O Brasil não produz livros “demais”, o Brasil produz leitores de menos
Os editores brasileiros revelam que estão publicando livros “demais”.
Isso é uma verdade ou um mal-entendido? Luiz Schwarcz, da Companhia das
Letras, disse que publica 280 títulos por ano e que “não dá para
crescer mais com obras de mercado, até porque o mercado está muito
competitivo. (…). Há editoras que hoje não conseguem entrar em redes de
livrarias com um exemplar de algum título. Há uma superprodução. De
livros, escritores, editores, um número de editoras grande surgindo”.
Sérgio Machado, da Record, informa que em 2010 o Brasil editou 55 mil
títulos, numa média de 210 obras por dia útil. Só a Record coloca no
mercado 80 títulos por mês. Seu proprietário revela que tem 2 milhões de
livros em galpões que lhe custam uma despesa alta.
Há uma crise no ar. Uma crise paradoxal. De excesso e de carência.
Excesso de livros ou carência de leitores? Assim como um copo com metade
de água pode ser visto como um espaço metade cheio ou metade vazio,
permitam-me examinar a questão por outro ângulo, fazendo uma correção: o
Brasil não produz livros “demais”, o Brasil produz leitores de menos.
Há que “produzir” o leitor. E não estou falando de alfabetização. Essa
cadeia do livro não existe sem o destinatário: o leitor. Não há excesso
de livros, há falta de bibliotecas, de livrarias e de leitores. Há, por
outro lado, centenas de iniciativas governamentais e particulares
tentando corrigir isso. Todos, não só os editores, temos que modificar o
conceito de livro, livraria, biblioteca, leitor e leitura, pois na
verdade todo esse sistema em torno do livro está em crise (ou
metamorfose).
Mas que crise é essa? Quantas crises há dentro desta crise?
CRISE EDITORIAL
1. Atualmente os editores estão disputando um mercado de eleitos, um mercado mínino de consumidores. Ninguém sabe quantos são. Há quem ache que leitores de livro no país não cheguem a 20 milhões. Se fossem 30 milhões seria igualmente vergonhoso que haja tão poucos leitores. E mais: um lastimável desperdício econômico e cultural. E os outros 170 ou 180 milhões, onde estão? Estão anestesiados pela sociedade do espetáculo?
2. Segundo a Fundação Getúlio Vargas as classes A e B constituem 11%
do país. Será que essas classes consomem realmente bens culturais como o
livro, teatro, museus, etc.? Diz o vice-presidente do Ibope, Nelson
Marangoni, que “o Mercado de luxo tem previsão de crescimento de 30% no
próximo ano (2012) e isto é uma oportunidade dentro das classes A e B e
não da C[1]”. Há aí duas coisas que nos inquietam: 1) esse crescimento
dos mais ricos se reflete em número maior de leitores e consumo de
livros? 2) por que a classe C emergente não aparece como consumidora de
bens culturais?
Por outro lado, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe)
informa que em 2009 “foram lançados 52 mil livros convencionais e
vendidos 386 mil exemplares” [2]. Imagina-se que os livros comprados
pelo governo estejam fora dessa lista. Donde se deduz que 386 mil
exemplares não são nada em relação aos 20 milhões de pessoas das classes
A e B (sem contar os de outras classes que eventualmente compram
livros).
3. As estatísticas sobre leitura no Brasil variam muito. A Câmara
Brasileira do Livro (CBL) considera que “o brasileiro lê, por ano, 4,7
livros. Mas se contarmos somente livros lidos espontaneamente, o número
cai para 1,3 por habitante”[3]. Portanto, a conclusão é óbvia: numa
estatística que considera que o brasileiro lê 4,7 livros por ano, se em
2009 foram vendidos 386 mil exemplares, então se conclui que apenas
cerca de 100 mil pessoas são leitoras. Na outra opção estatística, cerca
de 386 mil indivíduos seriam leitores. Ou seja, as editoras estariam
disputando cerca de 386 mil pessoas (1,3 livro por pessoa), numa
população de quase 200 milhões habitantes.
4. Dizem as estatísticas que as editoras produziram em 2010 23% mais
livros que em 2009. Mas a perplexidade continua: tirante os
best-sellers, que têm uma dinâmica específica, as edições dos livros
“normais” continuam em torno de 2 mil a 3 mil exemplares. Se lembrarmos
que quando o país tinha 30 milhões de habitantes (lá por 1920) as
edições eram de 500 exemplares, veremos que há algo errado no nosso
“progresso”. Naquele tempo cerca de 60% da população eram de
analfabetos, hoje se diz que são 9%. Façam a conta com os quase 200
milhões de habitantes hoje. Portanto, há algo errado não apenas com a
produção de livros mas com a “produção” de leitores.
5. A indústria editorial tem algumas características:
a) disputa um reduzidíssimo mercado de leitores;
b) algumas editoras vivem em grande parte de vender para o governo.
