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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Mais do que um prazer, o gosto pela leitura faz bem

É certo que os livros transmitem conhecimento, e eles fazem isso de uma forma muito gostosa; ao mesmo tempo você aprende a memorizar as palavras e pode ‘turbinar’ sua imaginação

Araçatuba, 19/10/2010

Como se faz para entrar em um mundo diferente sem sair do lugar?

Como se faz para virar um grande herói e não ficar longe de casa?

Como se tornar uma princesa e viver em um castelo encantado, mesmo que ele esteja em seu próprio quarto?

É fácil. Pegue um livro e deixe sua imaginação ir para onde ela desejar.

Segundo os especialistas, a leitura traz diversos benefícios para as pessoas como a memorização, o aprendizado de novas palavras, mais conhecimento, novas informação, muita reflexão e cultura, além de entendimento e crescimento intelectual. Mas não é só isso.

Ler é um exercício de prazer e imaginação. Muito diferente de olhar e ver na televisão, as imagens prontas, a leitura faz com que as mensagens apareçam da forma que quisermos em nossa mente. Através da leitura, falamos e escrevemos melhor, a nossa história e as dos outros.

VOCÊ SABIA?

Que ao pegar um livro, o leitor pode ter contato com diversas culturas? É verdade! Todas as histórias que lemos trazem novos conhecimentos de um mundo que vai além de nossa casa, da nossa cidade, do nosso Estado e, muitas vezes, até do nosso País. Quando conhecemos novas culturas e hábitos, conseguimos ampliar nossas ideias e percepções, assim podemos formar opiniões e refletir mais rapidamente. E sabe o que é mais legal? Cada dia você adquire um pouco mais de saber.
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Quando conhecemos
novas culturas
conseguimos
ampliar
nosssas ideias
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A estudante Mariele Carvalho Saraiva de Araújo, de 7 anos, é um exemplo de dedicação e amor pela leitura. Somente neste ano, ela já leu mais de 30 livros. Entre os seus preferidos estão os contos de fadas, as histórias da Bíblia - em versão infantil - e os quadrinhos. Para ela, o mais importante é a diversão que a leitura proporciona. “Quando leio, consigo ‘entrar’ na história. Cada vez viro uma personagem diferente. Hoje sou a Cinderela”, afirma aos risos.

A mãe da menina, Ana Maria Carvalho Saraiva de Araújo, diz que além de comprar em bancas, também faz assinaturas de livros e revistas para a filha. E ainda leva a garota na Biblioteca Municipal “Rubens do Amaral”, em Araçatuba, para ela ter acesso a outros livros. Ana Maria afirma que a filha é curiosa e que gosta de aprender.

DEDICAÇÃO
Mariele Carvalho Saraiva de Araújo, de 7 anos,
já leu mais de 20 livros só este ano;
ela adora contos de fadas e histórias bíblicas

A mãe comprova que a leitura melhorou o rendimento escolar de Mariele. “Sempre que a ela fica em dúvida sobre uma palavra, recorremos ao dicionário. Vejo que o vocabulário dela melhorou e o raciocínio também”, afirma a mãe. 

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Era uma vez um menino...

Mindlin semeou a ideia do Dia Nacional da Leitura

Ele nasceu em 1914 e morreu em fevereiro deste ano ainda menino. José Mindlin foi o grande incentivador para que o Dia das Crianças também fosse o Dia Nacional da Leitura. Aos sete anos, esse filho de imigrantes russos fez sua principal descoberta: as letras podiam se juntar e formar palavras, ideias e histórias. Desde então, prometeu viver 300 anos para conseguir ler os mais de 25 mil livros que desejou. E olha que a coleção que ele começou aos 13 anos tem mais de 40 mil obras, a maior coleção particular!José Mindlin gostava tanto de livros que as pessoas o chamavam de um nome muito especial: bibliófilo, que significa amante de livros e colecionador de obras raras e preciosas. Assim, é fácil entender porque ele foi o grande incentivador do Dia Nacional da Leitura.

OFICIAL
 A lei que criou o Dia Nacional da Leitura foi instituída em 2009 a partir de uma mobilização de cerca de 3 milhões de pessoas para divulgar e desenvolver ações de leitura. A iniciativa foi do Instituto Ecofuturo. O objetivo do projeto é incluir a leitura na vida de todos, mostrando que o gosto por ela nasce do colo dos pais e se estende por toda a vida. Este ano, o instituto criou uma biblioteca virtual: http://www.dianacionaldaleitura.com.br. Conheça!

BIBLIÓFILO
José Mindlin em sua biblioteca de 40 mil livros 

segunda-feira, 22 de março de 2010

Entrevista José Mindlin

Dividir-se entre múltiplas atividades sempre foi uma das principais características de José Mindlin. Advogado de formação, executivo bem-sucedido – à frente da fabricante de autopeças Metal Leve – e secretário estadual de Cultura, Ciëncia e Tecnologia do governo Paulo Egydio Martins, no final dos anos 70, membro de vários conselhos de administração, o bibliófilo, dono de um acervo de quase 40 mil títulos, entre raridades, títulos autografados e primeiras edições, é ainda um profundo conhecedor e incentivador de artes plásticas – um gosto herdado a seu pai. Em sua biblioteca, Mindlin, hoje com 91 anos, reuniu preciosidades como o original de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e no hábito da leitura conseguiu façanhas como ter lido cinco vezes os sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido, do escritor francês Marcel Proust. Nada mais natural para um homem que teve a paixão pelos livros despertada ainda muito cedo, no início da adolescência, aos 12 anos. Na entrevista que concedeu com exclusividade à Revista E, em sua casa no bairro do Campo Belo, Mindlin falou dessa paixão e contou um pouco de sua trajetória. A seguir, trechos.


Como começou a sua biblioteca?

Foi sem querer. Ela começou com as minhas leituras. Comecei a ler bastante cedo e voltava às obras de autores que tinham me interessado mais. A biblioteca foi se ampliando sem ser planejada. Cresci num ambiente cultural; em casa meus pais liam, havia uma biblioteca que não era de livros raros e sim de literatura geral e alguma coisa de história e crítica literária. Eu era o terceiro dos irmãos, muito ligado a meu irmão mais velho, Henrique [Henrique Mindlin, responsável, entre outros, pelo projeto da Nova Sinagoga da Congregação Israelita de São Paulo], que depois se tornou parte da primeira geração de arquitetos modernos no Brasil. Eu o acompanhava quase como sua sombra, de modo que, apesar da diferença de quatro anos na idade, eu lia as mesmas coisas que ele. Então, as primeiras obras não infantis que eu me lembro de ter lido foram de Alexandre Herculano, as lendas e narrativas, como O Monge de Cister, Eurico, o Presbítero. Eu tratava de comprar esses livros. Depois, lembro-me de ter lido cedo O Ateneu e aos 13 anos comecei a ler o Machado [de Assis], que se tornou um companheiro de leituras da vida inteira.

