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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

RPG “ensina” Machado de Assis

Luiz Gustavo Cristino

Com o objetivo de incentivar a leitura das obras do autor, pesquisador da Unesp de Araraquara leva a prática do jogo de mesa para as salas de aula e transforma contos em aventuras


Em vez de uma terra distante, na Idade Média, o cenário é o Rio de Janeiro do século 19. E, no lugar de controlar poderosos magos, elfos ou arqueiros, assume-se o papel de Brás Cubas, Bentinho ou Capitu. Tudo isso em plena sala de aula. É mais ou menos essa a proposta de uma pesquisa feita pela Unesp em Araraquara que buscou adaptar a estratégia dos jogos de RPG (nos quais essas figurinhas mágicas ou guerreiras são carimbadas) para despertar em alunos do ensino médio o interesse por Machado de Assis.

O autor do estudo, Victor Caparica, conta que o RPG foi a forma encontrada para agregar um outro tipo de valor à obra machadiana. “Não que ela não tenha valor por si, muito pelo contrário, mas, numa geração de Harry Potter e O Código Da Vinci, que são livros de grande apelo aventureiro, é necessária uma maneira diferente de despertar nesses alunos o interesse para esse tipo de literatura”, explica o bacharel e licenciado em Língua e Literatura Romana e em Língua e Literatura Portuguesa.

Para Maria de Lourdes Baldan, professora da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus de Araraquara e orientadora do projeto, adotar o jogo no ensino da literatura é interessante por facilitar a familiarização dos alunos com aspectos como a organização narrativa, os tipos de narração e a composição de personagens.

No caso específico de Machado, a estratégia é particularmente vantajosa considerando o grau de adaptabilidade de suas obras a aventuras de RPG. “Ele é um autor que aprofunda a composição de personagens e explora menos a complexidade de enredos”, diz a pesquisadora. “Além disso, o interesse dos alunos pelo jogo é muito grande, e só isso já torna a ferramenta útil para os professores”, completa.

O trabalho, que integrou o estágio obrigatório para a obtenção do diploma de licenciatura de Caparica ao seu projeto de iniciação científica, adaptou enredos de contos do autor carioca para esses jogos de mesa. As adaptações foram oferecidas a um grupo de 28 alunos do primeiro ano do ensino médio da Escola Estadual Bento de Abreu, em Araraquara.

Interpretando personagens

Existentes no mundo desde a década de 1970, os Role Playing Games (jogos de interpretação de personagens, em tradução livre) ganharam o Brasil nos anos 1990, e não param de ser difundidos desde então. Neles, um grupo de jogadores, orientado por um enredo inicial predeterminado, cria seus personagens e age com um objetivo em comum, que é o de construir uma história ao fim da qual o grupo deve triunfar (por exemplo, derrotar um dragão).

Mas nem sempre isso acontece. Uma vez iniciada a partida, a história passa a se desenrolar de acordo com o caminho escolhido por cada herói, e eles dependem também da sorte para serem bem sucedidos. Jogadas de dados, entre outras variáveis que podem estar presentes nas regras do jogo, determinam se a ação desejada pelos jogadores realmente ocorrerá – em caso negativo, eles terão de enfrentar adversidades e procurar outros modos para alcançar a vitória. Para garantir que tudo isso ocorra de forma organizada, uma pessoa faz o papel de mestre – o “ juiz” do RPG, que ajuda a definir os rumos do jogo.

Foi nesse contexto que os contos machadianos “Pai Contra Mãe”, “O Enfermeiro” e “A Causa Secreta” foram apresentados aos adolescentes na pesquisa. Divididos em cinco grupos, eles foram instigados a jogar de acordo com o roteiro de cada uma daquelas histórias. Na pesquisa, Caparica contou com a ajuda de amigos, todos jogadores de RPG, como ele, que fizeram o papel de mestres de cada grupo.

Como no RPG todos os personagens são heróis, a figura do protagonista foi diluída em cinco ou seis personagens. No caso de “Pai Contra Mãe”, por exemplo, em vez de apenas uma pessoa – o protagonista Candinho –, foi “enviada” uma equipe para encontrar a escrava fugida. Os mestres descreviam as situações que o grupo enfrentaria – como as dificuldades financeiras da família de Candinho e a recompensa que o aguardaria caso ele capturasse a escrava –, e os jogadores tomavam suas decisões.

“No fim, nunca havia dois grupos com finais idênticos”, afirma o pesquisador. “Alguns grupos até decidiram ajudar a escrava a escapar, ao contrário do que fez o protagonista do conto”, conta ele. “Até porque os alunos tendem a levar a história para a comicidade, o que considero um hábito saudável.”

Só após sete aulas, que serviram para introduzir as regras gerais do RPG, realizar partidas independentes da literatura e então permitir que todos os grupos jogassem com os três enredos, Caparica entregou a cada aluno uma cópia dos contos, explicando, pela primeira vez, que os jogos eram baseados naquelas histórias. “Eu disse: ‘Agora, se vocês quiserem saber como terminam de verdade as histórias que vocês conheceram, leiam estes contos de Machado de Assis’”, conta ele. “Um aluno, inevitavelmente, perguntou ‘Vai ter prova?’, e eu respondi que não.”

