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quinta-feira, 29 de março de 2012

Retratos (2): André e Dorine.




Após o Anschluss, a mãe envia Gerhard Hirsch, com quinze anos, para um colégio interno na Suíça, a fim de sobreviver ao nazismo. De pai judeu e mãe católica, separados, apesar de baptizado, Gerhard é Mischling e está em perigo. Sobrevive, sim, mas irremediavelmente só. Renuncia então às origens. Renuncia mesmo a falar alemão. Por quarenta e quatro anos.
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O jovem André

Quando decide tornar-se francês, descobre Sartre e o existencialismo. Também ele frequentou Aux Deux Magots.
 
Aux Deux Magots

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E em 1947, ainda na Suíça, conhece uma inglesa, Dorine. É o coup de foudre.
   
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André e Dorinne
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Em França, chama-se André Gorz a partir de 1958, e torna-se num dos pensadores mais profundos da sociedade do trabalho. Um maître penseur sem a comédia dos discípulos, afasta-se de Sartre.
Crítico, rigoroso, espírito livre, denuncia o dogmatismo. Quando jovens militantes italianos o questionam sobre a natureza do Maio de 68, despede-os com estas palavras: “Prévenez-moi quand la révolution éclatera.” Dedicar-se-á a uma refutação dos fundamentos do marxismo, que culmina em 1980 na obra Adieux au prolétariat. Não lho perdoarão.
Mas Dorine sofre de uma doença terrível, degenerativa, que a tolhe e lhe provoca dores excruciantes. Nesse ano de 1980 André retira-se para o campo, onde vai cuidar dela por mais de vinte anos.
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Gorz no campo

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Vivem numa casa simples, rodeada por duzentas árvores por si plantadas. Escreve então a sua autobiografia de um amor, Carta a D..

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Manuscrito de Gorz

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“Vais fazer oitenta e dois anos. Encolheste seis centímetros, não pesas mais do que quarenta quilos e continuas bela, graciosa e desejável. Faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos e eu amo-te mais do que nunca. Carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do teu corpo contra o meu é capaz de preencher.”
O contraste com o par Sartre-Beauvoir é notado..
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Jean-Paul e Simone

Jean-Paul e Simone, a experiência da abertura e da sinceridade. André e Dorine, o pacto da exclusividade e da fidelidade.
On ne fait jamais ce qu´on veut et on ne veut jamais ce qu´on fait. De sorte que chacun est hétéronome. Et pourtant on fait ce que l´on juge devoir faire … ».
Unidos para a vida inteira, são o que fazem juntos. Nada dão um ao outro. Dão-se. “Compreendi contigo que o prazer não é algo que se tome ou que se dê. Ele é uma forma de dar-se e de pedir ao outro a doação de si. Nós nos doamos inteiramente um ao outro.”
Quando é assim, só a fidelidade é possível..
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André e Dorinne

A separação dos pais marcou-os, mais André: “Você tinha uma confiança inabalável na justeza dos seus julgamentos. De onde tirava essa segurança? E, no entanto, você também teve pais separados ...”.
O exemplo paternal da separação, o pavor da solidão, o corte com as raízes, a perda da referência ideológica, explicariam a sua radical ética do amor? Fidelidade como única forma de garantir segurança nas relações humanas?
Não será a fidelidade, muito mais do que isso, a expressão natural de um amor profundo, autárcico, luminoso? Tão luminoso que lhes permite dizer: “Vivemos no infinito do instante ...”.
Mas vamos envelhecendo, os recomeços vão sendo cada vez menos possíveis. Até ao momento em que não há mais recomeço. Como Filémon e Báucis, André e Dorinne afirmam não querer sobreviver um ao outro: “Nous aimerions chacun ne pas survivre à la mort de l´autre.”  Fiéis até no fim, morrem juntos em 24 de setembro de 2007.

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Os deuses em casa de Filémon e Báucis


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Os deuses gregos, gratos pela sua hospitalidade, mantiveram unidos os amantes. Transformaram-nos   num carvalho e numa tília que conviveram para sempre no cimo  de uma colina, símbolos da eternidade do amor conjugal..
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Carvalho



Entre as duzentas árvores que André e Dorine plantaram, cremos que um carvalho e uma tília perduram. As suas sombras tocam-se amorosamente no fim de cada dia.
Tília
 
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Não haverá ninguém que publique em Portugal “Carta a D.”??
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Letter to D.
Edição brasileira


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José Luís Moura Jacinto