sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Formação de leitores a domicílio

Gilberto Scofield Jr. e Márcia Abos
20.08.2011


"Não saber ler é como ser cego. Precisamos ser guiados”, diz Maria Alves ao descobrir um mundo novo após ser alfabetizada aos 73 anos. Sua metáfora da cegueira foi confidenciada a Célia Moura Rantzi, uma cabeleireira de 27 anos cuja vida também foi transformada pela leitura e por histórias como a de Maria.

Há quatro meses, Célia trabalha como um dos Agentes de Leitura, programa de formação de leitores do Ministério da Cultura em parceria com governos estaduais e municipais. São Bernardo do Campo, a cidade onde vive, na Grande São Paulo, foi a primeira a colocar o projeto em prática, em maio. São 185 agentes treinados há um ano para atuar como estimuladores de leitura — e divulgadores de livros — em bairros carentes da cidade. Nos próximos meses, o programa começa em mais 14 estados, incluindo o Rio de Janeiro (as inscrições estão abertas para a seleção de agentes) e a expectativa do MinC é ter 15 mil agentes de leitura trabalhando em todo o Brasil até 2014.

O programa segue um modelo implementado em menor escala em 2005 pelo governo do Ceará, seguindo uma ideia do educador Fabiano dos Santos Piuba.

— Martelava na minha cabeça a ideia do agente. Pensava nos da saúde, que vão de casa em casa praticando medicina preventiva. Daí veio a ideia dos agentes de leitura, cujo objetivo principal é formar leitores — afirma Piuba, hoje diretor do Livro, Leitura e Literatura no Ministério da Cultura.
Acervo composto por livros clássicos e de autores da região

O resultado foi tão positivo que o MinC o convidou para aperfeiçoar o programa e torná-lo nacional. O modelo atual, desenvolvido em parceria com a Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio, selecionou e está formando 3.142 agentes em 15 estados brasileiros.

Podem ser agentes de leitura os jovens que tenham ensino médio completo e idade entre 18 e 29 anos. Eles são selecionados por meio de concurso público, com prova escrita, oral e entrevista. Têm preferência jovens cujas famílias recebam o Bolsa Família. Depois de aprovados, o grupo passa por um processo de formação antes de ir a campo. Recebem uma bolsa de R$ 350 ao mês. Usam um boné e uma camiseta para serem facilmente identificados e são guardiões de um acervo de até 100 livros, metade composto por clássicos da literatura brasileira e universal, metade de obras e autores da região onde atuam.

— O agente é uma biblioteca itinerante. O acervo é escolhido em parceria com o município ou estado. Clássicos como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade ou Ruth Rocha dividem espaço nas mochilas com autores de cada região. O Rio Grande do Norte, por exemplo, escolheu muita literatura de cordel. Já no Rio de Janeiro, a literatura de temática urbana contemporânea tem destaque — explica Nilza Rezende, responsável pela coordenação do projeto na PUC-Rio.

Cada agente atende a no máximo 25 famílias que vivem perto de sua casa. São todas cadastradas no Bolsa Família e escolhidas em parceria entre as secretarias da Cultura e do Bem Estar Social. Além das visitas semanais às casas, onde realizam rodas de leitura, contam histórias e emprestam livros, os agentes também atuam em bibliotecas, escolas, centros culturais e comunitários, promovendo saraus literários ou contação de histórias.

— No Ceará, observamos que as crianças das famílias atendidas por agentes apresentaram melhora no rendimento escolar. Muitos adultos analfabetos buscaram cursos de alfabetização estimulados pelos agentes — conta Piuba, que negocia com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) uma parceria para poder medir os resultados do projeto no Brasil.

Quem olha o trabalho dos agentes não deixa de se surpreender com a receptividade à iniciativa, a animada algazarra de crianças e adultos diante do contador de histórias. Afinal, não deixa de ser irônico a festa em torno de uma mídia tradicional num momento em que se discute o futuro do próprio livro num mundo cada vez mais digitalizado. Mas esta realidade ainda é um sonho distante nas comunidades carentes do país, onde o velho e bom livro — e o contador de histórias — são os protagonistas de um projeto que pode ser transformador.

