Os
que, com razão ou sem ela, acusam o livro de Riccardo Marchi de promover o
Chega estão a promover o Chega muito mais do que o livro de Riccardo Marchi
alguma vez conseguiria.
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domingo, 2 de agosto de 2020
terça-feira, 7 de julho de 2020
Não insultem a memória.
Há coisas que parecem
mentira, mas não são.
A crer nas notícias, a
próxima directora do Museu do Aljube – Resistência e Liberdade vai ser Rita
Rato Fonseca, ex-deputada do PCP.
Irá substituir o reputado historiador Luís Farinha, que alcançou a idade da reforma, com uma vida dedicada ao estudo da História, em particular sobre o período do Estado
Novo.
Agora, perguntais e bem:
porquê, Rita Rato? Sim, porquê Rita Rato?
Tem formação académica ou
outra em História? Nop.
Tem obra publicada ou
investigação feita nesse domínio? Nada, absolutamente nada.
Tem alguma experiência
curricular para o cargo? Niet, nenhnuma, zero.
Então que tem ela, além
de uma tremenda lata?
Tem, sem dúvida, uma apreciável dose de ignorância histórica a seu lado.
Mais, Rita Rato, tal qual
os alunos cábulas, não sabe História e não se interessa por aprender História.
Uma vez, perguntaram-lhe sobre os crimes do estalinismo. Respondeu a jovem deputada... ouçamo-la, vale a pena:
- Como olha para os erros do passado
cometidos por alguns partidos comunistas do Leste europeu?
- O PCP,
depois do fim da URSS, fez um congresso extraordinário para analisar essa
questão. Apesar dos erros cometidos, não se pode abafar os avanços económicos,
sociais, culturais, políticos, que existiram na URSS.
- Houve experiências traumáticas...
- A avaliação
que fazemos é que os erros que foram cometidos não podem apagar a grandeza do
que foi feito de bom.
- Como encara os campos de trabalhos
forçados, denominados gulags, nos quais morreram milhares de pessoas?
- Não sou
capaz de lhe responder porque, em concreto, nunca estudei nem li nada sobre
isso.
- Mas foi bem documentado...
- Por
isso mesmo, admito que possa ter acontecido essa experiência.
- Mas não sentiu curiosidade em
descobrir mais?
- Sim,
mas sinto necessidade de saber mais sobre tanta outra coisa...
Tinha ela 26 anos, a
licenciatura feita em Ciência Política e Relações Internacionais e, pasme-se,
nunca tinha ouvido falar do estalinismo e dos seus crimes. Acreditam?
Questionaram-na também sobre
a China. De novo, a ignorância evasiva, obviamente comprometida e de má-fé:
- Concorda com o modelo que está a ser
seguido na China pelo PCC?
- Pessoalmente, não tenho que concordar
nem discordar, não sou chinesa. Concordo com as linhas de desenvolvimento
económico e social que o PCP traça para o nosso país. Nós não nos imiscuímos na
vida interna dos outros partidos.
- Mas se falarmos de atropelos aos direitos humanos, e a
China tem sido condenada, coloca-se essa não ingerência na vida dos outros
partidos?
- Não sei que questão concreta dos
direitos humanos...
- O facto de haver presos políticos.
- Não conheço essa realidade de uma
forma que me permita afirmar alguma coisa.
- Mas isto é algo que costuma ser notícia nos jornais.
- De facto, não conheço a fundo essa
situação de modo a dar uma opinião séria e fundamentada.
- No curso de Ciência Política e Relações Internacionais,
não discutiu estas questões?
- Não, não abordámos isto.
Diz-se agora que o júri
da EGEAC a nomeou porque ela apresentou um projecto interessante» para o Museu
do Aljube. Ei, amigos, estarão a gozar connosco? Não percebem que, com o seu cadastro
revisionista, Rita Rato é a última das últimas pessoas a poder ser nomeada para um museu
como aquele?
Que isenção tem ela para o
lugar, que competência, que experiência? Nada de nada. Consigo traz apenas,
dizem, um «projecto interessante».
Vistas as coisas por esse
prisma, também o Gulag foi um «projecto interessante». E os milhões de mortos
da Coreia do Norte esses, então, são interessantíssimos.
Mas por isso nunca se
interessou Rita Rato, que nunca leu nada, nunca estudou nada, não soube nada, não disse nada, um zero completo. Uma mulher que fugiu escandalosa e despudoradamente às perguntas que lhe fizeram sobre questões básicas que têm a ver com História e com Direitos Humanos, a
matéria-prima de que é feito qualquer museu de resistência e liberdade digno desse
nome.
O Aljube vai passar a ter, coitado, uma directora amnésica. Uma directora ignorante, falsificadora da História e assassina
da memória, uma apparatchik que foi tremendamente gozada, e bem, pelo desconcerto completo das suas afirmações sobre Estaline ou a China.
Dizer que Rita Rato é incompetente
seria pressupor que tem um mínimo de competência para o cargo. Não tem.
E
nomeá-la é um insulto grave, um insulto grave aos
historiadores e investigadores portugueses, a gente competente e independente, aos cidadãos desta Lisboa, aos resistentes e às vítimas pela liberdade, a todas elas, sem excepção, aos que lutaram e sofreram no Tarrafal, em Auschwitz, no Gulag, na Coreia do
Norte, em Hong-Kong, em muitos lugares.
