Um artigo de Maria João Tomás, investigadora e directora da Casa Árabe em Lisboa, no último JL, elucida sobre o que foi o breve consulado da Irmandade Muçulmana no Egipto. Além da extrema incompetência governamental, traduzida pela degradação das condições de vida da população, cortes de energia intoleráveis, abandalhamento do espaço público no que respeita às condições de higiene e problemas afins, os irmãos muçulmanos entretiveram-se não apenas a perseguir as egípcias, como as turistas que não trajavam segundo os critérios considerados decentes pelos mentecaptos de serviço -- o que deve ter deixado muito satisfeitos os milhares (milhões?...) que vivem do turismo e respectivas famílias... Isto sem contar com discussões importantíssimas visando tapar as Pirâmides e a Esfinge (para evitar a idolatria) ou as partes pudibundas da estatuária clássica.
A estupidez, exponenciada pelo fanatismo, não podia deixar de ter o efeito que se viu, numa sociedade tutelada desde sempre pelo poder militar. Milhões (36, ao que parece) exigiram o derrube de Morsi. Como escreve a autora, de forma lapidar, «Rapidamente, o povo que neles havia votado, e que podia ser analfabeto mas não era estúpido, se apercebeu que era necessário acção, e que ser um bom muçulmano não dependia de apoiar as decisões atabalhoadas de Morsi [...] Afinal os analfabetos tinham mais sabedoria que os seus professores.»
Para mim, há uma fina linha em que o sistema demo-liberal não pode pactuar com os seus carrascos. Foi um problema com que a Argélia se deparou, já nos longínquos anos 90, quando a Frente Islâmica de Salvação venceu as primeiras eleições democráticas do país. Aí, nem chegaram a tomar posse, por pronta acção das forças armadas.
É claro que isto acarreta um problema de legitimidade democrática. Mas pode a democracia liberal permitir-se fornecer a corda com que a irão enforcar?...