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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Como identificar as habilidades leitoras

Vicente Martins
professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, Estado do Ceará. vicente.martins@uol.com.br

Uma notícia me chega, por e-mail, vinda do malote do MEC: “as provas da Prova Brasil e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) serão aplicadas no período de 5 a 20 de novembro de 2007, em todo o País”. Como se sabe, a Prova Brasil avalia alunos de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental da rede pública e urbana de ensino. A avaliação é universal, portanto oferece resultados para o Brasil, para cada unidade da Federação, município e escola participantes. Os resultados da Prova Brasil são a base para o cálculo dos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (Idebs) de cada município e escola, ao lado das taxas de aprovação nessas esferas.

Releio a notícia governamental e me encuco com as coisas que tenho ouvido falar a respeito das iniciativas de governo, antes, durante e, certamente, pós-Lula. Há uma idéia ou um equívoco histórico sobre o que os que governam fazem em prol da educação, fruto de um senso comum de que tudo que vem do setor público não presta. Isso não é verdade. É necessário que tenhamos senso, apenas senso, no tocante à coisa pública, que pertence, pois, a todos os que fazem a sociedade. Não se pode generalizar uma crítica sobre os conflitos de gestão governamental com o que ocorre no interior dos serviços e equipamentos sociais. Na década de 1980, a universalização do Ensino Fundamental, direito público subjetivo, era um compromisso constitucional; hoje, uma realidade social. A educação e os que fazem a sua gestão ainda não são o que há de melhor no Brasil e no mundo.

Há iniciativas interessantes e realmente inspiradoras em algumas das ações dos governos Federal, estaduais e municipais. Refiro-me aqui ao ente federal e às iniciativas do MEC, através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), em particular. Realmente, é preciso bom senso para não se generalizarem ilusões de ótica ou juízos equivocados sobre os programas em prol da melhoria da qualidade de ensino em nosso país. Um bom exemplo é a experiência da Prova Brasil — no meu entendimento, mais do que uma prova, uma ferramenta educacional preciosa e de grande utilidade para o diagnóstico das dificuldades em leitura, na escola. Quando me pedem um diagnóstico das dificuldades leitoras, proponho, sempre, as ferramentas de observação e análise da Prova Brasil ou do antigo, mas ainda não sepultado, Saeb.

A Prova Brasil, levada a efeito, periodicamente, pelo MEC, com a participação de escolas públicas municipais e estaduais, identifica as habilidades leitoras das crianças e dos jovens da Educação Básica, e seus descritores (habilidades e competências requeridas aos alunos no campo do ensino da língua materna) podem ser parâmetros de observação de determinado aluno, turma ou mesmo da escola. É uma prova, enfim, que nos diz, em forma de protocolo de observação, por nível de competência, como está o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem do aluno, através da leitura, da escrita e do cálculo. É, em substância, um diagnóstico seguro sobre o nível de aprendizado de leitura dos alunos da Educação Básica.

Cumprindo um desiderato da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei no 9.394/96, a Prova Brasil foi idealizada para produzir informações sobre o ensino oferecido por município e escola, individualmente, com o objetivo de auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar no estabelecimento de metas e na implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do ensino. Para os docentes, foi criado um mapa importante para guiar uma instrução direcionada para a qualidade do ensino e garantir, pois, a aprendizagem dos conteúdos, das competências e das habilidades curriculares.

No tocante à prova de Língua Portuguesa (com foco em leitura), o que nos interessa no presente artigo é dizer que o instrumento avaliativo é simples e muito objetivo: os alunos devem responder a questões tecnicamente elaboradas, em níveis de dificuldade crescentes, a partir do que está previsto para aquisição e desenvolvimento de habilidades e competências nas séries da educação escolar, em seus currículos escolares, em todas as unidades da Federação e, ainda, nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Além das provas de Língua Portuguesa e Matemática, os alunos respondem a um questionário que coleta informações sobre seu contexto social, econômico e cultural. O questionário ilumina ainda mais os dados da realidade: o que os alunos apresentam como resultados de sua real aprendizagem decorre das suas condições de vida, de moradia, da oferta de ensino em sua escola? Buscar a resposta é um desafio prazeroso para quem sabe o valor de se avaliar os alunos a partir das práticas sociais.

Para nós educadores, a Prova Brasil, inspirada na objetividade, inteligência e engenhosidade do Saeb, de natureza oficial (ou, quem sabe, de caráter estatal), é estimulante para docentes e gestores educacionais tanto de escolas públicas como de escolas privadas. A matriz de Língua Portuguesa, por exemplo, focaliza o processo leitor, especialmente a compreensão leitora, e, mais do que uma simples “prova de verificação de rendimento”, a Prova Brasil é de grande utilidade para o diagnóstico dos problemas de leitura em sala de aula ou na escola como um todo.

A Prova Brasil não é um provão, uma prova para meter medo e pavor nas pessoas, e sim uma salutar provocação para aqueles que fazem educação em nosso país e sabem que as dificuldades, aflições, inquietações no campo educacional são muitas e de natureza diversa. Educar é cotidianamente aceitar o desafio de formar crianças, jovens e adultos para a cidadania e para o desenvolvimento humano — disposição, pois, que põe à prova a crença pedagógica, a força moral, a fé religiosa, as experiências docentes e as convicções ou todas as formas de senso daquilo que consideramos certo ou errado na formação escolar.

