "Benfica-Sporting"...



Sem fugir do tema de ontem, hoje foi dia de "derby" (não há grandes hipóteses de escapar à "futebolização", graças às televisões e aos seus comentadores...). 

Foi um "Benfica-Sporting" (sei que Montenegro é portista, mas não há jogo que gere tantas paixões como este, entre os grandes de Lisboa...), com uma vitória clara do socialista, que me apetece "colar" ao Benfica, por razões pouco racionais.

Após o debate, nem mesmo os comentadores que usam mais a mão e o braço direito, foram capazes de "puxar" o líder da AD para cima, porque ele além de não responder a questões essenciais, quis "interromper", mais vezes do que devia o adversário político, usando a táctica (ainda que mais tímida...) do homem que já o apelidou de "prostituta"...

Não sei se este debate foi bom para os indecisos. Provavelmente ficaram ainda mais baralhados. Muitos estão fartos de saber que o PS não merece o seu voto (os últimos três anos deixaram muito a desejar), mas com a prestação do candidato da AD, as dúvidas em vez de diminuírem cresceram...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, janeiro 23, 2024

A mediocridade que se alimenta (cada vez mais) do "sonho americano"...


Cada vez gosto menos deste mundo que nos rodeia, desta "americanização" da nossa sociedade.

Nunca achei muita piada à ideia do "sonho americano", de que tudo é possível... porque a vida não é bem assim.

Até porque quem se alimenta deste "pão-tudo é possível", gosta da ilusão quase cinéfila, de que se pode viver cada vez com menos regras, onde "pisar o outro" até pode ser uma constante. É preciso é "alimentar o sonho", mesmo quando não se tem jeito para nada. Bom é pensar que se pode ser tudo e fazer tudo.

Esta é uma das explicações para que cada vez existam mais medíocres, cuja capacidade maior é serem bons a fazer "jogo sujo", afastando todos os que lhes "fazem sombra". 

Só ainda não consegui perceber é como é que alinhamos "neste jogo", com tanta facilidade...


domingo, agosto 20, 2023

"viver com os outros" é um bom título e um bom livro


Comecei a ler "Viver com os Outros", de Isabel da Nóbrega (a senhora  que viveu com o nosso Nobel e que quase disseram que foi ela que ensinou Saramago a escrever...), por um acaso, cheguei a estante e ele veio ter com as minhas mãos.

E ainda bem que isso aconteceu. No início achei estranha toda aquela misturada de personagens, quase a quererem falar ao mesmo tempo, sem tempo para percebermos que dizia o quê, Lembrou-me "A Torre de Barbela" de Ruben A., e claro, os romances de Lobo Antunes (cada vez me convenço mais que é ele que se baralha com as personagens e com os lugares, colocando-os na acção errada...).

Mas à medida que fui entrando no romance da Isabel, fui ganhando alguma intimidade com as personagens e com as suas ambiguidades, que as tornam mais humanas. Mesmo que se perceba que pertencem à classe média alta (não, não andam a lavar escadas, são médicos, professores, donas de casa que estudaram francês e aprenderam a tocar piano...), isso só ajuda. São capazes de pensar mais alto...

O mais curioso é tratar-se de um livro cuja acção se limita a uma sala (até agora só a vida das pessoas é que saiu de casa...), e mesmo assim, deixa-nos presos às palavras e às personagens criadas pelas autora.

Este romance tem uma introdução de Mário Dionísio, que é o seu discurso, escrito e lido em 1964, na entrega do "Prémio Camilo Castelo Branco" a Isabel da Nóbrega. Claro que não a li (nunca o faço, perdia a graça estar a ler e saber já a opinião dos "outros", neste caso, outro...). Trata-se da sua quinta edição, de 1984.

Tudo isto para dizer, que se trata de mais um daqueles livros que poderia ter lido há vinte anos ou trinta anos e só o li agora. E ainda bem. Acho que estou mais preparado para absorver este "Viver com os Outros", porque mesmo sem dar por isso, duas décadas, ofereceram-me mais vida, e claro, os dramas de "vários outros" (como todos nós).

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, maio 09, 2023

«Mentimos cada vez mais, por tudo e por nada.»


É provável que não exista nenhuma explicação científica, mas todos sentimos que se mente cada vez mais, por tudo e por nada.

Não me espantou nem um pouco que a Carla me dissesse: «Mentimos cada vez mais, por tudo e por nada.»

