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sexo é como a presunção e a água benta: cada qual toma o que
quer. Este episódio de Dylan Dog, Trevas Profundas,
publicado originalmente em Itália em 2018, e lançado entre nós
pela nova editora A Seita, é uma incursão bem lograda no mundo do
sadomasoquismo, conjugado com o crime e o sobrenatural, universos por
onde se move o “detective do pesadelo”.
O
argumento é de Dario Argento (Roma, 1940), cineasta de culto do
cinema de terror (Suspiria,
1977), que entra no
universo de Dylan Dog como faca em manteiga, secundado pelo
argumentista Stefano Piani (Imola, 1965). Embora com paralelos
narrativos com o cinema – os storyboards
estão, aliás na vizinhança dos quadradinhos –, a BD conhece uma
linguagem própria; e Argento, que, de resto, tem em Piani um
colaborador em alguns filmes, não iria certamente arriscar-se a
'borrar a pintura' sem dominar essas competências, no que foi
avisado. A história é consistente, e tem o twist
para surpreender o leitor.
Tudo
começa numa galeria de arte londrina, na exposição de fotografia
subordinada ao tema do S&M, em que Dylan é atraído por uma
mulher fugidia. A acção decorre no meio da aristocracia inglesa,
vista como demasiado vetusta e moralmente corrompida, acumulando
séculos de poder degradante sobre “os de baixo”. O exemplo dado
a propósito dos whipping boys.
é particularmente expressivo. Trata-se de uma prática reservada à
educação dos príncipes, um pouco por todo lado, da Europa ao
Oriente, em que um rapaz do povo, companheiro de brincadeira e
estudo era chicoteado por cada falta grave que o infante cometesse;
dado o vínculo de amizade estabelecido entre ambos, presenciar o
castigo era uma insuportável fonte de remorsos, e uma forma de o
príncipe, no futuro, pensar várias vezes antes de cometer faltas
graves. Na narrativa dá-se a entender tratar-se de um regime
extensivo à nobreza, o que é uma fantasia. A antipatia de Argento
pela aristocracia “de sangue” é notória, pondo na boca de uma
personagem as palavras do iluminista Giuseppe Parini (1729-1799):
«não se deve celebrar o sangue da alma que definha» (p. 66). O
motivo está, contudo, bem aproveitado.
Mas
o melhor são os desenhos, o traço esguio do experimentado Corrado
Roi (Laveno-Mombello, Varese, 1958); as cenas’bondage’ no
teatrinho que acolhe as sessões são esplêndidas e vão ao limite
da perversão. O mesmo se diz do final, de uma terrível beleza,
sugerido pelo próprio Roi, que – de acordo com Piani – foi
acolhido pelos argumentistas, por ser melhor que a ideia original de
Argento, mais poderoso, mais “diabolicamente argentiano”, e que
vale, só por si, todo o livro.
Uma
palavra para o critério editorial de incluir um texto introdutório
que situa o leitor, a cargo de João Miguel Lameiras e João Pedro
Castello Branco, bem como breves notas biográficas sobre os autores,
prática que deveria ser seguida por outros.
Dylan
Dog – Trevas Profundas
texto:
Dario Argento e Stefano Piani
desenhos:
Corrado Roi
edição:
A Seita, Lisboa, 2019