Umbra”, palavra latina
para “sombra”, traz consigo todos os transtornos: os segredos
inconfessáveis, a clausura, a morte. Digamos então que Umbra
é uma publicação de banda desenhada sobre a persistência do mal,
em nós e nos outros – e que bem ele se nos apresenta: predação,
conspirações, ganância, parafilias, abusos, de tudo há nestas
cinco-estórias-cinco de BD em português. Uma cabeça de ursinho
Rupert, na capa magnificamente umbrosa, diz tudo.
Estrada
da Coca-Cola, de João Chambel
(texto) e João Sequeira (desenhos), fábula pós-nuclear em que
impera o mutismo e o isolamento. Um casal habitando uma roulote à
beira duma via deserta, em que por vezes circulam presas e
predadores, desespera por encontrar mais gente, mas os sinais de
desumanidade são demasiados para um final feliz. O preto e branco de
João Sequeira serve esta narrativa porosa em que a escuridão
predomina.
Óscar,
sigla de mensagem de radioamador – ‘o chat dos
anos setenta’ – e alcunha da personagem desta história, com
argumento de Pedro Moura e desenhos de Filipe Abranches. Contactado
na banca da arrecadação, onde tentava arrumar tralha antiga, por um
amigo desse tempo, desaparecido havia muito. Óscar percebe que
aquele que agora lhe surge do nada, inesperadamente, como se engolido
e materializado em frequências electromagnéticas. Óscar empreendeu
o registo dessa voz que lhe vinha de outras bandas; porém, o homem
põe e há sempre alguém a dispor...
Herbicida,
também de Pedro Moura e desenhos de Sérgio Sequeira, estica até ao
horror as consequência da manipulação genética no reino vegetal.
O estilo manga de Sequeira enquadra na perfeição o argumento. Das
cinco, é a única narrativa que não se afunda no pessimismo.
Carne,
de José Carlos Joaquim, Pedro Moura e Hugo Maciel, traz-nos um
loquaz psicopata esquartejador de mulheres. Tudo correcto, mas talvez
pelo tema batido, foi a que menos nos agradou. No entanto, uma bela
subversão daquele verso de Camões, “Transforma-se o amador na
cousa amada”...
Finalmente,
Zodíaco, do
brasileiro (Eduardo Filipe) Sama, é uma feliz combinação de
sobrenatural e atmosfera negra, por onde vagueia um jornalista
despromovido para secção do horóscopo. Há o patrão e a mulher
dele, ou cá se fazem, cá se pagam – ou não?
Para
revista falta à Umbra um
pouco mais – e não é só o índice inexistente. Um editorial a
dizer ao que vem, não estaria mal; umas notas sobre os autores,
também não; e se se quer ser revista, há que rever,
um artigo outro não era mal pensado. Falta tudo isso, e é pena.
Esperemos que o n.º 2 possa colmatar estas lacunas, até porque
quando se fizer um balanço das revistas de BD numa qualquer data
redonda deste século, a Umbra
terá de lá estar.
Umbra
#1
Vário
autores
edição:
Umbra Edições, Outubro 2019