20.08.2011
"Não saber ler é como ser cego. Precisamos ser guiados”, diz Maria Alves ao descobrir um mundo novo após ser alfabetizada aos 73 anos. Sua metáfora da cegueira foi confidenciada a Célia Moura Rantzi, uma cabeleireira de 27 anos cuja vida também foi transformada pela leitura e por histórias como a de Maria.
Há quatro meses, Célia trabalha como um dos Agentes de Leitura, programa de formação de leitores do Ministério da Cultura em parceria com governos estaduais e municipais. São Bernardo do Campo, a cidade onde vive, na Grande São Paulo, foi a primeira a colocar o projeto em prática, em maio. São 185 agentes treinados há um ano para atuar como estimuladores de leitura — e divulgadores de livros — em bairros carentes da cidade. Nos próximos meses, o programa começa em mais 14 estados, incluindo o Rio de Janeiro (as inscrições estão abertas para a seleção de agentes) e a expectativa do MinC é ter 15 mil agentes de leitura trabalhando em todo o Brasil até 2014.
O programa segue um modelo implementado em menor escala em 2005 pelo governo do Ceará, seguindo uma ideia do educador Fabiano dos Santos Piuba.
— Martelava na minha cabeça a ideia do agente. Pensava nos da saúde, que vão de casa em casa praticando medicina preventiva. Daí veio a ideia dos agentes de leitura, cujo objetivo principal é formar leitores — afirma Piuba, hoje diretor do Livro, Leitura e Literatura no Ministério da Cultura.
Acervo composto por livros clássicos e de autores da região
O resultado foi tão positivo que o MinC o convidou para aperfeiçoar o programa e torná-lo nacional. O modelo atual, desenvolvido em parceria com a Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio, selecionou e está formando 3.142 agentes em 15 estados brasileiros.
Podem ser agentes de leitura os jovens que tenham ensino médio completo e idade entre 18 e 29 anos. Eles são selecionados por meio de concurso público, com prova escrita, oral e entrevista. Têm preferência jovens cujas famílias recebam o Bolsa Família. Depois de aprovados, o grupo passa por um processo de formação antes de ir a campo. Recebem uma bolsa de R$ 350 ao mês. Usam um boné e uma camiseta para serem facilmente identificados e são guardiões de um acervo de até 100 livros, metade composto por clássicos da literatura brasileira e universal, metade de obras e autores da região onde atuam.
— O agente é uma biblioteca itinerante. O acervo é escolhido em parceria com o município ou estado. Clássicos como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade ou Ruth Rocha dividem espaço nas mochilas com autores de cada região. O Rio Grande do Norte, por exemplo, escolheu muita literatura de cordel. Já no Rio de Janeiro, a literatura de temática urbana contemporânea tem destaque — explica Nilza Rezende, responsável pela coordenação do projeto na PUC-Rio.
Cada agente atende a no máximo 25 famílias que vivem perto de sua casa. São todas cadastradas no Bolsa Família e escolhidas em parceria entre as secretarias da Cultura e do Bem Estar Social. Além das visitas semanais às casas, onde realizam rodas de leitura, contam histórias e emprestam livros, os agentes também atuam em bibliotecas, escolas, centros culturais e comunitários, promovendo saraus literários ou contação de histórias.
— No Ceará, observamos que as crianças das famílias atendidas por agentes apresentaram melhora no rendimento escolar. Muitos adultos analfabetos buscaram cursos de alfabetização estimulados pelos agentes — conta Piuba, que negocia com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) uma parceria para poder medir os resultados do projeto no Brasil.
Quem olha o trabalho dos agentes não deixa de se surpreender com a receptividade à iniciativa, a animada algazarra de crianças e adultos diante do contador de histórias. Afinal, não deixa de ser irônico a festa em torno de uma mídia tradicional num momento em que se discute o futuro do próprio livro num mundo cada vez mais digitalizado. Mas esta realidade ainda é um sonho distante nas comunidades carentes do país, onde o velho e bom livro — e o contador de histórias — são os protagonistas de um projeto que pode ser transformador.
Uma das principais pesquisadoras da formação de leitores no Brasil, Marisa Lajolo, da Unicamp, elogia o formato do Agentes de Leitura, mas diz que a existência do programa expõe as deficiências do sistema educacional brasileiro.
— Se tivéssemos bons professores não precisaríamos de agentes da leitura. O melhor exemplo disso é que todas as escolas bem avaliadas não precisam de gente de fora para promover a leitura. Ela mesma se encarrega disto — afirma.
Lembrando a instabilidade no repasse de verbas para outro programa de estímulo à leitura, o Proler, da Fundação Biblioteca Nacional (criado em 1992), ela diz ainda que um desafio da área é garantir a continuidade das ações.
— Para isto é preciso algo mais do que vontade política. Neste momento, há um capital grande interessado nisso: a indústria livreira, ameaçada pelo livro digital — constata.
Em São Bernardo do Campo, por exemplo, a previsão é de que o programa seja renovado por mais um ano e o número de agentes passe de 185 para 400 — mas a falta de bibliotecas em bairros carentes como Baeta Neves e Alvarenga levanta uma interrogação sobre como os leitores formados pelo programa poderão manter o hábito de ler.
Fabiano dos Santos Piuba, criador do programa e diretor do Livro, Leitura e Literatura no Ministério da Cultura, pretende acompanhar o desempenho das crianças atendidas por agentes em avaliações como a Prova Brasil. Também negocia uma parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para produzir pesquisas sobre o projeto.
Medir os resultados é um desafio. Números positivos podem estimular governos estaduais e federais a investir, em parceria com o governo federal, no programa ou em iniciativas semelhantes. No momento, a maior parte da verba vem do Ministério da Cultura, via Fundo Nacional de Cultura. A contrapartida é de 1/3 por parte de estados e 20% pelos municípios.
Cada agente de leitura custa R$ 7 mil reais por ano, incluindo seleção, material e capacitação. Em um ano, o projeto em 15 estados com 3.142 agentes custará R$ 22,2 milhões.
Para o escritor Francisco Gregório Filho, um dos fundadores do Proler, hoje há por parte do governo e da sociedade civil uma preocupação maior em relação à leitura.
— Há uma determinação política para investir em formação de leitores. Daí a criação de novos programas, como o Agentes de Leitura, capaz de complementar outros como, por exemplo, o Proler, que teve seus percalços, mas voltou a se fortalecer — diz.
Fonte: Prosa online