Chegara Dezembro: fazer a árvore, dispor as peças do Presépio, os Reis Magos de aspecto medieval – um deles parecia-lhe o D. Dinis, cuja imagem construíra na cabeça nos bancos da escola, e a culpa era toda de Eugénio Silva, o desenhador das histórias aos quadradinhos das Lições de História Pátria, livro para a 3.ª Classe que até hoje contamina o seu imaginário. A alegria das crianças, delicioso lugar-comum. Tudo isso divertia, já adulto, o descrente que era, de homens e deuses, porém impregnado de cristianismo, fascinado por essa religião beduína e exótica.
Recuava, e via-se sentado com um álbum aberto, Valérian – O Embaixador das Sombras, enquanto a avó preparava os enfeites. Sagrada era a família, presentes e ausentes, banidos todos os arrufos e incompreensões do resto do ano. Havia o bom senso e a civilidade de nada trazer para a Consoada que pudesse perturbar a felicidade genuína e sempre fugaz. Retrocedia ainda mais, e via-se nessa imagem já muito ténue com a mãe, folheando o Astérix na Córsega pela primeira vez. A cada livro que abria na noite de Natal, à sombra dessa árvore de fantasia, eram elas quem de novo lhe faziam companhia.