Rita Rato será decerto
numa pessoa estimável e com competência para muita coisa.
Mas para dirigir o Museu
do Aljube, isso tenham paciência, não, isso nunca, jamais, em tempo algum.
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quarta-feira, 6 de junho de 2018
Nancy Negra.
Um
livro mítico. Aparecido pela primeira vez em Janeiro de 1934, esta recolha esmagadora,
Negro Anthology, uma compilação de
mais de 900 páginas, foi feita por um nome não menos mítico, Nancy Cunard (1896-1965). Herdeira
da fortuna da célebre companhia marítima Cunard, frequentadora do Blomsbury
Group, amiga de Virginia Woolf, fotografada por Man Ray, musa de Aragon, Tristan Tzara, Ezra Pound, Aldous Huxley, seus amantes, a que se juntariam Hemingway ou James Joyce. Para desgosto de sua
mãe, Nancy tornou-se companheira de Henry Crowder, um pianista afro-americano e
o casal decidiu reunir o maior número possível de testemunhos sobre o racismo,
os linchamentos, a segregação. A obra, uma antologia clássica, foi agora editada em França.
Nancy Cunard, fotografada por Man Ray
|
sexta-feira, 25 de maio de 2018
La Raza de Franco.
Raza é um filme de 1941 baseado no livro homónimo
que Francisco Franco publicou sob o pseudónimo Jaime de Andrade. Algumas cenas dão
bem a noção do prodigioso burlesco que é Raza
na tela, filmada por Sáenz de Heredia. Nunca li o livro semiautobiográfico de Franco, mas pelo que se vê do
filme… valha-nos Díos. Um belíssimo apontamento trágico-cómico. «Muy bien, Sáenz de Heredia, usted ha cumplido», disse Franco ao realizador, descido o pano da projecção privada que, mal rodada a fita, teve lugar no Palacio de El Pardo. Franquismo e cinema, nota final: na sua monumental biografia de Franco, o historiador Paul Preston diz que, morto o ditador, a sua quinta passou a ser usada para a rodagem de filmes de cowboys e películas pornográficas. Arriba, España!
quinta-feira, 22 de março de 2018
Tempo de Guerra.
PROIBIDO FALAR
ITALIANO, alemão e japonês: Quadro obrigatoriamente exposto em casas
comerciais, repartições públicas, clubes, ou em locais de aglomeração pública.
Produzido pela Delegacia de São Lourenço do Sul, RS, em 2 de março de 1942,
atendendo à legislação da Ditadura Vargas quanto à proibição de se falar
línguas estrangeiras em público, em especial dos países do Eixo, da Segunda
Guerra Mundial: Alemanha, Japão e Itália. Foto acervo: Edilberto Luiz Hammes.
Publicado em “Folha Pomerana” N° 231, 2018 – 17 de março de 2018.
sexta-feira, 24 de junho de 2016
Do marxismo ao fascismo em sorites.
Trinity College, Dublin - Biblioteca
|
A polémica em torno da
afirmação de José Rodrigues dos Santos de que a imprensa fez eco – “as origens
do fascismo estão no marxismo” (Público,
30-5-16) -, a propósito do seu mais recente romance, animou um pouco o debate
público nacional. Manteve-se relativamente civilizado, o que não é muito comum
na nossa tradição cultural. Alguma coisa boa resultou (serviu para
esclarecimento de alguns conceitos políticos e uns quantos factos históricos), muito
embora, no final de contas, o que a JRS parece ter importado terá sido apenas defender
essa sua afirmação inicial. Ora ela é precisamente a razão da polémica, como procurarei
explicar com a serenidade permitida pela distância geográfica. A minha pergunta
é: depois dos dados apresentados por todos os intervenientes, será mesmo que a
afirmação se pode manter?
Primeiro que tudo,
nunca vi uma afirmação semelhante em nenhum livro de história ou teoria
política, pelo menos dos autores que me habituei a respeitar. Então, a resposta
parece-me clara: só mesmo se tomarmos esses termos em sentido nada rigoroso,
tipo conversa de café, superficial e inconsequente, e, mesmo assim, só aplicada
ao fascismo italiano. Por exemplo, a hermenêutica literária, que hoje
escalpeliza muitos textos tradicionais apodando-os de machistas e racistas,
teve origem na hermenêutica bíblica levada a cabo sobretudo pelos biblistas
alemães do século XIX. Mas daí poderemos concluir o quê? Apenas que se trata de
uma ligação histórica contingente totalmente alheia aos precursores da referida
tradição hermenêutica. Numa sequência de eventos e influências díspares ao
longo dos tempos, um evento ou conjunto deles acaba desencadeando uma série de
outros em variadíssimas direcções por uma relação de sucessão, acabando o
evento inicial por ter muito pouco a ver com o ponto de chegada.
A questão da afirmação de José Rodrigues
dos Santos emerge quando a leitura dela estabelece implicitamente uma mais
estreita relação entre os dois termos: o fascismo faz parte da essência do marxismo.
