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sábado, 19 de dezembro de 2020

São Cristóvão pela Europa (137) .

 



Voltemos aos São Cristóvãos desaparecidos.

E de novo a Basileia.

Um dos ex-libris da cidade é o edifício dos Paços de Concelho, a Rathaus:

 


Em 1501, Basileia aderiu à Confederação Helvética e em 1503 a cidade iniciou a construção do edifício a partir das ruínas de um antigo palácio.

O pátio interior é exuberante:

 


Uma parte das pinturas foi executada no início do Século XX.

Mas o que havia antes?

Num trabalho de Elisabeth Landolt de 1980 intitulado Die Statue des Munatius Plancus und der Bildhauer Hans Michel, menciona-se que havia uma pintura, hoje desaparecida, representando São Cristóvão, provavelmente no pátio ou então na fachada das traseiras,.

Com a colaboração do Arquivo da Cidade de Basileia que muito agradeço foi possível localizar uma fotografia de 1904 em que se identifica o esboço da dita imagem:

 


A mesma imagem encontra-se publicada num livro intitulado Rathaus in Basel 1904:





Esta é, portanto, mais uma imagem do nosso Santo que já não é possível vislumbrar.

 

José Liberato





sábado, 21 de janeiro de 2017

Goetheanum.

 
 






21 /5/50
Meu Caro Sr.
Poucas linhas pois dentro de minutos sigo para Paris.
Faço votos para que tudo marche dentro da normalidade
 
Mão muito amiga fez-me chegar este postal, dos anos cinquenta (bem, o postal, pelo que apurei, será dos anos trinta, talvez). Um edifício estranho, certo? Goetheanum, em Dornach, perto de Basileia. Na Suíça, portanto, A sede do Movimento Antroposófico Mundial. Concebido por Rudolf Steiner, com o nome a homenagear Goethe, a história está toda aqui. Sobre a Sociedade Antroposófica muito haveria a dizer. Mas, por hoje, prefiro lembrar a existência de um blogue/site fantástico, o Atlas Obscura, e chamar a atenção para que o mesmo deu um livro recente, que apesar de um bocadinho maltratado nas páginas do TLS, é uma obra muito instrutiva. Para amantes do dark tourism  e doutras bizarrias. Será que o veremos traduzido por cá?  
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Portugal, 1942.

 
 
 
Annemarie Schwarzenbach (1908-1942)
 
 
 
Como referimos ontem, Annemarie Schwarzenbach esteve duas vezes em Portugal: uma em 1941, outra em 1942. Na série «Estrangeiros em Portugal», que tem vindo a ser publicada no Malomil, divulga-se agora um texto de Schwarzenbach intitulado «Soalheiro e agreste Portugal», saído no Thurgauer Zeitung, em 11-VII-1942. Foi extraído do livro Annemarie Schwarzenbach em Portugal (1941, 1942), que recolhe os artigos por si publicados aquando das duas visitas que realizou a Portugal. Coordenada por Gonçalo Vilas-Boas (que também assina uma excelente introdução), a colectânea desses textos, traduzidos por Maria Antónia Amarante, foi editada pelo Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos (Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra).
Margens do Douro, 1907
 
 
Soalheiro e agreste Portugal
 
         Dizes-me: canta, canta
         Mas de canções nada sei
         Que a Coimbra nunca fui
         Por lá ainda não passei…
 