Qual livro do Machado de Assis?

Os primeiros romances dele; depois é que fui ler Dom Casmurro, Quincas Borba, Memórias Póstumas [de Brás Cubas], Memorial de Aires e seus contos e crônicas. Não passa ano que eu não releia alguma coisa de Machado. Em meados do século passado entrou em cena Guimarães Rosa, que passou a ser outro ídolo. O Brasil felizmente tem muitos bons escritores, como os do Nordeste, que eu li nos anos 30: Graciliano [Ramos], Lins do Rego, Jorge Amado no período das obras de conteúdo social – que curiosamente não eram bem escritas, mas acho que são as que vão ficar por ser as mais densas e de conteúdo impressionante sobre o que é a vida do Nordeste. Os outros romances do Jorge Amado são os chamados best-sellers, já construídos com vistas ao público e não exprimindo a visão do Brasil que ele tinha naquela época. A biblioteca cresceu como uma plantinha e virou árvore, e depois, com o tempo, virou floresta. Mas não foi planejada.

Quando o senhor se deu conta de que já estava com uma árvore?

Provavelmente pelos 20 anos. Já vi que ali eu estava com uma biblioteca razoável. Mas eu me interessava muito pelo livro como objeto de arte também – a parte gráfica, a diagramação, a ilustração, a encadernação. Isso veio bastante cedo. Meu pai tinha fascínio pelas obras de arte: quadros, gravuras, desenhos. Eu também gosto, e acho que herdei a paixão que ele tinha, mas dirigida aos livros. As pessoas me perguntam por que e como eu me interessei, mas isso não tem explicação. A paixão surge sem explicação necessária ou possível. O fato é que a paixão pelos livros tem um caráter compulsivo – eu chego a dizer que é uma compulsão patológica –, mas com a característica de ser algo que faz nos sentirmos bem em vez de mal. E é incurável, de modo que eu, desde moço, tentava inocular nos colegas e nos amigos – e ainda hoje tento fazer isso com crianças e jovens – o vírus do amor ao livro e à leitura. Quem gosta de livros, gosta para o resto da vida. Não se pode imaginar um país crescendo sem leitura. O Brasil tem ainda um bom caminho a percorrer nesse sentido porque aumentou a alfabetização, mas isso ainda não significa que o alfabetizado saiba ler e o que ler. É o ponto central do desenvolvimento educacional do país. Eu considero a educação a maior prioridade brasileira, embora no Brasil possa se dizer que tudo é prioridade: a saúde, habitação, alimentação, transporte, tudo. Mas o ponto de partida é um desenvolvimento da educação que dê ao povo a possibilidade de reivindicar o que é necessário fazer para torná-lo um povo feliz. Não basta o país progredir, é preciso que o povo seja feliz, se sinta bem. No regime militar houve uma preocupação fundamental com o desenvolvimento econômico, mas a parte cultural, educacional, ficou para trás. O Brasil tentou tornar-se uma potência mundial e não chegou a esse ponto. O objetivo era esse, só que o povo não acompanhou esse crescimento como realização de felicidade pessoal. Ainda estamos nessa encruzilhada. Acho que houve progresso, mas há muito para fazer.

Quantos títulos há na biblioteca?

Mais ou menos 38 mil títulos registrados no computador. O que daria ao redor de uns 60 mil exemplares. É difícil calcular esse número de exemplares, pois o título pode ser um folheto ou a coleção do Estudo Histórico e Geográfico Brasileiro, que são quase 400 volumes. Há documentos históricos, coleções de revistas com centenas de volumes.
E qual é a tônica da biblioteca? É uma biblioteca de raridades e primeiras edições?

Isso é só uma parte. É uma biblioteca em que a leitura é o fulcro de sua existência. O gosto por primeiras edições e por exemplares autografados pelos autores veio mais tarde. Eu comecei lendo livros em edições comuns. O interesse principal da biblioteca é a literatura. Mas, logo atrás, vem a história, a crítica literária, a arte, as viagens. O meu interesse pela brasiliana [coleção de estudos, livros, publicações, material visual etc. sobre o Brasil], que representa um pouco mais da metade da biblioteca, começou com uma edição da Melhoramentos da História do Brasil, do Frei Vicente de Salvador, cronista do século 17, que eu achei fascinante. Eu li aos 13 anos e isso desencadeou o meu interesse pelas coisas sobre o Brasil. Essa edição da Melhoramentos tinha uma boa bibliografia, notas explicativas do Capistrano de Abreu, do Rodolfo Garcia. Foi uma leitura instrutiva, eu tinha recebido de presente de aniversário, mas era uma publicação comum – sem nenhuma pretensão de raridade ou qualidade editorial. Machado de Assis eu li nas edições Garnier, que foram feitas na primeira metade do século. Eram edições com muitos erros porque eram impressas e revistas na França. Posteriormente a Casa de Rui Barbosa fez uma edição quase completa das edições Garnier corrigidas. Na leitura vem o desejo de conhecer as primeiras edições para comparar textos, porque se fala de alterações no trabalho que o autor desenvolveu. As quatro primeiras edições de O Guarani foram revistas pelo José de Alencar. Tem-se a vontade de ter edições melhores. Daí se parte para as obras que se relacionam com o período, e isso vai aumentando. Viagens pelo Brasil, por exemplo, principalmente de estrangeiros que começaram com mais intensidade em 1808, na abertura dos portos – pois antes os estrangeiros que visitavam o Brasil só conheciam a Bahia ou o Rio de Janeiro, não podiam se aventurar pelo interior. É difícil sintetizar, mas os interesses vão se espraiando. Livros de arte foram coisas que me atraíram muito. Para entender melhor os livros que eu tinha lido, a crítica literária. Aí, como uma coisa quase insidiosa, o gosto pelas primeiras edições, depois pelos exemplares autografados, e entra também o conceito de raridade. É uma doença que vai progredindo até se tornar irremediável.

E para conseguir esses livros? Foram feitas viagens, visitas a sebos?

