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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ler além das palavras

Junto com os meios tradicionais, as novas tecnologias estimulam a iniciação à leitura

Desde a popularização da internet, a circulação de textos e imagens alcançaram um patamar inimaginável. Com o surgimento dos tablets, novas formas de leitura e relação com o texto escrito estão se configurando. Diante desses novos suportes e tecnologias, a introdução ao hábito da leitura acontece hoje de forma muito diferente. Desde muito pequenas, as crianças têm que lidar com estímulos diversos de leitura, o que torna a interpretação e hierarquização de informações algo primordial na educação.

A chave de um bom processo de alfabetização, de acordo com o professor de literatura da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do grupo de pesquisa Leitura e Literatura na Escola, João Ceccantini, é não se limitar a nenhum recurso específico e explorar diversas atividades de leitura e interpretação. “A alfabetização não se dá só nos livros, se dá em tudo, quando a criança vê o letreiro do ônibus, uma propaganda, uma placa”, diz. De acordo com ele, o maior desafio que a escola está vivendo é mudar sua antiga função de transmitir conteúdo para a de concentrar esforços na formação do senso crítico dos alunos, a fim de que eles sejam capazes de hierarquizar a grande quantidade de informação que têm ao alcance o tempo todo. “O papel da escola é ensinar como as crianças podem lidar com essa informação toda que está disponível nesses suportes e linguagens de uma maneira exigente, saber transitar, saber separar o que é importante do que é descartável, saber pensar, estabelecer relações, saber ser sujeito e se posicionar, porque aquele mundo de conteúdo não faz mais sentido para a escola”, destaca.

O projeto pedagógico de leitura do colégio Arquidiocesano, na Vila Mariana, em São Paulo, tem como fundamento o conceito amplo de leitura do educador Paulo Freire, que consiste na ideia de que a leitura de mundo precede a leitura da palavra e que a compreensão de um texto implica a percepção das relações entre texto e contexto. Uma das práticas pedagógicas desenvolvidas nesse sentido é o exercício do olhar e a leitura. Realizada com alunos do 1º ano do Ensino Fundamental, é baseada na premissa de que ler também é ver.

O livro O Menino que Aprendeu a Ver, de Ruth Rocha, sobre uma criança em fase de alfabetização que observa seu entorno e contexto de mundo, é o ponto de partida da atividade. Após a leitura compartilhada e discussão das situações que o protagonista vivencia, a professora propõe que os alunos fotografem com máquinas digitais textos verbais e não verbais que chamarem sua atenção no quarteirão em volta da escola. “Uma fotografia de uma caixinha de suco largada no muro é um texto que revela uma certa relação do cidadão com a cidade. Ou seja, é um projeto que desperta nas crianças essa outra possibilidade de compreensão do espaço que os rodeia e do espaço da leitura”, analisa a professora do 1º ano do Ensino Fundamental do Arquidiocesano e doutora em Linguística aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Cláudia Gil Ryckebusch.

Depois, na sala, há um debate a respeito da leitura e da relação entre o sujeito e a cidade, presente nas fotografias produzidas pelos alunos. No laboratório de informática, eles escolhem juntos as melhores fotos, que serão expostas na mostra de trabalhos no final do ano. “Tem relatos de pais que dizem que, depois do projeto, as crianças começaram a ler todas as placas de rua”, diz Cláudia.
As atividades pedagógicas que envolvem imagem e leitura diferem de acordo com a fase da escolarização. Os livros exclusivos de palavras e imagens, que constituem um gênero na literatura infantil, são indicados no início da Educação Infantil, na fase de decodificação dos signos. “Sem dúvida as imagens ajudam no processo de introdução do hábito de leitura nas crianças. Nesses livros para crianças pequenas, as ilustrações trazem certos objetos que serão o cerne da história, elas acabam servindo como um suporte para a criança, estimulando à concentração, à focalização daquele signo, à atenção e à associação daquele signo a determinada palavra”, afirma Ceccantini.

Durante a alfabetização, é interessante que as ilustrações nos livros sejam trabalhadas como um texto não verbal, como uma expansão do conteúdo para o mundo das imagens, da estética, que serve para apoiar a compreensão e o interesse, mas que não pode funcionar separadamente. “A imagem atrai pela fruição estética. Quando a ilustração compõe o sentido do texto, a criança faz um esforço para interpretar. Na história em quadrinhos, por exemplo, a narrativa se faz muito pela imagem, ela vai interpretando essa imagem, pois ela tem essa capacidade de interagir tanto com textos verbais como com não verbais”, diz a professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL), Telma Ferraz Leal. 
 
Leitura digital

Quando usadas a serviço de propósitos pedagógicos, as novas tecnologias e suportes também servem como aliados no processo de introdução do hábito de leitura. “Hoje, o modo de as crianças consumirem cultura passa por essa complexidade, pois elas gostam de ler o livro, depois ver o filme, ouvir a música, visitar a página, jogar o game daquele personagem. Elas fazem esse trânsito entre as linguagens e suportes todos, sem achar que um é melhor que o outro”, afirma Ceccantini. Segundo ele, atividades na internet, como a leitura de resenhas sobre obras, a busca de informações sobre o autor, entre outras referências suscitadas pela leitura, já fazem parte do cotidiano dos alunos e são enriquecedoras do ponto de vista da formação de leitor. “Se os alunos estão lendo uma releitura de Alice, por exemplo, é interessante sugerir uma pesquisa sobre como era a Alice verdadeira, como era a primeira edição do livro ou como as crianças liam Alice naquela época”, propõe.

