Jacques
Tardi (n. 1946) é um dos mestres da banda desenhada europeia,
um estilo único; mais do que herdeiro da linha clara de Hergé
e Jacobs, foi alguém que a transfigurou, tornando-a marca pessoal
imediatamente reconhecível. Neto de um soldado das trincheiras, a
Grande Guerra é um tema obsidiante neste autor, que, logo no
verso do frontispício, avisa-nos ao que vem: «Tenho a
impressão de que não podemos fugir à guerra. Mesmo nós, mesmo
hoje. / A guerra que mostro não é mais que o décor de 14-18, os
uniformes. / Acho que continua actual, o que me inquieta.» Neste
álbum, com argumento do romancista Didier Daeninckx (n. 1949), a
insanidade da carnificina do conflito mundial de 1914-18 aparece
carregada na sua crueza pela utilização magistral do preto e
branco, com terra e carne humana retalhadas pelos projécteis
arremessados por todas as bocas de fogo, abrindo crateras
no lamaçal da Flandres. Duas vinhetas por página são quanto basta
para a respiração do texto de Daeninckx: «Uma tonelada de pólvora
da casa Krupp destruiu tudo: os mortos, o pelotão, a pocilga onde
nos tinham fechado.» A trama, sendo simples, é rica, explorando os
quiproquós em que a comédia humana é fértil, aqui exponenciados
pelos desencontros da guerra, à rectaguarda: o hospital de
campanha, o bordel, os desertores com destino marcado. (Edições
Polvo, 2001)
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quarta-feira, 7 de agosto de 2019
quarta-feira, 18 de junho de 2014
50 álbuns: 17. Franquin & Jean Darc, O FEITICEIRO DE TALMOROUL (1950) -- um conde, um edil, um cigano -- um velho Spirou
Em O Feiticeiro de Talmourol (Il y A un Sorcier à Champignac, 1950), Spirou e Fantásio planeiam fazer campismo numa aldeia, cujo titular, o Conde Pacómio Hegésipo Adelardo Ladislau, em primeira aparição, será personagem de importância crescente na série, até hoje. As intervenções iniciais serão, porém, do cabotino presidente da Câmara, também em estreia, e de uma família cigana, por ele escorraçada, por antecipação de pilhagalinhagem.
O factor de comicidade é introduzido pelos novos semáforos que o maire manda instalar numa recta -- sem trânsito, mas isso só seria notado pelos inimigos políticos e do progresso, porque ele é que sabia, ele é que era o presidente da Câmara... A família cigana, de caravana, com o homem a pé, é admoestada por passar o sinal vermelho; para o conde, que transgride em sua dona-elvira, uma acentuada vénia, embora com fúria; dois ciclocampistas ajoujados com as pesadas mochilas pejadas -- Spirou e Fantásio --, esses sim, o edil vê neles a oportunidade de tirar desforço pelo atrevimento do desrespeito pelas regras de trânsito: "Alto! Seus garotos! Não vêem o sinal vermelho?!"
Franquin e Jean Darc (Henri Gillain), Spirou -- O Feiticeiro de Talmourol, tradução de Ricardo Alberty, Lisboa, Editorial publica, 1981, pranchas 1-2.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
50 álbuns: 16. Rosinski & Van Hamme, A FEITICEIRA TRAÍDA (1980) -- um início prometedor
Na névoa e na neve, um homem impele outro, manietado, em direcção a um rochedo à beira-mar, o anel dos crucificados, cujas argolas prendem os infelizes ali aferrolhados, condenando-os à morte por afogamento, com a subida da maré.
O carrasco é Gandalf, o Louco e a vítima Thorgal Aegirsson. Ambos se invectivam até que Gandalf, reagindo ao insulto, fere Thorgal no rosto.
No drakkar de Gandalf, uma jovem e bela mulher está amarrada ao mastro. É loira, é linda, é filha do Louco (na prancha seguinte saberemos o seu nome, Aaricia).
Trata-se do álbum de estreia (1980) de uma das grandes criações do belga Van Hamme e do polaco Rosinski, uma promessa que passados todos estes anos foi muito bem cumprida.
Rosinski & Van Hamme, Thorgal -- A Feiticeira Traída, trad. Marília Alves, Lisboa, Livraria Bertrand, 1983, pranchas 1-2.
O carrasco é Gandalf, o Louco e a vítima Thorgal Aegirsson. Ambos se invectivam até que Gandalf, reagindo ao insulto, fere Thorgal no rosto.