O problema, pois, está nesse possível sentido implícito na frase. O autor dela
pode sempre reclamar não ter sido sua intenção estabelecer tão íntimo nexo, no
entanto, muitos leitores poderão sempre responder: Mas foi nesse contexto que a
entendi. E não sairemos daqui nunca mais. Seria preciso fazer-se uma sondagem
aos leitores perguntando-lhes: O que
significou para si essa afirmação de JRS?
Por mim, entendi-a como
querendo insinuar ser o fascismo uma consequência do marxismo, essa consequência
implicando que o fascismo está lá no embrião teórico do próprio marxismo.
Se essa leitura é legítima (eu
honestamente, repito, li assim), então há que averiguar. Impõe-se, portanto, uma
análise de conceitos e de movimentos políticos. Ela aliás foi feita – e muito
bem - por alguns dos intervenientes cujos textos chegaram até mim (António
Araújo e Francisco Louçã, Público, 30
e 31-5-16)
Mas queria acrescentar
algo: identifico na frase de JRS uma falácia clássica (o termo tem o sentido
técnico rigoroso de erro lógico) cujo nome ainda hoje circula pelo menos entre
historiadores, cientistas sociais e até mesmo advogados (nos tribunais).
Chama-se post hoc, propter hoc
(depois disso, logo por causa disso). Uma sequência de eventos pode constituir
apenas uma sucessão contingente sem o evento inicial ter qualquer relação de
causa-efeito com a conclusão. O marxismo, ao passar por uma série de situações
históricas, acabou nalgumas variantes que nada tinham a ver com as concepções
do seu criador, Karl Marx. Isso aconteceu e acontece constantemente na história
em todas as áreas. Um exemplo simples? A Inquisição. Não será necessário contar
aqui as suas origens e desenvolvimento. E todavia, seguindo a lógica subjacente
à afirmação de JRS, podemos criar uma situação paralela afirmando: a Inquisição
tem origem no cristianismo.
Compreende-se que, se
alguém tivesse feito tal afirmação, inúmeros cristãos e não-cristãos chamariam
a contas o seu autor. Ele viria
defender-se explicando como historicamente as relações de sucessão ocorreram.
Um pensante clássico, preocupado com o rigor lógico, porém, apontar-lhe-ia
logo: falácia do post hoc propter hoc.
A leitura benévola, porém, seria: Deixa andar, a frase é tão genérica que não
vale a pena perder tempo com ela. Contudo, muita gente se incomodaria se ela
fosse proferida por alguém com impacto entre os seus ouvintes.
(Um parênteses: a
afirmação de JRS, lida no sentido rigoroso, incorre noutra falha lógica
tradicionalmente apodada de sorites. De um termo passa-se para outro por
qualquer relação semântica, terminando-se com uma conclusão estapafúrdia. O
humor serve-se dessa técnica. Veja-se, por exemplo, aquela do filósofo acotovelando
acidentalmente um transeúnte que reage: Tem
Graça! O filósofo prossegue rua abaixo pensando consigo: Tem
graça? Graça do Senhor, Senhor dos Passos… Paços do Conselho… Concelho
de Ministros… Ministro da Guerra… Guerra Junqueiro…. Junqueiro… Junqueira de
Alcântara… Alcântara do Mar… Do mar à serra… Serra da Estrela… Estrelas tem o
céu… O céu é azul… Azul, tinta de escrever… Escrever para França… De França vêm
os bebés… Os bebés mamam… Mamas tem a vaca… A vaca tem cornos… Filho da mãe!
Chamou-me corno!)
Regressemos, todavia,
aos conceitos e à história. Muito embora JRS lembre que “nem os académicos se entendem sobre todas estas
definições e catalogações” (Expresso,
4-6-16), isso não implica que não valerá a pena tentarmos fazer alguma luz
conceptual sobre os termos em causa nesta polémica. Resumirei ao máximo
procurando ser tão rigoroso quanto possível.
Socialismo não
é sinónimo de marxismo. O socialismo precedeu Marx. Era fundamentalmente uma
doutrina política com base numa ética que valorizava acima de tudo a justiça
social. O marxismo incorporou o socialismo numa doutrina muitíssimo mais
abrangente. O marxismo é uma metafísica materialista, com uma lógica (a dialéctica
– daí o materialismo dialéctico), uma epistemologia (a ciência
empírico-positivista), uma filosofia da história (a luta de classes), inspirada
numa teoria económica anti-capitalista, com uma teoria política sobre a tomada
do poder (a revolução e a ditadura do proletariado), para a instauração de uma
nova ética: a socialista. Bastará lembrarmo-nos do socialista francês Proudhon,
autor do famoso A Filosofia da Pobreza,
e da resposta que Marx lhe deu no seu A
Pobreza da Filosofia. Quer dizer, Marx achava que o socialismo formulado por
Proudhon era de uma grande pobreza filosófica. A sua doutrina (Marx não se
intitulava marxista) instaurava uma nova maneira de propor o socialismo,
fazendo-o brotar de um complexo e genial sistema que tornava o advento do
socialismo algo inevitável.
Portanto, na
lógica de JRS, poderíamos perfeitamente dizer, e aliás com mais rigor: o
fascismo tem origem no socialismo.
Só que é mais
do que sabido que o socialismo francês anterior a Marx, por exemplo, tem um
fundo profundamente cristão. Portanto, poderíamos ainda alterar a frase e irmos
bem mais longe: o fascismo tem origem no cristianismo.
