«E lá fora, indiferente à música fosca que os altifalantes embaciavam, aos lamentos viúvos do boi-cavalo, à jovialidade de pandeiretas cansadas dos excursionistas e ao pasmo da minha admiração comovida, o professor preto continuava a deslizar imóvel no rinque de patinagem debaixo das árvores com a majestade maravilhosa e insólita de um andor às arrecuas.» António Lobo Antunes, Os Cus de Judas (1979) / «Fraco de sangue, embora até ali sobranceiro por causa dos seus interesses nos caminhos-de-ferro, e na finança, o genro viera morrer-lhe a casa, numa fuga espantada, quando os depositantes fizeram a primeira corrida à caixa do banco de que era director e accionista.» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961) / «O tempo estava morno, impregnado dessa quietude de natureza exaurida que se encontra num baque ondulante de folha, ou na água que corre inutilmente pela terra eriçada de canas donde a bandeira do milho foi cortada.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954)
quinta-feira, novembro 30, 2023
terça-feira, novembro 28, 2023
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«Senhoras idosas vestidas de azul, com tabuleiros de bolos na barriga, ofereciam travesseiros mais poeirentos do que as suas bochechas folhadas, perseguidas pelo fastio pegajoso das moscas.» António Lobo Antunes, Os Cus de Judas (1979) / «Um homem pode andar por cá a vida toda e nunca se achar, se nasceu perdido.» José Saramago, Levantado do Chão (1980) / «Uma voz canta ao longe, na dispersão do entardecer.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)
domingo, julho 11, 2021
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«Enquanto lavava os dentes, o espelho da casa de banho mostrou-me cruelmente os estragos, de capela abandonada, dos anos.»*
«Numa mercearia ao lado, a gente da geral comia pão com queijo e decilitrava.»**
«Os meus amigos já lá não estavam, as pessoas que eu amara tinham morrido, a idade não me permitia voltar aos lugares queridos -- a escola primária, o parque, o campo de futebol, a varanda da minha casa fustigada pelo sol das três da tarde -- sem sentir que o meu corpo era demasiado grande para o tamanho desses espaços na memória, que eu era demasiado novo para o conforto da nostalgia, demasiado velho para reviver sem culpa certas alegrias da infância.»***
* António Lobo Antunes, Auto dos Danados (1985)
** Abel Botelho, O Barão de Lavos (1891)
*** Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
domingo, dezembro 08, 2019
um parágrafo de António Lobo Antunes
quarta-feira, abril 03, 2019
vozes da biblioteca
segunda-feira, dezembro 31, 2018
vozes da biblioteca
terça-feira, outubro 02, 2018
terça-feira, maio 01, 2018
segunda-feira, março 19, 2018
domingo, março 18, 2018
domingo, fevereiro 25, 2018
domingo, outubro 22, 2017
Até que as Pedras se Tornem Mais Leves que a Água, de António Lobo Antunes (Dom Quixote)
DesAparições, de Alexei Bueno (Exclamação)
A Revolução Russa, de Sheila Fitzpatrick (Tinta-da-China)
A Última Viúva de África, de Carlos Vale Ferraz (Porto Editora)
terça-feira, maio 09, 2017
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O título: O Eléctrico 16.
1901: «-- Essa ceia está pronta? -- perguntou enfastiado o Serafim, cuja figura esgalgada e curva, tendo vencido o último degrau da escada, assomava oscilando à porta da cozinha.» Abel Botelho, Amanhã
domingo, maio 07, 2017
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1952 [?]: «Vivia-se com muitas dificuldades naquela pequena aldeia da Beira Alta.» Sarah Beirão, Triunfo
1985: «Na segunda quarta-feira de Setembro de mil novecentos e setenta e cinco comecei a trabalhar às nove e dez.» António Lobo Antunes, Auto dos Danados
1988: «Temos dificuldade em compreender nos outros aquilo que não somos capazes de viver.» António Alçada Baptista, Catarina ou o Sabor da Maçã
2008: «O rio, a árvore e o rouxinol tinham a razão de existir idêntica à do dia arrastado pelas metamorfoses sombrias da noite e pelo vento frio do norte.» Miguel Barbosa, Anatomia de um Sonho
sexta-feira, maio 05, 2017
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1942: «Desde o inverno que Jaime andava a falar na visita do seu sobrinho Luís.» João Pedro de Andrade, A Hora Secreta
quinta-feira, fevereiro 09, 2017
os 'utentes' da língua e o Aborto Ortográfico
Página negra na história da língua, como qualquer aborto é um nado morto, porque não há nem haverá nenhuma uniformização do português nos cinco cantos do mundo. Mais ano menos ano, este aviltamento da língua será insustentável, e os governos e as academias vão ter de introduzir alterações consequentes.
No entretanto prevalece o descaso dos decisores políticos e dos apparatchiks, o descaso com que tratam o património cultural português, que é coisa que não vivem nem sentem, a não ser que sintam o cheiro a votos pela manhã.
É uma generalização abusiva, dirão. É uma generalização, porventura injusta, porém nada abusiva, como testemunha o património histórico e cultural deste pobre país. Séculos de analfabetismo (meio milhão em 2017) pagam-se caro.
Repito o já escrito, por mais de uma vez: não há um único grande escritor português que não seja contra o aborto ortográfico. São os escritores os criativos da língua, os que quotidianamente a defrontam e desafiam. Desde que o problema se pôs, nem Saramago, Lobo Antunes, Mário de Carvalho, sancionaram este atentado. Vasco Graça Moura foi exemplar no seu combate cívico. O enorme Vitorino Magalhães Godinho, um dos historiadores de que Portugal se deve orgulhar, teve, contra o aborto ortográfico, o último combate da sua longa vida.
Nada que impressione ou incomode os 'utentes' da língua, como Vital Moreira, que escreve tão bem como qualquer notário, mistura alhos com bugalhos, não percebe que, antes de ser política, a questão da língua é um problema de cultura, em sentido amplo. É claro que para quem 'utiliza' a língua com a mesma displicência com que se serve da carreira 727 da Carris, estes assuntos são uma grande maçada.