Isso não é necessariamente ruim. Sempre se diz que nos países mais
desenvolvidos as bibliotecas públicas são grandes compradoras de livros;
c) recentemente, no entanto, grupos multinacionais adquiriram
editoras brasileiras e lançam aqui autores e títulos estrangeiros que
competem e/ou reprimem o consumo de autores nacionais. Não se trata de
ser contra ou a favor, mas uma constatação. É o preço da globalização. E
o Brasil, grande exportador em outras áreas, é um grande importador de
obras estrangeiras. Basta ver as listas dos mais vendidos hoje comparada
com a de algumas décadas atrás e como os cadernos culturais abrem
largos espaços para autores estrangeiros;
d) nossos editores e agentes literários, em geral, vão a Frankfurt e
outras feiras para comprar, não para vender. Será que nossa literatura é
tão precária que não é competitiva?
e) A CBL informa que na 62a Feira de Frankfurt foram
vendidos US$ 1,06 milhão em direitos autorais. Ótimo. Mas quando se vai a
qualquer grande livraria européia não há livro brasileiro. Em geral, só
Jorge Amado traduzido em espanhol e na estante de autores
latino-americanos. Quando, em Paris, se pergunta aos livreiros da “Ecume
des pages” e “La Hune” sobre a ausência de uma prateleira de autores
brasileiros, alegam que não há suficientes autores brasileiros.
6. Estatísticas recentes da Câmara Brasileira do Livro dizem que o
número de livros vendidos no país aumentou 13,12%. Ótimo. Mas isso se
insere dentro do contexto de disputa do mesmo público leitor. Começa
agora uma luta pela conquista da classe C. Isso levanta outra questão:
que tipo de livro está sendo vendido? O que é o “fast reading” (tipo
sanduíche, “fast food”) e o que é livro com importância modificadora
para a cultura? Diz Nelson Marangoni, vice-presidente do Ibope na citada
entrevista, considerando a ascensão da classe C, que está havendo
mobilidade financeira, não mobilidade social. Ou se poderia dizer de
outro modo: as pessoas entram na sociedade de consumo e são consumidas
como objeto.
7. Há alguns anos, li que o mercado do livro movimentou R$ 4,2
bilhões em 2009. Maravilha! Mas é curioso que este era então o montante
da indústria de cerveja. É intrigante que se veja tanto anúncio de
cerveja e quase não se veja anúncio de livro. Claro, o governo não
compra cerveja, mas compra livro. E isso, se é uma solução para alguns
editores, só é um elemento complicador na relação paternalista de nossa
tradição.
8. No esforço para reverter a síndrome da importação cultural
indiscriminada, o governo federal através da Fundação Biblioteca
Nacional criou na administração de 1990/1996 programa de bolsas de
tradução de obras brasileiras, trouxe ao Brasil agentes literários
estrangeiros e diretores de suplementos literários dos principais
jornais do mundo para divulgar nossa literatura, e começou a participar e
organizar feiras internacionais de livros e a dar suporte a uma
política nacional do livro, da biblioteca e da leitura[4].
Isso não é suficiente, tem que ser ampliado e melhorado.
CRISE NAS LIVRARIAS
1. O censo da Associação Nacional de Livrarias diz que em 2009 havia 2.980 livrarias no país, ou seja, uma livraria para cada 64.255 habitantes. Segundo a Unesco, deveria haver uma livraria para cada 10 mil habitantes. Façam a conta e vejam nosso débito. As livrarias, a exemplo das mega livrarias, continuam concentradas nos bairros mais prósperos das grandes cidades. Os subúrbios e maioria das cidades brasileiras não conhecem esse comércio. Em 25 de novembro de 2006, o jornal O Estado de S. Paulo informava que segundo o IBGE 69,07% das cidades não têm livraria e que as outras 30% têm livrarias misturadas com papelaria.
2. Paradoxalmente quem entra em uma das raras livrarias hoje se
escandaliza com a enorme quantidade de títulos que se revezam nas
estantes, livros que surgem e morrem rapidamente. Diz-se que hoje o
tempo de vida útil de um livro é de três meses. Se não vendeu,
desaparece. Algumas editoras até pagam ou fazem alguma forma de barganha
para ter seus livros expostos em lugares privilegiados nas livrarias.
3. O chamado “excesso” e/ou “rotatividade” de livros faz com que os
funcionários das livrarias não consigam informar com segurança o que há
nas estantes, nos estoques ou o que está esgotado. Muitos livros
procurados estão no imponderável “estoque” ou, às vezes, nem aparecem na
tela do computador. O editor José Mario Pereira já relatou como isso
ocorre[5].
4. Com isso, os “sebos” e “estantes virtuais” passaram a ser o lugar
para se encontrar obras mais duradouras e ganharam maior espaço com a
internet.
5. Com a ascensão da classe C e devido à inexistência de livrarias na
maioria das cidades, a venda dos livros porta a porta aumentou. Informa
a Associação Brasileira de Difusão de Livros que em 2010 os editores
desse setor faturaram R$ 1,2 bilhão e que só a Editora Escala vende por
mês 350 mil livros. A média de preço das coleções é de R$ 122,74. A Avon
— empresa de cosméticos —, neste negócio há 18 anos, tem 1,1 milhão de
revendedoras, liderando o mercado.
A questão que se levanta: que tipo de livro predomina nesse mercado?
CRISE NO ENSINO
1. Nos anos 1960 a reforma de ensino introduziu o sistema de créditos, seguindo modelo americano, e acabaram, por exemplo, os cursos de línguas neolatinas, anglo germânicas e clássicas. Um aluno de neolatinas antes estudava a literatura e a língua francesa, a espanhola, a hispano-americana, a portuguesa, a brasileira e a italiana. Escrevia trabalhos nessas línguas. Com a reforma que imitava o sistema americano, ao invés de o aluno estudar várias literaturas e escrever trabalhos em várias línguas, passou a se “especializar” só em português e em outra língua e literatura.
2. Concomitantemente, também nos anos 60, no ensino médio se
substituíram o português e a literatura pela “comunicação e expressão”.