 
Quem canta esta melodia popular, tal como qualquer camponês e qualquer criança, conhece o nome da sua respeitável universidade que foi, no passado, um grande centro de saber e da qual se diz hoje que é preciso ir a Coimbra para entender o espírito do novo Portugal e do seu Governo. O Presidente do Conselho português, Oliveira Salazar, foi professor em Coimbra e de lá deu início à sua notável missão. O Cardeal Patriarca de Lisboa ocupou em tempos uma cátedra em Coimbra. Governo de professores ou ditadura de intelectuais foi a designação dada ao regime do Dr. Salazar, e ambos os títulos são honoríficos. Mas o cantor desta melodia popular nunca passou às portas de Coimbra. Até há pouco tempo, nunca ninguém lhe exigiu que aprendesse a ler e a escrever. É pobre e diz que não sabe cantar. E, contudo, canta, e as suas canções são decerto tão antigas como a Universidade de Coimbra. Pouca coisa mudou. A aspereza da Primavera, a aspereza da vida e o amor melancólico de que falam as canções populares, são as mesmas nos dias de hoje e encontram na alma portuguesa o mesmo eco que no passado.
Porque Portugal, esta varanda da Europa, mau grado a sua luz dourada e o seu grande encanto, não é um país ameno. A vida em Portugal, que hoje acolhe e seduz os estrangeiros – porque nesta bela faixa costeira ainda se concentra a variedade quase exuberante e o conforto das formas de viver europeias – tem pouco a ver com as fontes mais profundas de que se alimentou a alma viva do povo português e que ele irá conservar não obstante os múltiplos temporais.
É com temporais, que nas altitudes do extremo Norte transformam a neve em rosas, que varrem, no Sul, os pastos escalvados do Algarve, agitam, no interior, as copas dos pinheiros e no Tejo enfunam as velas nas barcas dos pescadores, que a Primavera se faz anunciar em Portugal. No cimo do montes, os pequenos moinhos de velas esperam pelo vento; nos campos avermelhados, os bois à frente da charrua resistem-lhe com a larga fronte, como se o quisessem aprisionar na lira dos seus chifres arqueados. O sol escalda e dardeja o seu brilho quase metálico sobre as estradas brancas, mercados de rua, enseadas piscatórias, velhas muralhas e portais de quintas nas aldeias e sobre a superfície cintilante do Tejo e do mar. Mas o vento mete-se de permeio e brinca com as massas de nuvens que se acastelam e, num abrir e fechar de olhos, ensombram o céu e a seguir voltam a evaporar-se, convertendo-se em finos véus, através dos quais irrompe o azul, aqui em tons pastel e mate, ali de um brilho diáfano, acolá intenso como um manto de rei.
Esta agitação do céu, este jogo arisco entre a luz e a sombras, a bonança e a tormenta, a mudança brusca de um calor quase africano para um frio húmido e glacial, funcionam como um alerta para que não nos deixemos seduzir – nem pela areia branca e os canteiros de flores abrigados na Costa do Sol, nem pelos sons das guitarras e as vozes suaves e saudosas dos fadistas. Grandes são os contrastes em Portugal. Imediatamente atrás da baía da Riviera, no Estoril, estende-se um campo agreste, fustigado pelo vento, onde reina a urze, as pedras e uma erva rala; onde moços pastores, com uma manta de feltro esfarrapado às costas e os pés envolvidos em palha e serapilheira, guardam ovelhas e porcos. E por detrás da nostalgia dos fados, por detrás da palavra saudades, que significa, a um tempo, melancolia e remorso, dor da distância, ternura e amor que é intraduzível esconde-se uma tristeza séria e profunda, que faz parte da herança dos portugueses. Os viadutos romanos que lhes atravessam os campos, as capelas e as muralhas de fortificações visigóticas, as cidadelas árabes, as torres mouriscas e os sólidos palácios dos seus primeiros reis, que vinham conquistando a partir do Norte e em demanda da cidade de Lisboa, recordam que os portugueses provaram os destinos de múltiplos povos, a torre de Belém, na foz do Tejo, dá testemunho da época grandiosa em que daqui largaram os navegadores nas suas caravelas para dar a conhecer o mundo aos europeus, e os belos palácios evocam esses tempos de grande riqueza e de grande poder. Mas esses destinos eram transitórios e o país, tal como as circunstâncias que enformaram a terra e as gentes, permanecem iguais a si mesmos.
Às vezes, ouve-se dizer que foram a riqueza e o poderio mundial que incutiram maus hábitos à nação portuguesa e a debilitaram; que a perda desse poderio mundial a teria levado à resignação e ao esgotamento. Esta interpretação é precipitada e superficial. Lá fora, os homens do campo nunca tiveram parte em qualquer riqueza que os debilitasse e vivem hoje, tal como antigamente, de parco sustento e trabalho árduo, situação dificilmente comparável à de outro povo europeu; a marca de uma gravidade respeitável, neles gravada por uma existência agreste, associa-se a uma jovialidade profunda e genuína que provém da mesma fonte. Basta assistir a uma tourada portuguesa, que já na época dos reis visigóticos constituía um jogo cavaleiresco da nobreza e um motivo de diversão para o povo, para reencontrar na mestria simultaneamente viril e donairosa dos cavaleiros, no espantoso adestramento dos seus magníficos cavalos, a tradição de uma nação cavaleiresca. Não é um espectáculo sangrento; na versão portuguesa, o touro não é morto e os cavaleiros mais famosos são filhos de famílias antigas que, no campo, criam cavalos e touros. Finalmente, era preciso ter visto na manhã de temporal do 10 de Maio os pequenos veleiros, com três e quatro mastros, dos pescadores de bacalhau, concentrados sobre o Tejo como um rebanho, para receberem a bênção episcopal antes da largada para a Gronelândia; com esta bênção da pátria levam consigo a agrestia dos seus ventos e o travo agreste e grave da sua vida.       
 