Uma das principais pesquisadoras da formação de leitores no Brasil, Marisa Lajolo, da Unicamp, elogia o formato do Agentes de Leitura, mas diz que a existência do programa expõe as deficiências do sistema educacional brasileiro.

— Se tivéssemos bons professores não precisaríamos de agentes da leitura. O melhor exemplo disso é que todas as escolas bem avaliadas não precisam de gente de fora para promover a leitura. Ela mesma se encarrega disto — afirma.

Lembrando a instabilidade no repasse de verbas para outro programa de estímulo à leitura, o Proler, da Fundação Biblioteca Nacional (criado em 1992), ela diz ainda que um desafio da área é garantir a continuidade das ações.

— Para isto é preciso algo mais do que vontade política. Neste momento, há um capital grande interessado nisso: a indústria livreira, ameaçada pelo livro digital — constata.

Em São Bernardo do Campo, por exemplo, a previsão é de que o programa seja renovado por mais um ano e o número de agentes passe de 185 para 400 — mas a falta de bibliotecas em bairros carentes como Baeta Neves e Alvarenga levanta uma interrogação sobre como os leitores formados pelo programa poderão manter o hábito de ler.

Fabiano dos Santos Piuba, criador do programa e diretor do Livro, Leitura e Literatura no Ministério da Cultura, pretende acompanhar o desempenho das crianças atendidas por agentes em avaliações como a Prova Brasil. Também negocia uma parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para produzir pesquisas sobre o projeto.

Medir os resultados é um desafio. Números positivos podem estimular governos estaduais e federais a investir, em parceria com o governo federal, no programa ou em iniciativas semelhantes. No momento, a maior parte da verba vem do Ministério da Cultura, via Fundo Nacional de Cultura. A contrapartida é de 1/3 por parte de estados e 20% pelos municípios.

Cada agente de leitura custa R$ 7 mil reais por ano, incluindo seleção, material e capacitação. Em um ano, o projeto em 15 estados com 3.142 agentes custará R$ 22,2 milhões.
Para o escritor Francisco Gregório Filho, um dos fundadores do Proler, hoje há por parte do governo e da sociedade civil uma preocupação maior em relação à leitura.

— Há uma determinação política para investir em formação de leitores. Daí a criação de novos programas, como o Agentes de Leitura, capaz de complementar outros como, por exemplo, o Proler, que teve seus percalços, mas voltou a se fortalecer — diz.

sábado, 20 de agosto de 2011

Formar jovens leitores

MÁRCIA LORCA

Uma das buscas constantes do trabalho do professor é manter o gosto pela leitura nos alunos. É fato que, no início do ensino fundamental, essa competência se forma motivada pelas atividades desenvolvidas pelo professor em sala de aula. Entretanto, o problema emerge na passagem para os quatro últimos anos do mesmo ensino fundamental, momento em que o adolescente deixa de gostar de ler, abandonando os livros ao pó das prateleiras.
 
 
Nessa fase, o aluno passa a ter novos focos de interesse e a escola, que antes recebia a maior parte de sua energia curiosa, fica em segundo plano. Em consequência, a leitura, especialmente de obras literárias, diminui consideravelmente. Eis a grande inquietação de professores, pais e demais  educadores: por que a leitura é abandonada? O que motiva o aluno a criar,em alguns casos, aversão a isso?

Várias são as pesquisas em busca de identificar os fatores que incentivam o aluno à leitura. Elas apontam normalmente as influências da família, com a presença de pais leitores; o acesso direto aos livros; o trabalho pedagógico da escola e do professor; entre tantas outras. O que pouco se discute são as causas desse distanciamento entre o adolescente e o livro literário.

Como ponto de partida para tal discussão, seria ingênuo desconsiderar a fase de desenvolvimento por que passam os adolescentes. O momento é de busca da autocompreensão, da independência e da escolha de suas ideologias e filosofias vitais, isso sem contar as interferências tecnológicas muito mais atraentes. A energia passa a se concentrar em novos focos, especialmente no conhecimento do outro e da descoberta das emoções no envolvimento com o outro. E aqui ler não é, nem faz parte do gasto dessa energia.