Iniciou-se um processo de desprestígio da leitura e da literatura.
Contaminados pela ideologia da “comunicação” que entrou na moda nesta
época, chegou-se a eliminar a palavra “literatura” dos currículos. Como
mostrou Luís Augusto Fischer em ensaio recente, estuda-se letra de
música no lugar de poesia, e mais recorte de jornal e história em
quadrinho que romance. Daí que Jim Davis (do Garfield) e Bob Thaves (da
tira “Frank e Ernest”) apareçam mais que Graciliano Ramos e João
Cabral[6].
3. Ao lado disso criou-se o “vestibular unificado” e uma massificação
do ensino, que se generalizou a partir dos anos 70, teve duas
conseqüências. Aumentou enormemente o número de alunos na universidade. O
vestibular unificado acabou elegendo a “múltipla escolha” com o
conseqüente desprestígio da leitura e da redação. Isso contribuiu para
que o nível dos estudantes fosse mais baixo[7].
CRISE DO ESCRITOR
1. Houve sim um aumento do número de escritores nas últimas décadas, pois a sociedade da comunicação facilita a publicação. Todos querem ser lidos e vistos.
2. A partir dos anos 70 surgiu uma geração de escritores viajantes
que percorrem todo o país indo ao encontro do público. Diferenciam-se
das gerações anteriores, mais sedentárias, nas quais os escritores eram
sobretudo funcionários públicos localizados no Rio de Janeiro que se
encontravam à tarde no “Amarelinho” ou na “porta da livrara” (José
Olympio, São José).
3. Há uma ligação entre os cursos de criação literária aqui e ali e o
aumento do número de escritores. Às experiências feitas nos anos 60 e
70 na UNB, na UFRJ e na PUC/Rio sucederam cursos e oficinas já fora da
universidade. Surgiram, ainda que timidamente, as bolsas para os
escritores na tentativa de profissionalizá-los. Mas as livrarias não
cresceram proporcionalmente e as bibliotecas muito pouco.
4. Nessa crise (que é de todo sistema em torno do livro), o autor
está muito inconfortável. Ele passa grande tempo elaborando um livro, se
o livro não dá certo, ele é o primeiro a ser prejudicado. Lá se vão
três, cinco ou mais anos de trabalho pelo ralo. Já o editor, como lançou
dezenas de livros, vai se safar, se compensar com os outros. Se o
livreiro não vende um livro, vende outros. Não é assim com o autor.
CRISE DAS BIBLIOTECAS
1. Nos anos 90 a Fundação Biblioteca Nacional constatou que havia cerca de 3 mil municípios sem biblioteca. Foi lançada na ocasião a campanha “uma biblioteca em cada município”. Somente 15 anos depois, com Gilberto Gil/Juca Ferreira no Ministério da Cultura, conseguiu-se implantar uma biblioteca em cada município (excetuando uma meia dúzia de prefeitos que acham que biblioteca é dispensável[8]).
Dispensa lembrar que países mais desenvolvidos têm bibliotecas não apenas nos municípios, mas também nos bairros.
2. Criou-se nos anos 90 o Sistema Nacional de Bibliotecas realizando
encontros e seminários nacionais, estaduais e municipais na tentativa de
mudar a mentalidade de bibliotecárias e bibliotecários. Na sociedade
informatizada a biblioteca e seu funcionário teriam outro papel:
servidor de informação e não apenas de catalogador ou guardião de
livros.
A Fundação da Biblioteca Nacional nos anos 90, tendo criado o SNB,
fez uma aproximação com as bibliotecas universitárias, reuniões com o
Conselho de Reitores, tentando dar organicidade a cerca de 900
bibliotecas universitárias abrindo-as também ao grande público.
3. As bibliotecas escolares constituem, por sua vez, um problema. De
acordo com o Ministério da Educação “68% das escolas públicas do país
não possuem bibliotecas, evidenciando a dimensão do desafio para cumprir
o que determina a Lei Federal 12.244, de 24 de maio de 2010, que dispõe
sobre a universalização em até dez anos, das bibliotecas nas
instituições de ensino públicas e privadas do país”[9].
CRISE DO LIVRO
Crise que pode se entendida como metamorfose. Ao contrário do que os mais alarmados pensam, o livro não vai deixar de existir, apenas está assumindo outras formas, outros suportes. O livro de papel continuará a ter sua função como aliás já o demonstraram Umberto Eco e Jean-Claude Carrière[10].
Por outro lado discutir a “crise do livro” sem considerar todos os
setores já aqui referidos é marchar para uma solução equivocada do
problema. Estamos tratando desta questão em todo este ensaio.
CRISE, LEITURA E O PRÉ-SAL
1. Urge outra compreensão, não apenas do que seja livro, livraria, biblioteca, editor, mas sobretudo do que é leitura e leitor.
2. Leitura não se limita à “alfabetização”.
3. Leitura não se limita à escola: trata-se de formar uma sociedade leitora, condição sine qua non para o país enfrentar os desafios do século 21.
4. Por isso, é urgente uma POLÍTICA NACIONAL DE LEITURA que atravesse
não só todos os ministérios, mas seja uma determinação da Presidência
da República. Como se poderia dizer: LEITURA é uma questão de segurança
nacional[11].
