Estava a ler um dos textos da Isabel do "Caderno de Campo", sobre a miséria urbana, quando me lembrei de um velho, tido como louco, conhecido popularmente como "Jão Batista", por andar descalço com um varapau nas mãos, ter barbas grandes e usar uma pele de ovelha como casaco...). Ele não era um maluco qualquer, falava com raiva, conhecimento e despeito deste mundo onde vivemos. Recordei-o com tanta nitidez...
Antes de virar costas ao povo que estava no Largo da aldeia, divertido com o espectáculo, disse uma última frase que ainda provocou mais risadas, mas que a mim, me deixou a pensar. Ainda o estou a ver a olhar para os seus pés descalços sujos e a dizer: «ainda vai chegar o tempo em que vocês também vão andar descalços. Mas não é por quererem, como eu, é por não terem nada para calçar.»
Disse aquilo, com um ar quase profético, como se conseguisse ler nas estrelas e afastou-se.
Claro que esta afirmação foi excessiva, mas como estamos a perder tantas coisas, lembrei-me deste "louco"...
Em apenas uma década o que se perdeu no campo dos direitos humanos...
Coisas que demoraram séculos a conquistar, no campo do trabalho, da saúde, da segurança social, da educação, etc, fogem-nos das mãos, de uma forma inexplicável, nos últimos anos, graças aos "ditadores", que governam os principais países e que se escondem atrás da capa do "liberalismo" económico e social, que não passa de um capitalismo, do mais selvagem que se tem visto por aí.
Embora se produza cada vez mais riqueza no Planeta, as desigualdades e a pobreza são cada vez mais evidentes, e já não é apenas no chamado "terceiro mundo".
E nós vamos assistindo a tudo isto, impávidos e serenos...
A imagem simbólica que ilustra estas palavras é a "Pregação de S. João Baptista", da autoria de Diogo de Contreiras, pintor do século XVI.