A partir da matriz descritora de Língua Portuguesa, podemos observar, à luz das ciências cognitivas, quais os níveis de dificuldade leitora e quais são, também, especificamente, para cada domínio ou competência em leitura, as habilidades leitoras requeridas aos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio, descritores importantes para a exigência de um ensino de leitura eficaz e eficiente na rede escolar de ensino, mas com garantia de qualidade e com explícita finalidade emancipatória, uma vez que só a leitura, a escrita e o cálculo podem favorecer o desenvolvimento da capacidade de aprender. Para maior detalhamento das diretrizes governamentais sobre a Prova Brasil, é interessante acessar o site do Inep, no seguinte endereço: http://www.inep.gov.br/basica/saeb/prova_brasil/.

Competências leitorasHabilidades cognitivas
Procedimentos de Leitura
Emprego de estratégias para localizar informações explícitas e inferir informações implícitas em um texto.
Implicações do Suporte, do Gênero ou do Enunciador na Compreensão do Texto
Interpretação de gêneros textuais variados - veiculados em diferentes suportes, como jornais, revistas, livros didáticos ou literários - e identificação da finalidade de um texto em função de suas características, como o conteúdo, a utilização, ou não, de recursos gráficos e o estilo de linguagem.
Relação entre TextosIdentificação, comparação e análise de idéias ou abordagens sobre um mesmo fato ou tema expresso em textos de gêneros variados, produzidos e veiculados em distintos contextos históricos, sociais e culturais.
Coerência e Coesão no Processamento do TextoIdentificação de elementos que colaboram para a construção da seqüência lógica entre as idéias e permitem estabelecer relações entre as partes de um texto.
Relações entre Recursos
Expressivos e Efeitos de
Sentido
Construção e antecipação de significados a partir de recursos expressivos,
como ortografia, pontuação, ironia, humor e outras notações, que
possibilitam uma leitura para além dos elementos evidentes na superfície
do texto.
Variação LingüísticaReconhecimento das marcas lingüísticas que permitem identificar o locutor e o interlocutor no texto, compreender os enunciados e avaliar sua adequação às diferentes situações de interação.



Habilidades leitoras requeridas a alunos da Educação Básica (descrição dos níveis da escala)


Nível: 125
A partir de textos curtos, como contos infantis, histórias em quadrinhos e convites, os alunos da 4ª e da 8ª séries:
  •  Localizam informações explícitas que completam literalmente o enunciado da questão.
  • Inferem informações implícitas.
  • Reconhecem elementos como o personagem principal.
  • Interpretam o texto com auxílio de elementos não-verbais.
  • Identificam a finalidade do texto.
  • Estabelecem relação de causa e conseqüência em textos verbais e não-verbais.
  • Conhecem expressões próprias da linguagem coloquial.
 Nível: 150
Além das habilidades anteriormente citadas, neste nível os alunos da 4ª e da 8ª séries:  
  • Localizam informações explícitas em textos narrativos mais longos, em textos poéticos, informativos e em anúncios de classificados.  
  • Localizam informações explícitas em situações mais complexas, por exemplo, requerendo a seleção e a comparação de dados do texto.
  • Inferem o sentido de palavra em texto poético (cantiga popular).  
  • Inferem informações, identificando o comportamento e os traços de personalidade de uma determinada personagem com base em texto do gênero conto de média extensão, de texto não-verbal ou expositivo curto.  
  • Identificam o tema de um texto expositivo longo e de um texto informativo simples.  
  • Identificam o conflito gerador de um conto de média extensão.  
  • Identificam marcas lingüísticas que evidenciam os elementos que compõem uma narrativa (conto de longa extensão).  
  • Interpretam textos com material gráfico diverso e com auxílio de elementos não-verbais em histórias em quadrinhos, tirinhas e poemas, identificando características e ações dos personagens.
Nível: 175
Este nível é constituído por narrativas mais complexas, que incorporam novas tipologias textuais (ex.: matérias de jornal, textos enciclopédicos, poemas longos e prosa poética). Nele, os alunos da 4ª e da 8ª séries:  
  • Localizam informações explícitas, com base na reprodução das idéias de um trecho do texto.
  • Inferem o sentido de uma expressão, mesmo na ausência do discurso direto.
  • Inferem informações que tratam, por exemplo, de sentimentos, impressões e características pessoais das personagens, em textos verbais e não-verbais.
  • Interpretam histórias em quadrinhos de maior complexidade temática, reconhecendo a ordem em que os fatos são narrados.
  • Identificam a finalidade de um texto jornalístico.
  • Localizam informações explícitas, identificando as diferenças entre textos da mesma tipologia (convite).
  • Reconhecem elementos que compõem uma narrativa com temática e vocabulário complexos (a solução do conflito e o narrador).
  • Identificam o efeito de sentido produzido pelo uso da pontuação.
  • Distinguem efeitos de humor e o significado de uma palavra pouco usual. 
  • Identificam o emprego adequado de homonímias. 
  • Identificam as marcas lingüísticas que diferenciam o estilo de linguagem em textos de gêneros distintos. 
  • Reconhecem as relações semânticas expressas por advérbios ou locuções adverbiais e por verbos.
Nível: 200
 A partir de anedotas, fábulas e textos com linguagem gráfica pouco usual, narrativos complexos, poéticos, informativos longos ou com informação científica, os alunos da 4ª e da 8ª séries:  
  • Selecionam, entre informações explícitas e implícitas, as correspondentes a um personagem.
  • Inferem o sentido de uma expressão metafórica e o efeito de sentido de uma onomatopéia.
  • Inferem a intenção implícita na fala de personagens, identificando o desfecho do conflito, a organização temporal da narrativa e o tema de um poema.
  • Distinguem o fato da opinião relativa a ele e identificam a finalidade de um texto informativo longo.
  • Estabelecem relações entre partes de um texto pela identificação de substituições pronominais ou lexicais.
  • Reconhecem diferenças no tratamento dado ao mesmo tema em textos distintos.
  • Estabelecem relação de causa e conseqüência explícita entre partes e elementos em textos verbais e não-verbais de diferentes gêneros.
  • Identificam os efeitos de sentido e humor decorrentes do uso dos sentidos literal e conotativo das palavras e de notações gráficas.
  • Identificam a finalidade de um texto informativo longo e de estrutura complexa, característico de publicações didáticas.