Ficaríamos
mais elucidados? Claro que não. Quem conhece bem a história do pensamento
político ocidental conhece também toda a sequência de contingências.
O que achei
deveras curioso foi o facto de ter figurado neste debate uma figura como
Georges Sorel, que caíra inteiramente (ou quase) no olvido. O nacionalismo de
Sorel é que veio inspirar uma série de desenvolvimentos de teóricos a ponto de
líderes políticos acabarem por desistir por completo do marxismo, fazendo casar
apenas o socialismo com o nacionalismo. E tudo isso sem nenhuma causalidade
directa, apenas porque as visões do mundo se foram, por inúmeras razões,
alterando.
Vai para três
décadas, venho chamando a atenção para a importância de Sorel (no Réflexions sur la Violence, 1908) a fim
de se entender a obra Mensagem, de
Fernando Pessoa. Não propriamente por causa do nacionalismo, pois não era essa
a grande novidade da proposta de Sorel, mas por causa do seu conceito de mito.
Os marxistas tinham deixado de acreditar na possibilidade da revolução e Sorel
veio explicar-lhes o falhanço: os povos não se movem por ideias abstractas, mas
sim por mitos. Todavia, têm de ser mitos que lhes toquem fundo, que tenham algo
a ver com a sua ‘alma nacional’ (na altura um conceito muito em voga). Foi
assim que o nacionalismo, conceito obviamente já existente há muito, se
espalhou entre os marxistas (e não só), para acabar sendo removido e dele
recuperando-se apenas a faceta do socialismo. Hitler, por sinal, nada tem de
marxista; é simplesmente um nacional-socialista.
Expliquei
também (passe a auto-publicidade, os interessados terão tudo isso num volume
meu recente: Pessoa, Portugal e o Futuro,
Gradiva, 2014) que Pessoa conhecia Sorel e agarrou-lhe a ideia: para os
portugueses ressurgirem do marasmo em que estavam, precisavam de um mito
nacional e, no nosso caso, não era sequer necessário inventar um, pois já tínhamos
o sebastianismo. Era só fazê-lo renascer e integrá-lo numa nova proposta
colectiva, um novo ideário para o país.
Voltando ao
modelo de associação conceptual de JRS, também aqui poderíamos dizer: Mensagem, de Pessoa, tem origem no
marxismo soreliano. E, no entanto, trata-se apenas de uma importação de
elementos por via puramente contingente.
Assim, no meio
das simplificações todas atrás elaboradas, mas que procurei fossem estabelecidas
com rigor histórico e conceptual, pergunto-me:
se a frase de JRS fosse tomada à letra e, portanto, como simples resumo
de uma associação contingente – o marxismo também desembocou no fascismo –,
teria provocado toda esta polémica? Creio que não. Até porque nunca teria surgido
em título nos jornais. Porque foi entendida como implicando muito mais do que
de modo algo inocente afirma é que ela provocou tanta celeuma. E é exactamente
por tal motivo que também, a esta distância, me senti impulsionado a vir tentar
destrinçar alguns conceitos. Não para defender o marxismo. Nunca fui marxista,
muito embora inclua Marx como leitura obrigatória no programa de uma disciplina
que lecciono há 35 anos, por achar fundamental para se entender o debate
teórico sobre valores éticos. Porque acho possível fazer alguma luz e, mais do
que isso, por julgar deveras importante que se a busque. Daí atrever-me a
entrar nesta liça. Fosse a afirmação de José Rodrigues dos Santos um mero
truísmo, não valeria a pena debatê-la. Mas também não teria valido a pena ele
afirmá-la em caixa alta nos jornais e vir depois defendê-la.
Onésimo Teotónio Almeida
(publicado originalmente no JL - Jornal de Letras Artes e Ideias, de 22-VI-2016, aqui reproduzido com permissão do autor. Obrigado, Onésimo, um abraço!)
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segunda-feira, 30 de maio de 2016
Fascismo é quando um homem quiser.
Hoje,
no Público, um texto sobre José Rodrigues dos Santos. E, como uma desgraça nunca vem só, sobre fascismo e
marxismo.
sábado, 2 de abril de 2016
Mandei-lhe uma boca, de Olga Gonçalves.
«A
Cândida! A seguir àquilo andou toda revolucionária. Que a pena dela era ter
nascido no tempo dos fascistas, que toda a gente agora ia ter estudos – nunca mais
se calava. Mas outro dia ouvi-a dizer à Júlia: “A gente pobre tem de estar com
os ricos, que são eles que nos fazem ganhar dinheiro.” Oh! Dependência do
dinheiro, não! O que ela vê é que não eram nada sem nós!»
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Memórias de juventude.