Para acalorar a discussão, trago para a cena desse embate o trabalho docente com a leitura literária. Com raras exceções, o professor é quem mutila qualquer desejo de ler ao escolher as leituras obrigatórias que serão trabalhadas em sala de aula. A escolha não parte de um diagnóstico a respeito do gosto literário do aluno, mas é direcionada pela preocupação essencialmente pedagógica e, nos casos do ensino médio, fundamentada pelo vestibular. Buscar livros que eduquem moralmente nossos alunos ou pautar-se nas famosas listas de vestibular não é estímulo para a formação de leitores.

O que um educador deixa de lado é o fato de que, pela passagem ao longo dos anos escolares iniciais, o aluno forma gostos muito individuais sobre o que quer ler, sobre os temas que lhe são pertinentes determinados pela idade, crença ou sexo. Pesquisar esses gostos e investir neles pode ser um caminho na busca de, não apenas formar, mas ir além da construção de leitores críticos e vorazes por livros.

Dar as costas para os livros recém-lançados também não pode ser postura de formadores de leitores. É preciso lembrar que as obras não nasceram velhas, houve época em que se configuravam também como novas produções e que, muitas vezes, foram tomadas como expressões não artísticas, fora dos cânones estabelecidos pela crítica.

Ampliar nossas visões sobre livros e literatura é condição imprescindível para transformar mal  “ledores” em leitores. Quem sabe a aversão à leitura literária não seja reflexo da faltade criatividade nas formas de avaliar, responsáveis por destituir o livro como fonte de vivências e experiências que ampliam o horizonte de quem lê?

Márcia Lorca é mestre pela Unesp de Assis, pesquisadora da área de Literatura Infantil e Juvenil e professora de Literatura do ensino médio em Araçatuba

Professores e pais estimulam jovens a ler em Rio Preto

Depois de uma nota baixa na escola, estudante adquiriu prazer pelos livros

Suelen Silveira / TV TEM



Atrair os jovens para a leitura se tornou um desafio para os pais e professores. Como mostrar que um livro é interessante com acesso tão fácil à internet, por exemplo, cheia de fotos, sons e vídeos?

Na Biblioteca Municipal de São José do Rio Preto, é possível retirar bons livros sem pagar nada. É por meio da leitura que conhecemos novas palavras e ampliamos o vocabulário. Os livros também estimulam a criatividade, ajudam a formar opinião, ter um posicionamento sobre diferentes temas.

Uma das formas encontradas foi aliar as duas ferramentas, como as histórias de Harry Potter, que já atraíram milhões de telespectadores aos cinemas e já venderam mais de 400 milhões de livros.

Os recursos para incentivar a leitura estão cada vez mais fascinantes. Os tradicionais livros de papel dão lugar para outros bem diferentes; por exemplo, há publicações que podem ser levadas para piscina ou para o banho, porque as páginas são impermeáveis.

Em outro caso, a criança pode contar sua própria versão, com o fantoche que vem com o livro. Desta forma, os pequenos aprendem como a leitura pode levar a conhecer mundos bastante interessantes.

De algumas caixas, saem histórias fantásticas. Basta soltar a imaginação. Cada aluno interpreta o conto do jeito que quiser e mostra o resultado com as maquetes. Crianças e jovens brasileiros estão lendo mais. No ano passado, foram lançados 12 mil novos títulos no país, sendo 2,5 mil direcionados ao público mais novo.

E ao contrário do que muita gente imaginava, o computador não substitui o livro na vida dos jovens. Aliás, pode ser um bom aliado. Luis Antonio Gonçalves Neto é um leitor que surpreende: já leu mais de 2 mil livros. No blog, ele exercita outra paixão: a escrita. O estudante lê em média dois livros por dia, e o responsável por esse resultado é o pai. Depois de uma nota baixa na escola, ele obrigou o filho a ler dez livros. Aí, o adolescente não parou mais.