5. Considerada a leitura como algo além da escola, algo além da
alfabetização, algo que vai lidar com o “analfabetismo funcional” e com o
“analfabetismo tecnológico”, haverá (como já começa a haver) programas
de leitura em hospitais, quartéis, fábricas, sindicatos, empresas,
tribos indígenas, igrejas, condomínios, acampamentos agrários,
comunidades quilombolas, favelas, programas para aposentados, para
cegos, surdos, mudos e outros deficientes físicos, etc.[12]
6. Nos últimos anos, “agentes de leitura” e “mediadores de leitura”
se espalharam pelo Brasil. A experiência positiva dos agentes de leitura
no Ceará foi levada para o Ministério da Cultura e expande-se em vários
estados. No Acre foram criadas mais de cem Casas da Leitura interagindo
com uma nova maneira de ler a cultura e a natureza. Os agentes ou
mediadores de leitura devem chegar a 15 mil brevemente e têm sido
treinados por instituições como a Cátedra de Leitura da PUC/RJ. O ideal é
que se mesclem com os “agentes de saúde” e os “médicos da família”.
7. Nessa redescoberta da leitura, onde havia apenas o Instituto
Nacional do Livro, espera-se a criação do Instituto do Livro, da Leitura
e da Biblioteca e a nova administração da Fundação Biblioteca Nacional
planeja construir 25 mil bibliotecas populares com livro de qualidade a
R$ 10.
8. Enfim, a leitura é o verdadeiro pré-sal. O petróleo em si não
resolve os problemas básicos de um país. Há países que têm petróleo e
têm terríveis desigualdades sociais e opressão política. Há países que
não têm petróleo e estão na ponta do processo civilizatório. E todos os
países que realmente se desenvolveram passaram pela leitura. A leitura
torna os livros vivos e desenvolve os países.
LEITURA: EQUÍVOCOS E ACERTOS
É recente a emergência da LEITURA e do LEITOR no panorama brasileiro. O LEITOR e a LEITURA até há pouco foram elos invisíveis, não falados, diria até reprimidos ou esquecidos dentro de um sistema que parece pouco sistêmico.
Cito casos sintomáticos de como nossa elite vê a questão da leitura:
1. Edson Nery da Fonseca, conhecido bibliotecário, narra que, nos
anos 50, ao questionar Lúcio Costa por que não havia projetado uma
biblioteca pública para Brasília ouviu a seguinte resposta: “Esse
negócio de biblioteca pública nunca deu certo no Brasil”[13].
2. Quando apresentei publicamente os projetos de leitura da Fundação
Biblioteca Nacional, nos anos 90, numa reunião do MinC, ouvi do ministro
Antonio Houaiss esta frase: “Leitura não é um assunto prioritário no
meu ministério”.
3. Após ouvir uma conferência de Eliana Yunes — uma das maiores
especialista em leitura no país —, um editor e alto dirigente da Câmara
Brasileira do Livro me disse: “Quanto mais ouço a Eliana, menos entendo o
que ela quer”.
4. Não estranha que o ex-ministro da Cultura Francisco Weffort
(ex-genro de Paulo Freire), secundado por Eduardo Portela, tenha
sabotado o Proler e os projetos de leitura em curso no país (1996) e que
somente dez anos depois (em 2006) na administração Lula/Gil/Juca
Ferreira a leitura voltasse a ser prioritária[14].
Contrastando com esse tipo de incompreensão, a reação de pessoas do
povo é mais sábia. Há centenas, milhares de exemplos. Só o projeto “Viva
Leitura”, patrocinado pela Organização dos Estados Ibero-americanos e a
Fundação Santillana, listou cerca de 10 mil projetos, dos quais destaco
três:
1. Luiz Amorim, dono de um açougue em Brasília, decidiu fazer dentro
de seu estabelecimento uma biblioteca. Chegou a ser condenado pela Saúde
Pública. Resistiu. Hoje seu projeto cresceu, a população da cidade
participa do que se transformou num grande centro cultural. Além de
expandir seu negócio, começou a pôr bibliotecas nos pontos de ônibus.
2. Em Sabará, Marco Túlio Damasceno criou a Borrachoteca dentro da borracharia que era de seu pai e já tem três filiais.
3. No Complexo do Alemão (Rio de Janeiro), enquanto zuniam as balas
entre os traficantes e a policia, Otávio Santanna, que já era um agente
de leitura e tinha uma biblioteca móvel, começou projetos para construir
uma Barracoteca.
Quem quiser ir mais fundo neste assunto basta ver como funcionam os milhares de projetos de leitura em todo o país.
LEITURA: DESCOBERTA RECENTE
A evolução semântica e social da questão do livro no Brasil passou por algumas fases bem sintomáticas no último século:
1. Em 1918 com a experiência da edição popular do Saci, Monteiro Lobato, colaborando com o jornal O Estado de S. Paulo,
cria a indústria editorial brasileira. Até então os livros eram
publicados por editoras estrangeiras (Garnier e Lammert) e atendiam a 30
pontos de venda. As edições eram de 500 exemplares. Lobato levou o
livro a todo o país e chegou a vender 11.500 exemplares de um único
livro em um ano[15].
2. Em 1935 Rubem Borba de Moraes reinventa a biblioteca pública ao
estruturar a biblioteca municipal de São Paulo, criando (com Mário de
Andrade) novas seções abertas à cultura popular. Descentraliza ações
programando dez bibliotecas nos diversos bairros, além de bibliotecas
móveis[16].
3. Em 1937 o governo federal cria o Instituto Nacional do Livro,
dirigido por Augusto Meyer, com colaboração de Mário de Andrade e
Sérgio Buarque de Holanda, com o objetivo de fazer uma enciclopédia
brasileira. Posteriormente o INL começou a fazer co-edições de livros
que eram mandados para bibliotecas públicas[17].
