Da exposição sobre Hergé (nome artístico de Georges Remi, 1907-1983), que esteve patente na Fundação Gulbenkian, fica um catálogo, que é basicamente um roteiro da mesma, concebido pelas Éditions Moulinsart, no formato de um álbum de Tintin. Inclui um texto de apresentação de Guilherme d'Oliveira Martins – aliás, um reconhecido bedéfilo – e, como bónus, um outro livro, coordenado por António Cabral, precioso pelas informações que compila a respeito da presença das personagens do autor belga no nosso país e, principalmente, pela documentação que reproduz, cremos que inédita: um desenho original e correspondência.
Quanto ao original, destacado na capa, um bacalhau entre Tintin e Oliveira da Figueira, orgulho dos portugueses no mundo de Hergé, que ainda nos presenteou com um anónimo jornalista do Diário de Lisboa, em Tintin no Congo, e o Prof. Pedro João dos Santos, da Universidade de Coimbra, um dos cientistas da expedição de cientistas de A Estrela Misteriosa. Este desenho foi motivado por uma visita de Francisco Hipólito Raposo e Pedro Emauz Silva aos Estúdios Hergé, em 1958. Na ausência do autor, deixaram um cartão de visita impresso, em que se lia: “SENHOR/ OLIVEIRA DA FIGUEIRA / (ANTIQUAIRE, BIJOUTIER ET BRIC-À-BRAC) / LISBOA / AFRIQUE DU NORD”. Mais tarde, Hergé enviará uma reconhecida carta de agradecimento e este desenho com a dedicatória aos seus amigos fiéis em Portugal – tal como “Tintin a pour fidèle dans le monde, le Senhor Oliveira da Figueira”...
Muito interessante é o resgate da figura do Padre Abel Varzim (1902-1964), o primeiro tintinófilo português e o responsável por o nosso país ter sido tambném o primeiro não-francófono em que as aventuras de Tintin se publicaram – em 1936, nas páginas de O Papagaio, revista dirigida por Adolfo Simões Müller, propriedade da Igreja – e pioneiro na colorização das histórias. Doutorando na Universidade de Lovaina e assinante do Vingtième Siécle, em cujo suplemento infantil se publicavam as aventuras do jovem repórter, entrou em contacto com Hergé por intermédio do jornal. A reacção deste aos primeiros exemplares publicados na revista portuguesa, foi ambivalente. Numa carta muito cordata, chamava a atenção para a supressão de vinhetas, truncando a narrativa, mas mostrava-se entusiasmado com a circunstância de ter as sua personagens coloridas: “estou encantado por ver aparecer os meus desenhos a cores.” Informa-nos António Cabral que enquanto O Papagaio publicou Tintin, a colorização foi sempre feita cá, mesmo quando os álbuns da Casterman já continham a cor original. Outros assuntos nos traz esta correspondência, como o conhecido episódio do pagamento em géneros, durante a ocupação da Bélgica na II Guerra, e o conflito entre Varzim e Simões Müller, quando este, despedido de O Papagaio, funda O Diabrete, pretendendo levar consigo Tim-Tim – como então era grafado – e as restantes personagens, que entre nós se estrearam com nomes (e sexo) diferentes: a cadela Rom-Rom (!), o Capitão Rosa, (Professor) Pintadinho de Fresco e os inefáveis X33 e X33 aspas aspas...
Hergé em Portugal
autor: António Cabral et alii
edição: Fundação Calouiste Gulbenkian, e Éditions Moulinsart, Lisboa, 2021