Até os 20 anos eu corria sebos todas as tardes e pedia catálogos de livreiros europeus. Com isso, fiquei conhecendo melhor o mundo dos livros e o que era mais interessante procurar. Tive de fazer muita ginástica financeira porque eu não queria pedir dinheiro a meu pai para livros que não fossem de estudo. Foi quando descobri o caminho da mina nessas visitas diárias a sebos. Eu devia ter uns 15 anos quando verifiquei que cada sebo vivia isolado, isto é, o livreiro não sabia o que o outro tinha. Cada um vendia os livros pelo preço de compra e não pelo valor estabelecido. Então, um vendia por 5 o que o outro vendia por 20, 30 e até 50. Eu comecei a comprar esses livros de 5 e levar para o outro livreiro dizendo que ia deixar em consignação e que queria que ele creditasse o saldo depois de tirada a comissão dele. Então, no fim de três meses eu estava com crédito em todos os sebos. Eu dizia que não queria ver dinheiro, que iria retirar em livros, o que agradava aos livreiros, pois eu retirava em livros o que para eles tinha custado menos. Isso foi realmente decisivo na formação da biblioteca, pois passei uns quatro anos comprando livros sem desembolsar nada. Depois o mundo foi mudando, a cidade foi mudando, os livreiros começaram a ter contato, publicavam listas. E, aí, acabou a brincadeira, mas ela teve bons resultados. Nesse meio-tempo eu me formei em direito, advoguei e já tinha mais facilidade de comprar livros por minha conta mesmo.

Quando o senhor ia nesses sebos, já chegava com uma idéia do que iria buscar ou lá dentro se perdia?

A quantidade de livros é muito grande e no meio há coisas muito boas.
Acontecem as duas coisas. Em matéria de brasiliana, eu ia listando as obras referidas nas bibliografias. E também descobrindo coisas, eu gostava muito de seguir a intuição e ver um autor que eu não conhecia. Eu comprava o livro para ver como era. Ou me apaixonava pelo autor ou desistia, punha de lado. Há muito descarte na garimpagem. Mas sempre havia obras procuradas, especificamente. Lendo as histórias de literatura, os ensaios críticos e as bibliografias, eu ia marcando coisas que eu queria conhecer. Daí veio também o gosto pela raridade. É uma compulsão que vai crescendo e que é patológica, mas nunca chegou a me preocupar. Aos 20 anos eu fiz a primeira viagem à Europa. Foi um episódio interessante. Por puro acaso, eu estava saindo da aula, na faculdade, e um advogado conhecido me perguntou se eu falava inglês e francês; eu respondi que sim. Ele me perguntou se eu queria ir para a Europa e eu disse que era claro que queria. Era um convite da Marinha para um estudante da universidade participar da viagem que ia buscar o Navio-escola Almirante Saldanha na fronteira da Inglaterra com a Escócia. Foi uma viagem de cinco meses. Em cada país – Inglaterra, França, Portugal, Espanha e Itália – eu visitei os antiquários, aí já não era tanto os sebos. Eu tinha certo conhecimento que me abriu as portas dos antiquários. Isso porque o bom antiquário não gosta de vender livro para pessoas que não tenham gosto. Então, estabeleceu-se uma relação pessoal que dura até hoje, alguns antiquários ainda existem, os sucessores continuam na Inglaterra, em Portugal, na França. Muitos foram para os Estados Unidos na guerra [a Segunda Guerra Mundial] – foi quando começaram a aparecer bons antiquários nos EUA. Esse relacionamento pessoal me ajudou muito na formação da biblioteca. Havia as coisas que eu procurava e as que seduziam sem que tivesse pensado nelas.

Então, a partir de um título, havia não só a zona de interesse desse livro como a bibliografia referida do autor, que havia sido usada para a construção desse livro?

Sim, a partir disso eu ia expandindo o meu interesse. A leitura dos catálogos me deu uma soma de informações muito grande, pois os catálogos que os antiquários europeus publicavam eram verdadeiras obras de referência. Há uma livraria inglesa, a Marx Brothers, que em 1930 fez um catálogo de livros sobre o Brasil que até hoje é uma obra de referência. Eu não tinha condição de comprar praticamente nenhum livro desse catálogo, mas fiquei conhecendo o que estava ali e foi plantada a semente para que os procurasse mais tarde, quando tivesse condições de adquirir as obras. Eles me mandavam catálogos certos de que estavam mandando para um bibliófilo de um país exótico, não imaginavam que era um menino de 15 anos que estava pedindo os catálogos. Não foi um processo planejado e bem delineado. Na minha vida, o acaso teve um papel muito importante. Eu estudei direito porque naquela época ou se estudava direito ou engenharia ou medicina. As outras profissões eram secundárias. Como eu, de criança, falava muito e as pessoas em casa me chamavam de Rui Barbosa, ficou estabelecido que eu seria advogado. Fui advogado e gostei da profissão. Eu me formei em 1936 na São Francisco.

Já era USP?

Já. Virou USP em 1934. Eu estava no terceiro ano, de modo que acompanho a vida da USP desde seu nascimento. Hoje não há muita gente que possa dizer isso. Eu conheci todos os reitores, tive contato com os professores estrangeiros que foram contratados pelo Júlio de Mesquita Filho e Paulo Duarte, franceses como o Lévi Strauss e outras figuras, que depois se tornaram intelectuais de reputação mundial, que vieram para o Brasil como jovens professores. Assisti às aulas deles. Tive a vantagem de falar inglês e francês. Falando em acaso, fiz o ginásio em condições especiais. Houve um decreto permitindo o que se chamava de “exames parcelados”. Podia-se estudar onde se quisesse e fazer os exames de toda matéria no ginásio em que se estava. Eram 12 matérias; quando saiu o decreto eu precisei fazer um exame desses para me incluir nesse sistema. Fiz geografia e depois mais cinco matérias em 1928, cinco em 1929, e só ficou faltando história. Fiz isso no Rio Branco, que era um colégio fora de série por ter professores excelentes. Lourenço Filho era um dos diretores; o Sampaio Dória também, que criou a Associação Escolar Rio Branco – era uma miniatura da república. Tinha um presidente, os secretários de Estado, equivalentes aos ministros. Cada classe mandava os seus representantes para a assembléia. Foi onde surgiu meu interesse por política. Sempre gostei muito de política, mas não partidária. Eu tive uma educação muito individualista e a idéia de outros pensarem por mim não me agradava, de modo que eu nunca pertenci a um partido.

Gostar de política e não da política.

Sim, isso mesmo. Naquela época de escola, ficou faltando apenas uma matéria de história, e eu não tinha idade suficiente para prestar o vestibular da faculdade de direito. Disse a meu pai que queria trabalhar e foi uma coisa curiosa, pois ele me perguntou o que eu queria fazer e eu disse: “Qualquer coisa”. Dali a alguns dias ele chegou dizendo que tinha um amigo, importador de frutas no mercado central, que precisava de uma pessoa que ficasse no portão de entrada dos caminhões para controlar a entrada da mercadoria.