Annemarie Schwarzenbach



quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Lisboa, 1941.

 
 
 
Annemarie Schwarzenbach (1908-1942)
 
 
 
 
A escritora, jornalista e fotógrafa suíça Annemarie Schwarzenbach (1908-1942) é bastante conhecida entre nós, graças a uma retrospectiva da sua obra fotográfica («Auto-Retratos do Mundo», no CCB, 2011) e à edição de dois livros, com chancela da Tinta-da-china: Morte na Pérsia e Auto-Retratos do Mundo. Menos conhecido é um breve livro intitulado Annemarie Schwarzenbach em Portugal (1941, 1942), que recolhe os artigos por si publicados aquando das duas visitas que realizou a Portugal. Coordenada por Gonçalo Vilas-Boas (que também assina uma excelente introdução), a colectânea desses textos, traduzidos por Maria Antónia Amarante, foi editada pelo Centro Interuniversitário de Estudos Germanísticos (Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra).
Não é este o momento mais adequado para falarmos da biografia extraordinária de Annemarie Schwarzenbach, limitando-nos a reproduzir o primeiro artigo que publicou sobre Portugal: «Lissabon – neues Leben in einer alten Stadt», saído em 19-III-1941 no Die Wetlwoche e traduzido entre nós, como se disse, num interessantíssimo livro coordenado por Gonçalo Vilas-Boas.   
 

Lisboa, 1941
Fotografia de Annemarie Schwarzenbach

 
 