No drakkar de Gandalf, uma jovem e bela mulher está amarrada ao mastro. É loira, é linda, é filha do Louco (na prancha seguinte saberemos o seu nome, Aaricia).
Trata-se do álbum de estreia (1980) de uma das grandes criações do belga Van Hamme e do polaco Rosinski, uma promessa que passados todos estes anos foi muito bem cumprida.
Rosinski & Van Hamme, Thorgal -- A Feiticeira Traída, trad. Marília Alves, Lisboa, Livraria Bertrand, 1983, pranchas 1-2.
sexta-feira, 14 de março de 2014
50 álbuns: 15. Vernes 6 Forton, A ESPADA DO PALADINO (1967) -- Os rapazes tinham pressa.
A minha geração foi das últimas destinatárias de um certo tipo de produtos (para)literários juvenis assentes na aventura pura e dura, sem grandes pedagogismos à mistura. Havia uma designação que caravterizava muito bem esse segmento editorial: as "bibliotecas para rapazes". A Editorial Íbis, que publicou em álbum Astérix, Lucky Luke, Strapontam, tinha uma mais direccionada "Colecção Pilote", com as sagas de Bob Morane, Barba Ruiva, Tenente Blueberry (Fort Navajo) e Tanguy & Laverdure, ou seja: aventura e ficção científica; piratas; western; guerra, espionagem e aviação.
Embora o meu Bob Morane seja o de William Vance, A Espada do Paladino, história desenhada por Forton (com argumento de Vernes) foi uma das que marcou a minha infância. Começa no castelo de Morane na Dordonha, numa noite de bátega, em que, na companhia de Bill Ballantine, é surpreendido pela visita do seu conhecido Professor Hunter. Este, incapaz, devido a um acidente recente, de testar uma máquina do tempo de que é inventor, convida o herói para fazer o ensaio, com os riscos inerentes; convite aceite sem mais aquelas por Morane, para desespero de Ballantine, na última vinheta da segunda prancha (e que a abrir a narrativa se queixara de estarem ambos a enferrujar, pela inacção a que se tinham votado). Rapidez estonteante (na mesma prancha, o Prof. Hunter é recebido e o desafio aceite...). E tinha de ser mesmo assim, porque os rapazes que nós éramos, devoravam a revista ou o álbum (relidos muitas e muitas vezes nos anos que se seguiriam), para pegarem na bicicleta, dar toques na bola, descer uma rua num carrinho de rolamentos, dar um mergulho na praia (os que a tinham por perto) ou, até, jogar à pedrada... Os rapazes tinham pressa, e os mestres que escreviam, desenhavam e publicavam estes universos de sonho, sabiam-no.
Vernes & Forton, A Espada do Paladino, Venda Nova, Editorial Íbis, 1970, pranchas 1-2.
terça-feira, 4 de março de 2014
50 álbuns: 14. Godard, O EMIR DOS 7 BEDUÍNOS (1974) -- Às portas de Mandahmerh
Firmin Vestigue, detective privado, chega de jipe às imediações do palácio decrépito do recém-falecido soberano do ignoto emirado de mandahmerh, "não longe das portas de Omã". Recebe-o Ibrahim, o vizir, preocupado com a vacatura do modesto trono: dum lado, o poderoso vizinho de Kakh-Haweit, com ambições territoriais; nas montanhas do interior pululam rebeldes fortemente armados; Ibrahim, porém, está decidido a matar por suas próprias mãos quem se atrever a sentar-se indevidamente no trono de Mandahmerh...
Ainda é cedo para aparecer o fleumático Martin Milan, uma das mais sublimes criações da bd franco-belga, humanista e bem-humorada. Era mesmo daquelas que eu fazia questão de ter as histórias em duplicado, na revista Tintin, primeiro, e em álbum, depois.
Godard, Martin Milan -- O Emir dos 7 Beduínos, trad. Marília Alves, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1979, pranchas 1-2.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
50 álbuns: 13. J. C. Mézières & P. Christin, O EMBAIXADOR DAS SOMBRAS (1975) -- desenhar o "nada"
A vinheta inicial de O Embaixador das Sombras, de Mézières e Christin mostra-nos um recuado "nada". Desde os tempos imemoriais em que o Universo não conhecia vida, até ao "Ponto Central", o âmago das encruzilhadas do espaço, corolário duma aspiração comum a todos os seres vivos inteligentes: explorar os céus.
