Simca número 34, Nelson Barro. Praticamente sinônimos por muito tempo. O último Desafio foi bem fácil e trouxe consigo uma história muito bacana de um homem apaixonado pelo automobilismo. Reproduzo na íntegra o texto publicado no ótimo site Caminhos de Guaporé, com imagens gentilmente enviadas a este pelo André Barro, filho de Nelson.
“Entre o Médico e o Prefeito, havia o Piloto. O jovem profissional que via na velocidade a sua grande paixão. Primeiro com um Simca e depois com um Fórmula Ford, foi vivendo intensamente seu esporte”.
Assim publicou o Jornal Zero Hora na década de 70, referindo-se ao jovem idealizador
NELSON LUIZ BARRO; Médico, Prefeito de Guaporé, piloto de automóvel, presidente da AGA por diversas vezes e Campeão Gaúcho de Automobilismo.
Nelson Luiz Barro nasceu no dia 20 de dezembro de 1937, em Caxias do Sul-RS, e concretizou em Guaporé o seu maior sonho: foi no dia 17 de outubro de 1976, quando roncaram os motores de vinte Fórmulas Ford, inaugurando o Autódromo de Guaporé, o primeiro do interior gaúcho e o primeiro do interior Brasileiro totalmente asfaltado.
Muito antes, na década de 60,
Nelson Barro já respirava velocidade, época em que eram realizados "grandes pegas" em pista de terra, improvisada junto ao Campo de Aviação de Guaporé e as ruas da cidade eram o local escolhido para servir de circuito nas hilariantes corridas de Lambreta e Motociclos. E foi numa destas corridas improvisadas que surgiu a ideia da criação do "Autódromo de Guaporé".
Casado com Juliana e pai de dois filhos, June e André, Nelson começou sua carreira em 1968, nas “3 Horas de Rio Grande”, onde nem sequer se classificou para a prova. Nelson não desistiu, e não muito depois, acompanhado do seu fiel escudeiro, um Simca Emi-Sul 1967, começou a somar vitórias e segundos lugares que não terminaram mais. Era o início de uma carreira brilhante no automobilismo, sempre representando com orgulho o município que adotara como “seu”.
Em 1969 destacou-se numa prova realizada em Curitiba-PR, chegando em terceiro lugar geral na categoria estreantes e segundo em sua categoria, diante de um público de 65 mil pessoas. Ganhou pela primeira vez uma corrida nos “500 Quilômetros de Joaçaba”, ainda em 1969, auxiliado por Edson Rodrigues, Argemiro Frizon, Avelino Sonáglio e Osmar Chiarello, entre outros. Participou também em 1969 da prova “4 horas de Florianópolis”, em Santa Catarina, fazendo dupla com José Antônio Madrid, no lendário Simca número #34.
Mas seu maior feito ainda estava por vir. Depois de alguns anos acumulando experiência pelas pistas do Brasil, Nelson sagrou-se
Campeão Gaúcho de Automobilismo em 1970, para orgulho dos guaporenses e como prêmio por sua perseverança e amor ao esporte motor. Nelson ganhou a primeira etapa do Campeonato Gaúcho em Tarumã e garantiu o título com um terceiro lugar na prova de encerramento.
O jovem piloto teve participações também nos Rallyes que cruzavam pelas empoeiradas estradas de chão batido do Rio Grande do Sul, sendo o mais significativo deles o “Rallye da Boa Vizinhança” que passava por Guaporé. Foi segundo duas vezes no “Circuito Vale das Antas” e quinto no “Circuito Encosta da Serra”. Nelson era tão fascinado pelo automobilismo que chegou a organizar, junto com seus companheiros, um Rallye com sede em Guaporé.
Em 1971, participou das 12 horas de Tarumã, fazendo trio com os pilotos Arino Panatto e Cesar Pegoraro, a bordo de um Alfa Romeo patrocinado pela Primorosa, conquistando o primeiro lugar na classe B, categoria de 1601cc até 3000cc.
Um pouco antes, em primeiro de setembro de 1969 fundou a
AGA (Associação Guaporense de Automobilismo), durante um jantar no Clube União Guaporense, reunindo cerca de 100 pessoas. Em seu discurso, o idealizador
Nelson Luiz Barro disse que o objetivo era
“motivar todos os segmentos da sociedade, desde o vigário, passando pelo Prefeito até o engraxate".