4. Em 1961 Paulo Freire — diretor do Departamento de Educação, no
Recife — põe em prática seu método de alfabetização — “Método Paulo
Freire” —, ensinando plantadores de cana a ler em 45 dias. Essa
experiência de “ler o mundo” foi interrompida pelo golpe de 64. Entre
1989 e 1991 Paulo Freire foi secretário da Educação de São Paulo e criou
o programa para “Educação de Jovens e Adultos”.
5. Em torno de 1980 a universidade redescobre a leitura. Em 1981
surge a ALB (Associação Brasileira de Leitura do Brasil) e o Cole
(Congresso de Leitura do Brasil), através de Ezequiel Theodoro. Cria-se a
Jornada Nacional de Literatura (Universidade de Passo Fundo),
coordenada pela professora Tânia Rösing. A “teoria da recepção” criada
na Alemanha por Wolfgang Iser e Hans R. Jauss chega ao Brasil
interessando-se academicamente pelo receptor/leitor. Mas restringe-se
aos intramuros universitários.
6. A criação do Proler (1992), coordenado por Eliana Yunes e
Francisco Gregório Filho, dentro da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), é
o início de uma “política do livro e da leitura”. A leitura vira uma
questão de estado. Já não se trata apenas de editar livros, já não se
trata da alfabetização ou de uma visão acadêmica da leitura. A palavra
leitura/leitor se amplia, desentranha-se do livro, da biblioteca, da
alfabetização, da universidade e ganha amplitude social. Com a criação
da Cátedra da Leitura PUC/Unesco (2006), a universidade leva socialmente
para fora de seus muros a questão da leitura.
7. Por outro lado, em 2006 o Plano Nacional do Livro e da Leitura
(PNLL) aparece formatado com José Castilho. Une sociedade civil e
governo, começa articular a criação de um Instituto do Livro, da Leitura
e das Bibliotecas. O Ministério da Cultura, por outro lado, propõe o
“vale cultura”. E em 2011, Galeno Amorim, na FBN, retoma o PNLL e se
empenha na construção de 25 mil bibliotecas populares.
INCLUSÃO DIGITAL E A LEITURA
Tem-se falado muito de “inclusão digital”. O Ministério das Comunicações informa que já existem 13.379 “telecentros” implantados em 5.564 municípios brasileiros. Eles podem ter o papel que as bibliotecas convencionais deveriam ter tido. Nesse contexto os “promotores de inclusão digital” deveriam ser encarados como irmãos gêmeos dos recentes “agentes de leitura” ou “agentes de cultura”. Os telecentros ofereceram 6.200 kits do Ministério às prefeituras. O telefone portátil, o Ipad, o Google são uma realidade. Os 200 milhões de telefones portáteis são 200 milhões de bibliotecas em potencial à espera de nossa criatividade. Assim como um viajante do século 18 tinha uma maleta de viagem em que carregava algumas dezenas de livros para ler, hoje pela internet todos podem ter uma biblioteca em suas mãos, seja nas margens do Tocantins ou nas cochilas do Sul.
Se não conseguimos em 500 anos colocar uma biblioteca em cada canto
do país, por outro lado, cada cidadão hoje está se convertendo, à
revelia de nossa incompetência histórica, em um “consumidor” de
informação através da informática, do Google, da internet. Se temos
apenas 2.600 livrarias e 2.500 cinemas, é bom que nos espantemos e
rejubilemo-nos com o fato de que temos 109 mil lan houses; e que uma
favela como a da Rocinha (que tem apenas uma biblioteca heroicamente
construída e seguramente não tem nenhuma livraria) tem, por outro lado,
200 lan houses.
O que não foi feito em 500 anos, hoje graças ao universo digital,
pode constituir-se em uma conquista rápida e numa reparação. Isso não
significa que não se deva construir bibliotecas e comprar livros, apenas
que há meios de acelerar o consumo de livros e promover a leitura.
Mas aqui se torna irrecusável contar uma história que narrei na
recente Jornada Literária de Passo Fundo (agosto/2011) quando Alberto
Manguel e Kate Wilson debatiam equivocamente sobre esse tema. Diz-se que
o Marechal Rondon, no princípio do século passado, foi designado para
conquistar grande parte do território brasileiro levando a comunicação
através de postes e fios que conduziam mensagens telegráficas. Depois de
ter instalado praticamente em todo o país esse sistema de comunicação,
ao colocar o último poste na fronteira com a Bolívia, foi surpreendido
com a notícia de que Marconi havia acabado de descobrir o telégrafo sem
fio.
Cem anos depois a situação se repete. Conseguiremos fazer na era do
livro eletrônico o que não conseguimos fazer na era do livro impresso?
O Brasil está vivenciando três fatos novos:
1. Primeiro a invasão da eletrônica em nossa vida cotidiana, nos jogando em outra era.
2. Em segundo lugar, o surgimento de outras gerações chamadas de X,
Y, Z pelos especialistas em marketing: jovens que vivem zapeando. São
“dispersivos”, fazem várias coisas ao mesmo tempo, não têm o sentido de
“concentração” unidirecional. Nós os achamos superficiais. Mas, e se
estivermos realmente diante de um fenômeno de mutação não exatamente
genética, mas cultural? Um daqueles momentos de “point of no return” que
remete para a metáfora que Marshall McLuhan usou: a lagarta assustada
olhando uma borboleta em seu esplendor dizia: eu nunca me transformarei
num monstro daqueles…
3. Em terceiro lugar, a ascensão das classes C, D e E que até agora
estavam fora do mercado, da comunicação e da cultura livresca. A todo
instante nos dizem de estratégias de marketing à procura desses novos
“índios” que a sociedade de consumo quer incorporar, catequizando-os com
o “evangelho” da sociedade do espetáculo. Os meios de comunicação
certamente se preocupam com isso. Mas Fabio Mariano, da ESPM (Escola
Superior de Propaganda e Marketing), afirma que os jornais não
conseguiram chegar a 60% das classes C, D e E, constituídas por pessoas
com menos de 30 anos. “Os jornais brasileiros não entendem essa classe
C, estão distantes. Quando a gente fala de classe C, falamos de um
século de exclusão, sem saúde, sem saber o que é política.”
