Mostrar mensagens com a etiqueta Mathieu Lauffray. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mathieu Lauffray. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

12 livros de 2020

No ano em que o maior vilão deu pelo nome de SARS-CoV-2, 12 dos livros aqui registados:

Álbum do ano: O Homem que Matou Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme (A Seita). Recriação fascinada e fascinante dum ícone, com o melhor preito de homenagem, que não é o da cópia servil. Sabemos também por que razão Luke deixou de fumar.

Frase do ano: “Abandonados por Deus, era inevitável que o Diabo se interessasse por nós...” Fala de Duke em A Última Vez que Rezei, desenhos de Hermann, texto de Yves H. (Arte de Autor). Um processo de autodescoberta que estamos a acompanhar, uma luta individual da ética com o instinto. Hermann, como um dos maiores autores de BD vivos, Yves H. procurando servir o pai com argumentos à altura do talento que o fez parir.

Prestidigitação do ano: Zardo, de Tiziano Sclavi e Emiliano Mammucari (Sergio Bonelli), argumento a confundir deliberadamente o leitor, em que nada é o que parece, a começar pelo protagonista.

Heróis do ano: de carne e osso, Maurício Hora, cuja história André Diniz pôs em quadrinhos em Morro da Favela (Polvo), em segunda edição aumentada, na companhia de D. Iracema, um sorriso colorido num meio dum certo inferno.

Sex appeal do ano: a volúpia divide-se entre Blandine, a stripper ex-hospedeira, irmã gémea de uma conceituada harpista clássica, ovelha negra do par, em L’Instant d’Aprés, de Zidrou e Éric Maltaite (Dupuis) ou a prattiana Lady Darksee, bela, vaporosa, destemida, insolente, em Raven, de Mathieu Lauffray (Dargaud), história de piratas.

Patife do ano: Denis, “o executor”, assassino em missões oficiais, que se descobre com um resquício de consciência: Le Tueur –Affaires d'État 1. Traitement Négatif, por Matz & Jacamon (Casterman).

Escapismo do ano: a fantasia histórica de Colt & Pepper – Pandemonium à Paragusa, texto de Darko Marcan, desenhos de Igor Kordej (Delcourt), América, século XVII, coabitação entre monstros e homens, tiranos e sublevados.

Maluquice do ano: as desventuras de Mafaldo Limparrim na vila imaginária de Poço Novo (Alto Minho), em O Penteador, desnovela gráfica e insana de Paulo J. Mendes (Escorpião Azul).

Vírus do ano: o SARS-CoV-2, foi invectivado pelo catalão Max em Manifestamente Anormal (Panfleto e Catarse), diário do confinamento em que ninguém escapa (separata do jornal A Batalha, #288-289, Centro de Estudos Libertários). Mas os vírus não se ficaram por aqui: a epidemia de febre amarela foi este ano recuperada com a reedição de No Lazareto de Lisboa (1881), de Rafael Bordalo Pinheiro (Pim! e Museu Bordalo Pinheiro), enquanto que, em narrativa pós-apocalíptica, um misterioso organismo vindo do centro da terra destruiu todos os metais, voltando a Humanidade à madeira e ao couro: Le Convoyeur [o entregador], argumento de Tristan Roulot e desenhos de Dimitri Armand (Le Lombard).

«Leitor de BD»

















  1. O Homem que Matou Lucky Luke, de Mathieu Bonhomme (A Seita)

  2. Duke – A Última Vez que Rezei, por Hermann & Yves H. (Arte de Autor)

  3. Raven 1. Némesis, de Mahtieu Laufray (Dargaud)

  4. Le Convoyeur #1 . Nymphe, de Roulot & Armand (Le Lombard)

  5. Manifestamente Anormal, de Max (encarte de A Batalha).

  6. O Penteador, de Paulo J. Mendes (Escorpião Azul)

  7. Zardo, por Sclavi & Mammucari (Sergio Bonelli Editore)

  8. Le Tueur – Affaires d’État #1. Traitement Négatif, de Matz & Jacamon (Casterman)

  9. L’Instant d’Aprés, de Zidrou & Maltaite (Dupuis)

  10. Colt & Pepper – Pandemonium à Paragusa, por Markan & Kordej (Delcourt)

  11. Morro da Favela, de André Dinis, 2.ª ed., aumentada (Polvo)

  12. No Lazareto de Lisboa, de Rafael Bordalo Pinheiro (Pim! Edições e Museu Bordalo Pinheiro)

domingo, 27 de setembro de 2020

os párias dos mares

 



