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terça-feira, 6 de agosto de 2019

José Ruy, A ILHA DO CORVO QUE VENCEU OS PIRATAS (2018): croudwriting

Quando atravessamos talvez o melhor momento de sempre da BD portuguesa, pela profusão e qualidade de desenhadores e argumentistas, é de elementar justiça lembrar aqui o último abencerragem dos tempos heróicos das histórias aos quadradinhos nacionais: José Ruy (Amadora, 1930), das páginas de O Papagaio, O Mosquito, Cavaleiro Andante, Tintin, Spirou – até hoje. Apaixonado pela História e pela sua divulgação, não por acaso, a principal personagem que criou é o navegador Porto Bomvento, a singrar pelos cinco cantos do globo; e dois dos seus trabalhos mais marcantes resultem das adaptações em banda desenhada da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto e Os Lusíadas, de Luís de Camões, a que podemos acrescentar as muitas monografias sobre cidades e vilas do país, sem esquecer as várias biografias, de Charles Chaplin a Dimitrov, reveladoras desse interesse. No campo humorístico, o artista deu o seu contributo na que foi talvez a melhor revista que por cá se publicou, o semanário Tintin. Quem lhe percorreu as páginas, decerto não esquece a dupla de repórteres Clique e Flash deambulando pela redacção do hebdomadário, caricaturando com imensa graça quem a produzia semanalmente, em especial Dinis Machado e Vasco Granja, que nela tiveram influência decisiva.
Se o crowdfunding é uma prática normalizada pela comunicação das redes sociais, com A Ilha do Corvo que Venceu os Piratas (Âncora Editora, 2018), José Ruy tornou-se pioneiro do que poderemos chamar croudwriting, uma vez que a narrativa teve a participação activa dos corvinos, na composição deste relato de história antiga. No século XVII, aquela população isolada fez frente, com êxito, a um ataque duma frota de dez embarcações de piratas barbarescos – assim eram chamados os salteadores marítimos baseados em Argel e em Túnis –, que frequentemente empreendiam razias nas ilhas e no continente, em especial no Algarve, saqueando e fazendo cativos, vendidos nos mercados de escravos do Norte de África.
A narrativa parece seguir de perto as fontes documentais de que o autor lançou mão, por vezes com excesso de didactismo. Trata-se, porém, duma BD clássica de autor histórico, que à História e aos clássicos consagrou uma boa parte do seu labor.  O traço ágil de José Ruy conserva-se inalterado. As vinhetas iniciais da primeira prancha são esplêndidas em movimento e cor, dando em cheio a solidão da pequena ilha, exposta à inconstância dos elementos naturais no meio do Atlântico, e o insulamento daquela população entregue a si própria e a Deus, apenas lembrada pelo donatário, quando este exigia o tributo anual. (Âncora Editora, Lisboa, 2018)