Nível: 225

Os alunos da 4ª e da 8ª séries:
  • Distinguem o sentido metafórico do literal de uma expressão.
  • Localizam a informação principal.
  • Localizam informação em texto instrucional de vocabulário complexo.
  • Identificam a finalidade de um texto instrucional, com linguagem pouco usual e com a presença de imagens associadas à escrita.
  • Inferem o sentido de uma expressão em textos longos com estruturas temática e lexical complexas (carta e história em quadrinhos).
  • Estabelecem relação entre as partes de um texto pelo uso do porquê como conjunção causal.
  • Identificam a relação lógico-discursiva marcada por advérbio ou conjunção comparativa.

 Os alunos da 8ª série, neste nível, são capazes ainda de:  
  • Localizar informações em textos narrativos com traços descritivos que expressam sentimentos subjetivos e opinião.
  • Identificar o tema de textos narrativos, argumentativos e poéticos de conteúdo complexo.
  • Identificar a tese e os argumentos que a defendem em textos argumentativos.

Nível: 250

Utilizando como base a variedade textual já descrita, neste nível os alunos da 4ª e da 8ª séries:
  • Localizam informações em paráfrases, baseados em texto expositivo extenso e com elevada complexidade vocabular.
  • Identificam a intenção do autor em uma história em quadrinhos.
  • Depreendem relações de causa e conseqüência implícitas no texto.
  • Identificam a finalidade de uma fábula, demonstrando apurada capacidade de síntese.
  • Identificam a finalidade de textos humorísticos (anedotas), distinguindo efeitos de humor mais sutis.
  • Estabelecem relação de sinonímia entre uma expressão vocabular e uma palavra.
  • Identificam relação lógico-discursiva marcada por locução adverbial de lugar, conjunção temporal ou advérbio de negação em contos.

 Os alunos da 8ª série conseguem ainda:  
  • Inferir informação a partir de um julgamento em textos narrativos longos.
  • Identificar as diferentes intenções em textos de uma mesma tipologia e que tratam do mesmo tema.
  • Identificar a tese de textos argumentativos, com linguagem informal e inserção de trechos narrativos. Identificar a relação entre um pronome oblíquo ou demonstrativo e uma idéia.
  • Reconhecer o efeito de sentido decorrente do uso de recursos morfossintáticos.

Nível: 275
Na 4ª e na 8ª séries, os alunos:
  • Identificam relação lógico-discursiva marcada por locução adverbial de lugar, advérbio de tempo ou termos comparativos em textos narrativos longos, com temática e vocabulário complexos.
  • Diferenciam a parte principal das secundárias em texto informativo que recorre à exemplificação.

 Os alunos da 8ª série são capazes de:  
  • Inferir informações implícitas em textos poéticos subjetivos, textos argumentativos com intenção irônica, fragmento de narrativa literária clássica, versão modernizada de fábula e histórias em quadrinhos.
  • Interpretar textos com linguagem verbal e não-verbal, inferindo informações marcadas por metáforas.
  • Reconhecer diferentes opiniões sobre um fato em um mesmo texto.
  • Identificar a tese com base na compreensão global de artigo jornalístico cujo título, em forma de pergunta, aponta para a tese.
  • Identificar opiniões expressas por adjetivos em textos informativos e opinião de personagem em crônica narrativa de memórias.
  • Identificar diferentes estratégias que contribuem para a continuidade do texto (ex.: anáforas ou pronomes relativos, demonstrativos ou oblíquos distanciados de seus referentes).
  • Reconhecer a paráfrase de uma relação lógico-discursiva.
  • Reconhecer o efeito de sentido da utilização de um campo semântico composto por adjetivos em gradação, com função argumentativa.
  • Reconhecer o efeito de sentido do uso de recursos ortográficos (ex.: sufixo diminutivo).
Nível: 300

Os alunos da 4ª e da 8ª séries:

  • Identificam marcas lingüísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor do texto, caracterizadas por expressões idiomáticas.

Os alunos da 8ª série:
  • Reconhecem o efeito de sentido causado pelo uso de recursos gráficos em textos poéticos de organização sintática complexa.
  • Identificam efeitos de sentido decorrentes do uso de aspas.
  • Identificam, em textos com narrativa fantástica, o ponto de vista do autor.
  • Reconhecem as intenções do uso de gírias e expressões coloquiais.
  • Reconhecem relações entre partes de um texto pela substituição de termos e expressões por palavras pouco comuns.
  • Identificam a tese de textos informativos e argumentativos que defendem o senso comum com função metalingüística.
  • Identificam, em reportagem, argumento que justifica a tese contrária ao senso comum.
  • Reconhecem relações de causa e conseqüência em textos com termos e padrões sintáticos pouco usuais.
  • Identificam efeito de humor provocado por ambigüidade de sentido de palavra ou expressão em textos com linguagem verbal e não-verbal e em narrativas humorísticas.
  • Identificam os recursos morfossintáticos que agregam musicalidade a um texto poético.  

