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segunda-feira, outubro 16, 2017

a propósito dos livros de Sócrates

Não li nenhum dos livros de Sócrates porque não fazem parte das minhas prioridades; aliás, nem às minhas prioridades de leitura consigo dar vazão, quanto mais...

A história do ghost writer dos livros de Sócrates é outra das que me parece bastante, digamos, problemática. Sabemos que sujeitou versões dos livros a várias pessoas -- Vital Moreira assumiu ser uma delas --, o que nada tem de extraordinário: duvido que Sócrates tenha um estilo imaculado, pelo que o recurso a alguém que ponha em linguagem uma prosa eventualmente árida, parece-me normal; além disso, tratando-se de obra académica na sua génese, a submissão dos textos a professores universitários das suas relações é algo de trivial. (Por mim, pode até revelar uma excessiva prosternação pela Academia, mas isso será lá com ele). Por outro lado, até os inimigos mais viscerais lhe reconhecem inteligência e capacidade de trabalho, por isso as minhas perplexidades são:
 
1) precisava Sócrates de alguém que lhe escrevesse as obras? Por muito aldrabão que o homem possa ser, parece-me uma suspeita infantil de quem toma os revisores dos livros -- a título gratuito ou remunerado, é indiferente -- pelos seus autores;

2) o 'suspeito' destes cometimentos é um professor de Direito da Universidade de Lisboa, com um nome a defender, Domingos Farinho. Um ghost writer? Enfim, haverá gente para tudo...

3) leio nos jornais que o apresentador do último livro de Sócrates foi Pedro Bacelar de Vasconcelos, uma das figuras mais respeitáveis e respeitadas da vida pública portuguesa. Como Vasconcelos não é propriamente um boy partidário (e se o fosse, de certeza que não estaria ali, com medo de sair chamuscado), a sua intervenção tem um evidente significado, o primeiro dos quais é a de que tem o hábito de pensar pela sua cabeça, ao contrário, de resto, do jardim zoológico mediático.

Não sei o que move Vasconcelos; talvez seja como eu (embora em muito maior grau, dadas as suas  categoria e exposição pública): talvez prefira correr o risco de enganar-se ou ser enganado, a integrar as hordas de linchamento; e também não deve ser um videirinho da política, dos que estão quietos para não se comprometerem.

quinta-feira, fevereiro 09, 2017

os 'utentes' da língua e o Aborto Ortográfico

Sobre o aborto ortográfico e as suas consequências, está tudo dito. Meia dúzia de técnicos e burocratas da língua, do lado português, ajudaram a pari-lo, e o governo de Cavaco Silva, com Santana Lopes como secretário de estado da Cultura, deram-lhe o seguimento político.
Página negra na história da língua, como qualquer aborto é um nado morto, porque não há nem haverá nenhuma uniformização do português nos cinco cantos do mundo. Mais ano menos ano, este aviltamento da língua será insustentável, e os governos e as academias vão ter de introduzir alterações consequentes.
No entretanto prevalece o descaso dos decisores políticos e dos apparatchiks, o descaso com que tratam o património cultural português, que é coisa que não vivem nem sentem, a não ser que sintam o cheiro a votos pela manhã.
É uma generalização abusiva, dirão. É uma generalização, porventura injusta, porém nada abusiva, como testemunha o património histórico e cultural deste pobre país. Séculos de analfabetismo (meio milhão em 2017) pagam-se caro.
Repito o já escrito, por mais de uma vez: não há um único grande escritor português que não seja contra o aborto ortográfico. São os escritores os criativos da língua, os que quotidianamente a defrontam e desafiam. Desde que o problema se pôs, nem Saramago, Lobo Antunes, Mário de Carvalho, sancionaram este atentado. Vasco Graça Moura foi exemplar no seu combate cívico. O enorme Vitorino Magalhães Godinho, um dos historiadores de que Portugal se deve orgulhar, teve, contra o aborto ortográfico, o último combate da sua longa vida.
Nada que impressione ou incomode os 'utentes' da língua, como Vital Moreira, que escreve tão bem como qualquer notário, mistura alhos com bugalhos, não percebe que, antes de ser política, a questão da língua é um problema de cultura, em sentido amplo. É claro que para quem 'utiliza' a língua com a mesma displicência com que se serve da carreira 727 da Carris, estes assuntos são uma grande maçada. 

sexta-feira, agosto 26, 2016

últimas do burquíni: agora eram os ciganos


Fernanda Câncio, jornalista e cronista que considero enquanto seu leitor, na crónica de hoje no Diário de Notícias, é bem o exemplo do beco sem saída em que se meteram aqueles que não tomam posição, a não ser em termos muito vagos e com coisas como esta: «Que o livre-arbítrio das mulheres vença o fundamentalismo dos homens proibicionistas e obrigacionistas»... Por detrás de frases de efeito duvidoso, o vazio absoluto dos chavões.

Mas, voltando a Câncio: agora são as mulheres ciganas, cujo lugar na família tradicional roma está longe de ser invejável, Como muitos dos que são contra o tratamento a que são sujeitos uma parte das muçulmanas na Europa, nunca manifestaram preocupação pela outras, tal significará, neste raciocínio cabriolante, que lá no fundo não deve ser bem a situação da mulher que move uns quantos. É extraordinário. Como se quem se preocupasse com os direitos cívicos dos negros americanos no fundo tivesse, consciente ou inconscientemente, outra motivação, por não reparar que ao lado existe uma reserva de índios...

Uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. Mas o que interessa é misturar, confundir. Acresce que nunca vi bandos de ciganos agressivos a meterem-se com casais namorados, por comportamento indecente, escorraçarem prostitutas das ruas, já nem por comportamento, mas porque não podem apedrejá-las, agredirem um médico que no hospital se atreve a dirigir-se e tocar numa paciente islâmica acompanhada pelo marido -- mesmo que a paciente esteja a parir, mesmo que ele seja o único médico de serviço no banco. Tudo isto e muito mais, e muito pior se passa em inúmeras cidades europeias. Mas não há uma reacção, um basta. Ou quando há, aqui del«rei que é islamófobo, ou coisa pior.

Câncio pode sugerir e insinuar que há outra coisa que não a defesa dos direitos das mulheres nesta reacção: provavelmente racismo, intolerância etc. E obviamente que também o há. Mas eu também posso admitir que a decisão do Supremo francês, entretanto tomada, suspendendo a proibição do 'burkíni', a coberto de uma esdrúxula concepção de liberdade e direitos humanos, tenha sido motivada pela prudência ou, mais cruamente, pelo medo do acirrar dos ódios, portanto pelo pavor da reacção do fundamentalismo islâmico -- como se lê tão bem, apesar dos sublinhados outros, na última frase deste post de Vital Moreira.

De cedência em cedência até ao mais do que expectável desenlace, que não será, obviamente o triunfo do islamismo em França, à Houellebecq, mas da tomada do poder pela extrema-direita, como de há muito venho dizendo -- para além das vindictas irracionais de ambos os lados, com muito sangue e sofrimento inocente, Entre a cobardia, a alucinação idiota e o racismo bestial, cristão ou muçulmano, ainda só estamos no princípio da história.