Civilizações esquecidas, selvas inexpugnáveis, vales perdidos, tesouros por resgatar, ilhas não assinaladas, o espaço sideral... ao cabo de 62 anos de BD, em todos esses lugares Bob Morane já esteve. E até no passado... Oriunda da literatura de entretenimento – o primeiro romance de bolso publicou-se em 1953 –, Bob Morane, personagem criada por Henri Vernes (Ath, Valónia, 1918) tem os seus indefectíveis, embora entre nós o acolhimento nunca tenha sido significativo: dois álbuns na Editorial Íbis e publicações em revistas, nomeadamente no semanário Tintin. Depois de mais de 200 álbuns – o próximo será publicado no fim do Verão pela Soleil –, Vernes mantém, aos 103 anos, um droit de regard sobre a série – mas apenas de autoridade, uma vez que alienou os direitos –, como indica a existência do prefácio que assina em Les 100 Démons de l'Ombre Jaune, argumento de Christophe Bec e Éric Corbeyran, com desenhos do italiano Paolo Grella, que sucede a nomes como Dino Attanasio (futuro criador, com Goscinny, de Il Signore Spaghetti), Forton, Vance, Coria e Leclerq.
O álbum que fomos buscar, A Espada do Paladino (1967), oitavo da série e primeiro em Portugal, tem desenhos de Gérald Forton (Bruxelas, 1931). Num tempo em que os quadradinhos estavam a mudar – Corto Maltese, Martin Milan, Valérian apareceram nesse ano –, o registo é o da pura aventura sem grandes introspecções. No entanto, quem teve a sorte de lê-lo na idade certa, guarda uma volúpia de encantamento e descoberta: o vigor dos desenhos, as vinhetas de margem a margem, mesmo que de pequenas dimensões, os pormenores, as cores suaves, dão brilho a uma narrativa já de si empolgante,
O major Morane repousa da última aventura junto dos índios apaches, na companhia do indefectível parceiro, Bill Ballantine, escocês um pouco telhudo, dotado de força hercúlea e permanente apetência por uísque, quando é procurado pelo Prof. Hunter, criador de uma máquina do tempo, cujo ensaio experimental pretende seja feito pela parelha. Há sempre um cientista visionário nestas histórias, assim como um agente a soldo de qualquer potência, prestes a sabotar ou a apropriar-se de planos secretos. Pondo-se à socapa dentro do engenho, eis que o trio é transportado, sem saír do mesmo lugar, para o século XIV, no período da Guerra dos 100 anos, Surge então a bela condessa Yolande de Mauregard, vítima da lenda negra que a dá como descendente do homem que traiu Carlos Magno no estreito de Roncesvales, dizimando a rectaguarda comandada por Rolando. Aqui, a narrativa segue a tradição, pondo os mouros no lugar dos atacantes, quando na verdade quem dizimou os francos foram os bascos, esses verdadeiros irredutíveis... Para alguma coisa a máquina do tempo teria de servir, e assim Morane e Ballantine recuam a 778 para pôr tudo em pratos limpos com o founding father da Europa, e isentar a donzela do opróbrio... Pelo meio algum humor: involuntário, como a máquina do Tempo avistando a cavalaria franca; ou propositado: o inimigo de Morane de armadura e cota de malha com a cabeça coberta por um borsalino – o que não deixa de ser um achado.
Uma Aventura de Bob Morane – A Espada do Paladino
texto: Henri Vernes
desenhos: Gérald Forton
edição: Editorial Íbis, Amadora, s.d.