Nível: 325
Além de todas as habilidades descritas nos níveis anteriores, os alunos da 8ª série, neste nível:
  • Identificam informações explícitas em texto dissertativo argumentativo, com alta complexidade lingüística.
  • Inferem o sentido de uma palavra ou expressão em texto jornalístico de divulgação científica, em texto literário e em texto publicitário.
  • Inferem o sentido de uma expressão em texto informativo com estrutura sintática no subjuntivo e vocábulo não-usual.
  • Identificam a opinião de um entre vários personagens, expressa por meio de adjetivos, em textos narrativos.
  • Identificam opiniões em textos que misturam descrições, análises e opiniões.
  • Interpretam tabela a partir da comparação entre informações.
  • Reconhecem, por inferência, a relação de causa e conseqüência entre as partes de um texto.
  • Reconhecem a relação lógico-discursiva estabelecida por conjunções e preposições argumentativas.
  • Identificam a tese de textos argumentativos com temática muito próxima da sua realidade, o que exige um distanciamento entre a posição do autor e a do leitor.
  • Identificam marcas de coloquialidade em textos literários que usam a variação lingüística como recurso estilístico.
  • Reconhecem o efeito de sentido decorrente do uso de gíria, de linguagem figurada e outras expressões em textos argumentativos e de linguagem culta.

 Nível: 350
Superdotado.




 Se observarmos cada um dos itens acima da matriz de Língua Portuguesa, veremos que é uma questão de bom senso, e não de senso comum, a constatação da validade desse instrumento governamental na verificação do aprendizado ou não-aprendizado da leitura das crianças.

Se eu fosse filósofo, diria, a respeito dessa questão, que, quando somos orientados apenas pelo senso comum, temos opiniões, idéias e concepções que, prevalecendo em um determinado contexto social, se impõem como naturais e necessárias, mas não evocam, de nossa memória histórica e social, reflexões ou questionamentos maduros e críticos. É insofismável que a Prova Brasil atravessa o limiar do senso comum.

Conhecer bem o instrumento de avaliação de aprendizagem que é a Prova Brasil e saber como aplicar seus procedimentos em nossa escola parece-me, decididamente, que nos leva a um senso prático, e este, por sua vez, leva-nos a um engajamento educacional, e não a um atrelamento político das iniciativas de governo e assim, como quero aqui salientar, conduz-nos à formação de um senso crítico e do exercício do bom senso.

Bom senso, como dizem os filósofos, é a capacidade, o poder ou a aptidão de distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau, o bem do mal em questões corriqueiras, que não careçam de soluções técnicas, científicas ou não exijam raciocínio elaborado. Mais do que uma questão de bom senso, avaliar a importância de aplicar a Prova Brasil na rede pública de ensino e, posteriormente, nas instituições privadas de ensino é, na verdade, um exercício de senso crítico, uma vez que passamos a apreciar e julgar, com ponderação e discernimento, as coisas, seja públicas, seja privadas.

Fonte: Construir Notícias

terça-feira, 1 de junho de 2010

As habilidades de leitura: muito além de uma simples decodificação

Mônica Garcia Barros

RESUMO

A leitura é uma das habilidades mais importantes e fundamentais que podem ser desenvolvidas pelo ser humano. É a partir da leitura de mundo que o aluno pode compreender a realidade em que ele está inserido e chegar a importantes conclusões sobre o seu mundo e os aspectos que o compõem. A habilidade de leitura é essencial e dá suporte para o estudo de outras áreas do conhecimento. Ao estudar matemática, a criança terá que realizar a leitura de sinais, de números existentes em uma determinada situação, bem como a leitura dos enunciados das questões propostas nas atividades. Já em história, ela irá se encontrar com um universo de palavras que caracterizam uma época, um acontecimento. Sendo capaz de realizar uma leitura proficiente desse contexto, ela não só compreenderá o passado, como também poderá estabelecer paralelos sobre a época estudada e a realidade atual. As habilidades de leitura vão muito além de uma simples decodificação, na verdade, vão além da própria compreensão do que foi lido. Mas quais são os conhecimentos e habilidades de leitura que o aluno deve ter? A habilidade que se deve ter de leitura não é somente traduzir sílabas ou palavras (signos lingüísticos), em sons, isoladamente (a decodificação). É sobre as habilidades de leitura e as etapas de leitura que abordaremos neste trabalho.

Palavras-chave: Habilidades de Leitura. Etapas de Leitura. Leitura no Livro Didático.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo abordar aspectos que fazem parte do desenvolvimento das habilidades de leitura dos alunos, em especial, do 2º ciclo do ensino fundamental em que os alunos ainda estão num processo de alfabetização. Habilidades que possibilitam o aluno compreender não só as tarefas em língua portuguesa, e sim, outras disciplinas. Na verdade, o aluno compreende não apenas o contexto escolar, mas o contexto de sua própria vida e do mundo contemporâneo.

A leitura é uma das habilidades mais importantes e fundamentais que podem ser desenvolvidas pelo ser humano.

É a partir da leitura de mundo que o aluno pode compreender a realidade em que ela está inserida e chegar a importantes conclusões sobre o seu mundo e os aspectos que o compõem.

A habilidade de leitura é essencial e dá suporte para o estudo de outras áreas do conhecimento. Ao estudar matemática, a criança terá que realizar a leitura de sinais, de números existentes em uma determinada situação, bem como a leitura dos enunciados das questões propostas nas atividades. Já em história, ela irá se encontrar com um universo de palavras que caracterizam uma época, um acontecimento. Sendo capaz de realizar uma leitura proficiente desse contexto, ela não só compreenderá o passado, como também poderá estabelecer paralelos sobre a época estudada e a realidade atual.

As habilidades de leitura vão muito além de uma simples decodificação, na verdade, vão além da própria compreensão do que foi lido.

Mas quais são os conhecimentos e habilidades de leitura que o aluno deve ter?
A habilidade que se deve ter de leitura não é somente traduzir sílabas ou palavras (signos lingüísticos), em sons, isoladamente (a decodificação), é muito mais que isso, a boa leitura deve passar pelas seguintes etapas:

1º - Decodificar;
2º - Compreender;
3º - Interpretar, e
4º - Reter.