Quantos anos o senhor tinha nessa época?

Eu tinha 15 anos e engoli em seco porque tinha dito que qualquer coisa servia. Não me atraiu, mas tive de aceitar. Quando eu disse que aceitava, meu pai falou: “Não, eu estou brincando, você vai entrar na redação do jornal O Estado de S. Paulo”. Ele era amigo do Nestor Rangel Pestana, que era um dos diretores do Estado. Entrei em maio de 1930 e em setembro de 1930, completei 16 anos. Fui o redator e repórter mais moço do Estado. Para mim foi uma escola insubstituível, porque eu aprendi a escrever, tinha de ser numa linguagem simples, clara e acessível a um público médio. Até hoje eu escrevo de uma forma coloquial, não tenho o menor resquício de pedantismo. Fiquei conhecendo os bastidores da política, das sociedades, umas relações que normalmente nessa idade a pessoa está longe de ter. Um episódio que apareceu em muitas entrevistas e que é marcante foi que um núcleo da Revolução de 30 era a redação do Estadão. O Júlio de Mesquita Filho me chamava para a sala dele para mandar instruções e informações sobre a preparação do golpe de outubro de 1930 para o Rio de Janeiro, para o Vivaldo Coaraci, que chefiava a redação do Rio. Eu mandava essas informações em inglês para driblar a censura, que era de escuta telefônica e os censores não falavam inglês. Ainda não tinha 16 anos completos e acompanhei uma parte da conspiração da Revolução de 30. É uma experiência inédita mesmo. E foi por acaso. Depois, me formei como advogado e trabalhei com um grande advogado da época, o Antônio Augusto Covelo.

Nesse momento, como o senhor vê o Estado diante da cultura? Cobra-se a questão de uma política cultural.

Sempre achei que o papel do Estado era criar condições para que a cultura se desenvolvesse. Mas o Estado não deveria ter nenhuma ação cultural, teria de criar as condições necessárias de apoio, quando fosse preciso, mas dando liberdade de criação. Eu achava que o Estado deveria financiar projetos, mas não instituições sem projetos específicos. De modo que uma instituição pequena poderia receber um financiamento grande se tivesse um bom projeto.

O senhor teve uma atuação empresarial e política. Como o senhor arrumava tempo para seu hobby e ainda para conseguir ler?

A leitura não era hobby. Fazia parte essencial da minha vida. A biblioteca era meu interesse central. Comecei a formar a biblioteca em 1927. A minha leitura sempre foi a soma de pequenos períodos. Eu lia de manhã 15 minutos, no máximo meia hora. Mas eu sempre andei com livros na mão. Pegava todas as oportunidades. O trânsito sempre foi para mim muito benéfico. Eu lia na faculdade porque os professores levavam 50 minutos para ler uma preleção que eu poderia ler em casa em 15 minutos. Eu sentava no fundo da sala, e li, dessa maneira, muita coisa de literatura.

Se o senhor tivesse de ir para uma ilha ou passar dois anos no Tibete, teria de levar apenas alguns livros e não a sua biblioteca inteira. Quais livros levaria?

Eu levaria alguns livros do Machado de Assis e do Guimarães Rosa, como literatura brasileira, e como literatura estrangeira eu levaria Proust. Mas isso é uma preferência pessoal e não é exclusiva. A literatura estrangeira é um mundo. É muito difícil de escolher um apenas, mas eu acho que o Proust é um escritor extraordinário, tanto que há, hoje, na literatura do século 20 os proustianos e os joyceanos. Eu comecei a ler o Joyce em francês porque a tradução decodifica muita coisa e ela foi acompanhada pelo Joyce. Depois eu li em inglês e depois em português, na tradução do Houaiss. Mas, até agora pelo menos, não tive a empatia que tive com Proust. Eu li Em Busca do Tempo Perdido cinco vezes com dez anos de intervalo, e cada leitura é diferente e melhor.

Fonte: Revista E SESCSP

sexta-feira, 12 de março de 2010

Mãos cheias de livros

 
À direita, José Mindlin;à esquerda, sua esposa, Guita

Hélio Consolaro

Na roça, quando meu pai dizia que ia estudar os filhos, muitos eram contra, porque quem estudava muito ficava doido. Assim era a crença entre os colonos pobres. Ler muito não era bom.

Os quatro filhos de Seu Luís e Dona Augusta estudaram e nenhum endoideceu de sair pelo mundo e lutar contra os moinhos de vento. Cada um tem suas esquisitices e paramos por aí. Este croniqueiro nunca queimou dinheiro.

Um mundo sem livros até pode existir, mas sem leitura jamais. Já tentaram, mas não conseguiram. As obras poderão migrar para outros portadores. Quem assistiu ao filme “Fahrenheit 451” conhece bem este papo.

Não podemos absolutizar o saber livresco, como se fosse único. As tradições também ensinam, Jesus Cristo deu dicas de como ler o mundo. Segundo os sociólogos, a sociedade que tem mais analfabetos no seu bojo tem a tendência de endeusar o livro. Fazendo um paralelo: só quem nunca operou um computador olha a máquina com certo encanto.

A grande escritora brasileira da literatura infantil, Ruth Rocha, afirma que milhões de pessoas viveram sob a égide do analfabetismo por milênios e ninguém vai morrer se nunca ler um livro. Embora ele não seja portador automático de sabedoria, a leitura dá outra dimensão para nossa vida.

Morreu José Mindlin em 28 de fevereiro, o Cavaleiro da Triste Leitura, um colecionador de coisas imprestáveis, segundo os obscurantistas. Até parece que com ele morre também o livro. Teve uma obsessão e ganhou notoriedade com ela. Saiu pelo como Dom Quixote, encheu suas próprias mãos de livros, raros ou não.

Muitos colecionam armas, ele juntava livros. Como outros cavaleiros andantes, achava que o mundo seria salvo por eles. Conseguiu até cooptar sua Dulcinéia. Se José Mindlin não salvou o mundo, pelo menos construiu uma trajetória de vida dignificante. Não era nobre em decadência como Alonso Quijano, nem seus amigos queimaram sua biblioteca no final dahistória para que saísse daquela loucura de se confundir com personagens de novelas.

José Mindlin colecionou livros e o presidente Lula, votos; mas o primeiro nunca atacou o segundo por causa de sua pouca leitura. O empresário de origem judaica aprendeu nos livros ser humilde, respeitar o outro; o presidente soube ler o mundo e interpretá-lo, por isso entendeu a alma do brasileiro.