Com a popularização dos tablets e livros digitais, a diretora pedagógica da Escola Castanheiras, em Santana do Parnaíba, Débora Vaz de Almeida acredita que eles devem ser usados em classe apenas se fizerem parte do contexto tanto dos alunos quanto dos professores. “Algumas famílias sustentam gerações de leitores só com uma boa biblioteca de papel, mas, se essas ?novas tecnologias e suportes fazem parte do contexto local, da experiência da escola e da dos pais, por que não?”, questiona. “Atualmente, podemos ler no livro, no jornal, nas livrarias, nas bibliotecas, podemos comprar ou não comprar, podemos ler nos IPads e podemos ouvir ler nos audiolivros. A tecnologia é um suporte, o que importa é a qualidade do livro.” De acordo com a pedagoga, a escola deve avaliar em quais situações o uso da tecnologia faz sentido e sempre variar os suportes e modos de uso. “Quando o aluno vai produzir um texto, é muito mais inteligente escrever em meio digital do que em papel, porque a edição é mais bem feita, posso recortar e colar, ver as várias versões. Em outros momentos, quando é só tomar nota, o bom e velho caderno dá conta”, acrescenta.

Durante um ano, os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental do colégio Porto Seguro, na unidade Panamby, em São Paulo, dedicam-se a um projeto de elaboração de um livros digitais. Como atividade preparatória, a professora lê o livro Pergunte ao Dr. Bicudo sobre Animais, de Claire Llewellyn, para os alunos, que podem acompanhá-la por meio da projeção da obra na lousa. O livro é sobre um conselheiro sentimental que recebe cartas de diversos animais com problemas. Em seguida, há uma discussão sobre o gênero da carta e sobre características dos animais. Dividida em duplas, a turma começa a se preparar para apresentar uma miniaula sobre um animal que escolheram. Em casa, eles pesquisam, em livros e na internet, informações para preencher uma ficha técnica que auxilia a elaboração da aula. “Os alunos aprendem a pesquisar nas aulas de informática da escola. Ao buscar diferentes fontes de informação, as crianças também se exercitam para diferenciar o essencial do secundário”, afirma a coordenadora pedagógica e professora do 3º ano, Luciana Centini.

Após o planejamento e apresentação da miniaula, que deve contemplar aspectos básicos dos hábitos alimentares dos animais, os demais alunos da classe sugerem perguntas que poderiam ser feitas ao Dr. Bicudo a partir das informações pesquisadas. As sugestões são entregues à dupla, que pode utilizá-las na elaboração do texto do livros digitais. A obra consiste em uma carta com a pergunta de um animal endereçada ao Dr. Bicudo. No laboratório de informática, os alunos digitam as cartas e fazem, no programa de desenho Paint, as ilustrações para compor o livro digital. A atividade é encerrada com uma manhã de autógrafos, com a presença dos pais, para o lançamento do livro da classe. Os livros digitais estão disponíveis nos IPads e no blog do colégio para as famílias fazerem o download.

Formação do leitor

Pais que leem histórias antes de a criança dormir, professores que trabalham a leitura como prazer em vez de obrigação ou amigos que indicam títulos são fundamentais para estimular o hábito de leitura nas crianças. “É importantíssimo estabelecer o quanto antes uma relação afetiva entre a criança e o livro”, afirma Ceccantini. “Isso não significa que muita gente não se torne leitora sem esse estímulo inicial, mas ele pode significar uma relação mais duradoura com os livros ao longo da vida.”

Na escola, as práticas pedagógicas que podem ser utilizadas para introduzir o hábito são diversas, mas acima de tudo devem ser iniciadas desde antes da alfabetização. “A língua é muito mais do que um código. Antes de eu ensinar para as crianças o que a gente chama de aspectos notacionais, que são as características da representação gráfica da linguagem, ela precisa participar de situações em que essa língua esteja em uso”, afirma Débora.

A leitura compartilhada, em que os alunos acompanham o professor em seus próprios exemplares ou em cópias do texto, e as rodas de leitura, em que o professor lê parte de uma obra e em seguida promove uma discussão em classe sobre o que foi lido, são atividades centrais nessa fase. “Em função de fazer a leitura compartilhada de forma regular, as crianças começam a ajustar o que está sendo lido com o que está escrito e esta é uma situação alfabetizadora. Elas começam a perceber que nos poemas quase sempre há a presença de rimas, que os contos clássicos começam com ‘era uma vez’, ‘há muito tempo’, ‘em algum lugar’”, diz Débora. “Elas começam a conhecer a organização da linguagem escrita e perceber que tem regras, convenções e regularidades que elas quase sempre podem observar.” Segundo Telma, quando o professor realiza atividades de leitura em voz alta e conversa sobre o que foi lido, ele está ajudando a criança a desenvolver habilidades de compreensão de texto, como elaborar inferências, apreender sentidos gerais e relacionar um texto com outro, que vão ajudá-la na fase de alfabetização.

De acordo com Ceccantini, é importante que essa leitura não esteja vinculada a cumprir determinada tarefa escolar e sim que o foco da atividade seja o prazer, a vivência de emoções. “Um adulto cheio de afetividade fazendo da leitura um gesto de carinho, de alegria, de brincadeira é uma aproximação prazerosa que deixa marcas no inconsciente. Esse envolvimento afetivo é central e está muito ligado ao prazer que o homem de todas as épocas tem de ouvir histórias”, diz. “Não tem gesto mais ancestral que isso na humanidade, alguém que vai contar histórias para todos ouvirem.”

Outro aspecto importante é a escolha dos títulos. Apresentar textos muito fáceis, com poucas palavras e leque reduzido de fonemas é subestimar as crianças. “As pessoas costumam achar que elas vão gostar mais de histórias com linguagem simplificada e esquemática e isso não é verdade”, diz Telma. Segundo Débora, deve-se, independentemente da idade, ler textos de verdade, literariamente ricos, bem escritos e de gêneros variados e todos esses repertórios devem estar disponíveis na sala de aula, na biblioteca e em várias situações.

No Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros, São Paulo, a leitura compartilhada e a roda de leitura fazem parte da rotina semanal dos alunos desde a Educação Infantil até os primeiros anos do Ensino Fundamental. No 2º ano, por exemplo, a professora lê em voz alta um capítulo de O Saci, de Monteiro Lobato, a cada dia. A ideia é que ela seja a mediadora entre os alunos e os “textos difíceis”, lendo títulos que eles teriam dificuldade de ler sozinhos. “O Saci é uma leitura bastante exigente para leitores de 7 ou 8 anos, pois tem um vocabulário distante do deles, as construções são pouco usuais na fala cotidiana, além do texto ser mais extenso”, afirma a coordenadora pedagógica do Santa Cruz, Miriam Louise Sequerra. “Por meio da leitura da professora, eles também passam por dificuldades, mas, como contam com esse apoio, vão entrando na leitura, se envolvendo e, de repente, está todo mundo cativado pelo clima do livro.”

Já na atividade Aula de Leituras, os alunos retiram um livro do acervo que se encontra na sala de leitura (pequena biblioteca utilizada pelos alunos de um mesmo ciclo escolar), têm uma semana para lê-lo em casa e, depois, em classe, são estimulados a comentar a obra e indicá-la aos colegas, com a orientação da professora. “O intuito, neste caso, é desenvolver outros comportamentos associados à leitura, tais como indicar, comentar ou escolher um livro, de acordo com critérios que cada um constrói a partir de sua vivência como leitor”, comenta Miriam. “Como essa atividade ocorre desde a Educação Infantil até o 5º ano, é perceptível como os alunos vão refinando sua capacidade de escolher livros de acordo com preferências que também vão se construindo”, diz. “No início, a capa ou o colorido das imagens são os critérios. Depois, o motivo da seleção vai se transformando: o assunto, o autor, o gênero ou mesmo a indicação do colega.”

BOXE 1 – Lição de casa

É tarefa dos pais estimular uma relação ?afetiva dos filhos com a literatura em casa

Os pais desempenham papel fundamental no processo de formação do gosto pela leitura dos filhos. O ideal é que eles sejam modelos de leitores para os filhos e que a introdução do hábito de ler comece em casa e continue no colégio. “O maior incentivo à leitura em casa é ter pais efetivamente leitores, porque uma coisa é o pai que diz que ler é importante, que você tem que ler, que ler faz subir na vida, e outra é o pai que, quando tem um problema, está mexendo no jardim e não sabe o que fazer, por exemplo, vai recorrer a um livro”, diz o professor de literatura da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do grupo de pesquisa Leitura e Literatura na Escola, João Ceccantini. No caso da população de baixa renda, em que os pais não se tornaram leitores por falta de acesso, a valoração do hábito de ler também tem efeito na formação das crianças. “É importante que as crianças tenham acesso a obras em casa, mas às vezes as famílias não têm condições de comprar. No entanto, se você for pensar, livros custam o mesmo que um brinquedo. É importante que os pais encarem o livro como brinquedo e presenteiem os filhos com livros”, afirma a professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL), Telma Ferraz Leal.

Outros hábitos indicados são comprar livros junto com os filhos, ou ir a bibliotecas ou espaços comunitários de leitura, ler frequentemente para eles, ter livros em todos os cômodos da casa, incentivar as crianças a fazerem sua pequena biblioteca, de forma que o livro faça parte do cotidiano da casa. Segundo a diretora pedagógica da Escola Castanheiras, Débora Vaz de Almeida, os pais devem tentar identificar livros que fazem parte do interesse das crianças para ir construindo um acervo e uma história de leitura a partir daquilo que se tem em casa. “Tem que ter um lugar no quarto das crianças pra uma história de leitor, o livro preferido, o livro que a escola indicou, que a avó deu, mas não só ter o livro, ter e ler o livro”, diz.

BOXE 2 – Primeiros passos da leitura

O Sesc realiza várias ações direcionadas ao incentivo à leitura para crianças

O Sesc tem diversas atividades em prol da difusão do livro e formação de leitores. Na unidade Pompeia, os pais podem levar seus filhos, de 0 a 3 anos, para o Espaço de Leitura, uma sala adaptada com livros voltados para a faixa etária e com a mediação de educadores, que orientam atividades lúdicas, jogos e brincadeiras literárias. As unidades Bom Retiro, Santo Amaro e Ribeirão Preto também contam com salas de leitura para crianças. “Em várias atividades de contação de histórias, o pai é convidado a fazer ele próprio a narrativa de uma história para a criança. Esperamos que a presença de pais e filhos nesse espaço e a vivência dessa experiência estimule práticas similares em casa”, afirma o Assistente de Literatura na Gerência de Ação Cultural (GEAC) Francis Manzoni.

Já no Espaço Ler na Escola, dez malas com 85 livros da literatura infantil e juvenil e 15 publicações de história em quadrinhos circulam por escolas do ciclo 2 da Rede Estadual de Ensino de São Carlos. Antes de receberem o material, os professores e diretores passam por um treinamento que explora as possibilidades de atividades com os livros, como rodas de leitura, contação de histórias e oficinas de texto. A mala, que fica uma semana em cada sala, acompanha também uma apostila com propostas pedagógicas.  

Também na linha de projetos de difusão do livro, existe o BiblioSesc, programa que leva bibliotecas volantes, transportadas por caminhões, a 26 pontos de Itaquera, Interlagos, Osasco e São Caetano. Segundo Manzoni, a procura pelos livros é muito grande. Em um único dia, centenas de crianças retiram títulos em cada bairro visitado. Escolas, ONGs e creches realizam atividades vinculadas ao BiblioSesc. “Os professores levam as crianças para pegar livros que muitas vezes são trabalhados no contexto escolar ou são para interesse próprio. Então, o caminhão passa a se integrar à realidade cultural desses bairros atendidos”, afirma ele.

As bibliotecas das unidades Belenzinho, Bom Retiro e Santo Amaro dispõem de três equipamentos para a leitura de livros e periódicos do acervo para cegos e pessoas com baixa visão. O videoampliador possibilita às pessoas com baixa visão aumentar texto e imagem de um livro. Já o Poet Compact é um scanner que reconhece textos e os narra em português. O terceiro equipamento é a linha braile, uma espécie de régua que se acopla ao computador e ao scanner que gera eletronicamente pontos em relevo, permitindo aos cegos que leiam pelo tato. A unidade Belenzinho também conta com 240 audiolivros.

