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segunda-feira, 16 de maio de 2022

outros mundos


Se apanhares uma borboleta preta e a prenderes nas tuas mãos, e lhe sussurrares ao ouvido 'lugar nenhum', um tipo de óculos escuros aparece do nada para te bater com um fémur humano.” Palavras de um desconhecido dirigidas num bar a um dos protagonistas da narrativa de hoje – um homem não nomeado, mas de algum lugar –, que estava mais interessado em trocar olhares com uma jovem mulher.

Escrita por Tiago Barros (Lisboa, 1990), com desenhos de Fábio Veras (Lisboa, 1997) – de quem já aqui falámos a propósito de Filhos do Rato (2019, com texto de Luís Zhang –, O Homem de Lugar Nenhum é um dos bons lançamentos recentes da BD nacional, embora seja um pouco ingrato falar de uma obra de que saiu apenas o primeiro de dois volumes.

História de procura externa e interior, com uma dimensão também catárctica no que respeita ao argumentista, saído de uma cirurgia delicada, põe-nos em dois universos em simultâneo: o real, onde se move o homem de algum lugar e o outro, o de lugar nenhum, que pode ser a morada da morte, da inconsciência ou de um mundo que corre a par do nosso, ensaiando-se uma meditação sobre o tempo: finito ou infinito?; com princípio, meio e fim ou antes correndo numa linha circular, sendo “a vida um gradiente de experiências em paralelo?”

Esse lugar nenhum, solar, numa velha cabana à beira de um campo de morangueiros, onde jaz a carcaça de um comboio acidentado, é onde habita o homem de óculos escuros que acabará por bater com um fémur humano no homem de algum lugar, a eles se juntando um terceiro homem desesperado por uma perda (amorosa?) e um quarto elemento, desta vez uma mulher em busca do irmão, a única até aqui nomeada: Luxúria. Nesse outro lugar surgem uma espécie de gigantes mitológicos com quem o homem de óculos escuros se aconselha: Mike, Neil e Alan (uma homenagem a três demiurgos dos comics contemporâneos, Mignola, Gaiman e Moore).

Os quatro reunidos, empreendem assim uma busca na terra inóspita dos goblins, procurando cada um algo que lhes foi roubado pelo seu rei. Um destacamento desses seres fantásticos irá ao seu encontro, e é aí que o homem de lugar nenhum tem de decidir-se a enfrentá-los. Porquê? Por um graal particular, certamente, que ficaremos a conhecer no segundo volume, e que é insusceptível de não ser procurado, Quando estão em causa princípios inapeláveis, há que investir por eles, contra qualquer destacamento, real ou figurado, em nome de valores, que, segundo o narrador, nos permitem dormir à noite, olhar os outros nos olhos, esperar a morte com um sorriso pacificado. Porque, se abandonarmos esses princípios – escreve-se – “se os deixarmos cair, eles desfazem-se em pedaços. / Caminharias sobre os seus cacos durante o resto da vida.” Um texto com vários desafios, que Veras pôs em quadradinhos com inteligência e desenvoltura.


O Homem de Lugar Nenhum, vol. 1

texto: Tiago Barros

desenhos: Fábio Veras

edição: A Seita e Comic Heart, 2021

«Leitor de BD»

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

livros que me apetecem - «Andrómeda ou o longo caminho para casa»

Outro acontecimento editorial é a novela gráfica de Zé Burnay (1991), Andrómeda ou o Longo Caminho para Casa, uma história de viagem de regresso, fora do tempo presente. Previamente lançada em inglês surge agora com a chancela de A Seita, numa edição cuidada, com esboços e ilustrações de outros artistas, entre os quais Mike Mignola (Hellboy), admirador do artista português. Também músico, Burnay compôs uma banda sonora para a sua narrativa.