Espero que os livros tenham levado José Mindlin também ao mundo das excelências, embora o Jesus Cristo tenha dito que os céus pertençam aos pobres de espírito.

domingo, 7 de março de 2010

José Mindlin: Os livros ficam

Aos 95 anos, morre José Mindlin, o empresário e intelectual paulistano que se devotou a um empreendimento extraordinário: a formação da maior e mais relevante biblioteca privada do país, com 45 000 volumes
Bruno Meier

ESPÍRITO PÚBLICO Mindlin em sua biblioteca:
a parte dedicada ao Brasil foi doada à USP

Aos 13 anos, José Mindlin entrou num sebo de São Paulo e comprou seu primeiro livro: um exemplar do Discurso sobre a História Universal, volume datado de 1740 e escrito pelo bispo francês Jacob Bossuet. Aquele título seria a pedra inaugural de um empreendimento extraordinário. Ao longo dos mais de oitenta anos que ainda teria pela frente, Mindlin constituiu a maior e a mais relevante biblioteca privada do país. A coleção conta com 45.000 volumes. O bibliófilo, empresário e intelectual paulistano chegou a calcular quanto tempo precisaria para absorver todo o conhecimento contido neles: 300 anos. "Como não consegui encontrar a fórmula para viver tanto, resolvi me contentar com o tempo de que disponho – enquanto durar, eu vou aproveitando", declarou certa vez. Internado desde o mês passado em São Paulo em razão de uma pneumonia, Mindlin morreu na manhã do último domingo, aos 95 anos. Ele pode não ter tido tempo para dar conta da leitura de seus livros – mas realizou em vida seu maior sonho, que era garantir o acesso da posteridade a seus tesouros. Em 2006, depois de quinze anos de luta contra entraves burocráticos, Mindlin consumou a transferência da parte de seu acervo dedicada ao Brasil, com 25.000 volumes, para a Universidade de São Paulo. Costumava justificar sua generosidade com uma frase atribuída ao escocês Andrew Carnegie, o homem mais rico dos Estados Unidos no início do século XX: "Os homens passam, mas os livros ficam".
 
Filho de imigrantes judeus russos, Mindlin nasceu em São Paulo, em 1914. Foi do pai que herdou a paixão pela cultura e pela arte. Teve contato, desde cedo, com estudiosos e escritores, como Mário de Andrade. Paralelamente ao culto dos livros, desenvolveu uma trajetória profissional bem-sucedida. Aos 15 anos, iniciou sua carreira como jornalista no diário O Estado de S.Paulo. Mais tarde, cursaria direito na Universidade de São Paulo e faria cursos de extensão em Nova York. A atuação na advocacia foi o prelúdio de seu grande passo como empreendedor: a fundação da Metal Leve, fabricante de peças automotivas, em 1949. Mindlin fez dela um exemplo de empresa nacional moderna. A Metal Leve chegou a ter 7 000 funcionários e duas fábricas nos Estados Unidos. Em 1996, o empresário vendeu a companhia para a maior concorrente, a alemã Mahle – e passou a devotar-se em tempo integral à sua coleção.

"Tenho obsessão de ler e reunir livros. Um pouco patológica, mas mansa – porque não faz mal a ninguém e me faz sentir bem"

Mindlin também foi um homem público de atuação exemplar. Ainda nos tempos de O Estado de S.Paulo, desenvolveu uma tática para enfrentar a censura da Revolução de 1930: para confundir a escuta telefônica, passava instruções à sucursal carioca do jornal em inglês. Em 1975, com o país sob a ditadura militar, Mindlin assumiu a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo – e logo enfrentaria um duro golpe com a prisão e a morte nos porões da repressão de Vladimir Herzog, que ele próprio havia indicado para chefiar o jornalismo da TV Cultura. Irredutível em seus princípios, pediu demissão do cargo. "Mindlin foi uma grande figura como pessoa, intelectual e também, num certo momento, uma grande figura política, quando soube defender a liberdade de imprensa", declarou em seu velório o governador de São Paulo, José Serra. Em 2006, o empresário conquistaria outra deferência: foi eleito imortal da Academia Brasileira de Letras.

Na casa espaçosa em que moravam, Mindlin e sua mulher, Guita (falecida há quatro anos), cuidaram por seis décadas de sua coleção. Entre as raridades figuram a primeira edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões (de 1572), os originais de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (corrigidos pelo autor), e a primeira edição ilustrada dos Triunfos, de Petrarca, impressa em 1488 e seu livro mais antigo. No fim da vida, míope e vítima de uma deformação na retina, Mindlin já não conseguia se debruçar sobre as obras sozinho. Passou então a recorrer a amigos, universitários e empregados para fazerem isso por ele. "Tenho obsessão de ler e reunir livros. Um pouco patológica, mas mansa – porque não faz mal a ninguém e me faz sentir bem", dizia.

Fonte: Veja

quinta-feira, 4 de março de 2010

Legado incalculável

Por Fábio de Castro

“José Mindlin deixou um legado incalculável para a cultura e a ciência”, disse Celso Lafer, presidente da FAPESP, a respeito do bibliófilo e empresário morto no domingo (28/2), em São Paulo, de falência múltipla de órgãos. Mindlin estava internado desde janeiro.

Advogado, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e fundador da indústria de autopeças Metal Leve, Mindlin teve também atuação importante como conselheiro da FAPESP (1973-1974) e como secretário de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (1975-1976).

Como conselheiro da FAPESP, teve participação importante na anulação de um decreto que havia transformado os institutos de pesquisa em empresas.

“A transformação de todos os institutos em companhias era coisa que não fazia sentido, porque há institutos que podem vender serviços e por isso devem ser transformados em empresas, enquanto outros fazem pesquisa e não têm condições de vender serviços”, disse Mindlin no livro FAPESP – Uma História de Política Científica e Tecnológica.

Segundo Lafer, como secretário de Estado, Mindlin teve a FAPESP sob sua responsabilidade administrativa. “Nesse período, ele teve um papel importante na indicação do professor William Saad Hossne para sua segunda gestão como diretor científico da Fundação. Foi um período difícil do ponto de vista político, com as dificuldades impostas pelo regime militar, e o professor Saad, em conjunto com Mindlin, responderam a esse desafio preservando a autonomia da FAPESP”, disse.