Duas visitas minhas no período do Colégio Militar:
o Alcazar de Toledo e Fátima
O Alcazar de Toledo
|
Dois
dos episódios da minha passagem pelo Colégio Militar merecem ser especialmente
recordados nestas memórias íntimas, ambos de especial relevo simbólico ou até
mitológico, além de terem sido, cada qual no seu modo peculiar, dois traumas
que influíram na minha forma mentis
de adolescente: os dois dias passados no santuário de Fátima, como membro da
guarda de honra junto ao altar das cerimónias do desfile das velas e da grande
missa nocturna de 12 para 13 de Maio, o que deve ter ocorrido em 1951 ou 1952,
assim como a longa visita que o colégio do largo da Luz fez a Espanha, num
desses anos, no verão, ficando todos os alunos hospedados nos arredores da
capital, num quartel de Villaverde, indo ao Teatro Real de Madrid para a
apresentação de um auto de Gil Vicente, o Monólogo
do Vaqueiro, a que se seguiria, no dia seguinte, uma peregrinação de grande
pompa e circunstância, a um dos altares do Falangismo, um dos lugares sagrados
da memória franquista, o Alcazar de Toledo, onde fomos recebidos pelo
próprio Moscardó.
Começarei
recordando a visita ao Alcazar, esse símbolo da determinação de resistência dos
fascistas espanhóis às encarniçadas tentativas de conquista pelos soldados
republicanos dessa praça-forte nas mãos dos militares sublevados contra a
democracia em Julho de 1936. Fomos ali recebidos pelo famigerado protagonista
dessa celebrada façanha de armas, o outrora coronel de infantaria José
Moscardó, já septuagenário, carregado de comendas e títulos pelo regime do
generalíssimo. A nossa presença nesse altar do Fascismo seria, desta forma, o point d’orgue da nossa visita do Colégio
Militar a terras dos nossos irmãos em ideologia, e à qual se seguiria, à tarde,
na sede da Falange toledana, um espectáculo militar com exercícios dos membros
da milícia a nadarem numa piscina olímpica, todos fardados e de botas cardadas, com uma espingarda Mauser às costas,
enquanto entoavam o Cara al sol!,
cerimónia que havia de rematar num grandioso jantar no qual os nossos gentis
hospedeiros nos deram vinho branco em profusão e, supremo requinte de viril camaradagem
de armas, um charuto para cada um dos “meninos da Luz”, habano que fomos fumando no regresso, altas hora da noite, de volta
a Villaverde, em camiões militares onde, completamente emborrachados pelo
generoso álcool hispânico, íamos cantando, estrada fora, versos
inexplicavelmente (e ingratamente) anti-espanhóis como:
“O rei de Espanha
É feio que nem um bode
E a rainha de Espanha
Não com ele que f…”
Contudo, o que mais me
impressionou na recepção matinal no pátio do Alcazar de Toledo, nesse Julho
escaldante, foi a aparição da velha, mirradinha e rediviva múmia militar
franquista, com a sua farda carregada de medalhas, brindando-nos com a sua
oratória histérica sobre a intrépida defesa da fortaleza tornada mito da
ditadura fascista, o glorioso José Moscardó, chamando-nos a cada momento, com
voz de falsete, “portuguesitos valientes”, ao mesmo tempo que os destemidos
“meninos da Luz”, vencidos pela inclemência solar, iam caindo redondos, aqui e
além, no meio das nossas filas em sentido diante do herói de 1936, sem que
ninguém prestasse qualquer auxílio às vítimas da insolação, porque era preciso
que a cerimónia chegasse ao fim, sem perturbar a discursata da múmia franquista,
pois só então os moços tombados seriam recolhidos à enfermaria, para serem reanimados,
de maneira que o famigerado militar não se pudesse aperceber do que acontecera,
enquanto nos ia apelidando de “portuguesitos valientes!”…
Moscardó no Alcazar de Toledo
|
O outro episódio, sem
dúvida menos pitoresco mas bem mais determinante na minha já difícil relação
com a religião católica, foi o das duas noites passadas em Fátima, no meio dum
teimoso chuvisco de primavera e do salmodiar incessante dos “à-avé-à-avés” dos
milhares de peregrinos em nosso redor, essas almas penadas de um fervor
religioso que nada me dizia. Antes de mais, convém acrescentar que, por um
lapso verdadeiramente freudiano que na altura me encheu de temor e pavor, ao
fazer na camarata do colégio a minha maleta com a farda de gala, cor de pinhão,
mais uma barretina de cor igual, rematada por um pequeno pompom verde, eu me esquecera
de levar também as calças, de modo que, antes de nos prepararmos para a partida
para o altar em Fátima onde faríamos a guarda de honra ao lado de outras
escolas e regimentos militares, me dei conta da horrível gaffe que cometera, auto-excluindo-me de qualquer hipótese de
figurar no altar da grande missa nocturna, por falta das calças de veludo condizentes.
O
oficial do colégio que comandava a nossa missão em Fátima, ao explicar-lhe eu o
trágico e a todos os títulos tão imperdoável esquecimento das calças da minha
farda de gala, lançou-me então um olhar petrificante de Medusa e, de tão apopléctico
que ficara no seu furor contra a minha falta atroz, nem foi capaz de articular
uma única frase coerente, limitando-se, depois de regougar sons sombrios de
besta ferida, a fazer na minha direcção um gesto agressivo que eu compreendi
significar que passaria o resto da noite na minha tenda de campanha, a expiar
um crime de tal magnitude que não havia pena possível para exorcismar tal erro
ou punir o seu miserável autor. E foi o que fiz, com uma espécie de Schadenfreude estóica, excluído como
réprobo, condenado à geena, embora, no fundo, percebesse que algures, nestas
subtis malhas que o Destino tece, um mão oculta me tinha afinal libertado duma
obrigação que me desolava cumprir.