Claro que ela disse isto depois de aturarmos um mentiroso quase compulsivo, que é capaz de nos contar uma patranha qualquer, com o ar mais sério do mundo. Ainda bem que ele não é vendedor, é apenas um designer imaginativo.

Quando a questionei, sobre porque mentimos, ela respondeu o óbvio, «porque gostamos», eu repliquei «porque precisamos», e ela ainda foi mais objectiva, «porque queremos». Este querer deixou-me quase sem palavras.

Quando nos separámos fiquei a pensar, que, talvez os exemplos maiores venham dos políticos, que sempre mentiram, mas nunca de forma tão descarada, e até leviana. E é natural que estes maus exemplos passem para o cidadão comum, que também vai perdendo, cada vez mais, a vergonha e o pudor.

É apenas mais uma das muitas inversões de valores, que se deu nesta sociedade, onde se tenta sobreviver, cada vez mais a qualquer custo...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


sexta-feira, maio 05, 2023

Um Homem Completamente Desequilibrado


Normalmente evito falar de futebol por aqui, talvez por ter sido jornalista desportivo e por levar tudo aquilo que rodeia este desporto, muito pouco a sério.

Mas é difícil passar ao lado de Sérgio Conceição, que deverá ser uma das pessoas mais desequilibradas  que se podem encontrar dentro do recinto de jogo. E acrescento já que  não acredito na tese de que é uma boa pessoa fora dos relvados. Mesmo que possa ter dupla personalidade, ninguém muda assim tanto.

Como técnico é dos melhores do mundo, prepara as suas equipas muito bem e tem uma leitura de jogo extremamente clarividente (deve ser um dos treinadores que mais influencia o jogo através das substituições e mudanças de sistema de jogo enquanto decorrem as partidas...), mas depois perde-se, tem um comportamento verdadeiramente execrável para com os adversários e com os árbitros. Não é por acaso que deve ser o treinador português que mais vezes foi expulso no interior de um recinto desportivo.

É difícil encontrar alguém que não saiba perder e ganhar, como Sérgio Conceição. Podia limitar-se a não saber perder, mas não. Ontem, em vez de aplaudir João Pedro Sousa, o treinador do Famalicão, pela forma como se bateu no Estádio do Dragão - ao ponto de merecer a vitória -, gritou e bracejou, de uma forma ofensiva, quase em cima dele, quando a sua equipa marcou o golo da vitória.

Não lhe chamo "jabardo", como um embaixador famoso, que o Sérgio levou a tribunal, mas gostaria muito que demonstrasse ter alguma dignidade e o mínimo de respeito pelos adversários, tanto na hora e meia de ganhar como na hora e meia de perder.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, janeiro 15, 2023

Ainda hoje me perguntam pelo "Actor do Cabelo Azul"...


No fundo deviam saber que o "Actor de Cabelo Azul" só existia na minha cabeça. Mesmo assim, de vez enquanto perguntavam-me por ele. Eu nunca me descaía, dizia que devia continuar a fazer as mesmas coisas, embora fosse cada vez menos ao teatro...

Tudo começou há uns três anos, ainda antes da pandemia, quando comecei a escrever sobre um actor de teatro, que nunca tinha colocado os pés num estúdio de gravação. A única coisa que ele queria mesmo era viver outras vidas, ser outras pessoas, no intervalo da sua vidinha, mas no palco, sem tempo para a televisão ou o cinema. 

A fama não lhe dizia nada, era também por isso que sentia muitas vezes estar na profissão errada. Percebia que a maior parte das pessoas que vinham pisar os palcos tinham como principal desejo, ser "famosas", queriam muito que as olhassem na rua, no café ou no restaurante, com a admiração com que se olha para os "deuses" da terra. Mesmo que o disfarçassem com óculos escuros de marca...

Além da meia-dúzia de cabeleiras que tinha (não se limitava ao azul), usava uma prótese no nariz, e esta sim fazia toda a diferença. Embora fosse um simples adereço carnavalesco, dava-lhe o tal ar disforme que o tornava completamente diferente da personagem real, que tinha de interpretar diariamente, assim que saía de casa.

Para tornar as coisas ainda mais misteriosas, cheguei a dizer que todos o deviam conhecer de vista, pois também frequentava o nosso café. O que eu fui dizer... 

De vez entrava alguém preso a qualquer singularidade e perguntavam-me "é ele?". Limitava-me a abanar a cabeça e a dizer que não.