Nunca fui adepto da ficção científica, demasiado gelada para mim. Excepção feita ao nobre agente espácio-temporal Valérian e a sua nada fria companheira, Lauréline.
Jean-Claude Mézières & Pierre Christin, O Embaixador das Sombras [1975], tradutor não identificado, Lisboa, Meribérica, s.d., pranchas 1-2.
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
50 álbuns: 12. Will Eisner, O EDIFÍCIO (1987) -- o espírito do lugar
A primeira prancha apresenta-nos, em vinheta única, um edifício de esquina com 14 pisos, construído em finais do século XIX, inícios do seguinte. Um edifício em que, por algumas gerações, se viveu, nasceu e morreu, com tudo o que isso implica. Até que o prédio foi demolido, e com ele o lastro imaterial de aspirações humanas que acolheu.
Tratam disto as duas primeiras pranchas de um dos livros da minha biblioteca de BD que mais prezo: O Edifício, do enorme Will Eisner (1907-2005). No prefácio a esta sua obra, Eisner diz-se convicto de que não é impunemente que estes imóveis acolhem vidas durante vidas: «[...] estou certo de que essas estruturas marcadas por risos e manchadas por lágrimas são mais do que edifícios inertes»; e o livro é também uma insurgência contra a depredação dum património cultural, arquitectónico, artístico e imaterial a que se assiste numa cidade. Nada mais eloquente do que a epígrafe de John Ruskin: «Os edifícios antigos não nos pertencem. Em parte, são propriedade daqueles que os construíram; em parte das gerações que estão por vir. Os mortos ainda têm direitos sobre eles: aquilo por que se empenharam não cabe a nós tomar.»
Will Eisner, O Edifício [The Building, 1987], tradução anónima, São Paulo, Editora Abril, 1989, pranchas 1-2.
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
50 álbuns: 11. W. Vance & J. Van Hamme, O DIA DO SOL NEGRO (1984) -- um homem tatuado
Numa casa de praia na costa americana, Abe gasta as horas da reforma na pesca, em companhia do cão. Sally, a mulher, chama-o para o almoço, ao mesmo tempo que o cocker spaniel está inquieto, procurando atrair o dono para um local mais afastado das rochas, onde jaz o corpo de um homem ainda novo. Com ténues sinais vitais, Abe e Sally transportam-no até à moradia. O homem vai chamar uma médica, e Sally, procurando acomodar o estranho sinistrado o mais confortavelmente possível, detecta uma tatuagem por cima da clavícula.
Creio que, antes de XIII, apenas Fort Navajo, de Charlier e Gir, me haviam provocado tanto interesse nas categorias das bedês fleuve, de álbum para álbum, a ver como tudo aquilo se desenrolava. Não admira, pois, em ambos os casos estamos a falar de dois dos maiores argumentistas da bd franco-belga: Jean-Michel Charlier e Jean Van Hamme; e se Vance não é Giraud, teve a envergadura suficiente para lhe traçar um Blueberry.
W. Vance & J, Van Hamme, XIII -- O Dia do Sol Negro, tradução anónima, Lisboa, Meribérica / Liber, s.d., pranchas 1-2.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
50 álbuns: 10. Derib, CHINOOK (1974) -- era novidade
Duas figuras minúsculas movimentam-se, ao longe, num qualquer sopé duma zona montanhosa do Oeste americano. Na segunda vinheta distinguimos uma raposa perseguindo uma lebre, até que (3.ª vinheta) "PUM", o predador é abatido, surgindo agachado por entre os arbustos um homem loiro, barba por fazer, chapéu de cowboy e rifle fumegante. Pelo último quadradinho da primeira prancha, verificamos que tem atavios de caçador. Virada a página, Buddy Longway (é dele que se trata) dirige-se para o seu acampamento. Caçador de peles, percebemos agora.
Buddy Longway é uma das grandes criações da BD francófona (Derib é suíço). Neste primeiro álbum (de 1974) o desenho, embora realista, mantém ainda resquícios de influências disneyana, ou por aí, e doutras séries do autor destinadas a público infantil, como Yakari.
Para nós, leitores da revista Tintin nos anos 70, era novidade a disposição narrativa na prancha, vinheta dentro da vinheta, recorrentemente. Novidade seria também assistirmos, nos livros seguintes, ao progressivo envelhecimento das personagens, à constituição de família, à morte...