Aquele monótono cantochão
da multidão dos peregrinos, o monótono e obsidiante “à-avé-à-avé” era, na
verdade, o coro duma tragédia que eu traduzia intuitivamente como o treno
repudiando um réprobo expulso duma religião que, nunca tendo sido a minha,
jamais o seria alguma vez. Na realidade, nada de grave me aconteceu, a não ter
passado uma noite inteira, sozinho e recolhido na triste tenda, a ouvir os
pingos de chuva e sobretudo o monótono canto dos peregrinos que entoavam a sua
fé, que não era a minha, à espera que os meus camaradas voltassem da cerimónia
da guarda-de-honra ao altar. Quando, altas horas da noite, os meus camaradas
chegaram à tenda, contei-lhes o horrível sucesso, o que eles acharam, com
surpresa minha, ser uma astúcia prodigiosa para escapar a um frete. E a única
consequência decisiva, ou cicatriz que tal desastre me deixou tatuado na alma
jovem, foi compreender, de um modo quase talmúdico, que aquele gesto falhado de me esquecer das calças
da farda de gala não passava duma falta que tinha um sentido superior simbólico,
sobretudo atendendo ao lapso involuntário que estava na sua origem.
João Medina
Excerto do livro inédito Memórias
de um Estrangeirado
N.B.: Este episódio, pitoresco mas verídico, é descrito também na minha
autobiografia romanceada Náufragos do
Mar da Palha, 2006, pp.199-203.
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Bernanos contra Franco.
Georges Bernanos e o seu veemente
panfleto político contra Franco,
Os Grandes Cemitérios ao Luar (1938)
“L´avant veille deux cents habitants de la petite ville
voisine de Manacor, jugés suspects par les Italiens, avaient été tirés de leurs
lits en pleine nuit, conduits par fournées au cémitière, abattus d’une balle
dans la tête et brûlés en tas un peu plus loin. Le personnage que les
convenances m’ obligent à qualifier d’évêque-archevêque, avait délégué là-bas
un de ses prêtes qui, les souliers dans le sang, distribuait les absolutions
entre deux décharges. Je n’insiste pas plus longtemps sur les détails de cette
manifestation religieuse et militaire (…).
“…cette petite île majorquine est un vase clos. Le sang n’y
séchera pas vite.”
G. Bernanos, Les Grands
Cimetières sous la Lune.[1]
“Do not believe
Because the
blood has not been answered
The lie will
not be answered
Do not believe it.”
Archibald
MacLeish, poema The Spanish lie.
Les Grands Cémitières sous la Lune foi uma da obras francesas que mais me impressionou, embora seja
essencialmente um panfleto político e moral contra um dos maiores crimes
cometidos no século XX, os massacres perpetrados em Maiorca pelos Falangistas,
no início da Guerra Civil espanhola, quando ali residia em Palma o romancista
católico Georges Bernanos (1888-1948). Estabelecido nas Baleares desde 1934, amigo
da família monárquica e franquista dos marqueses de Zayas, o escritor francês deixou
dessas atrocidades e do apoio que lhes deram os prelados espanhóis na “cruzada
anticomunista”, um dois mais extraordinários textos de protesto de uma consciência
cristã indignada com a sangrenta repressão, feita com o auxílio de “Camisas
negras” italianos enviados por Mussolini, como o célebre e sinistro “conde”
Rossi,[2]
trajado de negro com uma cruz branca pendurada no pescoço, que calcorreou a
ilha numa carro de corrida vermelho, na companhia de um capelão falangista armado, assassinando trabalhadores maiorquinos, cenas
a que Bernanos dedica duas páginas sangrentas no seu panfleto.
Dest’arte, neste extensíssimo
panfleto veemente, o romancista católico que escrevera Sous le
Soleil de Satan (1926) e o Journal
d’un Curé de Campagne (1936), que fora antigo discípulo do jornalista
anti-semita Édouard Drumont (1844-1917) e do dirigente monárquico da “Action Française” Charles
Maurras (1869-1952), assim como inicialmente simpatizante de Franco, tornar-se-ia,
desde a publicação d’Os grandes Cemitérios ao Luar (1938), uma
das vozes mais vibrantes e dramáticas na
denúncia do imperdoável horror que as milícias e tropas nacionalistas cometiam
na ilha mediterrânica, sob o nome da “cruzada anticomunista” – o historiador
britânico Hugh Thomas cifra em 3.000 os republicanos fuzilados nas Baleares, contra 7.000 a 8.000 na Navarra,
9.000 em Sevilha, 9.000 em Valladolid, 2.000 em Saragoça e, ao todo, cerca de
50.000 nos seis primeiros meses da guerra civil em toda a Espanha [3] –,
erguendo esse monumento de cólera ferida como um solo de uma invulgar força
espiritual e força literária. Raramente um crime tão hediondo se traduziu em
palavras de uma indignação magoada, nobre e duradoira. Rompendo com a direita
na qual militara tantos anos, Bernanos inscrevia-se, com esta incandescente archote
polémica, no reduzido número de escritores católicos franceses, como Jacques
Maritain (também dissidente da Action Française) François Mauriac, como um dos ardentes
adversários da causa que irmanava Franco, Mussolini, Salazar e Hitler.
