«Realmente, a Amazónia é a última página, ainda a escrever-se, do Génesis».
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sábado, novembro 02, 2013
segunda-feira, outubro 21, 2013
1 parágrafo do cap. I -- A SELVA #5
«Rumorejou um corpo que devia saltar da cama, uns passos rápidos soaram na escuridão e logo, atrás da portinhola que se abriu, entrou no recinto uma fosca claridade. Iluminou-se então, no quarto miserável de hospedaria, com a cama de ferro a insinuar existências parasitárias e o travesseiro liso, de quartel, um jovem alto e magro, cabelo negro e olhos amortecidos, denunciando vida indolente. A calça dançava-lhe na cintura e os ossos adquiriam forte relevo no tronco seco e nu. Sentou-se no rebordo do leito e começou a vestir, apressadamente, o casaco do pijama.»
Ferreira de Castro, A Selva [1930; da 32.ª ed., 1980]
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sábado, outubro 19, 2013
2.ª epígrafe de A SELVA, de Ferreira de Castro
«Ser forçado a descer naquele horror, mesmo que se aterre incólume, é ficar onde se desceu e morrer sepultado na sombra.» Francesco De Pinedo
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domingo, outubro 13, 2013
gado manso e gado tresmalhado: A SELVA #4
O ponto de vista de Ferreira de Castro sobre os futuros seringueiros, recrutados, como vimos, no sertão brasileiro: gado.
O narrador faz com que ouçamos a conversa de Balbino com os seus botões: «Que diria Juca Tristão, que o tinha por esperto e exemplar, quando lhe aparecesse com três homens a menos no rebanho que vinha pastoreando desde Fortaleza?» (p. 29)
Esta analogia, de resto, já estava bastante presente no romance anterior: Emigrantes (1928). Rebanho é designação frequente para os que se expatriam em busca de melhores condições de vida; curral flutuante, os barcos -- ou melhor: a terceira classe desses barcos que os transportam ao continente americano.
Também aqui temos o rebanho: obediente e receoso ou confiante, a maioria; vivaços alguns, que passam a perna a quem lhes pagou a a deslocação para a cidade. Alguns desses que agora descrevo como pusilânimes ou ingenuamente esperançosos, alguns, mas poucos, tomarão atitude idêntica já no seringal, quando o horizonte de fuga não se apresentar como a cidade grande, mas a brenha selvagem.
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quinta-feira, outubro 10, 2013
1.ª epígrafe de A SELVA, de Ferreira de Castro
«A sensação de profunda melancolia que se apodera do espírito, nos adverte de que estamos dentro das mais densas solidões do Mundo. No Alto Amazonas, principalmente, domina esse amargo sentimento que obriga a alma a dobrar-se sobre si mesma». Tavares Bastos, Vale do Amazonas (1866).
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esquissos de enquadramento e grande salto em frente: A SELVA #3
A acção inicial decorre na "Flor da Amazónia". Balbino é um angariador de mão-de-obra para os seringais, percorrendo o sertão do Ceará para recrutá-la. Apesar da seca e da fome, não é fácil convencer o tabaréu a vir sem mais nem ontem trabalhar e viver na floresta densa, cheia de perigos, das feras às sezões, para além dos índios hostis. Alguns arrependem-se à ultima da hora e embrenham-se pela cidade de Belém adentro, ficando o angariador (ou o patrão para quem trabalha) a arder com o já despendido. Por isso Balbino entra furibundo na hospedaria, queixando-se ao dono desta, Macedo. Macedo é tio do protagonista, Alberto, um universitário de Direito, monárquico exilado após um levantamento contra a República em Portugal.
O contexto económico é depressivo, com a queda do preço da borracha nos mercados internacionais. Esta situação de Alberto assemelha-se muito à vivida pelo então pequeno José Maria Ferreira de Castro. Há porém criação ficcional sobre um fundo real. Castro, ao contrário do protagonista, foi para Belém, e em seguida despachado para o Amazonas, com apenas doze anos; e era filho de caseiros, e não, como Alberto, de um oficial lealista do Exército; além disso, com o protector em Belém era mais distante do que a de tio-sobrinho que se verifica no romance.