Sempre houve pirataria nos mares, por vezes confundindo-se, não sem motivos, com o corso, ataque autorizado aos navios inimigos, por embarcações que não sendo da marinha de um país estão ao seu serviço com uma liberdade de acção generosa. Mas a pirataria, embora heterogénea, tem sempre por fim o saque de bens e pessoas e não cuida de patriotismos. Estamos, em muitos casos a falar de fora-da-lei absolutos, párias que renegam a autoridade dos estados, constituindo microsociedades, sempre efémeras, em ilhas e portos de que se apropriam, nomeadamente nas Caraíbas, mas também nas próprias embarcações que são o seu, digamos, ganha-pão. Um saque bem sucedido é um pecúlio arrebatado graças a muita disciplina, um quase ascetismo, que, uma vez conseguido, é dissipado em festins pantagruélicos, como se não houvesse amanhã. E muitas vezes não havia. Giles Lapouge, autor do notável ensaio sobre estes "párias do mar" – Os Piratas (1987, edição portuguesa na Antígona) – refere-se à curtíssima esperança de vida desta gente odiada que se fazia temer.


Mathieu Lauffray (Paris, 1970, também realizador de cinema e videojogos), apresenta uma prometedora personagem e uma narrativa que tem tudo para ser um marco: Raven é um pirata destemido, raptado ainda jovem enquanto servia como grumete num navio de carreira, e é também um romântico e um pé-frio, como dizem os brasileiros. De tal modo azarado que os companheiros ostracizam-no. Nada, porém, que lhe diminua o ânimo, em especial quando a possibilidade de um tesouro perdido no século anterior, enviado por Cortés ao rei de Espanha e nunca chegado ao destino, estará por ali, numa ilha à mão de semear. Esse território, não longe de Guadalupe e ignorado pelas cartas marítimas, leva o inspirador nome de “Enfado do Diabo”: acesso difícil e indígenas não só hostis como canibais. Raven não é contudo o único interessado, tem de disputar a avidez com o mais terrível flibusteiro da região, com fama de crueldade inexcedível: Lady Darksee, uma mulher, pois claro, por sinal bela, mesmo com a cicatriz que ostenta por baixo do olho direito. E apesar de ficção, Lauffray não foi demasiado longe, pois a existência de algumas mulheres no meio, mesmo comandando barcos piratas, está documentada. Para complicar as coisas, nessa ilha tão terrível em que até o próprio Satanás se aborrece, há seis meses que sobrevive um grupo de náufragos, liderado pelo Conde de Montignac, nomeado governador da ilha da Tortuga, na companhia de dois filhos e os sobreviventes da comitiva que o acompanhava. Raven e Darksee, a sua némesis, aí irão encontrar-se, para estupefacção de Montignac, e depois para algo pior. A fama de desumanidade que persegue a flibusteira não tardará a confirmar-se.

Acção, rebaldaria, solidez nas referências, um previsível triângulo amoroso e alguma inovação na caracterização das personagens, em que a rebeldia é algo mais que a marginalidade, em que o desprezo das classes dominantes por esta escória é retribuída na mesma moeda, para além do já referido "internacionalismo" endógeno e exógeno: as tripulações são heteróclitas quanto à nacionalidade e etnia e a noção de pátria, como se disse, não é popular. As pranchas são esplêndidas parecendo que se alargam, e o carisma das personagens é bastante palpável: imagine-se, para o protagonista, um espécime cruzado de Blueberry e Wolverine, com um traço que lembra umas vezes Hugo Pratt, outra Jordi Bernet, mas que no fundo é e será Mathieu Lauffray. Esplêndido,pois.


Raven t. 1 Némésis

texto e desenhos: Mathieu Lauffray

edição: Dargaud, Paris, 2020

«Leitor de BD», jornal i


quinta-feira, 2 de julho de 2020

piratas

A pirataria conta com mais uma personagem de BD: Raven, um jovem audaz defrontando um governador corrupto, uma comandante de flibusteiros que dá pelo nome de Lady Darksee – uma venda no olho, uma homofonia com o negrume do mar da pirataria…– tudo ambientado no Caribe, como teria de ser. Texto e desenhos de Mathieu Lauffray, autor que gosta de cultivar o género, responsável pela série Long John Silver – para quem se não lembra, o perna-de-pau de A Ilha do Tesouro (1883), do escocês Robert Louis Stevenson –, com argumento de Xavier Dorrison. Edição Dargaud, Paris, 2020.