 
Lisboa – vida nova numa cidade antiga
 
Em Lisboa, não se encontram muitas casas antigas que tivessem sobrevivido ao terramoto de 1755. No entanto, com as suas ruelas empedradas subindo as colinas, as largas escadarias, as fachadas barrocas das igrejas, lojas de vinhos, cafés e pátios orientais, há na cidade um carácter de antiguidade contemplativa; e a pétrea majestade de algumas frontarias palacianas com pesados portais, o esplendor do faustoso Mosteiro de Belém conferem-lhe um cunho de grandeza histórica enquanto a fresca brisa marítima e a doçura calorosa do sol, derramando a sua luz sobre os jardins e as colinas cobertas de oliveiras, lhe acrescentam uma nota de desembaraço e alegria de viver comum aos portos meridionais. Não me deveria ter surpreendido quando, não faz muito tempo, me dirigi ao endereço onde outrora funcionara a embaixada de um pequeno país abalado pelo início desta Guerra Mundial e, fora da cidade, a grande distância do centro, deparei com uma casa apalaçada que reunia todas estas características. Na ruela dominada pelo ruído dos cascos de cavalos, das peixeiras, das buzinas dos táxis, mal se abriam duas ou três janelas estreitas na parede da casa amarelo ocre que, no seu impressionante silêncio, lançava, ao sol do meio-dia, uma sombra indolente e solene. Algum tempo antes tinham-nos precedido, entrando pelo portão, duas carruagens, uma de dois e outra de quatro cavalos, dirigindo-se para a escadaria da entrada. Após a passagem, reinava agora um silêncio e uma frescura quase monacais. Enquanto esperava pelo criado que se apressara a subir a escada, tive ensejo de lançar um olhar ao pátio interior da casa onde floresciam, lado a lado, narcisos, cactos e camélias de um rosa profundo, de estilo mourisco. Depois, conduziram-me pela escadaria de pedra acima, passando pelas cópias enegrecidas de quadros a óleo espanhóis e romanos e, numa sucessão de salas luminosas decoradas com tapetes marroquinos e de Baccarat, tapeçarias e gravuras francesas amarelecidas, fiquei à espera do antigo embaixador que agora representa em Portugal a Cruz Vermelha do seu país.
         Em Ancara, havia alguns anos, conhecera o irmão que também era embaixador e tinha a paixão dos cavalos (…).
         Antes de me despedir dele, revelou-me o nome da ilustre família portuguesa em cujo palácio da cidade ele residia, por assim dizer na qualidade de refugiado.
         «Antes, a casa estava desocupada», explicou-me ele, «mas a catástrofe europeia que aniquilou todas as conquistas da nossa civilização ou as converteu em armas contra a humanidade sofredora, devolveu a Portugal um significado trágico no limiar de um mundo que está para se descobrir.»
         Esta conversa não foi a única do género que tive em Lisboa. Nos dias de hoje, a secção nacional da Cruz Vermelha da maioria dos países europeus tem representantes nesta cidade e o Comité Internacional de Genebra enviou um funcionário seu no passado mês de Novembro. A 22 de Dezembro, o primeiro barco da Cruz Vermelha largou do porto de Lisboa, rumo a Marselha, com um carregamento de donativos. Um comissário especial para os refugiados tem também um gabinete em Lisboa. 
 E isto é apenas um breve excerto do panorama que é o novo significado de Lisboa. Atente-se no seguinte: este é o último porto livre na costa europeia do Atlântico. Aqui aportam os paquetes da American Export Lines, a única companhia que ainda assegura o tráfego entre a Europa e os EUA. Aqui aportam os transatlânticos da América Latina e os navios de África e os clippers panamericanos. O Canal de Suez está encerrado; o Mediterrâneo volta a ser mais um lago interior vigiado por Gibraltar do que um mare nostrum. Quem quiser chegar à Índia, tem de contornar o Cabo da Boa Esperança, como nos velhos tempos, e o continente nego é imenso: os navios portugueses precisam de mais de quatro semanas para ir de Lisboa até Lourenço Marques, em Moçambique. Um amigo meu que foi enviado para o Egipto como observador militar ficou quase um mês retido em Lisboa, sem arranjar forma de chegar ao Cairo. E ele tinha passaporte e os vistos em ordem. Na grande sala de espera da Europa, estão sentados milhares de viajantes, uns sem papéis e sem direito de cidadania, outros sem dinheiro e quase todos sem uma autêntica esperança no futuro, aventureiros a contragosto, filhos empobrecidos e deserdados do nosso continente. A cidade do Infante D. Henrique, da qual, como de um recife, foram outrora lançados ao Atlântico os pequenos veleiros dos intrépidos descobridores, é hoje o ponto mais extremo da Europa de onde se espraia o olhar para Ocidente. Mas a atmosfera é diferente e no porto, à largada dos navios americanos, vêem-se muitas lágrimas.
 
Annemarie Schwarzenbach