[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]
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sábado, 18 de dezembro de 2021

[2646.] GUILHERME DA COSTA CARVALHO [II] || NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO (1921 - 2021)

 * GUILHERME DA COSTA CARVALHO *

[11/06/1921 - 24/03/1973]

GUILHERME DA COSTA CARVALHO - EVOCAÇÃO DE UM REVOLUCIONÁRIO

DORP || Edições Avante! || Dezembro de 2021


Edição comemorativa do centenário do nascimento de Guilherme da Costa Carvalho [11/06/1921 - 24/03/1973], militante do Partido Comunista desde o tempo de estudante da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e que, entre 1945, quando entrou na clandestinidade, e 1973, ano da sua morte prematura, exactamente com a mesma idade da mãe, passou mais de metade do tempo preso, totalizando 16 anos e meio de cativeiro por motivos políticos, passando pelo Aljube, Caxias, Peniche e Campo de Concentração do Tarrafal.

[Guilherme da Costa Carvalho, à esquerda, a embarcar com destino ao Tarrafal || Porto de Leixões - 18/09/1949]

Preso em 1948, 1959, 1960 e 1963, participou nas fugas históricas de Peniche (1960) e Caxias (1961). A última prisão deu-se em 7 de Maio de 1963 e só seria libertado ao fim de nove anos, em 16 de Fevereiro de 1972, já muito doente, falecendo no ano seguinte.

Se esta edição evoca, através de diversa documentação, o militante comunista, eleito para o seu Comité Central em 1957 e 1965, e antifascista, nomeadamente através da carta para os pais, datada de 21 de Julho de 1949, onde pede, insistentemente, que agradeçam, pessoalmente, a todos os que se dispuseram a testemunhar a seu favor, dá, simultaneamente, o retrato do "homem generoso, íntegro, de grande coragem, culto, sensível, preocupado sempre com o rigor" [p. 10].

Contando com o apoio incondicional dos pais, que o acompanharam em todas as detenções e o visitaram no Tarrafal, estabelecendo um vínculo entre os restantes presos políticos e as suas famílias, esta "Evocação de um revolucionário", organizada pela Direção da Organização Regional do Porto do Partido Comunista, inclui, ainda, o manuscrito Relâmpagos do meu coração, datado de 1967, livro que reúne 42 poemas escritos no Aljube e dedicados à mãe, Herculana de Jesus da Costa Dias de Carvalho [23/12/1900 - 16/05/1952], e à avó materna, Maria Custódia da Costa [17/06/1875 - 20/06/1959].

O "homem tranquilo, ameno, atencioso", que "falava serenamente, a olhar nos olhos  e escutava com muita atenção" é, também, recordado por Herculana Rosa Diogo de Carvalho, sua filha, no escrito "Meu Pai": 

"Adorava estar com as pessoas, atento a todos e delicado com cada um. Tinha um sentido de humor apurado que usava com o coração e os olhos a brilhar de malandrice, afecto e prazer. Nunca o vi alterado, zangado ou crispado. Nunca o ouvi queixar-se mesmo estando a morrer" [p. 59].

Guilherme da Costa Carvalho não conheceu a Liberdade e foi um dos muitos presos políticos que seria libertado para, pouco depois, morrer. 

Tinha, apenas, 51 anos de idade!

Na capa, fotografia de Guilherme da Costa Carvalho no Tarrafal, tirada pelo seu pai, Luís Alves de Carvalho, aquando da deslocação àquele Campo de Concentração. 



Luís Carvalho tirou, então, fotografias, individuais ou em grupo, a todos os outros presos políticos, tendo, no regresso ao Continente, visitado, com a mulher, as suas famílias, a quem entregou esses registos.

[João Esteves]

terça-feira, 20 de outubro de 2020

[2410.] FERNANDO VICENTE, JOÃO FARIA BORDA E HERMÍNIO MARTINS || TARRAFAL - 23/12/1949

 FERNANDO VICENTE, JOÃO FARIA BORDA E HERMÍNIO MARTINS || TARRAFAL || 23/12/1949 *


Fotografia tirada no Tarrafal por Luís Alves de Carvalho em 23 de Dezembro de 1949 e disponibilizada por Ana Vicente, filha de Fernando Vicente.