A LEITURA EM QUESTÃO SEGUNDO PESQUISADORES

Para Dansereau , “a leitura como processo é constituída pelo conhecimento de símbolos gráficos (escritos ou impressos) que servem para estimular significados da experiência passada do leitor”.

Para Lionel Bellenger , “ler é ser um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o parêntese do imaginário”.

Para o pedagogo e matemático Gaston Milaret , “ler é ser capaz de transformar uma mensagem escrita numa mensagem sonora segundo certas leis precisas. É compreender o conteúdo da mensagem escrita, é ser capaz de julgá-lo e de apreciar seu valor”.

Para Ezequiel Theodoro da Silva3, “ler é, antes de tudo, compreender”.

Para Magda Becker Soares, “leitura não é (...) ato solitário; é interação verbal entre indivíduos e indivíduos socialmente determinados”.

A autora diz também que a leitura:

(...) do ponto de vista da dimensão individual de letramento (a leitura como uma ‘tecnologia’), é um conjunto de habilidades lingüísticas e psicológicas, que se estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos. (...) refletir sobre o significado do que foi lido, tirando conclusões e fazendo julgamentos sobre o conteúdo. (SOARES, 2002, pp. 68-69)

Ler para Borel-Masonny (1949), “significa, estando-se diante de um signo escrito, encontrar a sua sonorização.” (1960), “ler oralmente significa, diante de um signo escrito, encontrar sua sonorização portadora de sentido”.
Já para Foucambert,

(...) Ler é funcionar como uma agulha de um toca-disco que transforma vibrações de um certo tipo em sinais de um outro tipo.
(...) A leitura é um equilíbrio entre o processo de identificação de palavras que não pudemos prever com precisão – e que, por isso, informam – e o processo de verificação da antecipação de palavras que pudemos prever – e que, portanto, informam menos.
(...) Não existe leitura se não existir uma expectativa, uma pergunta, uma questão, antes da interação com o texto.
(...) Ler é ser questionado pelo mundo e por nós mesmos, é saber que certas respostas podem ser encontradas no escrito; é poder ter acesso a esse escrito; é construir uma resposta que integre uma parte das informações novas e tudo o que já sabemos.
(...) Ler é verificar a exatidão de uma antecipação. (apud BARBOSA, 1990, p.90)

A leitura é um processo no qual “o leitor é um sujeito ativo que processa o texto e lhe proporciona seus conhecimentos, experiências e esquemas prévios.” (SOLÉ, 1998, p. 18)

AS ETAPAS DE LEITURA

“No processo de leitura, ocorrem, pelo menos, quatro etapas, segundo uma visão psicolingüística: decodificação, compreensão, interpretação e retenção”. (Cabral, 1986).

A decodificação

O aluno primeiramente decodifica os símbolos escritos. É uma leitura superficial que, apesar de incompleta, é essencial fazê-la mais de uma vez num mesmo texto. É o momento em que o aluno deve anotar as palavras desconhecidas para achar um sinônimo, passo importante para passar para a próxima etapa de leitura, a compreensão do que foi lido.
Segundo Menegassi (1995, p. 87)

Na decodificação, há a ligação entre o reconhecimento do material lingüístico com o significado que ele fornece. No entanto, ‘muitas vezes a decodificação não ultrapassa um nível primário de simples identificação visual’, pois se relaciona a uma decodificação fonológica, mas não atinge o nível do significado pretendido

Segundo Angela Kleiman (1993 apud MENEGASSI; CALCIOLARI, 2002, p. 82), "as práticas de leitura como decodificação não modificam em nada a visão de mundo do leitor, pois se trata apenas de automatismos de identificação e pareamento das palavras do texto com as palavras idênticas em uma pergunta ou comentário”.

A compreensão

Após passar pela etapa da decodificação, o aluno deve captar o sentido do texto lido. Deve saber do que se trata o texto, qual a tipologia usada, compreender o que o autor pretendeu passar e ser capaz de resumir em duas ou três frases a essência do texto.

Nas questões referentes à essa etapa, as respostas podem ser encontradas literalmente no próprio texto, ou escritas de outra forma, porém estão explícitas no texto.

Para Leffa (apud MENEGASSI; CALCIOLARI, 2002, p. 85), “ler é interagir com o texto, considerando-se o papel do leitor, o papel do texto e a interação entre leitor e texto”.

A respeito disso, Menegassi; Calciolari (2002) complementa que “nesse caso, a compreensão só ocorre se houver afinidade entre o leitor e o texto; se houver uma intenção de ler, a fim de atingir um determinado objetivo.”

A interpretação

Na terceira etapa da leitura, o aluno deve interpretar uma seqüência de idéias ou acontecimentos que estão implícitas no texto.

O aluno não encontrará facilmente as respostas no texto se não o compreendeu, pois apenas com uma boa compreensão o aluno conseguirá interpretar sentidos do texto que não estão escritos literalmente.
O educador e escritor Rubem Alves nos diz que:

Na vida estamos envolvidos o tempo todo em interpretar. Um amigo diz uma coisa que a gente não entende. A gente diz logo: "O que é que você quer dizer com isso?". Aí ele diz de uma outra forma, e a gente entende. E a interpretação, todo mundo sabe disso, é aquilo que se deve fazer com os textos que se lê. Para que sejam compreendidos. Razão por que os materiais escolares estão cheios de testes de compreensão. Interpretar é compreender. (ALVES, 2004)

Quando o professor lê um texto com os alunos e faz a seguinte pergunta: “o que o autor quis dizer com isso?”, está fazendo o início de uma interpretação, porém o aluno terá primeiro que conhecer o texto e compreendê-lo, assim terá condições suficientes para fazer uma boa interpretação.