Lembrei-me do "Actor do Cabelo Azul", porque nos começos de ano, finjo sempre que "arrumo os papeis" e que começo "um novo ano"... E lá me apareceu ele, como mais um projecto de gaveta...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, novembro 17, 2022

As Mulheres de Saramago


Se há um caso em que se pode dizer que as mulheres foram extremamente importantes, na carreira literária e no percurso comum, de partilha de saberes e de culturas, é o de José Saramago.

Ilda Reis, artista plástica, foi a primeira esposa, a mais discreta, mas talvez a mais importante, por ter vivido os momentos mais complicados, os da ascenção de Saramago nos meios culturais, quando o preconceito estava bastantes vincado na sociedade e ele era apelidado como o "serralheiro", em surdina, pela gente da cultura que não gostava muito de privar com quem vinha debaixo. Talvez já pressentissem que ele era bem capaz de subir pela "corda a vida", pulso a pulso, até ao topo...

Isabel da Nóbrega, escritora e "menina de bem" foi a sua segunda mulher. Foi também importante para ele, abriu-lhe muitas portas e também horizontes, na sua formação como escritor. Mas nunca "escreveu" por ele nem teve a importância desmedida que lhe é dada pelos "detractores" de Saramago...

A sua terceira companheira, Pilar del Rio, foi a esperança e a novidade, que a vida lhe ofereceu, já depois dos 60 anos de idade, de ter uma nova oportunidade, de ser feliz e de crescer, ainda mais, como autor. Não temos dúvidas que Pilar foi fundamental na caminhada de Saramago até ao Prémio Nobel da Literatura.

Talvez seja em homenagem a estas Mulheres (e a outras que se cruzaram com ele pela vida fora...), que algumas personagens femininas dos seus livros são inesquecíveis...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, julho 22, 2022

Alguns Nomes...


Há nomes que se colam com mais facilidade aos rostos humanos. Foi o que notei com a Clarisse, que estava ali à minha frente, a tentar ser o mais prestável possível. 

Quando me virou costas para ir à procura do que eu precisava, fiquei a pensar que sempre gostei deste nome e conhecera poucas clarisses ao longo da minha vida, mesmo dentro de livros ou filmes.

Soube o seu nome por estar num atendimento e ela ter uma pequena placa que a identificava. Foi simpática, apesar de descobrir algumas "nuvens" em volta do seu olhar. Provavelmente cansaço, de uma vida difícil. Apesar de jovem (ainda não ultrapassara os trinta anos...), era capaz de já ser mãe, o que normalmente ainda escurece mais a pele rente aos olhos...

Despedi-me com um, "boa tarde, Clarisse", que recebeu como resposta um sorriso luminoso.

Durante a caminhada até casa fui pensando em nomes femininos menos vulgares que gosto. Esmeralda foi o primeiro nome que me apareceu. Conheci duas, há muitos anos, ambas bonitas e quase exóticas como os seus nomes. Dulce, também disse que sim. E não me lembrei de mais nenhum, diferente.

(Fotografia de Luís Eme - Algarve)


terça-feira, julho 19, 2022

«Se o mundo é estranho, o futebol consegue ser muito pior. Tem pelo menos mais uma ou duas lentes de aumentar»


Os "dragões" do Sul são menos engraçados que os verdadeiros (esses mesmo, os ferrenhos...), pois além de não terem a pronúncia do norte, falta-lhe a alma bairrista de uma cidade que ainda finge que toda a gente se conhece.

Mais a brincar que a sério, queriam saber o que é um "ex-jornalista desportivo" pensava no caso do "pai e filho Conceição". Disse-lhes que achava muito bem o Francisco ir para o Ajax de Amesterdão. Saia no tempo certo, sem nos termos apercebido que um pai treinador e um filho jogador, nunca devem fazer parte da mesma equipa, pois mais tarde ou mais cedo, acabam por ficar os dois a perder. 

Também quiseram saber o que pensava das "mordidelas" de macaco do líder da claque portista ao Sérgio Conceição, disse-lhes que era um erro dar importância a quem não a tinha. Já bastavam os jornais e as televisões.

Depois houve alguém que salvou o café da manhã, ao falar do nosso Ronaldo, que parece ainda não ter clube. Muitos fingem que o querem (das árabias às américas), porque é uma óptima publicidade para qualquer negócio, ao mesmo tempo que outros desdenham e dizem que não o vão comprar.

Foi quando a Rita disse a melhor frase da manhã: «Se o mundo é estranho, o futebol consegue ser muito pior. Tem pelo menos mais uma ou duas lentes de aumentar.»