Até agosto, acontece no Sesc Pinheiros a segunda edição do seminário Conversas ao Pé da Página, que tem o objetivo de promover o intercâmbio de experiências e conhecimentos relacionados a literatura, leitura, formação de leitores e livros para crianças e jovens. Profissionais e intelectuais do Brasil e do exterior debatem sobre saraus de poesia, leituras no século 21, salas de leitura, entre outros temas. A curadoria do evento é do Centro de Estudos em Leitura, Literatura e Juventude A Cor da Letra e da Revista Emília, publicação sobre leitura, literatura e formação de leitores.

Fonte: Revista E

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Viagem Literária

Projetos associam o prazer da leitura ao turismo para ampliar a experiência do conhecimento e o contato com os locais visitados



A literatura e a viagem proporcionam a ampliação de horizontes. No contato com um livro ou com uma cultura e uma geografia diferentes das que tem acesso cotidiano, a pessoa é levada a questionar e interpretar novas realidades. Essa relação com o outro ajuda a conhecer novos pontos de vista e renovar as ideias.

Com o objetivo de enriquecer a experiência do viajante, o Sesc desenvolveu o projeto Meus Livros de Viagem, que oferece uma seleção de obras literárias que podem ser consultadas durante as excursões rodoviárias do Programa de Turismo do Sesc (veja boxe Democratização do Turismo).

Criada na unidade Consolação, em 2008, a atividade também acontece em Araraquara e São Carlos e será ampliada em 2012. Assim que as pessoas se acomodam no ônibus, o guia turístico apresenta o acervo e organiza a retirada e devolução dos volumes, que ficam disponíveis em uma mala.

Há livros, guias turísticos, histórias em quadrinhos e CDs que abordam o tema de destino, o universo da viagem, além de outras obras da literatura brasileira e estrangeira de assuntos variados. “Se a viagem tem um caráter mais socioambiental, colocamos títulos nessa linha.

Podem ser livros de ficção que se relacionem aos espaços por onde a excursão vai passar, de pesquisa histórica, de arquitetura, costumes, inclusive livros de ilustração”, afirma o coordenador de programação do Sesc Araraquara, Thomas Castro.

O objetivo da atividade é incentivar a leitura, oferecer informações complementares sobre o destino, além de servir como uma forma de entretenimento durante o trajeto rodoviário. “Há pessoas que retiram dois ou três títulos durante a viagem; em um universo de cerca de 45 pessoas, isso resulta em aproximadamente 130 atendimentos da mala”, diz Castro.

De acordo com a guia de turismo do Sesc Sonia Rosa Alcala, todos se interessam pelos livros, das crianças aos idosos, já que há obras para todas as idades. “O projeto vai ao encontro da expectativa do passageiro porque a pessoa se entretém e troca ideias com quem está do lado sobre o que leu”, diz ela. “Eles acabam fazendo duas viagens, a viagem física para o lugar que estão conhecendo e a viagem através da leitura.”

De acordo com a Assistente de Turismo Social da Gerência de Programas Socioeducativos (Gepse) Denise Kieling, o projeto está ligado à concepção de turismo de experiência, que pretende marcar o viajante de maneira significativa, aprofundando seus conhecimentos. “Os guias abordam muito a cultura de cada local, falam sobre as festas populares, as principais personalidades; então a pessoa desenvolve um olhar diferente sobre aquele ambiente, a experiência vai além do sol e da praia”, afirma a técnica do Programa de Turismo Social da unidade Consolação Ana Cristina de Souza.

Outras viagens 

O Sesc também promove outras ações que relacionam turismo e literatura sem necessariamente envolver locomoção, como bate-papos com escritores, jogos, contação de histórias, oficinas e expedições virtuais pela internet. Entre os destaques da programação está o recital poético Rota Literária em Santos, que apresenta um panorama da produção literária sobre o porto de Santos, com textos de Pablo Neruda, Elizabeth Bishop, Narciso de Andrade, entre outros.

Existem ainda as viagens temáticas que abordam a literatura, como o Caminhos de Machado no Rio de Janeiro. O objetivo é estimular os participantes a imaginarem a sociedade do século 19 a partir da comparação de locais da cidade com a leitura de trechos da obra do escritor organizados em uma apostila desenvolvida para a excursão. No ônibus, além de obras de Machado de Assis disponíveis para consulta, são exibidos os filmes O Rio de Machado de Assis e Quanto Vale ou é Por Quilo, baseado no conto Pai contra Mãe.

Democratização do Turismo

As excursões rodoviárias e os passeios de um dia apresentam aos viajantes aspectos da natureza e cultura do país

Desde a década de 1990, a média anual de participantes do Programa de Turismo Social do Sesc varia entre 75 e 80 mil, sendo que cerca de 60% desse total corresponde a hóspedes do Centro de Férias Sesc Bertioga, onde as atividades do programa tiveram início em 1948. Realizadas durante o ano, as viagens estimulam o contato com a natureza e cultura das regiões visitadas e são divididas em passeios de um dia e excursões rodoviárias.

A primeira explora trajetos mais curtos, como um bairro, uma rua ou uma cidade vizinha, e tem como objetivo incentivar um olhar diferente sobre aspectos do cotidiano. Exemplo dessa modalidade, a expedição São Paulo – Capital Nordeste inclui passeio à rua Paulo Afonso, no Brás, para conhecer o comércio popular de produtos nordestinos, almoço em restaurante típico e ida ao Centro de Tradições Nordestinas.

Já as excursões ?rodoviárias contemplam diversos estados do país e têm duração de 2 a 12 dias. Um dos roteiros é o Imigração e Natureza, Litoral e Interior – Blumenau-SC, que inclui passeio de barco pela baía da Babitonga, no trecho de Joinville a São Francisco do Sul, e visita a locais que revelam a influência da imigração italiana e alemã no estado.