Alunos de Cesário Lange saem pelas ruas para contar histórias



Histórias como ferramentas de ensino. É assim que a cultura popular é tratada numa escola municipal de Cesário Lange. Os alunos não só conhecem o folclore regional, como saem pelas ruas da cidade contando causos.

Só mesmo uma boa história consegue deixar as crianças hipnotizadas. São contos, fábulas, crônicas, lendas e até piadas. Textos diversificados que incentivam, principalmente, a pesquisa e a leitura.

Das escolas, as crianças também saem as ruas e contam histórias para todo mundo ouvir. Seja para quem está na janela de casa, na fila dos correios e na Praça de Cesário Lange.

Contar histórias incentiva a escrita, a leitura, proporciona a interação com as pessoas e leva, crianças e adultos, ao mundo da imaginação.

Fonte: Tem Notícias

Leitura é estimulada por contadores de histórias na região noroeste

Suélen Silveira / TV TEM



Quantos livros você já leu neste ano? Infelizmente muitos responderão nenhum. E mudar esta realidade é o desafio de um grupo de contadores de histórias. Eles frequentam áreas de lazer da região noroeste em busca de novos leitores. Para ser um contador de histórias não basta apenas ler, tem que interpretar, viver o personagem ou vários personagens ao mesmo tempo. No caso de Tatiana Barbosa, é quase um teatro.

Enredos que provocam reações no público. Eles cantam juntos. E também dão sua contribuição para compor a história. Ao ar livre é que a ‘contação' de histórias acontece, bem no bosque da cidade. Os pais vêm para passear com as crianças e todos acabam passando um dia bem diferente, cheio de lazer e de descobertas com as histórias que ouvem. Ana clara, de apenas 6 anos, foi atraída pelo novo.

Mas a literatura não foi novidade só para menina. No alto da experiência dos 87 anos, Anália da Silva parou para aprender histórias que nunca tinha ouvido. E até quem esperava que era só público, de repente, se torna autor de uma história bem personalizada. Marcos Paulo tem só 9 anos. Mas impressionou a todos. O menino é um exemplo em um país onde quase metade da população não lê livros regularmente, segundo o Ibope. A ideia do projeto de incentivo à leitura é desta bibliotecária.

Quer se juntar aos contadores de histórias, basta ligar para o telefone (17) 3202-2316. O próximo encontro será no domingo (28), na Cidade das Crianças. Na tarde desta quinta-feira (11), a Biblioteca realiza o projeto "A Hora do Conto", a partir das 15h, na seção infantil.

Fonte: Tem Notícias

Araçatuba cria pontos de leitura para população

Patrícia Mendonça / TV TEM



Ler é uma atividade que só faz bem: além de relaxar, as pessoas aprendem muito com os livros. O problema é que no Brasil, eles são muito caros e nem todo mundo tem como ir até a biblioteca. Por isso, um projeto está levando a literatura para diversos pontos em Araçatuba.

É ao ar livre que Madalena Carlini gosta de ter a boa companhia de um livro. Por meio das palavras de grandes escritores, ela tem momentos de prazer. O gosto pela literatura é tanto que Mardalena decidiu dividir com pessoas que muitas vezes nem conhece. Ela colocou em prática um desejo antigo. Trouxe para uma praça um ponto de leitura.

Qualquer pessoa pode escolher um livro e ler em casa. Simples assim. A única exigência é que depois eles sejam devolvidos à geladeira, como alimentos para outras mentes. A ideia deu tão certo, que os livros doados quase não param lá. A Secretaria de Cultura já tinha um projeto parecido. Agora, outros 5 pontos de leitura estão funcionando. Entre os locais está o Pronto-Socorro Municipal. Lá, os pacientes e os funcionários ficam bem perto dos livros. É difícil resistir à uma boa história.