Fernando Vicente e João Faria Borda, em baixo à direita; Hermínio Martins é o primeiro à esquerda de pé [identificação do neto Carlos Freitas, a quem muito se agradece.

Já tinham completado 13 anos consecutivos no Campo de Concentração, tendo Herculana e Luís de Carvalho deslocado-se à aldeia de Paul, Torres Vedras, para a entregar às irmãs de Fernando Vicente.

[João Esteves]

domingo, 18 de outubro de 2020

[2409.] LUÍS ALVES DE CARVALHO [II] || DESLOCAÇÃO AO TARRAFAL EM DEZEMBRO DE 1949

 * LUÍS ALVES DE CARVALHO *

[15/12/1899 - 1978]

[Porto, 22/06/1974 || Pormenor de uma fotografia de Sérgio Valente || Sérgio Valente. Um fotógrafo na revolução || Edições Afrontamento || 2015]

Pai de Guilherme da Costa Carvalho, a ele se deve um enorme reconhecimento pela solidariedade e generosidade que sempre demonstrou para com os presos políticos, ajudando-os no que podia, mesmo depois de libertados.

Foi o autor do levantamento fotográfico de todos os deportados para o Tarrafal quando, em Dezembro de 1949, juntamente com a mulher, se deslocou ao Campo de Concentração para visitar o filho.

Escreve-se, geralmente, sobre Herculana e Guilherme da Costa Carvalho, mas não se pode esquecer o que Luís Alves de Carvalho fez pelo filho e por todos os presos políticos até 1974.

Filho de Luísa de Azevedo ou Luísa de Jesus [15/07/1876 - 11/11/1966], natural do Porto, e de José Alves de Carvalho [01/04/1867 - 06/06/1954], natural de Celorico de Basto, Luís Alves de Carvalho nasceu em 15 de Dezembro de 1899.

Concluiu o Curso Comercial, foi contabilista da primeira cooperativa de táxis existente no Porto e, mais tarde, ligou-se à Banca, sendo corrector de fundos públicos da Bolsa do Porto durante quase cinquenta anos [Lúcia Serralheiro, "Herculana de Jesus da Costa Dias Carvalho", Dicionário no Feminino (Séculos XIX-XX), 2005].

Conhecido corretor da cidade do Porto, procurou, em conjunto com a mulher, minorar o sofrimento do filho sempre que este estava preso, contribuindo, também, para ajudar todos os outros presos que se encontravam na mesma situação daquele.

Devido às suas influências, foi possível ao casal visitar Guilherme da Costa Carvalho quando este estava preso no Campo de Concentração do Tarrafal, a única visita que os Tarrafalistas receberam e que nunca esqueceram, e deveu-se muito a Luís Alves de Carvalho a ideia e o custeamento do Mausoléu aos 32 resistentes antifascistas que ali morreram erigido no Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.

A correspondência trocada entre Virgínia Moura e António Lobão Vital refere, por diversas vezes, a solidariedade exemplar do casal Herculana e Luís Alves de Carvalho, sendo que, mesmo presa, Virgínia Moura procurou dar o apoio possível a este quando enviuvou em maio de 1952: "Querido António, se ainda não escreveste ao senhor Luís de Carvalho, peço-te muito muito que o faças rapidamente. É muito nosso amigo e por isso merece ser tratado por nós com todas as deferências. Ele escreveu-te logo ao outro dia do funeral da esposa. Mesmo nos momentos dolorosíssimos que passou, nunca nos esqueceu. É bem uma prova a carta que te escreveu. Eu tenho-lhe escrito." [carta de VM a ALV datada de 28 de Maio de 1952, Manuela Espirito Santo, Tem cuidado, meu amor. Cartas da prisão de Virgínia Moura e António Lobão Vital, Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2015]

[Fotografia completa prontamente disponibilizada por Sérgio Valente, a quem muito se agradece. Atrás, Albertina Diogo Carvalho, a nora que, tal como Guilherme da Costa Carvalho, também conheceu a prisão e a tortura durante a ditadura. Também estão na fotografia Raul de Castro, Hernâni Silva, Carlos Costa, Óscar LopesDiamantino]

[João Esteves]

[2408.] FERNANDO VICENTE [II] || FOTOGRAFIA NO TARRAFAL - 23/12/1949

 * FERNANDO VICENTE *

Fotografia no Tarrafal, datada de 23 de Dezembro de 1949, disponibilizada por Ana Vicente, sua filha.