De acordo com a Assistente de Turismo Social da Gerência de Programas Socioeducativos (Gepse) Denise Kieling, um dos aspectos explorados nas viagens é a vivência da pessoa com a gastronomia, danças e músicas locais, os ofícios artesanais, a tradição oral e narrativa e a religião. “Nesse processo, os turistas são estimulados a encontrar um novo universo de referências, apreendendo conhecimentos enquanto experimentam o local visitado e fazem sua própria leitura de mundo”, diz.

Fonte: Revista E

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ler e escrever no SESC

O texto abaixo é um clipping tirado do site do Serviço Social do Comércio (SESC)

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Tenho insistido nas conversas descompromissadas com os confrades da Academia Brasileira de Letras no quanto é difícil saber ler.

Há quem leia e não perceba, há quem leia e não se ilustre, há quem leia sem saber para quê. Há, assim, quem leia sem ler. Apenas vê os textos.

Certa ocasião disse isto numa palestra para estudantes da Escola SESC de Ensino Médio e arrematei que não bastava aprender a escrever era imperioso saber ler. Concluí: só sabe escrever quem lê bem.

Agora mesmo temos a prova disso com o próprio alunado daquela escola, aliás, no gênero a melhor do Brasil. Privilegiando a docência de nível e a biblioteca valiosa, os alunos procuram ler, radiografando os textos. Isso resultou, como naturalmente deveria ser, em que detivessem altos índices de aprovação em exames seletivos de abrangência nacional. E mais, notas altas em redação. Notas absolutamente diferenciadas.

O zelo com que são organizadas as pautas de leituras e a animação dedicada a discutir as obras, as escolas literárias, as inclinações estilísticas dos autores, tudo leva a que os estudantes saibam o que estão lendo e, em conseqüência, saibam redigir.

Meu pai, um modesto professor de ginásio no interior de Pernambuco, deu-me muita sabedoria, inclusive no que deveria ser o procedimento a adotar com a leitura que me favorecesse aprender a escrever: "Leia Machado de Assis". Segui indagando: "E depois?" A resposta: "Leia Machado de Assis." Compreendi que deveria ler infinitamente Machado de Assis. Não sei se o fiz bem, mas isto é outra história... Ora, o que aconteceu aos alunos da Escola SESC é que redigiram bem por conta do hábito da leitura, da fruição do acervo da bem cuidada biblioteca.

ESFORÇO. Se as escolas de ensino médio se esforçassem - já que fazer até mesmo parecido com a Escola SESC é difícil -em seguir essa trilha de leitura, grupos de debate, apoio de biblioteca, cultivo da dissertação, a realidade do ensino básico de português seria outra.

Os órgãos gerenciadores do ensino, no Rio, tem a obrigação de freqüentar aquele estabelecimento localizado nos confins da Barra, para que se orientem como fazer. Ir lá, enfrentar trânsito e distância, e se confrontar com uma obra exemplar que o País, não só o Rio, fica a dever ao Sistema S, no caso, ao SESC. Fará muito bem a todos. Se navegar é preciso, ter a humildade em aprender com quem faz bem feito, também é preciso. E o navegar, de que fala a boa tradição dos navegadores, no alto mar ou na beira da praia, é buscar aprender.

Fonte: SESC

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sesc Bauru realiza sarauzinho infantil

Que ideia genial, um sarauzinho para estimular a leitura e a troca de livros

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Hoje, às 15h, no Bosque, o Sesc Bauru apresenta ao público seu mais novo projeto infantil, o “Sarauzinho”. Neste Sarau especialmente criado para crianças, será apresentada “A Arca de Noé”, importante obra de Vinicius de Moraes e Toquinho. Com muita música, poesia e brincadeiras, elas poderão ouvir canções como “A Casa”, “A Abelha”, “O Relógio”, “A Porta”, entre outras. A entrada é gratuita e os ingressos devem ser retirados uma hora antes.

A responsável pelo projeto, Maria Augusta, explica que a intenção é proporcionar um momento lúdico entre pais e filhos em que a música e a poesia se encontram para trazer encantamento, diversão e cultura. “Nosso objetivo é aproximar o público infanto-juvenil da literatura, estimular o gosto pela leitura e promover uma viagem através do jogo das palavras”, completa ela.

Ao falar sobre a ideia de produzir um trabalho como este, ela ressalta: “É um trabalho totalmente inovador. Para começar escolhemos uma obra literária cantada, pois assim fica muito mais fácil apresentar o conteúdo. É uma forma de educação informal, um dos principais objetivos do Sesc”.

As canções serão interpretadas pela Cia Chama Poética, especializada em Saraus para este tipo de público específico. “Eles tem uma linguagem super dinâmica, brincam com o jogo das palavras, além disso, possuem um currículo bem diversificado com apresentações na Biblioteca São Paulo, Museu da Língua Portuguesa e Casa das Rosas”, explica ela.

Após o “Sarauzinho”, haverá uma atividade interativa, onde as crianças poderão trazer de casa livros que foram lidos por elas e em um espaço reservado poderão trocá-los. A ideia é estimular o hábito da leitura e também mostrar a importância da troca de informações.

sábado, 20 de março de 2010

Em busca do jovem leitor

Na era da internet, o adolescente intensifica o contato com os textos e faz cair por terra o mito de que não tem interesse pela literatura.

A cada lançamento da saga do bruxo adolescente Harry Potter, criado pela escritora britânica J. K. Rowling, as livrarias de toda a metade ocidental do mundo se viam invadidas por um contingente extra de clientes entre os 12 e 18 anos. Isso sem contar os ansiosos que realizavam uma verdadeira caça na internet em busca de trechos, versões, comentários ou qualquer outro texto sobre o assunto que pudessem ser consumidos avidamente antes da chegada dos livros às prateleiras. A despeito da qualidade literária desse material, o sucesso desse tipo de leitura – não somente a do bruxinho, mas também de outras sagas, como O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, As Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis, e Caçadores do Crepúsculo: Vampiros em Guerra, de Darren Shan, entre outros – tem chamado a atenção de estudiosos da área da literatura e educação.