Fonte: Tem Notícias

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

RPG “ensina” Machado de Assis

Luiz Gustavo Cristino

Com o objetivo de incentivar a leitura das obras do autor, pesquisador da Unesp de Araraquara leva a prática do jogo de mesa para as salas de aula e transforma contos em aventuras


Em vez de uma terra distante, na Idade Média, o cenário é o Rio de Janeiro do século 19. E, no lugar de controlar poderosos magos, elfos ou arqueiros, assume-se o papel de Brás Cubas, Bentinho ou Capitu. Tudo isso em plena sala de aula. É mais ou menos essa a proposta de uma pesquisa feita pela Unesp em Araraquara que buscou adaptar a estratégia dos jogos de RPG (nos quais essas figurinhas mágicas ou guerreiras são carimbadas) para despertar em alunos do ensino médio o interesse por Machado de Assis.

O autor do estudo, Victor Caparica, conta que o RPG foi a forma encontrada para agregar um outro tipo de valor à obra machadiana. “Não que ela não tenha valor por si, muito pelo contrário, mas, numa geração de Harry Potter e O Código Da Vinci, que são livros de grande apelo aventureiro, é necessária uma maneira diferente de despertar nesses alunos o interesse para esse tipo de literatura”, explica o bacharel e licenciado em Língua e Literatura Romana e em Língua e Literatura Portuguesa.

Para Maria de Lourdes Baldan, professora da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus de Araraquara e orientadora do projeto, adotar o jogo no ensino da literatura é interessante por facilitar a familiarização dos alunos com aspectos como a organização narrativa, os tipos de narração e a composição de personagens.

No caso específico de Machado, a estratégia é particularmente vantajosa considerando o grau de adaptabilidade de suas obras a aventuras de RPG. “Ele é um autor que aprofunda a composição de personagens e explora menos a complexidade de enredos”, diz a pesquisadora. “Além disso, o interesse dos alunos pelo jogo é muito grande, e só isso já torna a ferramenta útil para os professores”, completa.

O trabalho, que integrou o estágio obrigatório para a obtenção do diploma de licenciatura de Caparica ao seu projeto de iniciação científica, adaptou enredos de contos do autor carioca para esses jogos de mesa. As adaptações foram oferecidas a um grupo de 28 alunos do primeiro ano do ensino médio da Escola Estadual Bento de Abreu, em Araraquara.

Interpretando personagens

Existentes no mundo desde a década de 1970, os Role Playing Games (jogos de interpretação de personagens, em tradução livre) ganharam o Brasil nos anos 1990, e não param de ser difundidos desde então. Neles, um grupo de jogadores, orientado por um enredo inicial predeterminado, cria seus personagens e age com um objetivo em comum, que é o de construir uma história ao fim da qual o grupo deve triunfar (por exemplo, derrotar um dragão).

Mas nem sempre isso acontece. Uma vez iniciada a partida, a história passa a se desenrolar de acordo com o caminho escolhido por cada herói, e eles dependem também da sorte para serem bem sucedidos. Jogadas de dados, entre outras variáveis que podem estar presentes nas regras do jogo, determinam se a ação desejada pelos jogadores realmente ocorrerá – em caso negativo, eles terão de enfrentar adversidades e procurar outros modos para alcançar a vitória. Para garantir que tudo isso ocorra de forma organizada, uma pessoa faz o papel de mestre – o “ juiz” do RPG, que ajuda a definir os rumos do jogo.

Foi nesse contexto que os contos machadianos “Pai Contra Mãe”, “O Enfermeiro” e “A Causa Secreta” foram apresentados aos adolescentes na pesquisa. Divididos em cinco grupos, eles foram instigados a jogar de acordo com o roteiro de cada uma daquelas histórias. Na pesquisa, Caparica contou com a ajuda de amigos, todos jogadores de RPG, como ele, que fizeram o papel de mestres de cada grupo.

Como no RPG todos os personagens são heróis, a figura do protagonista foi diluída em cinco ou seis personagens. No caso de “Pai Contra Mãe”, por exemplo, em vez de apenas uma pessoa – o protagonista Candinho –, foi “enviada” uma equipe para encontrar a escrava fugida. Os mestres descreviam as situações que o grupo enfrentaria – como as dificuldades financeiras da família de Candinho e a recompensa que o aguardaria caso ele capturasse a escrava –, e os jogadores tomavam suas decisões.