Derib, Buddy Longway -- Chinook, tradução de Pedro Lopes d'Azevedo, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1978, pranchas 1-2.
Derib, Buddy Longway -- Chinook, tradução de Pedro Lopes d'Azevedo, Venda Nova, Livraria Bertrand, 1978, pranchas 1-2.
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
50 álbuns: 9. - Jean Graton, OS CAVALEIROS DE KOENIGSFELD (1967) -- VROOAP
Este álbum preencheu uma boa parte do meu imaginário infantil. Lembro-me de que ainda estava na primária quando o recebi. A capa, estranha, o piloto de espada na mão em luta com um cavaleiro medieval embuçado e envergando uma cota de malha; a vinheta do frontispício, três bólides subindo uma rampa em direcção a um castelo penumbroso, causava também sensação... Mas as duas primeiras pranchas eram do mais trivial Vaillant: uma panorâmica do circuito de Nurburgring, Michel Vaillant e o inevitável Steve Warson no meio de ases do volante da vida real e o deslumbramento um bocado cabotino de Jean Graton pelo glamour dos circuitos. Salvam-se os carros (o Mercedes descapotável da menina que aparece na última vinheta da prancha 2 justifica-se, como se verá), mais as características onomatopeias dos motores a rugir: VROOAP VROOAP !...
Jean Graton, Michel Vaillant -- Os Cavaleiros de Koenigsfeld [1967], trad. C. Rodrigues, Venda Nova, Livraria Bertrand, s.d., pranchas 1-2.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
50 álbuns: 8. Frank Le Gall, CAPITÃO STEENE (1987) -- invitation au voyage
Contrariando o meu proverbial sedentarismo, o imaginário portuário sempre me fascinou. Na literatura, no cinema, na pintura, na música e, obviamente, na bd. O apelo da distância, do desconhecido, do diferente, dos lugares de fronteira -- tudo sonhado no remanso do meu sofá: Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Manhã cedo em Dunquerque (ao melhor estilo da revista Spirou), na primeira vinheta, 2 de Dezembro de 1927, janelas dum edifício centrado numa espécie de praça à beira do cais, ainda com luz artificial , um carro deambula ensonado, no porto dormem pesadamente os rebocadores e restantes embarcações.
No interior desse escritório de "carregadores marítimos", uma personagem empunhando uma caneta de aparo, sorri deleitadamente ante os topónimos que se lhe deparam e o fazem sonhar: "Dacar, Buenos Aires, Changai". É Théodore Poussin (Teodoro Pintainho, na tradução portuguesa anónima) sentado à secretária, que assim vai nutrindo essa vontade de ver mundo. Um telefone desperta-o dessa evasão, e o Senhor Sénard, o chefe, conhecendo esse anseio de Teodoro, comunica-lhe que no início do ano irá, a serviço da empresa, a bordo do "Cabo Padaran" com destino à Indochina.
Frank Le Gall, Teodoro Pintainho -- Capitão Steene, Lisboa, Méribérica/Liber, s.d., pranchas #1 e 2.
sábado, 19 de outubro de 2013
50 álbuns: 7. Dany & Greg, LE CANNON DE LA BONNE HUMEUR (1983) -- "Baf"?!...
Em cenário edénico, surgem saltitando, quais efebos, Dany & Greg, os autores, envergando túnicas alvas e louros na cabeça; o primeiro, de paleta de cores na mão e pincel em riste, o segundo de pena em riste e folha branca na mão. Inspirados pela envolvente de paraíso das Escrituras -- árvores e flores viçosas, quedas d'água marulhantes e passarinhos a chilrear --, preparam-se Dany & Greg para dar início à narrativa, o que sucede apenas na última vinheta da prancha #1: um violento directo de boxeur -- BAF! -- no queixo do pugilista oponente... Trata-se de Kid Cahot, agora em knockout, transportado em maca pelo entourage aflito, em meio à vaia monumental do público. Já não é o primeiro KO; mas, estranhamente, Cahot, sem sentidos, é representado com um sorriso beatífico.
Sonha com Reverose (a "Sonhorosa" da saudosa revista dos 7 aos 77 anos), está-se mesmo a ver. Ou melhor: ver-se-á, em pranchas seguintes...
A verdade é que fomos transportados para o mundo-onde-todos-se-aborrecem, e nessa vinheta, como em toda a prancha #2, quase todas as cores desaparecem, como se pode ver na vinheta em baixo, com vários tons de vermelho, e só vermelho.