A retenção

Nessa última etapa, o aluno deve ser capaz de reter as informações trabalhadas nas etapas anteriores e aplicá-las: fazendo analogias, comparações, reconhecendo o sentido de linguagens figuradas ou subtendidas, e o principal, aplicar em outros contextos refletindo sobre a importância do que foi lido fazendo um paralelo com seu cotidiano, aprendendo com isso, a fazer suas próprias análises críticas.

A última etapa no processo de leitura (...) é a retenção, que diz respeito ao armazenamento das informações mais importantes na memória de longo prazo. Essa etapa pode concretizar-se em dois níveis: após a compreensão do texto, com o armazenamento da sua temática e de seus tópicos principais; ou após a interpretação, em um nível mais elaborado. (MENEGASSI, apud MENEGASSI; CALCIOLARI, 2002 p. 83)

Apesar de toda essa preocupação com as habilidades de leitura, na escola, ela deve ser uma aprendizagem e não uma técnica resultante de uma mecanização ou receita a ser seguida. Deve ser uma ação do aluno refletindo, levantando hipóteses e se interando sobre o objeto de conhecimento. Certos “tabus” instituídos pelo poder dominante do professor, que define leituras como próprias ou impróprias, devem ser extintos da sala de aula. E para que esses “tabus” sejam extintos é preciso lembrar que:

um primeiro princípio para a construção de uma nova pedagogia da leitura diz respeito ao conhecimento, pelo professor, das circunstâncias de vida dos alunos e à recuperação, como ponto de partida, das suas experiências vividas. (SILVA, 1998, p. 26)

O que o professor deve fazer é conhecer seus alunos no que diz respeito ao seu estilo de vida, culturas e ideologias; e tomar como ponto de partida as várias experiências vividas pelos alunos. Essa é a base de uma preparação da aprendizagem de leitura, não esquecendo de valorizar as opiniões e gostos desses alunos.

A maneira como a escola conduz o aluno à leitura, através do bê-a-bá, pode acarretar sérios problemas para a formação do leitor. O reconhecimento das famílias silábicas, como das letras, faz parte do processo de decifração e não da leitura, como comumente se pensa. (VILAR, 2001)

A leitura, na escola, não serve para aprender a ler, e sim, para aprender outras coisas, serve para treinar a pronúncia dos alunos na língua materna e para ensinar gramática; tornando-se uma atividade secundária com apenas alguns poucos minutos de dedicação.

Tem como objetivo sanar os problemas de escrita, considerados mais importantes, possuindo a concepção de que "a melhor coisa que a escola poderia oferecer aos alunos é a leitura (...) se um aluno não se sair bem nas outras atividades, mas for um bom leitor, a escola já cumpriu grande parte de sua tarefa". (CAGLIARI, 1996)

Alunos e professores estão acostumados a usarem a leitura para vários fins, menos para o que, realmente, ela serve.

Os alunos lêem para depois “copiar” o que uma personagem disse, ou o que o autor disse; lêem para procurar “erros” de ortografia ou para observar no texto o que eles aprenderam nas aulas de gramática, ou lêem para responder à uma chamada oral do professor, para poder provar que leu o que ele pediu.

Mas esse não é o objetivo dos livros, a leitura serve para formar leitores pensantes e críticos que saibam resolver problemas novos e jamais vividos. Não basta copiar o que o autor disse, tem que formular suas próprias idéias para defender ou criticar o autor, ou aplicar o novo conhecimento ao seu cotidiano.

DESENVOLVENDO AS HABILIDADES DE LEITURA NOS ALUNOS

O aluno somente terá habilidades de leitura se tiver primeiramente o hábito de ler. Mas, como fazer com que nossos alunos tenham gosto pela leitura?

O gosto pela leitura nem sempre surge do nada. Apesar de algumas crianças terem o gosto pela leitura sem ser imposto pelo professor, elas são a minoria, e já foi comprovado que depende da influência dos pais.

O professor, depois dos pais, tem o papel principal e mais importante no desenvolvimento de hábitos e habilidades de leitura dos alunos, porém, não deve ser autoritário a ponto de escolher sozinho o que seus alunos devem ou não ler. O professor deve levar em conta as diversidades dentro da sala de aula e valorizar os gostos e opiniões formadas pelos alunos.

Mas, ler e escrever é um compromisso só do professor de língua portuguesa ou também dos professores das outras áreas do conhecimento?

Esse é um ponto em que se deve insistir muito hoje, a tendência é julgar que cabe ao professor de Português ensinar a desenvolver habilidades de leitura e de escrita. Freqüentemente, professores das outras disciplinas se queixam com o professor de Português de que os seus alunos não estão sabendo compreender o problema de Matemática, o texto de História, o texto de Ciências. Na verdade, essa competência, essa responsabilidade não é só do professor de Português, nem o professor de Português é inteiramente competente para desenvolver habilidades de leitura de um problema de Matemática, por exemplo. Porque tem uma terminologia específica, tem uma forma específica de se apresentar, como o livro de Ciências, como o livro de Geografia. Não é o professor de Português quem vai ensinar um aluno a ler um mapa, nem quem vai ensinar a ler um gráfico. Isso são atribuições específicas dos professores que trabalham com essas formas de escrita. Então, cabe a eles desenvolver essas habilidades de leitura e de escrita também. Escrever um texto de História, ou de Ciências, não é a mesma coisa que escrever uma crônica, se o professor de Português pede uma crônica. São gêneros diferentes, cada área de conteúdo tem um tipo específico de texto que cabe ao professor dessa área ensinar o aluno a escrever ou a ler. Mas, essa é uma questão que tem sido difícil, porque os professores de outras áreas que não Português não têm recebido formação na área de leitura, isso seria necessário, introduzir na formação desses professores alguma disciplina, enfim, alguma formação na área de leitura e produção de texto para que eles pudessem trabalhar com isso. (SOARES, 2002).