(Fotografia de Luís Eme - Algarve)


domingo, julho 03, 2022

A Procura Incessante da "Estrela de Famoso" (pelos próprios)


De vez em quando estou num lugar público e reparo em alguém (homem ou mulher) que passa a olhar para os lados, como se estivesse a passar por alguma passadeira, de qualquer cor. Não é difícil perceber que em algum momento das suas vidas, estiveram quase, quase, a agarrar a tão ambicionada estrela de "famoso". Tanto podem ter participado em qualquer programa manhoso da televisão, como serem cantores da "cassete pirata" ou actores de terceira categoria.

Normalmente não os conheço, mas mesmo assim, finjo não perceber ao que vêm, por achar desolador  aquele "espectáculo" em busca do reconhecimento. 

Mas depois fico a pensar, que esta gente precisa mesmo disto, de mesas de autógrafos em qualquer centro comercial, de "estar" numa festa qualquer com um rissol na mão e um copo com palhinha na outra a promover cuecas ou cremes. 

Graças aos "engodos" lançados diariamente nas televisões, esta gente quer simplesmente ser "famoso", sem saberem muito bem o que isso significa. Para eles ser famoso é "aparecer", "ser visto", mesmo que não saibam fazer nada. O simples facto de serem figurantes de qualquer programa intromissivo (daqueles que segundo os entendidos dá "audiências"), faz com que sejam "felizes" e se sintam "importantes".

Claro que também sei que são muito poucos os actores ou músicos, com talento e popularidade, que se sentem incomodados com estas coisas. Mesmo os que saem à rua de óculos escuros ou passam a vida a queixarem-se nas revistas mexeriqueiras que "deixaram de ter "vida pessoal", adoram este jogos de rua, em são apontados  e olhados de alto a baixo pela gentinha que passa e adora passar ao lado do actor ou actriz da telenovela das nove.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quinta-feira, junho 09, 2022

"Um Artista da Fome" (e outros circos, aliás, contos...)


A minha filha leu os "Contos" de Franz Kafka, selecionados por Jorge Luis Borges, para a escola. E eu resolvi aproveitar a "boleia" para ler também, antes dela entregar o livro na biblioteca.

Embora ainda esteja no início desta obra não posso deixar de salientar o conto, "Um Artista da Fome", que embora hoje possa parecer inverosímil (um homem fechado dentro de uma jaula, vigiado 24 horas por dia, para manter o seu jejum, até à hora fatal...), fazia parte  das  diversões presentes nas feiras, onde também se mostravam o "homem-elefante" a "mulher-barbuda", o "homem com seis dedos", entre outras excentricidades que quase chegaram aos nossos dias. Ainda vi o homem mais alto do mundo (as pessoas da minha geração devem recordar-se do gigante moçambicano que mais de dois metros e meio...) ou um pequeno anão, que parecia um bebé e que diziam ser o homem mais pequeno do mundo.

Outro aspecto curioso, foi o "Artista da Fome" (depois de deixar de "ser moda" e morrer quase anonimamente, misturado com as jaulas dos animais...) ter sido substituído na jaula por uma pantera jovem, em que agora o "espectáculo" humano era vê-la comer, principescamente. A natureza humana tem destas coisas, que parecem ser bem captadas nestes contos de Kafka, que rondam o fantástico... ou não fosse essa a sua "imagem de marca" enquanto ficcionista.

(Fotografia de Luís Eme - Óbidos)


segunda-feira, maio 30, 2022

A Nossa Falta de Memória no Futebol...


Sei que o desporto é uma actividade especial, onde normalmente não se reserva qualquer espaço para os vencidos. Talvez isso explique a cultura da vitória, "a qualquer preço", que infelizmente quase que se tornou "lei" (acredito que está mais associada às modalidades colectivas, pela cultura de clube que foi crescendo à sua volta...).

O simplicidade e a beleza do futebol tornou-o cada vez mais popular, com tudo o que isso tem de positivo e negativo. Não foi por acaso que se começou a tornar na "bandeira" de um bairro, aldeia, cidade ou região. O passo seguinte foi a sua transformação, a pouco e pouco, num espectáculo de massas. Construíram-se estádios, passou a ser televisionado e em pouco tempo transformou-se num dos negócios mais rentáveis do planeta.