Dany & Greg, Le Canon de la Bonne Humeur, Bruxelas, Éditions du Lombard,. 1983, pranchas 1-2.
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
50 álbuns: 6. Berthet & Foerster, CÃES DA PRADARIA (1996) -- pobre Calamidade...
Duas filacteras, em cima, transcrevem, em discurso directo, parte de uma carta a uma filha, datada de Deadwood (Dacota do Sul), em 26 de Julho de 1876. Filha que está longe, à guarda dum pai adoptivo. Quem escreve lamenta-se pela distância, pela ausência, e está cheio de remorsos: "[...] peço a Deus que me perdoe do mal que te fiz..." Quem na escreve? Certamente o condutor, que vai, cabisbaixo, protegendo-se da chuva e da tristeza, pejado de crianças na direcção do orfanato de Rapid City, cujos pais foram vitimados pela varíola. Vemos as suas expressões apreensivas e tristes, o condutor, de costas, ruivo e de rabo-de-cavalo.
Até que se cruza com um velho conhecido fora-da-lei, "J. B." Bone, em montada que arrasta o esquife do compaheiro de um assalto que correu mal, e cujo corpo, exposto à contemplação pública, resgatara pela calada da noite: "Calamity! -- saúda Bone -- Sempre a correr as pradarias?" O cocheiro era, afinal, uma: Calamity Jane.
Até que se cruza com um velho conhecido fora-da-lei, "J. B." Bone, em montada que arrasta o esquife do compaheiro de um assalto que correu mal, e cujo corpo, exposto à contemplação pública, resgatara pela calada da noite: "Calamity! -- saúda Bone -- Sempre a correr as pradarias?" O cocheiro era, afinal, uma: Calamity Jane.
Philippe Foerster & Philippe Berthet, Cães da Pradaria (196)
Lisboa, Meribérica/Líber, 1999, pranchas 1-2
domingo, 15 de setembro de 2013
50 álbuns: 5. Hugo Pratt, A BALADA DO MAR SALGADO (1967) -- nem Bougainville nem Rousseau
«Sou o Oceano Pacífico e sou o maior». No meio do Pacífico, após fera tormenta a desmentir o nome do grande mar, um catamaran pejado de piratas das Fiji, capitaneado pelo desertor Rasputine, avista, o mar ainda revolto, uma chalupa de náufragos.
O Oceano dissera-nos do seu espanto por ver ainda à tona a embarcação nativa -- sinal do desembaraço da tripulação indígena, ou «algum pacto com o diabo» celebrado.
Rasputine lê a Viagem à Volta do Mundo, do barão de Bougainville, o mesmo que descrevera aquelas paragens nos antípodas como um paraíso terreal, em que a espécie humana não fora ainda corrompida pela civilização. O bom-selvagem do Rousseau vem daqui...
Os naúfragos são um casal jovem branco, passageiros do "A Jovem de Amsterdam", "uma bela galeota de milionários", diz o pérfido russo, acolhendo a sugestão dos seus marinheiros, já pouco partícipes dessa idílica visão bougainvillesca-rousseauna, de aprisionarem os desafortunados -- em troco de pagamento de resgate, claro está...
Hugo Pratt, A Balada do Mar Salgado
pranchas 1-2
Hugo Pratt, A Balada do Mar Salgado
pranchas 1-2
domingo, 8 de setembro de 2013
50 álbuns: 4. Hermann, BABETTE (1984) -- foice-feixes-forquilha-carro
Tempo de colheita para os servos. As mãos cruzam-se, afanosas, foice-feixes de trigo-forquilha-carro de bois. O tempo está quente, e o característico rugoso do traço de Hermann mais sobressai. Na vinheta central da primeira prancha todos labutam, excepto um cão deitado ao lado dum canjirão ou jarro semelhante. Todos, menos Babette, em primeiro plano, que estaca olhando enlevada para fora do quadro. Observada pelo irmão, no cimo dos molhos de trigo, o pai é alertado: "Tenho a impressão de que a Babette tem outra paixoneta aí pelos bosques." Foice em punho, o chefe da família, sorrateiro, descobre e enxota o intruso, também ele especado, voltando-se depois para Babette na intenção de arriar-lhe o bastão. Subitamente, enquanto a rapariga ensaia a fuga floresta adentro, irrompe um veado espavorido do arvoredo, ouve-se um sopro de caça, cães e logo atrás cavaleiros avançam a galope pelo campo de trigo, espezinhando as espigas.