Guilherme da Costa Carvalho [1921-1973], militante e dirigente do Partido Comunista, foi preso em Outubro de 1948 e, depois de passar pelo Aljube, Caxias e Peniche, seria deportado para o Tarrafal em Setembro de 1949.

Seus pais, Herculana [1900 - 1952] e Luís de Carvalho [1899 - 1978], conseguiram autorização para o visitar, deslocando-se ao Tarrafal num paquete, desembarcando em Dezembro de 1949. Aí, Luís Alves de Carvalho foi autorizado a fotografar os presos políticos, tendo Herculana de Jesus abraçado cada um como se fossem todos seus filho.

No regresso, o casal visitou cada uma das suas famílias, entregando-lhes, num acto solidário e de enorme generosidade e despreendimento, fotografias dos entes queridos.

Nesta fotografia, datada de 23 de Dezembro de 1949, está, entre outros, Fernando Vicente (o segundo a contar da direita para quem vê de frente), tendo Herculana e Luís de Carvalho deslocado-se à aldeia de Paul, Torres Vedras, para a entregar às irmãs.

Agradece-se a Ana Vicente, filha de Fernando Vicente, a generosidade com que disponibilizou esta fotografia de enorme valor afectivo.

Fernando Vicente, 2.° artilheiro, militante do Partido Comunista e um dos reorganizadores, em 1936, da Organização Revolucionária da Armada, foi dos presos que mais tempo permaneceu encarcerado no Tarrafal (29 de Outubro de 1936 a Junho de 1953), o que muito contribuiu para o seu falecimento precoce aos 50 anos de idade [24/04/1914 - 22/01/1965].

Apesar de tudo o que passou, no regresso voltou à militância política possível, continuando a ser um nome muito respeitado e honrado na sua terra.

[João Esteves]

terça-feira, 26 de novembro de 2019

[2198.] FERNANDO VICENTE [I] || 17 ANOS NO TARRAFAL (1936 - 1953)

* FERNANDO VICENTE *
[24/04/1914 - 22/01/1965]

Quando Fernando Vicente faleceu com apenas 50 anos de idade, tinha passado 18 anos preso, 17 deles no Tarrafal por ter sido um dos dirigentes da Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936, e vivido 12 anos de luta semiclandestina enquanto militante do Partido Comunista.

[Fernando Vicente || ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509]

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0360]

Filho de Maria do Carmo e de Albino Vicente, Fernando Vicente nasceu no lugar de Paul, Torres Vedras, em 24 de Abril de 1914.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0088]

Segundo artilheiro da Armada, com o número 5480, Fernando Vicente foi um dos reorganizadores da Organização Revolucionária da Armada [ORA] no início de 1936, depois das prisões dos principais dirigentes comunistas no ano anterior, participou em reuniões preparatórias da sublevação dos marinheiros e foi considerado um dos sete praças e marinheiros que dirigiram a revolta em 8 de Setembro de 1936, com intervenção directa no contra-torpedeiro Dão, a cuja tripulação não pertencia.

Preso pelo Comando Geral da Armada, Fernando Vicente foi entregue à Secção Política e Social da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em 11 de Setembro de 1936, seguiu para uma esquadra incomunicável e, em 18 do mesmo mês, entrou na Cadeia Penitenciária de Lisboa, onde prestou declarações datadas de 23. 









[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0353-361]

Segundo aquelas, entrou para a Organização no início do ano e integrou o seu Secretariado, juntamente com Armindo de Almeida (1.º artilheiro - Bartolomeu Dias), João Faria Borda (2.º artilheiro - Bartolomeu Dias), João Henrique Casanova (dispenseiro - Gil Eanes) e Tomás Batista Marreiros (1.º fogueiro - Dão). A ligação ao Partido Comunista era feita «por intermédio dum delegado que estava permanentemente em contacto com qualquer dos membros do Secretariado» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0353].