Para despertar o gosto pela leitura nos alunos, eles devem ter a autonomia de escolher o que quer ler, o que na maioria das vezes são livros de literatura infanto-juvenis.


A IMPORTÂNCIA DOS PAIS NO INCENTIVO A LEITURA

Não podemos colocar a responsabilidade de incentivo à leitura somente a cargo dos professores, os pais possuem um papel muito importante nesse processo.

Os pais devem incentivar a leitura de seus filhos antes mesmo deles iniciarem a vida escolar, reservando alguns minutos do dia para ler livros infantis para eles. Quando estiverem alfabetizados, esses minutos devem continuar, porém, são eles que vão ler os livros que podem ser até os mesmos inicialmente para que comparem o que eles ouviam com o que eles estão lendo.

Os pais devem evitar expressões como "Está errado!" ou "Está lendo mal!", deve-se utilizar expressões como "Agora vamos ler juntos..." e apontar para as palavras à medida que, lentamente, as lê.

Deve-se aumentar a auto-estima da criança elogiando todos os progressos, até os aparentemente mais insignificantes.

É importante variar os gêneros, propondo leituras de livros infanto-juvenis, matérias de jornal, revistas infantis, textos informativos, receitas, manuais etc.

Falar sobre o livro que a criança vai ler é interessante, pois agusta a curiosidade da criança em saber como a história vai acabar. Ao final da leitura é fundamental discutir sobre o que ela leu solicitando que ela faça um paralelo com algum exemplo real do cotidiano.

Visitas regulares à bibliotecas podem ser divertidas, pois a criança aprende a escolher e localizar o livro que lhe agrada, podem visitar cessões especiais para crianças com vídeos e brinquedos e também pesquisar algum assunto para trabalhos escolares.

Mas todo esse processo não deve ser forçado, deve haver um interesse por parte da criança, para que esse processo seja prazeroso e não obrigatório.

A LEITURA E O LIVRO DIDÁTICO

Segundo pesquisa realizada por Zanini (1998), em pleno regime militar, década de 70, foi criada uma nova Lei (Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 5692/71). Essa década é considerada, na área da educação, como a “década dos modelos”.

A LDB, em sua concepção de linguagem, previa um aluno capaz de aprender um novo conceito ou saber por meio de repetições, prática de exercícios que o levasse à respostas seguindo o modelo.

Nesse sentido os professores ganharam um grande aliado: o “livro didático”, pois traziam exercícios já elaborados, pronto para serem realizados pelos alunos, no próprio livro (o chamado consumível). E o mais interessante era que o professor ganhava o livro que continha as respostas dos exercícios realizados pelos alunos (o chamado “livro do professor”). Esse era o lado bom desse vínculo entre professor-livro didático.

Por outro lado, o professor, ao se encontrar numa relação de dependência ou acomodação, não foi além do que continha o livro didático, sem menos ainda contestá-lo se era eficaz ou suficiente para um bom ensino, principalmente de leitura e interpretação.

Isso tudo fez com que o aluno se tornasse reprodutor de modelos dos quais eram principalmente de livros didáticos e cada vez menos de seus professores. Fato que fez com que os professores perdessem campo para os livros didáticos “(...) uma vez que as suas aulas já vinham preparadas, dentro de uma realidade que nem sempre era a de seus alunos, e a sua obrigação era ‘cumprir’ um programa pré-estabelecido(...)” (ZANINI, 1999, p. 81).

AS ETAPAS DE LEITURA NUM LIVRO DIDÁTICO

A seguir analisaremos um livro didático de língua portuguesa da 5ª série do ensino fundamental utilizado em uma escola estadual no ano de 2003 no município de Maringá.
Figura 1. Livro do qual, um dos textos, analisaremos a seguir.









Esse livro, composto de 4 unidades de 2 capítulos cada, leva o título de: Português: Leitura, Produção, Gramática. Leila Lauar Sarmento. 5ª série, São Paulo: Ed. Moderna, 2002.

Cada capítulo é composto por três textos para leitura (primeira, segunda e terceira leitura), após cada leitura há quatro tipos de atividades sobre o texto lido (relendo o texto, conversando sobre o texto, explorando o texto e interagindo com o texto).

Os títulos dessas atividades, parecem ter relação com as etapas de leitura:
- Relendo o texto = decodificação
- Conversando sobre o texto = compreensão
- Extrapolando o texto = interpretação
- Interagindo com o texto = retenção

A seguir analisaremos se a relação feita anteriormente faz sentido e se as questões propostas nas atividades seguem uma ordem de raciocínio no que diz respeito às etapas de leitura.

Análise do texto

“O Sapo e o Boi” – Fábulas de Esopo – tradução: Heloísa Jahn, São Paulo: Ed. Companhia das letrinhas, 1994.

- Relendo o texto

1) O sapo e o boi é uma narrativa, pois apresenta uma história, situada num tempo e espaço, personagens e narrador. O texto apresenta narrador em 3ª pessoa. Ele não é personagem. O tempo e o espaço são indefinidos. Identifique a história e as personagens.
Essa questão não exige do aluno uma compreensão, nem interpretação, e muito menos, uma retenção do que foi lido, o aluno apenas precisa exercitar seu conhecimento de produção textual, pois o texto foi usado, nesta questão, como pretexto para verificação de gênero literário.

2) O que despertou o sentimento de inveja no sapo e por quê?