Em sua gestão à frente da secretaria, Mindlin realizou, com muita propriedade, o diálogo entre a cultura literária e humanística e a cultura científica. “Era justamente um homem de cultura, mas um homem de grande interesse nas áreas de ciência e tecnologia. Na Metal Leve, uma de suas preocupações foi a criação de um centro de pesquisas. A empresa se notabilizou no cenário industrial do Brasil por fazer pesquisa em parceria com a universidade”, disse Lafer.

Mindlin também teve atuação relevante, no campo científico, durante o período em que dirigiu o Departamento de Ciência e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Em sua atuação empresarial ele deu muito destaque à pesquisa, como também ao design – que é uma dimensão importante não só do ponto de vista da funcionalidade e da qualidade do produto, mas também de sua aparência estética”, apontou Lafer.

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, também destacou a contribuição de Mindlin para a Fundação e a importância de sua atuação no campo cultural e científico. “Mindlin foi um grande amigo da FAPESP, valorizando a ciência, a tecnologia e a cultura em vários cargos de liderança que ocupou. Em várias ocasiões contribuiu para a Fundação com ideias e sugestões”, afirmou.

Brito Cruz lembrou ainda o impacto da doação, em 2006, dos mais de 40 mil volumes da Biblioteca Guita e José Mindlin à Universidade de São Paulo (USP). “Recentemente a FAPESP concedeu apoio expressivo para que a USP realize a digitalização dos volumes recebidos de Mindlin em doação, em importante iniciativa para a publicização daquela belíssima coleção”, disse.

Universalização do conhecimento

A FAPESP apoiou, por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, o projeto Brasiliana Digital, que disponibilizará pela internet, com acesso livre, toda a coleção reunida por Mindlin ao longo de mais de 80 anos, além de outros acervos da USP.

Os recursos permitiram a compra de um sistema integrado de digitalização robotizada de livros que, atualmente, está instalado na residência do empresário. Ali, os técnicos da universidade continuam o trabalho de digitalização.

Segundo o coordenador da Brasiliana Digital, Pedro Puntoni, professor do Departamento de História da USP, a base da iniciativa é o projeto Brasiliana USP, coordenado por István Jancsó, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Para abrigar o acervo doado por Mindlin e a nova sede do IEB, a Brasiliana USP está construindo um edifício com cerca de 20 mil metros quadrados no centro da Cidade Universitária, em São Paulo.

“Estamos sentindo muita falta do doutor Mindlin e é muito triste que ele não possa ver pronta essa grande casa dos livros pela qual ele é responsável. Ele fará falta como amigo, como homem de cultura e como pensador, mas deixou para todo o Brasil um grande presente, ao qual sua memória estará sempre associada”, disse.

Segundo Puntoni, o objetivo é concluir as obras dentro de um ano. Está pronta a primeira etapa da construção, correspondente às estruturas de concreto da ala Mindlin. “A estrutura metálica está contratada e, assim que estiver pronta, passaremos à fase de acabamento. A ala do IEB ainda está na fase inicial da parte de concreto”, contou.

Puntoni acrescenta que, além das novas instalações da Biblioteca Brasiliana e da digitalização de todo o acervo, existe um projeto associado que prevê a criação do Centro de Restauro de Livro e Papel Guita Mindlin, voltado para atender à demanda da USP para a formação de restauradores profissionais. “Com a criação desse espaço, queremos formar um centro de convergência de múltiplas disciplinaridades em torno do objeto livro”, afirmou.

No fim de abril, segundo Puntoni, a partir de uma proposta de Mindlin, a USP, em parceria com o Ministério da Cultura (Minc), promoverá um simpósio internacional sobre políticas de acervos digitais que trará ao Brasil grandes nomes do universo da digitalização de livros.

“Sua ideia era criar um ambiente acadêmico e cultural de discussão de temas como o direito à cultura, direitos autorais e sustentabilidade de projetos, convergindo para a formação de uma política pública de digitalização de acervos”, afirmou.

Tradição e modernidade

João Grandino Rodas, reitor da USP, conta que o empresário e sua esposa Guita Mindlin – morta em 2006 – foram estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (FD-USP), onde se conheceram. Rodas, que foi diretor da faculdade entre 2006 e 2009, lembra que Mindlin e Guita se notabilizaram como alunos exemplares da universidade.

“Se olharmos para os 192 anos da Faculdade de Direito, ele certamente se destaca entre nomes como Rui Barbosa e o Barão de Rio Branco. Mindlin foi um desbravador em vários aspectos. No que diz respeito à herança deixada à USP, trata-se de um legado imenso, mas ainda maior é a ideia, por ele plantada, de que a universidade precisa juntar tradição e modernidade”, disse Rodas.

A tradição, segundo o reitor da USP, só é importante se for distribuída a todos – e isso só é possível com a tecnologia. “Mindlin reuniu todos esses livros e criou um tesouro incalculável. É preciso considerar o valor de cada obra e o valor de ter juntado essas obras. Mas seu pensamento vai além: ele pensava na digitalização dessas obras para que elas possam ser universalizadas. Aceitamos essa ideia imaginando que isso não se devesse circunscrever simplesmente à Biblioteca Brasiliana”, disse.

Segundo ele, a digitalização de bibliotecas é uma tendência moderna, ainda pouco disseminada no mundo. “Mindlin nos mostrou a necessidade de digitalizar todo o acervo da USP, em suas 41 unidades, que não pode ser confinado entre quatro paredes e limitado à consulta em horário útil”, destacou.

Outro aspecto importante da contribuição de Mindlin, segundo Rodas, foi o esforço feito durante 15 anos para conseguir que a USP aceitasse a doação de seu acervo.

“Percebemos que nas universidades públicas brasileiras geralmente é extremamente difícil a doação de acervos particulares. Isso não pode continuar. Verificamos que hoje, no mundo, várias bibliotecas recebem acervos importantes doados por brasileiros às universidades estrangeiras, porque não conseguem fazer o mesmo no Brasil. Mindlin foi pioneiro nesse aspecto. Graças a ele, esses procedimentos se tornarão mais fáceis”, disse.

“O que mais me encantou em Mindlin é que, além de todos esses aspectos, era uma pessoa extremamente simples, afável, agradável, que deixava a todos à vontade e com isso cativou a todos – esse é um legado imprescindível. Foi uma pessoa de estatura gigantesca que continuou simples como o mais comum dos homens”, disse.