Foi o que aconteceu. Guaporé, historicamente dividida por questões políticas, se reuniu então em torno de uma obra grandiosa. A comunidade foi sensível ao chamamento das lideranças de então e o resultado apareceu: imponente, surgiu o "Autódromo de Guaporé". A Administração Municipal estava a cargo de Otolip Dalbosco, de partido oposto, mas que apoiou incondicionalmente a ideia de Nelson.
Em 21 de dezembro de 1969, finalmente era realizada uma corrida no autódromo de chão batido, construído em mutirão, em apenas 3 meses. A prova se chamou “3 Horas de Guaporé” e teve a participação de 72 carros. Era dia de inauguração, muita gente ansiosa e apreensiva. Poucos haviam presenciado uma corrida oficial de automóveis antes. O "antigo aeroporto" era agora, palco do automobilismo.
No ano de 1976 idealiza seu grande sonho: a inauguração do autódromo asfaltado, em 17 de dezembro. Guaporé ganhava as manchetes dos jornais, como destacou na véspera da inauguração o Jornal Zero Hora:
“Vale a pena ir até lá. Crianças claras e de olhos azuis acompanham nas esquinas, a passagem dos carros de corrida sobre os reboques. Os Jipes da Prefeitura correm para todos os lados, procurando atender os visitantes. O movimento é incomum na cidadezinha: há filas de carros no trecho de três quilômetros que liga o centro ao autódromo. As vidraças das velhas casas comerciais, de madeira, estão cheias de cartazes sobre o autódromo. Tudo feito às pressas, na base do entusiasmo. Todos ajudam. Quinta-feira à noite, com luz dos faróis dos carros, alunos da Escola Agrícola e seminaristas pintavam os guard-rails e colocavam leivas no acostamento. A única sinaleira foi consertada. Os buracos das obras da Telefônica, bem no centro, estão cobertos. As patrolas da Prefeitura trabalham dia e noite para ajeitar a estrada de acesso ao autódromo. E para quem quiser ir lá, a senha é: visitante. Basta isto para ser bem recebido. Por isto é que vale a pena, não só pela corrida, assistir a inauguração do autódromo de Guaporé”.
No dia seguinte à inauguração, a manchete no jornal Zero Hora, novamente destacava o feito conseguido pelo jovem entusiasta:
“Houve bandas de música, o alarido do público, o ronco dos motores, autoridades, grande público e dirigentes. Mas em meio a tudo isso, um homem estava por demais emocionado e esta sua alegria foi de um jovem que via seu sonho realizado, e viveu com sua população o grande dia que sempre sonharam”. O autódromo asfaltado era agora uma nova realidade guaporense.
Concretizado o sonho do Autódromo, o piloto
Nelson Barro continuou sua trajetória automobilística, sempre levando por onde andava, o nome de Guaporé estampado com orgulho em seus bólidos voadores.
“Um deles, o lendário Simca #34, ficou gravado na memória dos guaporenses como o símbolo maior do automobilismo em Guaporé, e neste sentido, nunca foi um veículo comum”, escreveu Giovani Girelli em 2003, em seu livro. O modelo era um Simca Emi-Sul 1967. Seu motor em “V”, com 8 cilindros, ficava aos cuidados do competente mecânico Avelino Sonáglio, auxiliado por Luis Suder, Tranquilo Bidese e “Risso”. Certa vez o Simca ficou exposto em frente ao Clube União Guaporense. Em sua lateral foi escrita a seguinte frase:
“eles começaram comigo”. Isso mostra toda a importância que o Simca #34 teve na história da velocidade guaporense.