“No fim, nunca havia dois grupos com finais idênticos”, afirma o pesquisador. “Alguns grupos até decidiram ajudar a escrava a escapar, ao contrário do que fez o protagonista do conto”, conta ele. “Até porque os alunos tendem a levar a história para a comicidade, o que considero um hábito saudável.”

Só após sete aulas, que serviram para introduzir as regras gerais do RPG, realizar partidas independentes da literatura e então permitir que todos os grupos jogassem com os três enredos, Caparica entregou a cada aluno uma cópia dos contos, explicando, pela primeira vez, que os jogos eram baseados naquelas histórias. “Eu disse: ‘Agora, se vocês quiserem saber como terminam de verdade as histórias que vocês conheceram, leiam estes contos de Machado de Assis’”, conta ele. “Um aluno, inevitavelmente, perguntou ‘Vai ter prova?’, e eu respondi que não.”

O pesquisador diz considerar pouco produtivo tentar convencer os alunos de que eles devem ler porque serão cobrados em avaliações. “Atualmente, é muito fácil entrar na internet e ler resumos”, justifica. Mas a tática já tinha dado certo. No fim, segundo ele, dos 28 alunos, 25 haviam voltado na semana seguinte com os três contos lidos. “Uma vez que você puxa o interesse do aluno e ele começa a ler, o Machado já se vende sozinho. Não é à toa que é o Machado de Assis.”

Fórmulas no lugar de dados

Usar RPG como ferramenta de ensino não é uma estratégia que se limita à literatura. Um projeto de iniciação científica desenvolvido no Instituto de Química (IQ), também da Unesp de Araraquara, incorporou o jogo de mesa ao ensino da disciplina.

Escolher substâncias adequadas (ácidos) para corroer correntes de metal, datar artefatos antigos por meio de conceitos de radioatividade e queimar magnésio para produzir luz, por exemplo, são algumas das tarefas dos estudantes para seguirem com a história.

As aventuras que aplicam esses conceitos foram criadas pelo hoje professor de ensino médio Eduardo Küll. O trabalho, orientado por Luiz Antônio Andrade de Oliveira, do IQ, foi apresentado em julho de 2010 no 15º Encontro Nacional de Ensino de Química, em Brasília, e alguns de seus aspectos foram mantidos em suas aulas.

“Tento mesclar em minhas explicações uma espécie de RPG, sem que os alunos percebam que estão em um RPG”, diz. Segundo ele, a prática rende melhoras nas notas e no interesse dos alunos. “Um simples debate, jogando dados e desafios, pode render ótimos resultados.”

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ler por Luís Fernando Veríssimo

Ler...
Ler é o melhor remédio.
Leia jornal...
Leia outdoor...
Leia letreiros da estação do trem...
Leia os preços do supermercado...
Leia alguém!
Ler é a maior comédia!
Leia etiqueta jeans...
Leia histórias em quadrinhos...
Leia a continha do bar...
Leia a bula do remédio...
Leia a página do ano passado perdida no canto da pia enrolando chuchus...
Leia a vida!
Leia os olhos, leia as mãos.
Os lábios e os desejos das pessoas...
Leia a interação que ocorre ou não entre física, geografia, informática,
trabalho, miséria e chateação...
Leia as impossibilidades...
Leia ainda mais as esperanças...
Leia o que lhe der na telha...
...mas leia, e as idéias virão!

domingo, 7 de agosto de 2011

Poucos amigos

Matéria publicada em 03/08/2011

J.R. Guzzo

"Ninguém se coloca hoje como inimigo dos livros; mas é certo que muitos se beneficiam com o fato de que a leitura, nestes dias, tem poucos amigos na praça."

