O leitor típico leva apenas sete horas para ler o
último livro da trilogia "Jogos Vorazes" no leitor digital Kobo — cerca
de 57 páginas por hora. Quase 18.000 leitores que usaram o Kindle, da
Amazon.com, marcaram a seguinte frase do segundo tomo da série de
Suzanne Collins: "Porque, às vezes, acontecem coisas com as pessoas com
as quais elas não estão preparadas para lidar". Já no Nook, o leitor
digital da Barnes & Noble, a maior rede americana de livrarias, a
primeira coisa que a maioria dos leitores faz ao terminar o primeiro
volume da trilogia é baixar o segundo.
Antigamente, nem editora nem autor tinham como saber o que acontece
quando um leitor senta para ler um livro. Desiste depois de três
páginas? Ou termina o livro em uma sentada? A maioria pula a introdução?
Ou a lê com interesse, sublinhando trechos e fazendo anotações nas
margens?
Isso mudou. O livro eletrônico — o "e-book" — abriu uma janela para a
história por trás das cifras de vendas, revelando não só quanta gente
compra um determinado livro, mas com que intensidade a obra foi lida.
Durante séculos, a leitura foi,
basicamente, um ato solitário e privado, uma troca íntima entre o leitor
e as palavras impressas no papel. Mas a popularização do livro digital
provocou uma profunda mudança na modo como se lê, transformando a
atividade em algo mensurável — e de caráter quase público.
Os principais nomes no setor de e-books — Amazon, Apple e Google —
podem facilmente saber o quanto um leitor já avançou no livro, quanto
tempo dedica à leitura e que palavras usou na pesquisa para encontrar a
obra. Aplicativos de leitura para tablets como iPad, Kindle Fire e Nook
registram quantas vezes o leitor abre o aplicativo e quanto tempo passa
lendo. Varejistas, e certas editoras, começam agora a digerir esses
dados, que renderão uma visão sem precedentes da relação do público com
livros.
O meio editorial sempre perdeu para o resto da indústria de
entretenimento na hora de determinar gostos e hábitos do consumidor. Na
televisão, produtores testam incessantemente novos programas em grupos
de discussão; estúdios de cinema submetem filmes a uma bateria de testes
e alteram o produto final com base na reação do público. Já no mundo
editorial, a satisfação do leitor até aqui era avaliada com dados de
vendas e resenhas — o que dá uma medida "post mortem" do êxito, mas não
ajuda a influenciar ou a prever o sucesso. Isso começa a mudar à medida
que editoras e livreiros vasculham a montanha de dados a seu dispor e
que mais firmas tecnológicas entram no negócio.
A Barnes & Noble, dona do leitor digital Nook e de 25% a 30% do
mercado de livros eletrônicos nos Estados Unidos, começou há pouco a
estudar os hábitos de leitura digital do público. Dados colhidos via
Nook revelam, por exemplo, até onde o leitor chega em um determinado
livro e qual a relação de leitores deste ou daquele gênero com o livro.
Jim Hilt, diretor de e-books da empresa, diz que a Barnes & Noble já
começa a dividir suas descobertas com editoras para ajudá-las a criar
livros que prendam mais a atenção das pessoas.
Para a empresa, que busca uma fatia ainda maior do mercado
eletrônico, há muito em jogo. No último ano fiscal, as vendas do Nook
subiram 45% e a de livros digitais para o aparelho, 119%. No todo, a
Barnes & Nobble faturou US$ 1,3 bilhão com Nooks e e-books, em
comparação com US$ 880 milhões no ano anterior. A Microsoft há pouco
pagou US$ 300 milhões por uma fatia de 17,6% do Nook.
Hilt, diz que a empresa ainda está "nos estágios iniciais de um
profundo [processo] de análise" e está vasculhando "mais dados do que
poderia usar". Mas toda essa informação — reunida por grupos de
leitores, não individualmente — já rendeu dados úteis. Algumas
simplesmente confirmam o que o varejo já sabia só de examinar listas de
best-sellers. Um exemplo: quem usa o Nook para ler o primeiro livro de
uma série infanto-juvenil popular como a "Divergente", da escritora
Veronica Roth (que a Rocco lança no Brasil em novembro), tende a emendar
a leitura de um tomo com a do seguinte, quase como se estivesse lendo
um único romance.
Graças à análise de dados gerados pelo Nook, a Barnes & Noble já
descobriu que se o livro é de não ficção a leitura tende a ser
intermitente, que um romance costuma ser lido de uma só vez e que livros
de não ficção tendem a ser abandonados antes. Fãs de ficção científica,
romances populares e policiais costumam ler mais obras, e mais
depressa, do que leitores de ficção literária.