O que essa aceitação fenomenal revela? A engenhosidade marketeira dos autores e editoras ou um adolescente que mantém o hábito de ter um livro na cabeceira? “Eu não tenho dúvidas de que o jovem de hoje lê mais”, afirma a doutora em teoria e história literária Célia Regina Delácio Fernandes, especializada em literatura infantojuvenil. “Hoje a gente vive no mundo da escrita, e o que a sociedade atual demanda? Leitura. O mundo do jovem é todo rodeado de escrita. Se a gente for pensar que nos chats [salas de bate-papo], Orkut [rede de relacionamento], blogs [espécie de diário online que permite rápida atualização], e-mails, MSN [sistema de troca de mensagens online pela internet] e tudo mais, a gente vê que isso faz parte do mundo dele.”

A professora de literatura infantil e juvenil da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP), Maria Zilda da Cunha acredita que todos esses recursos trazidos pela internet criaram um leitor jovem de múltiplos suportes. “O jovem de hoje lê formas diferentes, porque ele tem à disposição uma multiplicidade de linguagens”, explica. “Logo, nesses termos, ele lê mais. O que ocorre é que com essa disponibilidade de linguagens que ele tem à sua volta, e essa necessidade de ler tanta coisa, o tempo dele para a literatura impressa é menor, porque o tempo dele fica mais dividido.”

Célia Regina, também diretora da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, defende a tese de que, seja no papel, seja na tela do computador, a questão a ser estudada não é a falta de interesse do jovem pela leitura, mas, sim, o que esse jovem tem lido.

“O que acontece é que o jovem não está lendo, muitas vezes, o que a escola gostaria que ele lesse, o que nós, especialistas, gostaríamos que ele lesse”, afirma. “Mas o que ocorre é que o jovem, como qualquer outra pessoa, vai ler à medida que aquela leitura tenha algum significado na vida dele, é preciso que tenha alguma finalidade.”
Qual literatura?


Com esse comentário, Célia Regina, autora do livro Leitura, Literatura Infanto-Juvenil e Educação (Eduel, 2007), expõe um antigo impasse na vida de alunos e professores: a leitura obrigatória, na sala de aula ou mesmo na preparação para o vestibular. “Geralmente nas séries iniciais, a escola consegue trabalhar melhor essa questão da leitura”, explica. “Porém, nessa passagem da adolescência, as coisas começam a se perder, porque é quando o professor quer trabalhar um tipo de leitura com que o adolescente não vê tanta proximidade, ele acaba lendo resumo ou pegando coisas na internet para dar conta das tarefas escolares.” Segundo a especialista, o perigo do fosso entre o que está na lista imposta aos alunos e o que está no seu foco de interesse nas livrarias e bibliotecas é o do distanciamento entre a escola e o jovem no âmbito da leitura. “Se o professor chega e fala que o que o jovem está lendo não presta, não é literatura, esse jovem vai pensar: ‘Poxa vida, o professor está dizendo que o que eu leio não serve, que só o que ele quer que eu leia é que serve, como é isso? Então fique aí com o seu Machado de Assis, com a sua literatura, que eu vou ficar aqui com os meus livros’.” Segundo as especialistas, é clara a barreira entre os alunos e os chamados clássicos da literatura nacional – obras de autores como Lima Barreto, José de Alencar e o próprio Machado, entre outros. “Uma opinião muito sincera minha é que, se não houvesse o vestibular, esses jovens não leriam esses livros”, afirma a professora Maria Zilda. “Eles têm um pouco de dificuldade, inclusive, de acesso à linguagem. Eles não buscam [esse tipo de leitura] com boa vontade.” A pesquisadora Célia Regina afirma que, em geral, falta maturidade para o jovem leitor brasileiro poder penetrar no universo dessas narrativas. “Entendimento pressupõe esforço”, diz. “Essas obras são mais complexas, de linguagem mais difícil, e essa complexidade é que mantém uma obra clássica perene. O texto pode até estar datado, mas as reações que isso pode provocar vão se renovar a cada leitura.” Por outro lado, segundo apontam as especialistas, a escola tem um papel fundamental de mediadora para que os jovens “façam as pazes” com os cânones da literatura nacional. “Para você ter esse prazer do texto, para ele provocar essa reação ligada à experiência, o jovem tem de ser apresentado para o clássico de uma maneira agradável, não como a escola tem feito”, analisa Célia Regina. “O professor só vai conseguir formar leitores se ele for um leitor. Ele tem que ter repertório, tem que seduzir os alunos para a leitura, ler muito em sala com eles. Mas você ainda tem um professor que coloca o aluno para ler e sai para conversar com o colega.”

Adaptações

Uma das saídas encontradas tanto pelos jovens quanto pelos professores e pelas editoras têm sido as adaptações desses livros. Na maioria dos casos, o recurso utilizado é a linguagem dinâmica das histórias em quadrinhos. O que, segundo apontam as pesquisadoras, tem seus prós e contras. “Essa questão da adaptação é bastante séria porque, quando você faz a tradução de uma mídia para outra, muda-se o código, o suporte, a linguagem, e a questão da fidelidade [com o texto original] não é a melhor”, analisa Maria Zilda. “Hoje temos muitas adaptações, que são tentativas de aproximação do jovem com os clássicos”, complementa Célia Regina.

“Do Machado de Assis, por exemplo, existe aquela série Reencontro, da [editora] Scipione, que adaptou Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas, se você pega esse tipo de adaptação, vê que a mudança é muito radical, que não é mais Machado, é uma outra obra. Não sei em que medida esse tipo de adaptação faz com que o leitor vá depois ler o Machado.” No entanto, isso não significa que os quadrinhos sejam uma forma de leitura que deva ser desprezada. “Tenho verificado que alguns quadrinhos mostram adaptações extremamente engenhosas, que conseguem trazer aquilo que a gente chama de essência de literariedade”, afirma Maria Zilda.

Célia Regina conta que “quando os quadrinhos chegaram ao Brasil foram muito criticados”, mas que hoje se sente uma mudança de visão. “Havia um discurso, nos anos de 1950, segundo o qual não se devia deixar o aluno ler quadrinhos porque isso o afastaria da leitura, por ser uma linguagem muito facilitada etc.”, continua.