Fonte: Agência FAPESP

domingo, 24 de janeiro de 2010

Entrevista com José Mindlin

Nascido em São Paulo em 1914, filho de imigrantes russos, José Mindlin ainda menino apaixonou-se pelos livros. Muito jovem, frequentava os sebos do centro de São Paulo e acabou por achar um jeito de comprar os livros sem pedir dinheiro aos pais. “Verifiquei que os livreiros dos sebos não estavam atentos ao que os outros faziam. Alguns vendiam por 5 ou 10 mil réis o que outros vendiam por 20, 30 e até 50 mil réis! Por sua vez, esses vendiam por 5 o que os primeiros vendiam por 30, 40.” Rapidamente, viu ali a chance de incrementar sua biblioteca. “Comprava o livro dos sebos mais baratos e levava para o outro, o dos livros caros, e dizia: ‘Vou deixar em consignação e não quero ver dinheiro. Tire sua comissão e me credite o produto.’” Depois de poucos meses, o garoto tinha crédito em todos os sebos. “Eu comprava sem desembolsar nada”, fala divertindo-se. Assim começa a história do mais respeitado bibliófilo do país. Sua biblioteca tem cerca de 40 mil títulos e a Brasiliana, coleção de livros sobre o Brasil e de literatura brasileira, chega a 25 mil títulos e foi doada à Universidade de São Paulo (USP ) em 2005. Livros, leitura, literatura brasileira e estrangeira, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Marcel Proust, Eça de Queirós e Guita, sua mulher e companheira por quase 70 anos – paixões que florescem em cada frase, em cada gesto, em cada canto da casa e da biblioteca. Na garimpagem, o desafio e a alegria de encontrar o objeto do desejo. Na leitura, o encontro sincero e real com o prazer. Esse é José Mindlin.

Sua história de vida confunde-se com os livros – desde a infância, sempre com eles, com histórias contadas dentro de casa. Como foi o início dessa paixão? Eu quase poderia dizer que nasci com o livro na mão, porque cresci em um ambiente cultural: meus pais liam, meus irmãos mais velhos também e o ambiente era de amor à leitura. Isso, naturalmente, me contagiou desde cedo. E, quando isso acontece, a pessoa tem de se conformar, porque vai continuar pelo resto da vida. Aliás, é o modo de dizer, porque acho que isso é uma bênção, ter esse gosto pela leitura. Quando falo sobre esse assunto, sempre digo que se trata de paixão incurável. Em geral, as boas paixões são incuráveis. E a leitura nem se discute, é um benefício para a vida.

Na sua casa, com seus irmãos e seus pais, vocês liam entre vocês? Líamos, sim. Eu lia para mamãe. Devia ter uns 12 anos e estava lendo Júlio Verne e gostando muito. A mamãe teve uma paciência evangélica de ouvir toda a leitura, mas os trechos mais cacetes eu pulava. De modo que, no fundo, foi uma coisa ótima.

O senhor começou muito cedo, com 12 ou 13 anos. Qual foi o primeiro livro raro que comprou? Aos 13 anos, comprei o primeiro livro raro em sebo. Era uma tradução portuguesa de Discurso sobre a história universal, de Jacques Bossuet, publicada em Coimbra em 1740. Como menino, fiquei fascinado pela antiguidade, depois aprendi que a data de edição é um fator secundário de avaliação. Há muito livro moderno que é mais raro e mais importante do que muito livro do século 16.

Como surgiu a ideia de formar uma biblioteca? Ela não foi planejada, fui comprando livros de acordo com as leituras que me interessavam. Com certa precocidade, perto dos 12 anos, comecei a ir ao centro, que a gente chamava de “cidade”, e as livrarias se concentravam ali. Eu não tinha uma verba para a compra de livros e, às vezes, aparecia um que me interessava muito e pedia aos meus pais. Eles me facilitavam a compra. Eu tinha certa retaguarda, porque eles viam o meu interesse pela leitura com muito bom gosto. Mas por vezes eu precisava fazer uma ginástica, precisava me entender com os livreiros, estabelecer uma relação com eles que, aliás, me olhavam com simpatia. Eu era um menino de calças curtas! E, assim, começou a se formar a biblioteca. E ela tem uma vantagem, pois não tem fim e eu, com a idade em que estou, 95 anos, posso verificar que isso é uma verdade.

O senhor nasceu em São Paulo, em que bairro? Nasci no Paraíso e minha mulher também. Infelizmente, eu a perdi em junho de 2007. Não éramos vizinhos, a casa dela era na 13 de maio, mas com saída para a Cincinato Braga, que foi a rua onde nasci. Mas só a conheci muitos anos mais tarde.

Como conheceu sua esposa, Dona Guita? Eu estava começando o quinto ano da faculdade de direito e, um dia, vi no pátio uma caloura cercada de rapazes cabalando para que entrasse em um dos partidos acadêmicos: o Libertador, o Renovador, partidos de estudantes. Eu olhei pra moça e disse: ‘Olha, tudo isso é bobagem, se você quer um bom partido, está aqui’. E ela me pegou pela palavra e tivemos quase 70 anos de convivência. Eu sou de 1914 e ela era de 1916. Dali estabeleceu-se uma relação que teve, a meu ver, as melhores consequências. Casamos em 1938 e isso durou até a morte dela, 68 anos depois.

Dona Guita foi sua companheira de tantos anos... Companheira em todos os sentidos, em todas as áreas, desde o namoro até depois do casamento, e a leitura foi um interesse central de nossa vida.

Qual a participação dela na formação da biblioteca? Ela lia, assim como eu, constantemente e, além das coisas mais simples, quando se tratava de obras raras, por exemplo, que poderiam comprometer o orçamento doméstico, ela sempre foi uma apologista da aquisição. Me encorajava a fazer extravagâncias que eu hesitava em cometer. Ela estudou encadernação, conservação e restauro de papel e de obras, apesar de que não tínhamos muitos casos de aplicação dessas medidas, porque sempre procurei adquirir obras em bom estado, mas foi realmente uma parceira.

Em sua casa, o senhor lia com sua esposa e seus filhos? Sim, eu e Guita líamos um para o outro, isso fazia parte da nossa vida. O gostoso é que os filhos também têm essa paixão, cada um a seu modo. O que se lê varia, mas todos gostam muito. Eu sempre acreditei que a leitura fosse uma fonte de prazer e a escolha tem de ser livre. A gente pode, quando muito, orientar, dar certo palpite, mas são eles que têm de desenvolver o próprio gosto. E nós conseguimos.

Todos os filhos gostam também? Gostam muito. Nós temos quatro filhos, mas, na época em que eram três ainda, as meninas eram as mais velhas e sempre ouviam os elogios pelo interesse que tinham pela leitura. O caçula, que era o menino, enjoou de ouvir tanto elogio para as irmãs e um dia teve uma explosão, dizendo: ‘Eu também gosto de ler, só que eu não sei!’ Foi muito divertido.