Já essa questão propõe ao aluno uma compreensão do que leu, podendo a resposta ser tirada do próprio texto. Como já vimos, essa é a segunda etapa de leitura pela qual o aluno deve passar.

3) Você acha que o sapo se tornaria igual ao boi, se ele ficasse grande? Por quê?

Essa questão já exige do aluno um pouco mais de atenção, é uma questão de interpretação (o que está implícito no texto), terceira etapa de leitura.

4) Apesar das advertências dos amigos, o sapo continuou a se estufar. Diante dessa atitude, como podemos caracterizá-lo?

Apesar dessa questão parecer do tipo retenção, ela, na verdade é uma interpretação, pois a resposta será baseada na última linha do texto que é a moral da história.

5) Que mensagens nos passa a moral do texto? “Seja sempre você mesmo.”

Essa também é uma questão de interpretação, apesar de também parecer com uma questão de retenção. A mensagem que a moral do texto passa é baseada na interpretação da própria moral. Essa questão permite respostas pessoais, porém dentro do sentido que o texto deixou, caso contrário será considerada incorreta, ou pelo professor, ou pelo autor do texto.

- Conversando sobre o texto

1) Que tipo de pessoas o boi e o sapo representam nessa fábula? O que você pensa sobre elas?

Pessoalmente não diria que esta questão é totalmente de retenção, eu diria que é uma questão de transição entre a interpretação do sentido proposto e a retenção numa opinião pessoal do aluno.

2) Na sua opinião, para que o sapo se tornasse elegante, era necessário que se transformasse em boi? Por quê?

Essa questão, como a anterior, ainda não está na etapa de retenção, pois o aluno ainda tem que interpretar uma possibilidade de acontecimento no texto, o aluno não está trazendo o sentido do texto para seu cotidiano, mesmo que a questão seja de opinião.

- Extrapolando o texto

1) O que você pensa sobre as pessoas que vivem insatisfeitas consigo mesmas? O que lhes diria?

Após bastante compreensão e Interpretação, aparece uma questão de retenção, na qual o aluno poderá colocar suas idéias a respeito de um assunto que, embora esteja relacionada com o assunto do texto, a opinião do aluno é sobre o cotidiano comum das pessoas.

2) Você está feliz com sua aparência e seu jeito de ser? Esclareça sua resposta.

3) Se você pudesse ser outra pessoa, quem você gostaria de ser? Por quê?

São ambas questões de retenção, e agora de opiniões bem pessoais

- Interagindo com o texto

Essa atividade não está relacionada com as habilidades e etapas de leitura, suas questões são de prática de gramática e figuras de linguagens.

Esse texto que acabamos de analisar, possui atividades que estão dentro da ordem das etapas de leitura. Apesar de termos analisado as atividades de apenas um texto do livro, o fato da distribuição das atividades dos textos serem padronizadas, podemos tirar hipóteses de que o livro didático está de acordo com as etapas de leitura, possibilitando ao aluno uma possível habilidade de leitura sem muitas dificuldades ao resolver as questões propostas.

Colocamos anexo o texto analisado com suas respectivas atividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir com este trabalho que para que o aluno chegue à habilidade de criticar (retenção) sem grandes dificuldades, ele deve passar pelas habilidades de leitura sucessivamente, sem mudar essa ordem, pois para uma compreensão o aluno deve, obviamente passar pela etapa de decodificação – se não ler o texto não vai conseguir compreendê-lo. Por sua vez, o aluno poderá interpretar um texto facilmente, se ele o compreendeu. Conseqüentemente o aluno só conseguirá criticar (reter) o sentido que o texto pretendeu passar, fazendo paralelos com seu cotidiano, e colocando sua opinião como uma análise crítica sobre o assunto, se ele compreendeu e interpretou o texto em questão.

Concluímos também que todo esse processo a ser seguido numa leitura é o que faz a diferença no ensino de leitura na sala de aula. É a partir daí que o aluno começa a ter um bom hábito de leitura e conseqüentemente uma boa produção textual.

Concluímos, por fim, que ler é mais do que uma simples decodificação, é muito mais que a própria compreensão; é saber ler, compreender o que foi lido, interpretar o sentido do que foi lido e criticar (reter) essas informações de maneira que possa transferi-la para seu cotidiano, fazendo análises críticas e dando opiniões pessoais traçando paralelos entre o que aprendeu com a leitura com sua vida.

Este é o verdadeiro hábito de ler!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Ed. Cortez, 1990.
CABRAL, L. S. Processos psicolingüísticos de leitura e a criança. Porto Alegre: Letras de Hoje, v. 19, n. 1, pp. 7-20, 1986.
CAGLIARI, Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Ed. Scipione, 1996.
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MENEGASSI, Renilson José. Compreensão e interpretação no processo de leitura: noções básicas ao professor. Maringá: Revista UNIMAR, v.17, n. 1, pp. 85-94, 1995.
PALO, Maria José; OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura Infantil: voz de criança. 3. ed., 2. impressão, São Paulo: Ed. Ática, 2001.
SILVA, Ezequiel Theodoro. Elementos de Pedagogia da Leitura. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998.
SOARES, Magda Becker. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed., 5. reimpressão, Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2002.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6. ed., Porto Alegre: Ed. Artmed, 1998.
ZANINI, Marilurdes. Uma nova visão panorâmica da teoria e da prática do ensino de língua materna. Maringá: UEM – Acta Scientiarum v. 21 n. 1, pp. 79-88, 1999.

ANEXO A

Texto analisado “O Sapo e o Boi”



















ANEXO B
Atividades analisadas referente ao texto anterior


















Mônica Garcia Barros - Estudante de Letras (Português / Espanhol) CESUMAR – PR
Fonte: Psicopedagogia Online