Henri Cartier-Bresson, Sevilha, 1933
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Leiamos esta passagem d’Os Grandes Cemitérios…: “Vi lá, em
Maiorca, passarem pela Rambla camiões carregados de homens. Rolavam com um
barulho de trovão, ao lado das esplanadas multicores, lavadas de fresco, muito
molhadas, com o seu alegre murmúrio de festa popular. Os camiões estavam
cinzentos com a cor da poeira das estradas, cinzentos também os homens sentados
quatro a quatro, comos bonés cinzentos poisados de lado e as suas mãos ao longo
das calças de cotim, bem tranquilos. Eram apanhados em cada entardecer nas povoações
perdidas, à hora em que voltavam dos campos; partiam para a sua derradeira
viagem. A camisa colada aos ombros pelo suor, os braços ainda cansados do trabalho
da jornada, deixando a sopa servida em cima da mesa e uma mulher que chega demasiado
tarde à porta do jardim, toda esbaforida, com uma sacola embrulhada numa toalha
nova: A Dio – recuerdos!”[4]
Rompendo com o seu mestre
Charles Maurras, contra o qual escreveu diversas obras, como Nous autres Français (1938) e Scandale de la Vérit , Bernanos constatara,
a partir da atitude dos prelados católicos espanhóis durante a guerra civil que
presenciara em Maiorca, esta verdade amarga: “A Cristandade fez a Europa. A
Cristandade está morta. A Europa vai morrer…”, (Sous le Soleil…),[5] dirigindo
uma série de críticas contundentes à igreja que falava de “Cruzada contra o
Comunismo” – não garantira o bispo de Salamanca que os comunistas e os anarquistas
eram “filhos de Caim” e que “os judeus e os maçons tinham envenenado a alma
nacional com absurdas doutrinas, e os contos tártaros e mongóis se tinham
convertido num sistema político”? [6]
Bernanos abria a segunda
parte do seu panfleto com estas palavras: “A Tragédia espanhola é um montão de
cadáveres. Todos os erros de que a Europa acaba de morrer e que ela tenta vomitar
em terríveis convulsões vêm ali apodrecer juntas.”[7] A
partir deste ponto, o panfleto colérico de Bernanos dirige-se especialmente ao
episcopado espanhol que ajudou Franco na sua “cruzada anticomunista” ou “Guerra
santa”, acrescentando: “Penso que a Cruzada espanhola é uma farsa (…). Por
detrás do general Franco reencontramos as mesmas gentes que se mostraram
igualmente incapazes de servir uma Monarquia que eles finalmente traíram ou
organizaram uma República que tinham largamente contribuído a fazer, as mesmas
gentes, ou seja, os mesmos interesses inimigos, num instante federados pelo
ouro ou pelas baionetas do estrangeiro. É a isto que chamam uma revolução
nacional?”[8]
Quanto aos prelados espanhóis que defendiam a “Cruzada”, Bernanos trata-os ironicamente
por “Excelências” e “Suas Senhorias”, declarando que na aventura franquista se
consumava a ruptura entre a Igreja de Deus e os pobres, impostura que ele não
tolerava, verberando-a com uma veemência profética. Contudo, apesar do seu tão
evidente Zeitgeist que impregna este
livro circunstancial, Os Grandes
cemitérios… continuam a ser, como há mais de três quarto de século, uma
obra imorredoira, que não envelheceu, antes se lê hoje como aquilo que ela
também é, um monumento da escrita literária, da melhor literatura, uma obra de
cultura redigida no meio dum período de trevas e opressão, um texto admirável e
justo. Creio mesmo que esta obra e um dos raríssimos exemplos de uma panfleto,
redigido como libelo bradado “sub specie temporis”, que ganhou uma estatura
literária e profética que o colocou na esfera das obras que são lidas geração
após geração, como um texto de profecia e nobreza anímica.
A leitura deste prodigioso
grito de repulsa – que só foi editado em português 30 anos depois (1968) – suscitou-me,
ao lê-lo há muitos anos atrás, uma das mais fortes emoções intelectuais, como
poucos outros textos foram capazes de me transmitir, até pelo facto inegável de,
nesta esplêndida cólera de uma consciência ousadamente livre diante das
mentiras dos “biens-pensants”, se sentir vibrar uma escrita de imenso valor retórico,
forte dimensão espiritual – mesmo para um leitor alheio à fé religiosa de
Bernanos – e densidade intelectual, já que nas mais de quatrocentas páginas
desse grandioso panfleto se ouve o trágico monólogo de uma consciência
excepcionalmente lúcida e corajosa diante dos massacres que em Espanha se
cometeram. E soma-se ainda a essa valia o apreço que me deu achar nele um
detalhe curioso, a passagem onde Salazar era tratado com o merecido desdém que
lhe causavam outros ditadores da época, como Hitler, Estaline, Franco e Hirohito,
fingindo Bernanos esquecer-se do nome do político português da altura – mencionando-o
apenas como “o autocarta português cujo nome me escapa”, astúcia oratória que
volta a repetir duzentas páginas adiante, desta forma: “o autocrata português
cujo nome me escapa uma vez mais, caramba – o distinto professor vegetariano
que redigiu, como Dolfuss, a constituição dum inofensivo Estado corporativo e
que espera, sem dúvida, mais tarde ou mais cedo, o mesmo destino que o seu
pobre confrade.”[9] (Era evidente que o
adjectivo de “vegetariano” tinha uma função puramente desdenhosa para Salazar).