Qual é a sensação de encontrar um livro raro, muito desejado? O coração bate mais forte. O prazer da garimpagem é muito grande, descrever essa sensação não é fácil, mas dizer isso já dá uma ideia do que representava para mim. A gente procura coisas e, às vezes, vê um livro que a gente não conhecia, mas que desperta interesse. São os dois prazeres que a garimpagem proporciona: encontrar o que a gente procura e despertar interesse por coisas que não eram conhecidas.

Como selecionar esse ou aquele livro? Diria que tenho um sexto sentido. Eu pego um livro e ele desperta o meu interesse ou não desperta. Em geral, o bom livro sempre desperta o meu interesse. Eu não gosto de ler, até hoje, livros muito difíceis; quando isso acontece, acabo deixando pra mais tarde. Mas há exceções, aqueles que temos de ler, mesmo achando difíceis. O hábito da leitura é tão forte que automaticamente folheio um pouco o livro e já sei se ele vai me interessar. É como o namoro.

"O hábito da leitura é tão forte que folheio um pouco o livro e já sei se ele vai me interessar. É como namoro"

Existe uma paixão? Existe e, às vezes, a gente nem sabe explicar. Uma vez, em Londres, eu queria comprar uma edição de Rabelais [François] do século 16 e o livreiro me mostrou um exemplar de 1558. Eu peguei no livro, olhei, folheei e disse a ele: ‘Posso fazer uma observação?’, ele disse que sim e eu falei: ‘A meu ver, esse livro não é o do século 16 e sim do século 17, antedatado’. E ele perguntou: ‘Mas por que o senhor diz isso?’ Eu disse: ‘Não sei, é uma sensação, o toque, o papel, o tipo’. Fomos ver a biografia de Rabelais e, de fato, era uma edição do século 17 com a data de 1558. Ele não se convenceu de que eu não era especialista em Rabelais. Foi exatamente um caso de sexto sentido. Era muito parecido, não tenho explicação, mas eu sabia. É como ver uma imagem religiosa do século 18 e uma imitação bem feita, moderna. É questão de conhecer, mas sempre tem o sexto sentido.

Quais são os seus livros de cabeceira? Tem uma pilha e eu gosto de ler do começo ao fim, mas hoje, com meu problema de visão, tenho dificuldade, alguém precisa ler pra mim, mas quando eu tinha facilidade, fazia isso com muita rapidez, em geral lia uns dois livros por semana, oito ou dez por mês.

O senhor gosta de reler livros? Acho a releitura uma fonte de prazer real, porque você vê coisas que escaparam na primeira leitura e o livro começa a fazer parte da sua vida.

Quais os livros que mais releu? Em matéria de livros brasileiros, as obras de Machado de Assis e Guimarães Rosa, e a obra de Proust [Marcel], da literatura estrangeira.

Qual o livro preferido? Os livros são muito ciumentos e eu não posso falar em preferências, porque vou ter problemas com eles.

Dos escritores brasileiros, qual o senhor prefere? Machado de Assis é o topo da literatura brasileira, mas temos a sorte de ter muitos bons escritores. O Erico [Verissimo] é outro, mas são muitos...

Como incentivar o hábito da leitura? Quem não lê, não sabe o prazer que perde. Hoje em dia, está se fazendo um esforço para disseminar o gosto pela leitura. O ideal é começar em casa, o exemplo dos pais é a melhor orientação. É claro que existem muitos casos em que os pais não leem, então esse papel de estimular a leitura passa a ser da escola. Mas a escola costumava, e ainda costuma em alguns casos, apontar a leitura como uma obrigação. Acho isso um erro. A leitura deve ser apontada, não só como fonte de conhecimento, mas principalmente como fonte de prazer. Eu sempre fui a favor de criar o gosto, e não transmitir a sensação de obrigação, ninguém gosta de fazer nada obrigado.

"A coisa é simples. Eu lia muiot para os meus filhos e todos têm o gosto pela leitura, começou a fazer parte da natureza deles"

São atos simples que estimulam o gosto pela leitura? São, sim. Dentro de casa, os pais lendo para os filhos – minha mãe lia pra mim, depois eu lia pra ela, que tinha uma paciência extraordinária. A coisa é simples. Eu lia muito para os meus filhos e todos têm o gosto pela leitura, começou a fazer parte da natureza deles, como fazia parte da nossa: da minha mulher e da minha.

O que o senhor considera mais inusitado em sua biblioteca, algo que desperta um carinho especial? Gosto muito de manuscritos, porque você pode acompanhar o processo de criação literária. Muitos são datilografados, mas você tem as correções que o autor fez manualmente. Os originais são difíceis de se ter, de se conseguir, mas, curiosamente, os livros se encaminham para aqueles que têm o real interesse pela leitura. Mas tem muita coisa e aqui também entra a questão do ciúme. Mas dos livros sobre o Brasil, temos as primeiras edições do século 16, dos primeiros viajantes que aqui estiveram. Do período holandês, temos os livros que foram publicados na época. De literatura brasileira, temos várias primeiras edições dos séculos 17 e 19, muitos exemplares autografados e também temos originais de livros da era pré-computador, em que os escritores escreviam a mão ou a máquina e faziam correções a mão e a gente fica conhecendo o processo de criação literária. Temos originais do Guimarães Rosa, do Graciliano Ramos, do José Lins do Rego e do Erico Verissimo.

As Brasilianas foram doadas à Universidade de São Paulo. O que o senhor espera dessa biblioteca? Ela tem de ser viva! Nós doamos a Brasiliana completa, em torno de 25 mil volumes, mesmo coisas raras e de muita estima, que é mais ou menos metade da biblioteca. Afinal, a gente passa, mas os livros ficam. Fizemos a doação com determinadas condições. A USP está construindo um prédio para receber a biblioteca, que não vai se misturar às outras bibliotecas da universidade, e a ideia é que seja uma biblioteca viva, que cresça, que promova seminários, edições, debates.

O senhor escreveu alguns livros, como Cartas da Biblioteca Guita e José Mindlin (2008), Uma vida entre livros (2008) e No mundo dos livros (2009), entre outros. Como foi passar de leitor a escritor? Escritor seria uma forma meio pretensiosa de dizer, mas escrever é muito gostoso. Comecei a ler muito cedo e com 16 estava na redação de O Estado de S. Paulo. Eu era o mais moço, entrei em maio e fiz 16 em setembro. O pessoal da redação via isso com simpatia, todos eram mais velhos e compartilhavam do meu interesse. Hoje, como não consigo ler, passei a escrever, porque isso eu consigo. Foi uma boa solução.