Numa dessas anotações que certamente contribuíram para lhe dar a reputação de grande fotógrafo da existência humana em sua época, Stendhal observou que a Igreja Católica aprendeu bem depressa que o seu pior inimigo eram os livros. Não os reis, as guerras religiosas ou a competição com outras religiões; isso tudo podia atrapalhar, claro, mas o que realmente criava problemas sérios eram os livros. Neles as pessoas ficavam sabendo de coisas que não sabiam, porque os padres não lhes contavam, e descobriam que podiam pensar por conta própria, em vez de aceitar que os padres pensassem por elas. Abria-se para os indivíduos, nesse mesmo movimento, a possibilidade de discordar. Para quem manda, não pode haver coisa pior – como ficou comprovado no caso da Igreja, que foi perdendo sua força material sobre países e povos, e no caso de rodas as ditaduras, de ontem, de hoje e de amanhã. Stendhal estava falando, na sua França de 200 anos atrás, de algo que viria a evoluir, crescer e acabar recebendo o nome de “opinião pública”. Os livros, ou, mais exatamente, a possibilidade de reproduzir de forma ilimitada palavras e ideias foram a sua pedra fundamental.

A leitura de livros, ou de qualquer coisa escrita, não parece estar num bom momento no Brasil de hoje; a opinião pública também não. Vive-se uma época em que a cada três meses é anunciada alguma “revolução” nisso ou naquilo, depois da qual o mundo nunca mais “será o mesmo” de antes. Quando tais portentos envolvem áreas ligadas à comunicação, sempre se insiste, de um jeito ou de outro, em prever que a leitura está a caminho de se transformar num hábito do passado. Cada vez mais, no dia a dia, sua valorização posta de lado – ou “relativizada”, como se diz. É comum, por exemplo, ouvir declarações lamentando que árvores sejam cortadas para produzir papel destinado à impressão; a única forma aceitável de leitura, para muita gente boa, deveria ser a tela de algum artefato digital. Empresas de grande renome não consideram uma virtude, no julgamento de seus executivos, o gosto pela leitura, a não ser que se trate de publicações profissionais. Não passa pela cabeça de nenhum recrutador perguntar a um candidato a emprego o que ele está lendo, por mais alto e bem pago que seja o posto a ser preenchido. É claramente desaconselhável ao funcionário, no ambiente de trabalho, deixar sobre a mesa qualquer livro que não seja diretamente ligado à sua atividade. Arrisca-se, caso contrário, a ser interrogado pelo chefe: “Por que você está lendo isso?”. Nas novelas de televisão, que continuam sendo o principal entretenimento para milhões de brasileiros, jamais se vê um personagem lendo um livro. Discute-se com muito calor, no momento, quantos beijos entre pessoas do mesmo sexo podem ser dados num capítulo, ou se um casal gay pode aparecer tomando o café da manhã na cama; prega-se, ao longo da trama, todo tipo de causa, da defesa das geleiras à política de cotas raciais, da preservação dos mangues à condenação da gordura trans. O que não aparece, de jeito nenhum, é alguém lendo alguma coisa. O ato de ler também está banido da publicidade de consumo; há uma clara preferência, aí, por algo que se parece muito com um culto intensivo à boçalidade. Da atitude geral do governo diante da leitura, então, é melhor nem falar; registre-se, em todo caso, sua profunda satisfação em anunciar, sempre que é incomodado pelo noticiário de escândalos publicado na imprensa, que “o brasileiro não lê nada”.


Naturalmente, ninguém se coloca hoje como inimigo dos livros; mas é certo que muitos se beneficiam com o fato de que a leitura, nestes dias, tem poucos amigos na praça. Quanto menos se lê, menos ideias são mantidas em circulação. Quanto menos ideias, menos espaço sobra para a discordância, a procura de alternativas e a fiscalização dos atos do governo. O resultado, na prática, é uma indiferença generalizada em relação ao comportamento de quem governa. Não há muito a fazer quanto a isso. A opinião pública não tem nenhuma obrigação de pensar assim ou assado, muito menos de estar “certa” – ela é o que é, e parece perfeitamente inútil esperar que sinta o que não sente, ou que queira o que não quer. Essas realidades, entretanto, têm o seu preço. No caso do Brasil atual, o desinteresse pelo que acontece na vida pública é pago com a multiplicação, em ritmo cada vez mais rápido, de todo tipo de parasitas dedicados a prosperar com o dinheiro do Erário. É certo que eles não irão embora por sua livre e espontânea vontade.
Fonte: Veja