Some-se a isso o fato de haver hoje 200 milhões de celulares. São 200
milhões de bibliotecas volantes à espera de nossa criatividade. Um
jovem na margem esquerda de um afluente do Amazonas pode ter, de graça,
acesso aos clássicos brasileiros e estrangeiros sem precisar sair de
casa.
Lembremos: o aprendizado já foi oral — o essencial era o uso da
memória. Com a evolução o saber passou a ser escrito. Hoje retorna e
passa pelo visual. Ou pode-se dizer: o aprendizado é oral, é escrito e também visual. O oral, o escrito e o visual se complementam.
O livro está se metamorfoseando. O leitor também tem que se
metamorfosear. Como têm que se modificar o editor, o livreiro, o
jornalista, o publicitário e todo o sistema da escrita e de
representação simbólica. De certa maneira somos todos neo-analfabetos.
Quero dizer que os “leitores virtuais” se adiantaram. A indústria
fonográfica está caçando avidamente seu público, as lojas virtuais estão
pululando. Por que a indústria da produção do livro tarda tanto em
descobrir a indústria da leitura? Por que disputar os mesmos minguados
leitores entulhando toneladas de livros que serão rapidamente destruídos
antes de serem lidos?
É como se os habitantes da Somália e da Etiópia, famintos, tivessem
que assistir no seu acampamento de refugiados a alguns se banqueteando e
jogando comida na lata de lixo enquanto eles morrem à mingua.
E O BRASIL NISSO?
Fomos envoltos por uma tsunami. Só que a onda (terceira, quarta, quinta?) envolve todo mundo, dá volta ao globo e causa modificações de acordo com a natureza ou acidentes geográficos e culturais de cada região.
Em tempos de feroz globalização, é bom lembrar que a antropofagia é
própria dos seres vivos, e que Darwin tem razão ao falar da seleção das
espécies. Temo, porém, que as espécies mais ferozes, não necessariamente
as mais inteligentes, sobrevivam.
Quando me refiro à leitura, estou me referindo também à liberdade. A
verdadeira leitura liberta e problematiza a própria leitura e a própria
liberdade. O livro em si, ou a leitura fanática de uma única obra ou
pensamento, não amadurece o indivíduo e a sociedade. Há sociedades que
deram o livro ao povo, mas não deram liberdade de pensamento. Quando
estive na Rússia, exatamente na semana em que o comunismo acabou, há 20
anos, naquele mês de agosto de 1991, reuni-me com editores soviéticos e
soube para meu espanto que tinham mais de 200 mil bibliotecas. E nem
por isso… Também as edições dos autores oficiais do partido, mesmo
poesia, chegavam a milhões de exemplares. E nem por isso…
Em algumas ocasiões tenho dito que provavelmente somos a última
geração letrada. Gostaria de estar equivocado, que o futuro me
desmentisse. Ou que descobrisse, descobríssemos formas novas de ler. Se
olharmos a história do Brasil, podemos detectar três momentos culturais e
econômicos relevantes que nos forçam a uma decisão crucial no presente:
1. A febre do ouro e das pedras preciosas ocorreu aqui quando éramos
colônia e essa riqueza escoou para os cofres dos dominadores. Isso foi
diferente do que sucedeu com os Estados Unidos, que já eram
independentes quando a “corrida do ouro” iniciou-se na costa leste.
2. Tendo perdido essa chance, perdemos também a chance da revolução
industrial nos séculos 18 e 19, porque aqui predominavam a escravidão e a
cultura agrária; e a coroa brasileira era apenas cliente dos produtos
industrializados europeus.
3. Estamos diante da revolução digital. Se perdemos as duas
revoluções anteriores, hoje há algumas coincidências: a revolução
digital chega com a avassaladora globalização, no momento em que o
Brasil auto-suficiente de petróleo incorpora outras classes e descobre o
pré-sal.
Repito, para terminar: o verdadeiro pré-sal é a cultura e/ou a
leitura. Os animais, os peixes, as árvores e até as bactérias lêem
constantemente o mundo antes de tomarem qualquer decisão. Por que o ser
humano insiste em andar às cegas no universo da comunicação?
[1] Revista da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) –
julho/agosto 2011. Entrevista de Nelson Marangoni a Francisco Gracioso.
[2] Panorama Editorial. Câmara Brasileira do Livro, # 60, 2011.
[3] Idem, p. 37 e 38.
[4] Ver do autor deste ensaio: “Ler o Mundo”, Ed. Global, 2011.