O pesquisador diz considerar pouco produtivo tentar convencer os alunos de que eles devem ler porque serão cobrados em avaliações. “Atualmente, é muito fácil entrar na internet e ler resumos”, justifica. Mas a tática já tinha dado certo. No fim, segundo ele, dos 28 alunos, 25 haviam voltado na semana seguinte com os três contos lidos. “Uma vez que você puxa o interesse do aluno e ele começa a ler, o Machado já se vende sozinho. Não é à toa que é o Machado de Assis.”

Fórmulas no lugar de dados

Usar RPG como ferramenta de ensino não é uma estratégia que se limita à literatura. Um projeto de iniciação científica desenvolvido no Instituto de Química (IQ), também da Unesp de Araraquara, incorporou o jogo de mesa ao ensino da disciplina.

Escolher substâncias adequadas (ácidos) para corroer correntes de metal, datar artefatos antigos por meio de conceitos de radioatividade e queimar magnésio para produzir luz, por exemplo, são algumas das tarefas dos estudantes para seguirem com a história.

As aventuras que aplicam esses conceitos foram criadas pelo hoje professor de ensino médio Eduardo Küll. O trabalho, orientado por Luiz Antônio Andrade de Oliveira, do IQ, foi apresentado em julho de 2010 no 15º Encontro Nacional de Ensino de Química, em Brasília, e alguns de seus aspectos foram mantidos em suas aulas.

“Tento mesclar em minhas explicações uma espécie de RPG, sem que os alunos percebam que estão em um RPG”, diz. Segundo ele, a prática rende melhoras nas notas e no interesse dos alunos. “Um simples debate, jogando dados e desafios, pode render ótimos resultados.”

sexta-feira, 30 de julho de 2010

RPG & Educação : Projeto "RPG Leituras" - A Importância do RPG na Leitura e Escrita

Diversos estudos sobre o desenvolvimento social de um país comprovam que o domínio da leitura e da escrita está intimamente ligado à melhora da qualidade de vida dos cidadãos. Sólidos investimentos em educação resultam em melhoria significativa em diversos aspectos da sociedade, tais como saúde, cultura e lazer, além de aumentar a expectativa de vida, etc.

No que diz respeito ao desenvolvimento pessoal, saber ler e escrever dá, ao indivíduo, os subsídios necessários para que ele possa desempenhar adequadamente o papel dele esperado pelo grupo social em que vive. Além disso, o domínio desses códigos contribui, também, para enriquecer o conhecimento e desenvolver o senso-crítico da pessoa frente à realidade, tirando, assim, o sujeito de uma condição passiva perante o mundo.

A leitura e a escrita são, assim, capacidades indispensáveis para que o indivíduo se adapte e interaja com o meio social. Exatamente por serem uma forma de comunicação e de expressão do homem é que, por meio destes processos, ocorre à compreensão de mundo, a transmissão de valores sociais e culturais, a formulação de sentimentos, sensações e valores, a recepção e transmissão de informações, ou seja, a leitura e a escrita auxiliam e fomentam o processo de desenvolvimento do individuo socialmente. (OLIVEIRA, 1997).

Entre os fatores constantemente apontados entre os principais motivos do atraso do Brasil está a ausência do hábito da leitura na população em geral. Não é de hoje, no entanto, que observamos que, entre os jogadores de RPG, a realidade é bem diferente.

As oficinas de criação de Live-Actions, realizadas pela Confraria das Idéias em bibliotecas do município de São Paulo com apoio da Secretaria Municipal de Cultura, tiveram importante papel na sensibilização de pais e funcionários quanto a esse assunto. As experiências revelaram que, por meio do RPG, os jovens participantes dessas oficinas desenvolveram o gosto pela leitura, pesquisa e escrita, o que resultou no incremento do repertório e das notas escolares desses jovens, além do desenvolvimento de uma postura mais madura e crítica diante de si e da sociedade. Essa situação já foi, inclusive, apontada por educadores e agentes culturais em conferências e simpósios, tais como o I Simpósio de RPG e Educação, organizado pela Ludus Culturalis com apoio da Devir Livraria e da Confraria das Idéias, entre outros.

O RPG exige o exercício constante da imaginação e o contato com o universo das palavras, além da interação com outros indivíduos. Com suas características discursivas, lúdicas e sensoriais, o RPG leva os participantes a desenvolver a imaginação, o raciocínio e a interpretação de fatos e enigmas, além de promover a colaboração não só entre os jogadores, mas também com a comunidade em que vive. Com isso, resgata o gosto pela leitura e ainda promove uma participação direta do jogador de RPG na história, tirando-o de uma postura passiva diante dos fatos.

Ainda não existem estudos científicos que determinem o impacto do RPG sobre o desenvolvimento dos participantes ou possam comprovar o que esses educadores e agentes culturais vêm percebendo ao longo dos últimos 20 anos. Pensando nisso, a Confraria das Idéias dá, agora, início ao projeto “RPG Leituras” que, supervisionado pela psicóloga Tábata de Mello, entrevistará jogadores de RPG e não-jogadores, formando um estudo importante e dimensionando o papel do RPG no universo da leitura e escrita, especialmente no dia-a-dia dos jovens.

Texto: Confrade Tábata
Confrade Godoy

Revisão: Confrade Piu

OLIVEIRA, G. C. Psicomotricidade: educação e produção num enfoque psicopedagógico. 9ª edição. Petrópolis, Editora Vozes, 1997.

Matéria Publicada em 26/06/2008

Fonte: Rede RPG