“Hoje, agora em 2009, o Ministério da Cultura (MEC) incluiu as histórias em quadrinhos na compra governamental. O governo comprando quadrinhos para distribuir para as escolas é algo inédito.”

O apelo da imagem


De acordo com o professor Elydio dos Santos Neto, do mestrado em educação da Universidade Metodista de São Paulo e que estuda o potencial das histórias em quadrinhos para a formação de educadores, de fato, durante muito tempo houve um grande preconceito por parte da academia com relação às HQs. “Elas eram vistas como um artefato cultural ‘menor’, de ‘segunda categoria’”, informa. “Mas, nas últimas décadas, [os quadrinhos] estão conquistando espaços privilegiados não apenas nas universidades, mas também nas livrarias, ampliando, inclusive, os gêneros nos quais são elaboradas.” Sobre o “potencial literário” do gênero, o professor prefere esclarecer que se trata de linguagens diferentes, cada uma com seus recursos próprios. “Os textos literários descrevem, em diversos estilos, cenas que são mentalmente recriadas pelos leitores”, explica. “Os quadrinhos apresentam, na combinação de imagem e texto, situações em que o ‘mergulho’ e a ‘viagem’ são acelerados pela provocação imagética já fornecida, mas que serão também recriadas e ressignificadas pela subjetividade do leitor.” De qualquer forma, a combinação “adolescentes e HQ”, segundo o especialista, pode tranquilamente ser vista com bons olhos. “As histórias em quadrinhos têm também potencial para a formação de leitores. Mas, mais do que isso, elas favorecem o desenvolvimento de uma maneira diferente de olhar e pensar a realidade.”

Bruxos, anéis e vampiros

Assim como as histórias em quadrinhos, outra febre entre os leitores adolescentes são os best-sellers estrangeiros, séries como O Senhor dos Anéis e o fenômeno Harry Potter. Ainda que alguns torçam o nariz para esse tipo leitura, questionando sua qualidade literária, há estudiosos que acham mais produtivo aceitar o fato de que essa tem sido a escolha de muitos jovens e que é possível, sim, usar isso a favor da educação. “Não vejo problema nesse tipo de leitura”, afirma a professora Célia Regina. “Ela tem a ver com a construção de um hábito de leitura nos jovens. Acho que a escola não pode ignorar isso, enquanto ela o fizer irá continuar com esse fosso entre ela e o jovem. E acho que esse tipo de leitura tem de ser não só respeitada como trazida para sala de aula, para a discussão. Vamos ver o que tem ali que está interessando tanto os nossos alunos.” Segundo a pesquisadora, esses livros atraem pelo universo fantástico que apresentam aos jovens. “Acho que, de certa maneira, esses livros trazem de volta a questão do encantamento, do sobrenatural, dos contos de fadas mesmo”, explica. “Se a gente for olhar para esses personagens, a gente vê que o Harry Potter, por exemplo, é um bruxo órfão de pai e mãe. Isso já cria uma empatia do leitor com relação a ele. E o tem o fato de ele ser bruxo; no caso do Crepúsculo é a saga do vampiro; enfim, a gente vê que, no fundo, existe uma retomada, um resgate do mundo mágico.” Para a professora Maria Zilda, o jovem de hoje vê nesses livros um universo de perspectivas, dado os desafios que são impostos aos personagens, que ele não consegue enxergar na sua realidade. “O jovem hoje tem poucos desafios”, coloca. “Quando se fala de proibições, eles não têm obstáculos a enfrentar. E, com isso, eles não desenvolvem aquele espírito do herói, que precisa passar por provas e realizar conquistas.” Na análise da pesquisadora, é justamente esse herói realizador que o jovem encontra nessas histórias. “O Harry Potter é um herói. Ele é um órfão que passa por mil peripécias.”

Outro ponto que se pode observar no fenômeno de aceitação desses livros é a quebra da noção de que o jovem da era da internet não teria paciência para a leitura mais atenta de narrações extensas. Afinal, os fãs do bruxinho Harry Potter têm de colocar debaixo do braço volumes que passam das 500 páginas, como é o caso do sétimo e último livro da série, Harry Potter e as Relíquias da Morte (Rocco, 2007). “Se interessar, os jovens viram noites e dão conta disso [do tamanho dos livros] rapidamente”, constata Célia Regina. “E realmente são livros bastante extensos.”

Palavras e imagens

Bibliotecas, gibitecas e exposições das unidades do Sesc São Paulo mostram ?como a leitura, em suas mais diversas formas, continua em pauta entre os jovens.

Mesmo tendo sido vistas com desconfiança no passado, as histórias em quadrinhos têm, cada vez mais, ganhado o respeito dos estudiosos de literatura e educação. E uma vez que as HQs sempre tiveram lugar cativo na cabeceira dos jovens, nunca foi tão saudável dividir um pouco o tempo e a leitura entre os livros e essas narrativas cheias de ação e imagens. “O mundo caótico em que vivemos é fruto de decisões reducionistas que temos tomado. E as histórias em quadrinhos trazem a contribuição de favorecer a atuação da sensibilidade”, explica o professor Elydio dos Santos Neto, do mestrado em educação da Universidade Metodista de São Paulo e que estuda o potencial das histórias em quadrinhos para a formação de educadores. “Isso provoca o desenvolvimento de outra maneira de ler o mundo e, conseqüentemente, de tomar decisões. Essa outra maneira tende a ser global e sensível e, contemporaneamente, somos carentes disso.” O professor esclarece, no entanto, que as HQs não dão conta dessa mudança sozinhas. Afinal, há quadrinhos e quadrinhos. “É preciso ser crítico e criterioso também na escolha de histórias em quadrinhos, como se deve ser com a escolha de qualquer artefato cultural produzido pela complexidade humana.”