Pouco depois, criticaria
com a mesma indignada repulsa os responsáveis políticos franceses pelos acordos
de Munique que tinham permitido a Hitler ocupar a Checoslováquia (Nous Autres Français, 1938), em seguida
condenaria nos seus escritos o armistício de 1940 e a demissão da França de
Pétain, o regime de Vichy. Em Julho de 1938, Bernanos partia, com toda a sua
família, com a sua mulher e os seus 6 filhos, para o Paraguai, dirigindo-se
logo a seguir para o Brasil, onde chega ao Rio em 1 de Setembro. Estabelece-se
numa fazenda em Juiz de Fora (Minas Gerais), depois em Vassouras, em seguida em
Pirapora e Barbacena, como agricultor e criador de gado, onde viveria até 1945,
período que recordaria no seu livro Les
Enfants humiliés (póst., 1949) e, no Brasil, em Le
Chemin de la Croix-des -Ames,
reeditado em França em 1948.
Em suma, Bernanos, não
viveu na Europa nem o período da Segunda Guerra Mundial, nem a ocupação da
França, nem o regime de Vichy. Regressando a Paris em 1945, por iniciativa do
general De Gaulle, que lhe enviara um telegrama pedindo o seu retorno – o
político no qual o romancista viu sempre a encarnação da honra francesa
ultrajada –, a demissão do chefe da França Livre, em 1946, suscita-lhe o desejo
de partir de novo, o que faria em 1947, em direcção à Tunísia, onde escreveria
sua derradeira obra, a peça O Diálogo das
Carmelitas, só tornando ao seu país por motivo de doença grave, falecendo
no hospital americano de Neuilly, em Julho de 1948.
João Medina
[1] G. Bernanos, Les Grands Cimetières sous la Lune , Paris, Livre de Poche, 1962, pp. 139-40 e 183-4,
respectivamente. Veja-se a apresentação e notas que acompanham esta obra (Les Grands Cimetières….) no volume das obras completas de G.B, Essais et Écrits de Combat, Paris,
Gallimard, col. Bibliothèque de la
Pléiade , 1971 (pp.1408-1489, notas dea Jacque Bachot e pref. geral de Michel Estève, pp.IX-LI,). E veja-se o estudo
de Max Milner, Georges Bernanos,
Paris, Librairie Séguier, maxime
pp.231-251.
[2] Cf. Bernanos, op. it., pp.162-3. O britânico Hugh Thomas ocupa-se da acção de Rossi na
sua obra La Guerra
civil española, Barcelona, Mondadori, no vol. I, p.414 (acção nas Baleares)
O tão falso “conde” como “general” Rossi, chamava-se, na verdade, Arcovaldo
Bonaccorsi. Várias divisões de fascistas italianos enviadas por Mussolini,
participaram na guerra civil espanhola, como em Guadalajara, dirigidas por
Mario Roata, cognominado de “Mancini” (1887-1968), mais tarde julgado na Itália
como autor de crimes de guerra,, onde
fora chefe do Estado Maior italiano do Duce, sendo condenado e depois libertado,
recuperando as suas honrarias.
[9] Bernanos, op.
cit. pp.196 e 414. O filho mais velho de Bernanos estava então alistado na
Falange. Nas suas cartas, a partir de Setembro de 1936, G .B. deplora a
ferocidade dos crimes franquistas de que fora testemunha em Palma. O prefácio desta
obra sua é datado de Janeiro de 1937, sendo o livro publicado em França em
1938. Na citada edição da colecção Pléiade, incluem-se o textos sobre a guerra
civil de Espanha não reunidos em livro de G.B., pp.1423-1450. Em relação ao seu
maurrasianismo, veja-se o estudo de Paul Sérant Les Dissidents de l’Action Française, Paris, Editions Copernic,
1978, pp.113-168 (G. Bernanos). Sobre o seu exílio na América do Sul, veja-se a
obra de M. Milner, Georges Bernanos,
Paris, Librairie Séguier, 1989, pp.265-287. Sébastien Lapaque publicou
um estudo dedicado ao exílio brasileiro de G.B., Sous le Soleil de l’Exil, Paris, Grasset, 2003. Quanto ao chanceler
austríaco Engelbert Dollfuss (1892-1934), chanceler federal desde 1932 a 1934, herdeiro
espiritual de Monsenhor Seipel, procurou fazer da Áustria um estado cristão e
autoritário, criando o partido Frente Patriótica (extrema-direita), no que foi
apoiado por Mussolini, proibindo o partido nazi austríaco que defendia o Anschluss. Em 1934 fez uma nova Constituição
criando um regime cristão autoritário e corporativo. Foi assassinado pelos SS
austríacos em 25-VII-1934. Sucedeu-lhe Kurt von Schuschning (1897-1977), mas a
anexação da Áustria pela Alemanha hitleriana consumar-se-ia quatro anos depois,
sendo o sucessor de Dollfuss preso pela Gestapo (1938-1945). Emigrou para os
E.U.A. depois da guerra.
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