Em poucos períodos, com assinalável, poder de síntese, Castro dá-nos os dados sociais e económicos, e historicos inclusive, que enquadram a trama e a condicionam, num grande salto em frente em relação ao naturalismo que, em 1930, anos da primeira edição, havia sido deixado para trás
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segunda-feira, outubro 07, 2013
eu ainda não sabia: A SELVA #2
Quando me pus a ler, pela primeira vez, A Selva (1930), de Ferreira de Castro, já no final da minha adolescência (a capa é essa mesma, em baixo, à esquerda), deparei-me com um incipit que me deu a sensação de que isto era diferente do costume:
«Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H. J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na "Flor da Amazónia" mais rabioso do que nunca.»
Digamos que não vislumbrava aqui burrinhos de João Semana, burgueses da lísbia ociosa, ceifeiros rebeldes ou malteses, nem professores frustrados & outros poucos terciários enconados com a vida. Não, isto era diferente.
Mas do que eu não suspeitava era que este início, que não anunciava nenhum romance de aventuras sobre mistérios amazónicos -- ao contrário do que poderia parecer, e isso creio que era para mim claro, já nesse então --, do que eu não supeitava era, entre muitas outras coisas, que A Selva se constituía como uma das mais negras narrativas que alguma vez viria a ler, e que o único desenlace permitido ao autor que avançara, com saber de experiência feito, por aquele labirinto vegetal, seria aquele que o livro consagrou. Mas também isso, muito depois de iniciada a leitura, quase só no fim, se me tornaria claro.
32.ª edição, Lisboa, Guimarães & C.ª, 1980.
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quarta-feira, maio 22, 2013
sobre a fortaleza de seiva
Desde 1955 que o leitor pode percorrer, como um prefácio, um dos grandes texto memorialísticos de Ferreira de Castro: a «Pequena História de "A Selva"». O romance já tinha a sua lenda, passados 25 anos sobre a primeira edição, na Livraria Civilização: nunca houvera nada assim no romance português, e muito menos na difusão internacional que ele conseguira; facto inédito na história da nossa cultura, e ainda hoje sabe deus, quando o escritor não se apelida Saramago ou Antunes, nem é um espectro como Camões ou um ícone póstumo como Pessoa. Pois Ferreira de Castro irá contar a génese deste livro único, na que seria a sua terceira edição ilustrada (desta vez, pelo magnífico Portinari) -- a terceira de cinco, ao todo e até hoje -- sem falar em adaptações destinadas a um público juvenil...
Não sendo uma autobiografia, há um pano de fundo em A Selva que o é: desde logo o espaço físico em que decorre a acção, o seringal "Paraíso", no rio Madeira, Amazónia; e é-o também, não tenhamos dúvidas, tudo, ou quase, o que escapa à circunstância da personagem principal -- Alberto, um jovem universitário monárquico exilado após a revolta de Monsanto (1919) --: as impressões e as depressões, pois que há também aqui uma boa dose de catarse.
À distância de quase 40 anos, Castro evoca essa uma hora da madrugada de 28 de Outubro de 1914, em que deixa para sempre o seringal, onde estivera desde 1911, com um manuscrito na bagagem. Não era ainda A Selva, que essa, só numa transversal à Avenida de Berna, em Lisboa, de 9 de Abril a 29 de Novembro de 1929, o autor se atreveria a pegar-lhe, não obstante ensaios recorrentes ao longo dos anos, conforme genealogia do texto estabelecida muito mais tarde por Alexandre Cabral.
E texto denso, tão denso quanto o pode ser uma escrita que tem como objecto a própria floresta, a dominar a narrativa, impondo-se logo no título, como a fortaleza de seiva se impusera aos pobres homens que lá se entregavam à extracção do látex.
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