Algumas unidades do Sesc São Paulo oferecem a oportunidade de tomar contato com o que há de mais rico na produção de histórias em quadrinhos. Seja no espaço da biblioteca – existente em todas as unidades – seja em projetos especiais, os “gibis” estão lá para ajudar a despertar o gosto pela leitura. No Sesc Vila Mariana, por exemplo, existe, desde 2005, o projeto Quadrinhando, que, a cada dois meses, ocupa o átrio da unidade. Lá os aficionados encontram revistas, livros especializados, participam de oficinas e trocam idéias sobre o universo desse gênero. A grade de atividades a cada edição acontece sob um tema. Já a unidade Piracicaba possui a maior gibiteca da rede Sesc. São 270 títulos, que, segundo explica o técnico Chico Galvão, buscam contar um pouco a história da HQ no Brasil e no mundo. “Privilegiamos as edições especiais”, diz Galvão. “Álbuns e edições com capa dura, que possibilitam o empréstimo ao comerciário e usuário da sala.” Aos cerca de 40 visitantes diários que a gibiteca recebe, são oferecidas também oficinas integradas com a Internet Livre, aproveitando o grande número de jovens que frequenta a sala de computadores. “A predominância é de jovens”, informa o técnico. “Mas temos também boa frequência de adultos. A faixa etária gira em torno de 7 a 16 entre os mais novos, mas temos também adultos de até 50 anos retirando gibis.”

No campo da literatura e internet, o Sesc Pinheiros apresenta, até 28 deste mês, a exposição interativa Blooks – Tribos e Letras. O nome vem da junção das palavras book (livro) e blog, união que, segundo a curadora da mostra, Heloísa Buarque de Holanda, professora titular de teoria crítica da cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), representa a última palavra em produção literária: a internet como hospedeira de novas possibilidades de linguagem e suporte. “Quando eu fiz essa exposição [em 2007] eu contratei a Bruna Beber e o Omar Salomão, juvenilíssimos, blogueiros etc., para fazer a seleção dos trabalhos e depois me mostrar”, diz a professora. “Era tudo muito literário. Era fascinante porque aquilo provou que não é verdade que aquela linguagem [tradicional, do livro impresso] tenha perdido a densidade.”
 
O livro e a cidade



Coleção Ópera Urbana, voltada para o público infanto-juvenil, ?traz São Paulo como cenário e personagem das narrativas.
Resultado de uma parceira entre a Edições Sesc SP e a Editora Cosac Naify, a coleção Ópera Urbana reúne escritores e ilustradores para criar uma série de quatro volumes voltada para o público adolescente. “A coleção é composta de ficções inspiradas em espaços urbanos e cada uma delas é acompanhada por um libreto com curiosidades e informações paradidáticas”, esclarece Clívia Ramiro, coordenadora das Edições Sesc SP, vinculada à Gerência de Desenvolvimento de Produtos. “A ideia é trazer o jovem não apenas para mais perto da literatura como também de sua cidade.” Fazem parte da coleção os livros Cidade dos Deitados, de Heloísa Prieto (texto) e Elizabeth Tognato (ilustração); Montanha-russa, de Fernando Bonassi (texto) e Jan Limpens (ilustração); Surfando na Marquise (ilustração abaixo), de Paulo Bloise (texto) e Daniel Kondo (ilustração); e Avenida Paulista, de Augusto Massi (texto) e Carla Caffé (ilustração). “Foi do Augusto Massi a idéia de convidar vários autores para escrever sobre locais da cidade”, explica Heloísa Prieto, co-organizadora e idealizadora da coleção. “Pessoalmente, foi muito gratificante perceber os desdobramentos da proposta. Acabei me aproximando mais da cidade, sua história, seu cotidiano. Espero que a coleção desperte sentimentos semelhantes nos leitores”, conclui a autora.


Literatura virtual


Mesmo ainda longe de destronar o livro, a internet? tem formado uma geração de leitores digitais.
Em palestra no projeto Cartografia Literária, realizado pelo Sesc Consolação em agosto de 2008, a professora titular de teoria crítica da cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Heloísa Buarque de Holanda, chamou a atenção para a volta de uma atividade literária mais vigorosa promovida pela internet. Segundo ela, foi pelo computador que se fez um resgate de uma dinâmica criada no papel. “Você tem uma vida literária de uma intensidade absurda na internet”, disse na ocasião. “Sou professora e sempre me deparo com aquelas perguntas chatas: ‘Mas isso é literatura?”, ‘não seria uma literatura menor?’. Acho que a resposta não interessa, pelo menos não para mim.”


Heloísa afirma ainda que um dos pontos mais interessantes de observar na escrita desenvolvida na rede é o diálogo que ela possibilita entre autores e leitores. “É uma conversa entre pares, entre pessoas mais ou menos da mesma idade.” Sobre o conteúdo dessa leitura na tela feita pelos jovens a professora surpreende ao revelar que tem observado uma volta aos grandes nomes da literatura universal em pleno ciberespaço. “Faço muitas entrevistas e pergunto sempre para esses novíssimos quem eles leem, eles me saem com Flaubert e outros nomes da literatura canônica”, revela. “E na periferia também. O número de jovens que procura por literatura canônica nas favelas é bem alto – inclusive porque não tem livrarias nem bibliotecas naqueles locais. Com isso, o uso da internet para leitura é muito alto.”

A professora de literatura infantil e juvenil da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP) Maria Zilda da Cunha acrescenta que nem sempre a rapidez da internet compromete o ritmo mais reflexivo que a leitura de determinados gêneros exige. “A professora Lucia Santaella faz um estudo bastante interessante do perfil cognitivo de três tipos de leitores”, informa.

“O leitor do [surgido no] Iluminismo [período da história intelectual ocidental, no início do século 18, caracterizado pela defesa do pensamento racional em lugar das crenças religiosas], que era um contemplativo e que tinha a sua disposição o texto impresso; o leitor que ela chama de movente, pós-Revolução Industrial, e que sofre múltiplas demandas de informações; e o leitor próprio da era digital. Um tipo de leitor não elimina o outro e o leitor da era digital também tem seu momento de reflexão.”

Fonte: Revista E SESCSP