A "cegueira clubística" também cresceu, ao ponto de se perceber que a maior parte das pessoas que se deslocam aos estádios, vão lá para verem os seus clubes vencer e não para assistir a uma boa partida de futebol. Não querem que ganhe o melhor, querem sim que ganhe o seu clube. Normalmente o êxito dos clubes assenta nesta "cegueira" colectiva, onde quem está de fora ou não tem clube, sente que isto já não tem nada a ver com desporto. 

Pinto da Costa foi, entre nós, o dirigente que conseguiu aprimorar todos os aspectos que o poderiam ajudar a vencer (dentro e fora dos estádios). Não se limitou a ter grandes equipas de futebol, também se tornou influente no chamado poder do futebol (durante anos deixou que o cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol fosse entregue à Associação de Futebol de Lisboa, porque tinha mais interesse que a Associação de Futebol do Porto controlasse a arbitragem, a justiça e a disciplina...).

Mas sentiu que ainda não controlava "tudo". E é neste cenário que aparece a figura famigerada do "guarda Abel", que controlava um grupo de bandidos (dizem que era composto por agentes de autoridade e por foras da lei...), que começou a incendiar o terror nos estádios. Quem dizia ou escrevia mal sobre o FC Porto, levava. Houve dezenas de jornalistas agredidos. Infelizmente resultou. Ou seja, o clima de "medo" instaurado, fez com que se fingisse estar tudo bem. Os árbitros, desde sempre os mais "vulneráveis" do "desporto-rei" eram primeiro aliciados e depois ameaçados (se não erravam pelas "prendas" recebidas, erravam pelo "medo"...). Foi este o panorama do futebol português até surgir o "Apito Dourado"...

Embora não houvesse condenações (existiam provas mas foi um problema encontrar testemunhas...), muita coisa mudou no futebol depois do "Apito Dourado". Foi pena que o então presidente do Benfica em vez de ter aprendido a lição, tivesse tentado imitar Pinto da Costa, colocando pessoas da sua confiança em lugares-chave no poder. Porque o mais importante continuava a ser vencer, "vencer a qualquer preço"...

Embora seja benfiquista, estou do lado de Frederico Varandas, que não tem medo de usar nenhuma palavra (ao contrário de vários jornalistas, que sempre se acobardaram, ao longo dos anos - falo sobretudo dos agredidos e ofendidos. Rui Santos, com quem não concordo muitas vezes, é dos poucos que nunca teve medo de falar do que se passa fora das quatro linhas...) contra Pinto da Costa.

Para mim, o futebol ganha-se dentro das quatro linhas, mesmo com alguma injustiça (depende sempre do nosso ponto de vista...), como aconteceu agora na final da Liga dos Campeões. Mas gosto mais que seja a bola a caprichar em não entrar, graças ao guarda-redes ou ao poste, que a coisas estranhas, como a "cegueira" temporária de qualquer árbitro.

Faz-me confusão que Frederico Varandas esteja sozinho nesta luta contra a corrupção no futebol português. Faz-me confusão ver tanta gente a fingir que acredita no "pai natal"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, abril 20, 2022

Uma Guerra que Serve para Tudo (por cá alimenta a "feira de vaidades" e o "enriquecimento curricular")...


Sei que este título ficou ligeiramente comprido, mas teve se ser mesmo assim... Até porque a Guerra na Ucrânia tem alimentado uma série de coisas curiosas, no jornalismo televisivo do nosso burgo.

Não me lembro de ter visto tantos "especialistas" sobre o que quer que seja, a desfilarem pelos vários canais noticiosos, quase minuto a minuto. São centenas de pessoas, homens e mulheres, com mais e menos idade. Não fazia ideia que existiam tantas mulheres com conhecimentos bélicos (sei que o mundo mudou, mas...). E também pensava que já não havia tantos generais nas nossas forças armadas (parecem ser mais que os soldados, actualmente existentes nos quarteis...). Mas nota-se que estão bem sintonizados com o mundo actual, são capazes de dizer uma coisa hoje e amanhã o contrário...

Outro aspecto que não me tem passado ao lado, é o desfile diário de "repórteres-de-guerra", em todos os canais com notícias. Quase todos os jornalistas e apresentadores de telejornais, se devem ter voluntariado para viajarem para a Ucrânia ou Polónia, pois querem muito "colar" ao seu currículo a passagem por este "cenário de guerra". Não os somei todos, mas no conjunto, entre RTP, SIC, TVI e CMTV, os enviados especiais já se devem aproximar da centena (ou até ultrapassar)...

Infelizmente, as guerras servem para tudo...

(Fotografia de Luís Eme - Trafaria)