“Leituras” e não livros de 2021, dá título a esta crónica, pois é impossível ter acesso a tudo; além disso, combinar novidades e clássicos foi sempre o nosso propósito.
A grande banda desenhada pode e deve confrontar-se, sem complexos de inferioridade com os parentes mais próximos, a literatura e o cinema, no que ambos carregam de originalidade na abordagem das paixões humanas, como da técnica muito própria da narrativa: o estilo literário, o ritmo e a musicalidade, têm aqui a sua tradução vinheta a vinheta; a montagem cinematográfica encontra o equivalente na chamada découpage ou planificação dr cada prancha, como num storyboard; ou ainda o formato das séries televisivas ou do antigo folhetim que se ia publicando nos jornais, também com um paralelo nas famosas séries em continuação, em que o interesse do leitor deverá ser despertado para prosseguir no dia ou semana seguintes. Os doze títulos que se seguem são todos grande BD.
O Burlão nas Índias, de Ayroles e Guarnido: lemos o peso da desigualdade, a pilhagem e a dominação do outro, tal como sucede em Tex – Patagónia, de Boselli e Frisenda; em A Fera, de Zidrou e Frank Pé, sobressai o tema da compaixão e do preconceito; O Último Homem, por Félix e Gastine, o valor da amizade e da lealdade e ainda as implicações do progresso nas vidas de cada um; o apelo do sangue e a condição da velhice estão presentes em Ghost Kid, de Tiburce Ogier, e Monsieur Vadim, de Ghief, Mertens e Tanco; Gus, de Christophe Blain, e o desvario das relações humanas, a que também assistimos em Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, de Brito e Fazenda; a denúncia da guerra, do racismo e a importância da liberdade de imprensa em Mademoiselle J. – Je ne Me Marierai Jamais, de Sente e Verron, e em L'Envoyé Spécial, com os novos autores dos Túnicas Azuis, BéKa e Munuera – a segregação também presente num notável Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão, de Jul e Achdé, também pelo humor; a precária condição humana agigantada em face dos elementos sobressai em Judea, de Diniz Conefrey sobre texto de Joseph Conrad.
Entre tantos outros que já não cabem aqui, fautores de comédias de enganos, e assombros vários diante da violência da História, os desenhos, do realista ao abstracto, do grotesco ao disneyesco, a prancha audaz, toda a gama de planos, cores aplicadas directamente com pincel ou espalhadas por computador – aqui fica um balanço, num anos de leituras de argumentistas como A.-P. Duchâteau, Alejandro Jodorowsky, Ed Brubaker, Henri Vernes, Jean-Michel Charlier, Lewis Trondheim; e desenhos de Émile Bravo, François Boucq, Mittëi, Moebius, Victor Hubinon; e autores completos como Bob de Moor, Dav Pilkey, E. C. Segar, Greg, Will Eisner. Foi um ano bom.
1. O Burlão nas Índias, Alain Ayrolles e Juanjo Guarnido (Ala dos Livros).
2. A Fera, Zidrou e Frank Pé, (A Seita)
3. O Último Homem, Jerôme Félix e Paul Gastine (Gradiva)
4. Gus – Nathalie, Christophe Blain (Gradiva)
5. Ghost Kid, Tiburce Ogier (Grand Angle)
6.Mademoiselle J. - Je ne Me Marierai Jamais, Yves Sente & Laurent Verron (Dupuis)
7. Monsieur Vadim #1 – Arthrose, Crime & Crustacés, Gihef, Didier Mertens e Morgann Tanco (Grand Angle)
8 . Les Tuniques Bleues – Envoyé Special, BéKa e Munuera (Dupuis)
9. Lucky Luke, Um Cowboy no Negócio do Algodão, Jul e Achdé (Asa)
10. Tu és a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, Pedro Brito & João Fazenda, 2.ª ed. (A Seita e Comic Heart)
11. Tex – Patagónia, Mauro Boselli & Pasquale Frisenda, 2.ª ed. (Polvo)
12. Judea, Diniz Conefrey (Pianola Editores).