São revelações que já estão influenciando o tipo de obra que a Barnes
& Noble vende no Nook. Hilt diz que quando os dados mostraram que o
leitor volta e meia não chega ao fim de longas obras de não ficção, a
empresa buscou maneiras de envolver mais o leitor de não ficção e longos
ensaios jornalísticos. Daí veio a ideia de lançar a coleção "Nook
Snaps", com obras curtas sobre temas variados como religião e o
movimento Ocupe Wall Street.
Saber exatamente em que ponto o leitor se cansa também poderia ajudar
editoras a criar edições digitais com mais firulas — um vídeo, um link
ou algum outro recurso multimídia, diz Hilt. Daria para saber, por
exemplo, que o interesse em uma série de ficção está caindo se leitores
que compraram e devoraram os dois primeiros volumes de repente perdem o
pique para ler novos tomos da série, ou simplesmente desistam.
"A maior tendência que estamos tentando descobrir é em que ponto
ocorre esse abandono com determinados tipos de livro e o que daria para
fazer com as editoras para evitá-lo", explica Hilt. "Se pudermos ajudar
escritores a criar livros ainda melhores do que hoje, todo mundo ganha".
Tem escritor que adora a ideia. O romancista Scott Turow diz que
sempre achou frustrante a incapacidade do setor de estudar a base de
clientes. "Quando reclamei a um dos meus editores que, depois de tanto
tempo publicando, ele ainda não sabia quem comprava meus livros, ele
respondeu: 'E aí? Ninguém no meio editorial sabe.'". Turow, que é
presidente da associação dos escritores dos EUA, a Authors Guild,
acrescenta: "Se der para saber que um livro é longo demais e que é
preciso ser mais rigoroso no corte, eu, pessoalmente, adoraria ter essa
informação".
Outros temem que esse apego a dados acabe impedindo o escritor de
assumir o risco da criação — risco que produz a grande literatura. Um
livro "pode ser excêntrico, do tamanho que tiver de ser e, nesse
quesito, o leitor não devia meter o bedelho", diz Jonathan Galassi,
diretor de operações da editora Farrar, Straus & Giroux. "Não vamos
encurtar 'Guerra e Paz' só porque alguém não conseguiu chegar ao fim".
A Amazon, em particular, tem uma vantagem na arena: por ser, ao mesmo
tempo, varejista e editora, tem condições únicas de usar dados que
coleta sobre os hábitos de leitura de clientes. Não é segredo que a
Amazon e outras lojas de livros digitais coletam e guardam informações
sobre o consumidor — que livros comprou, que livros leu. Usuários do
Kindle assinam um termo que autoriza a empresa a armazenar dados gerados
pelo aparelho — incluindo a última página lida pelo usuário, além de
seus marcadores, observações e anotações — em servidores da empresa.
A Amazon consegue saber que trechos de livros digitais são populares
com o público leitor — e exibe parte dessa informação publicamente em
seu site.
"Vemos isso como a inteligência coletiva de todas as pessoas que leem pelo Kindle", diz Kinley Pearsall, porta-voz da Amazon.
Certos defensores da privacidade acham que quem lê um livro
eletrônico devia ter a garantia de que seus hábitos de leitura digitais
não serão registrados. "Há um ideal na sociedade de que o que alguém lê
não é da conta de ninguém", diz Cindy Cohn, diretora jurídica da
Electronic Frontier Foundation, uma ONG que defende direitos e a
privacidade do consumidor. "Hoje, não há nenhuma maneira de dizer à
Amazon que eu quero comprar um livro [no site], mas não quero que
xeretem o que estou lendo".
A Amazon não quis comentar a análise e o uso que faz de dados coletados via Kindle.
A migração para o livro digital deflagrou uma verdadeira corrida
entre novas empresas de tecnologia interessadas em faturar com a
montanha de dados reunida por leitores digitais e aplicativos de
leitura. A Kobo, que fabrica leitores, tem um serviço que armazena 2,5
milhões de livros e conta com mais de oito milhões de usuários, verifica
quantas horas os leitores dedicam a este ou àquele título e até onde
avançam na leitura.
Certas editoras já estão começando a testar digitalmente livros antes
de lançar a versão impressa. Mas poucas foram tão longe quanto a
Coliloquy. A editora digital, que vende pelo Kindle, pelo Nook e em
leitores com sistema Android, tem um formato — o "escolha sua própria
aventura" — que permite ao leitor alterar personagens e tramas.
Engenheiros da empresa consolidam os dados obtidos de seleções feitas
por leitores e mandam o resultado para o autor, que pode ajustar a trama
dos próximos livros para refletir a opinião do público.
"Queríamos criar um mecanismo de feedback que até então não existia
entre escritor e leitor", diz Waynn Lue, engenheiro da computação que é
um dos fundadores da Coliloquy.