[5] “Depois que inventaram o computador, as livrarias nem sempre
compram os lançamentos, mas ficham tudo que está sendo publicado. Usam
os cadernos literários para fazer o registro das novidades no
computador. Então é comum acontecer o seguinte: o cliente passa numa
livraria e pede um exemplar, por exemplo, de Curral de peixes:
“O vendedor vai ao computador, digita o nome do autor, e em segundos
tem as informações necessárias. O cliente quer o livro, mas aí o
balconista diz que acabou de vender o último, e pergunta: “Quer esse
livro para quando? Se mandar buscar amanhã, eu arranjo”. O cliente faz a
encomenda, e só então esse funcionário telefona para a editora, ou
passa um e-mail: “Mandar urgente. Se não for entregue em 24 horas,
considerar anulado o pedido”. Ou seja, só nos pedem o livro com
comprador certo”. Mesa redonda “A situação do livro no Brasil”,
21.11.2001, na Academia Brasileira de Letras.
[6] Em 2002 correu pela internet um manifesto de professores “contra a
exclusão da literatura no Ensino Médio” no Rio de Janeiro. Na ocasião
escrevi uma crônica (“Acabar com a literatura?”) que está em “Ler o
mundo”, Ed. Global, 2011.
[7] Ler “Como se faz a indústria do vestibular”. Sonia Guimarães, Ed.
Vozes, 1984, p. 13: “no período 1964-68 cresceu em 120% o número de
inscritos nos exames vestibulares, taxa muito superior ao aumento do
número de vagas oferecidas nesse mesmo período, que foi de 56%. Criou-se
então o impasse e, com ele, o drama dos excedentes que cresceram 212%
entre 64 e 68, 125 mil alunos, em todo o país, que passaram não
conseguiram entrar na universidade por falta de vagas”.
[8] Ver “Ler o mundo”, ob cit: “Bibliotecas, alguns prefeitos são contra”.
[9] A leitura literária na Escola Pública Potiguar – IDE – Natal, 2011, p. 21.
[10] Entre tantos que escreveram sobre isto destaque-se o livro de
Umberto Eco e Carrière: “Não contem com o fim do livro”. Ed. Record,
Rio, 2010.
[11] No Seminário Nacional de Mediadores de Leitura, realizado em São
Paulo em 2010, e que reuniu autoridades do MEC, MINC e de outros
ministérios, me foi pedido que redigisse o seguinte documento aprovado
pelos colegas: CARTA DO SEMINÁRIO NACIONAL DE MEDIADORES DE LEITURA
Os abaixo-assinados, escritores, professores, contadores de histórias, bibliotecários, membros de entidades ligadas à promoção da leitura, e representantes de vários ministérios, presentes no Seminário Nacional de Mediadores da Leitura, realizado em São Paulo de 12 a13 de março, discutindo questões relativas à realidade brasileira achamos por bem encaminhar às autoridades competentes as seguintes considerações:
Os abaixo-assinados, escritores, professores, contadores de histórias, bibliotecários, membros de entidades ligadas à promoção da leitura, e representantes de vários ministérios, presentes no Seminário Nacional de Mediadores da Leitura, realizado em São Paulo de 12 a13 de março, discutindo questões relativas à realidade brasileira achamos por bem encaminhar às autoridades competentes as seguintes considerações:
- nas últimas décadas, a questão da leitura como instrumento de desenvolvimento não apenas pessoal, mas econômico e social tornou-se de tal modo evidente que vários países incrementaram estratégias para debelar tanto o analfabetismo quanto o analfabetismo funcional;
- no Brasil, também nas últimas décadas, foram criados inúmeros programas de promoção da leitura, que têm modificado a vida de milhares de pessoas no campo e nas cidades. A leitura deixou de ser uma preocupação apenas escolar e transformou-se em instrumento de cidadania e inclusão social sendo um agente eficaz na prevenção ao crime e à miséria;
- é possível realizar, e já existem, programas de leitura em quartéis, hospitais, presídios e comunidades marginalizadas. Seja entre camponeses, quilombolas e indígenas e em muitas cidades é possível se institucionalizar o ‘agente de cultura’, como quem vai topicamente desencadear ações modificadoras em todo o país;
- assim como o governo entende que a estabilidade do valor da moeda é uma questão de estado que transcende os governos passageiros, a leitura é a moeda, é o valor que credencia o indivíduo a ser um cidadão permitindo ao país se desenvolver. Com efeito, na modernidade, não existe nenhum pais próspero que não tenha passado pela revolução silenciosa do livro e da leitura. E a leitura, como gesto de comunicação, tornou-se a chave para o ingresso no século 21.
- chegou, por isso, o momento em que essa malha de manifestações existentes, pelo seu natural amadurecimento, requer uma outra dimensão na sua estratégia e na sua execução. É fundamental e recomendável que, reconhecendo a importância dessa questão, a promoção da leitura deixe de ser apenas uma preocupação do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação, para se transformar também numa ação interministerial priorizada pela Presidência da República.
[12] Em 17 de março de 2009, por exemplo, Cleide Soares, do
Ministério de Desenvolvimento Agrário, informava por carta: “Ficamos
muito gratas pela lembrança do Programa Arca das Letras (…) Esta semana
estamos levando mais bibliotecas áreas rurais, indígenas e quilombolas
de Sergipe (40), Pernambuco (13), Ceará (16) e Mato Grosso (8). 77 novas
comunidades terão acesso à leitura e isso nos agrada bastante (…) Já
são mais de 13 mil agentes de leitura atuando no meio rural”.