Hermann, As Torres de Bois-Maury -- Babette (1985), pranchas 1-2
domingo, 4 de agosto de 2013
50 álbuns: 3. Sterne, O AVIÃO DO NANGA (1987) -- num inferno branco de neve e solitude
Um mapa centrado no Indocuche,
abre a primeira prancha de O
Avião do Nanga (1987),
de René Sterne (1952-2006). O nome desta cordilheira afegã tem uma
sonoridade com o peso de séculos, tempo que lhe empresta uma aura de
terra mítica ou inventada, uma Camelote, ou coisa assim. E no
entanto, o Indocuche existe; e ao contrário doutros topónimos
congéneres – Cartago, Bagdade, Samarcanda, Timbuctu... – , cujo
prestígio lendário pretérito não aguenta o confronto com a
realidade presente, o Indocuche, por onde passou um raio chamado
Alexandre o Grande e hoje brotam talibãs como as papoilas
autóctones, persiste em desinquietar-nos, como uma vinheta de
Hermann para um argumento de Greg...
Nessas
montanhas, nesse "inferno branco" de neve e solitude,
despenha-se um monomotor pilotado por Adler von Berg, um ex-desertor
da Luftwaffe (já estamos em 1948), como viremos a saber adiante.
Ileso, porém sem rádio e poucos víveres. Ao longe, um
carreiro de formigas é uma caravana de camelos da Bactriana. Um tiro
despedido por Adler ecoa por entre as fragas himalaicas. Se ouviram,
não se sabe. A meio caminho entre duas cidades, Gilgit e Laore,
Adler exclama: «Desta vez é o fim... Estou perdido!»
Com
as cores frias inicias que lhe deu Chantal de Spiegeleer (Kinshasa,
1957), a mulher do autor que nos é sugerida pela bela irlandesa
Hellen, a narrativa suspende-se nas paragens mais garridas e não
menos perigosas do Mar da China.
De
Terry
e os Piratas
a Corto
Maltese
a errância e o exótico foram sempre um ingrediente da BD, de
aventuras e para além disso.
Adler
– O Avião do Nanga
texto
e desenho: René Sterne
edição:
Edições Asa, Porto, 1990
(alterado em 30-X-2019)
quinta-feira, 25 de julho de 2013
50 álbuns: 2. Loisel & Tripp, MARIE (2006) -- é noite em Notre-Dame-des-Lacs
Uma noite calma, enluarada, talvez primaveril, talvez estival; semi-panorama da aldeia de Notre-Dame-des-Lacs, no Quebeque; apenas uma casa com luz, numa água-furtada. Vinheta a vinheta, vamo-nos aproximando, entrando na casa, franqueando a loja, com a salamandra ao centro, apagada -- enquanto o narrador, Félix Ducharme, nos fala da sua vida parada nessa casa-armazém que foi dos pais e agora é sua, e no único desvio que essa existência parece ter conhecido -- Marie Coutu, rapariga que trouxe doutra aldeia. Vamos subindo as escadas, vemos uma foto de casamento, até nos aproximarmos, na última vinheta da segunda prancha, duma porta entreaberta, que dá para um interior iluminado -- a luz que se via na água-furtada nessa noite, enluarada e calma.
Loisel & Tripp, Armazém Central (2006), pranchas 1-2.
terça-feira, 16 de julho de 2013
50 álbuns: 1. Tardi, ADÉLE E O MONSTRO (1976) -- lembro-me de Rascar Capac
Um panorama geral nocturno do Museu Nacional de História Natural, em Paris, por baixo a galeria de paleontologia. Hoje, 2013, um museu dentro do museu. (Eu já lá estive, e até me deparei com a vera efígie da especiosa Adèle Blanc-Sec). Estamos, porém, a 4 de Novembro de 1911. São onze e quarenta e cinco da noite. O ambiente é soturno. Tardi aproxima-nos, vinheta após vinheta, de um «Ovo de pterodáctilo (Fim do Jurássico) 136 milhões de anos. Ovo que começa a apresentar fissuras, para irromper na segunda prancha, dentro de uma vitrine que, ao quebrar-se nos prega um susto e faz lembrar uma outra, do arrepiante Rascar Capac (As Sete Bolas de Cristal). Adèle e o Monstro, pranchas 1-2.
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