Nelson teve ainda excelentes participações em campeonatos de monopostos, ao lado do sobrinho e companheiro José Luiz de Marchi, o Zaíco, competindo até mesmo em provas nacionais realizadas nos Autódromos Internacionais de Interlagos em São Paulo e Curitiba no Paraná. Os monopostos #7 e #8 foram, após a era do Simca #34, o orgulho maior do esporte motor de Guaporé, disputando etapas do Campeonato Gaúcho e Nacional, na categoria Fórmula Ford, uma das mais importantes do país naquela época. Segundo nos informou André Barro, filho do Nelson, o fato da utilização do número #7 se deu porque os carros de Fórmula Ford eram numerados do 1 ao 20, não sendo possível utilizar o #34 de costume, o jeito então foi escolher o #7, por ser a soma de 3 + 4.
Nelson e Zaíco participaram também em Interlagos, São Paulo, do “Primeiro Torneio Internacional de Fórmula 2”, no ano de 1971, competindo na categoria Fórmula Ford. Em Interlagos, Nelson também se aventurou heroicamente numa competição com duração de 24 horas. Um feito e tanto para a época.
O "Médico-Piloto-Prefeito", em sua significativa passagem pelas pistas de corrida, competiu com grandes nomes do automobilismo nacional, como Cezar Pegoraro, Cláudio Mueller, Breno Fornari, Fernando Esbróglio, Raffaele Rosito, Leonel Friedrich, Gastão Werlang, Arino Panatto, José Asmuz e Pedro De Lamare.
Nelson sempre foi uma figura muito querida entre os amantes da velocidade, pelo seu jeito simples e sincero de ser e pela liderança que exercia de forma natural, sendo inclusive indicado para a presidência da Federação Gaúcha de Automobilismo, ideia que partiu de conceituados nomes do automobilismo Gaúcho.
Nelson Barro sabia como ninguém promover com sucesso o autódromo e o nome de Guaporé, sempre utilizando de sua fantástica capacidade de inventar e reinventar. Cito como exemplo um fato que nos contou o André, filho do Nelson:
“Esta aconteceu na época da construção do autódromo, em 1969: foi promovida pela recém fundada AGA, uma festa para arrecadar fundos para o término da pista, e o público Guaporense e da região compareceu em massa. Era para ser um show de paraquedismo, mas na última hora o ministério da Aeronáutica (DAC) proibiu a realização do Show alegando falta de segurança. O jeito foi improvisar. O espetáculo começou com um show de cavalos de pau, de Simca, Formula Ford e carros de rua, mas o público não ia embora e, eis que surge no céu de Guaporé, um avião, e o locutor anuncia: agora o Dr . Nelson vai saltar de paraquedas... Suspense no autódromo... Surge então um avião, e na porta, lá estava ele, Nelson com seu macacão azul e capacete com uma listra verde. E salta do avião! Nelson vem caindo, caindo, caindo, caindo e o paraquedas não abre; e se estatela no chão próximo a curva do “esse”. CABUFFFFF!!!!!! O público entra em pânico e sai em disparada para "ver" de perto. Tumulto generalizado. Crianças desesperadas, gritos e choros se ouvem. Chegando lá, encontram um boneco de serragem com macacão e capacete de Nelson Barro. Era mais umas de suas armações malucas para a realização do sonho da construção do Autódromo de Guaporé.”Seja nas pistas, na política ou na medicina, não há como negar a importância de
Nelson Luiz Barro para Guaporé. Um homem que andava sempre a frente de seu tempo, inovando, idealizando e contribuindo para que o nome de Guaporé fosse difundido sempre com muito orgulho, não só pelo Estado, mas pelo país e também pelo mundo.
Dos infinitos sonhos do fantástico automobilista, talvez um único apenas não tenha se concretizado: ver o ídolo Airton Senna “dando uma voltinha” pelos 3.080 metros do
Autódromo Internacional Nelson Luiz Barro. E olha que não foi por falta de convite...
Grande Dr. Nelson!
* Por Caminhos de Guaporé.
Sensacional!
E vejam as imagens. Não sabia que o Nelson havia corrido de Fiat 147. Isso foi em 1978, primeiro ano da categoria no RS, quando era denominada Divisão 1 - Classe A. O carro era da equipe Glitz, que ainda tinha Walter Soldan e "Chico" Feoli.
Fica aqui o convite para gastarem um tempo navegando no site Caminhos de Guaporé. Há farto material sobre a história do querido autódromo serrano.
Fonte das imagens:
www.caminhosdeguapore.com.br. Fotos acervo André Barro.