[13] “Brasília foi outra oportunidade perdia pela biblioteconomia
brasileira para afirmar-se como força social. Na memória do Plano
Piloto, Lúcio Costa fala vagamente de uma biblioteca no setor cultural
da cidade. Perguntei uma vez ao genial urbanista e arquiteto por que as
unidades de vizinhança tinham tudo — escolas, clubes, igrejas, ruas de
comercio local, cinemas, bancas de revistas, postos de gasolina,
supermercados, menos bibliotecas. Ele me confessou que se esquecera
(sic), ‘porque esse negócio de biblioteca popular nunca funcionou no
Brasil”. (in “Acertos e desacertos da biblioteconomia no Brasil”,
Recife, Flamboyant, 1993). Citado também em “Ler o Mundo”.
[14] Sobre isso, para mais detalhes, ver meu depoimento em “Ler o Mundo”. Ed. Global, SP, 2011.
[15] Ver Monteiro Lobato: a recriação do livro no Brasil, Apostolo
Neto – Revista Espaço Acadêmico, # 28, set 2003, citando Edgar
Cavalheiro:
“É quando surge Monteiro Lobato. Tendo impresso por sua conta, nas oficinas d’O Estado de São Paulo, mil exemplares de Urupês, verificara, ao ter os volumes prontos para venda, que em todo o território nacional existiam somente trinta e poucas casas capazes de receber o livro. Não era possível, por tão poucos canais, o escoamento daquilo que se lhe afigurava um despropósito de volumes. Dirige-se, então, ao Departamento dos Correios, solicita uma agenda e constata a existência de mil e tantas agências postais espalhadas pelo Brasil. Escreve delicada carta-circular a cada agente, pedindo a indicação de firmas ou casas que pudessem receber certa mercadoria chamada ‘livro’. Com surpresa recebe respostas de quase todas as localidades. De posse de nomes e endereços assim obtidos, procura entrar em contacto com os possíveis clientes, escrevendo-lhes longa circular, portadora de original proposta: ‘Vossa Senhoria tem o seu negócio montado, e quanto mais coisas vender, maior será o lucro. Quer vender também uma coisa chamada livro? V. Sª não precisa inteirar-se do que essa coisa é. Trata-se de um artigo comercial como qualquer outro, batata, querosene ou bacalhau. E como V. Sª receberá esse artigo em consignação, não perderá coisa alguma no que propomos. Se vender os tais ‘livros’, terá uma comissão de 30%; se não vendê-los, no-los devolverá pelo Correio, com porte por nossa conta. Responda se topa ou não topa’.
Segundo Edgar Cavalheiro, o expediente lobatiano funciona perfeitamente, pois: Quase todos toparam, e Lobato passou dos trinta e poucos vendedores anteriores, que eram as livrarias, para mil e tantos postos de vendas, entre os quais havia lojas de ferragens, farmácias, bazares, bancas de jornal, papelarias. O comércio de livros, que modorravam numa rotina galega, ganha impulso insuspeitado. As edições, que antes não ultrapassavam 400 ou 500 exemplares, e assim mesmo muito espacejadas, pulam imediatamente para três mil exemplares, e começam a surgir quatro, cinco, seis e até mais livros por mês.
“É quando surge Monteiro Lobato. Tendo impresso por sua conta, nas oficinas d’O Estado de São Paulo, mil exemplares de Urupês, verificara, ao ter os volumes prontos para venda, que em todo o território nacional existiam somente trinta e poucas casas capazes de receber o livro. Não era possível, por tão poucos canais, o escoamento daquilo que se lhe afigurava um despropósito de volumes. Dirige-se, então, ao Departamento dos Correios, solicita uma agenda e constata a existência de mil e tantas agências postais espalhadas pelo Brasil. Escreve delicada carta-circular a cada agente, pedindo a indicação de firmas ou casas que pudessem receber certa mercadoria chamada ‘livro’. Com surpresa recebe respostas de quase todas as localidades. De posse de nomes e endereços assim obtidos, procura entrar em contacto com os possíveis clientes, escrevendo-lhes longa circular, portadora de original proposta: ‘Vossa Senhoria tem o seu negócio montado, e quanto mais coisas vender, maior será o lucro. Quer vender também uma coisa chamada livro? V. Sª não precisa inteirar-se do que essa coisa é. Trata-se de um artigo comercial como qualquer outro, batata, querosene ou bacalhau. E como V. Sª receberá esse artigo em consignação, não perderá coisa alguma no que propomos. Se vender os tais ‘livros’, terá uma comissão de 30%; se não vendê-los, no-los devolverá pelo Correio, com porte por nossa conta. Responda se topa ou não topa’.
Segundo Edgar Cavalheiro, o expediente lobatiano funciona perfeitamente, pois: Quase todos toparam, e Lobato passou dos trinta e poucos vendedores anteriores, que eram as livrarias, para mil e tantos postos de vendas, entre os quais havia lojas de ferragens, farmácias, bazares, bancas de jornal, papelarias. O comércio de livros, que modorravam numa rotina galega, ganha impulso insuspeitado. As edições, que antes não ultrapassavam 400 ou 500 exemplares, e assim mesmo muito espacejadas, pulam imediatamente para três mil exemplares, e começam a surgir quatro, cinco, seis e até mais livros por mês.
[16] Borba de Moraes em “Testemunha ocular”. Briquet de Lemos,
Brasília, 2010, diz na p. 218: “A leitura seria feita e os estudantes
seriam atendidos nos bairros, onde existiriam, para começar, dez
bibliotecas localizadas de acordo com a densidade de população”.
[17] Quando assumi a Fundação da Biblioteca Nacional (1990) encontrei
em Brasília 200 mil exemplares do INL encalhados, que distribuí
imediatamente para as bibliotecas.