O Secretariado era responsável pela publicação do órgão "O Marinheiro Vermelho", que teria uma tiragem de cerca de 500 exemplares, cabendo aquele dar as informações relativas a assuntos da Armada, enquanto os artigos doutrinários eram da responsabilidade do Partido Comunista. Os exemplares chegavam-lhe através de Armindo de Almeida e de João Faria Borda, dividindo-os, depois, pelos delegados José António Filipe (1.º artilheiro do aviso Pedro Nunes), Francisco Serafim Rebelo (1.º artilheiro do aviso Afonso de Albuquerque) e Manuel (cozinheiro do torpedeiro Mondego). 

No dia sete de Setembro, foi avisado por João Faria Borda que haveria uma reunião às dezanove horas, «para resolverem a questão havida na Armada, pelo facto de terem sido expulsas algumas praças do aviso "Afonso de Albuquerque"» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0355], tendo também participado naquela Armindo de AlmeidaJoão Henrique CasanovaJosé António Filipe, Tomás Batista Marreiros e o cozinheiro Manuel, proprietário da casa, situada na Rua Heróis de Quionga 6 - 3.º, para além do delegado do Partido Comunista e, talvez, um dos ex-marinheiros do Afonso de Albuquerque.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0085]

Decidiu-se, então, fazer uma revolta a bordo dos navios Afonso de Albuquerque, Bartolomeu Dias e Dão, «os quais deviam sair a barra, e seguidamente dirigir-se a Peniche a fim de soltar os presos ex-marinheiros que se encontravam na Fortaleza dessa terra e tomar seguidamente o rumo que julgassem por mais conveniente, chegando-se até a falar vagamente na Madeira» [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0356]. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0087]

Às duas horas da manhã do dia 8 de Setembro, o gasolina do Afonso de Albuquerque recolheu no Cais do Sodré os ex-marinheiros e marinheiros envolvidos, dando início à revolta, tendo Fernando Vicente sido largado no contra-torpedeiro Dão. De manhã, perante o fracasso do movimento, dirigiu-se num gasolina a Cacilhas a fim de ser tratado no posto dos Bombeiros Voluntários ao braço partido, sendo detido, à saída, pela Guarda Nacional Republicana e levado preso para o Forte de Almada.  

 [...]
[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0164]

Julgado pelo Tribunal Militar Especial em 13 de Outubro de 1936, Fernando Vicente foi considerado, juntamente com João Faria Borda, Joaquim Gomes Casquinha, José Jacinto de Almeida e Tomás Batista Marreiros, um dos dirigentes da Revolta dos Marinheiros e condenado a seis anos de prisão maior celular, seguidos de dez anos de degredo ou, na alternativa, na pena de vinte anos de degredo em possessão de 2.ª classe.


[Fotografia tirada no Tarrafal por Luís Alves  de Carvalho || 1949 || Na primeira fila, o terceiro a contar da esquerda, com as mãos no joelho, é Fernando Vicente]

Seis dias depois, Fernando Vicente embarcou no cargueiro Luanda a caminho do Tarrafal, de onde só sairá em 28 de Junho de 1953, com uma mala carregada de livros, mas para dar entrada no Forte de Peniche. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0451]

Do Tarrafal, seguiu para o Forte de Peniche, onde entrou às 11 horas da manhã do dia 6 de Julho de 1953. Muito respeitado, segundo informações de 28 de Dezembro de 1956 de Luís Fernando de Mesquita Patacho, Chefe de Brigada da PIDE, os companheiros tratavam-no pela alcunha de "paizinho".

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0450]

Em Peniche, Fernando Vicente reencontrou João Faria Borda e Joaquim Casquinha, tendo os três sido libertados na véspera do Natal de 1953, para grande alegria de todos os outros camaradas de prisão, como Agostinho Saboga, António Dias Lourenço, Carlos Pinhão e Joaquim Campino, entre muitos outros. 

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0160-m0462]

Preso aos 22 anos e libertado quando tinha 39, cumpridos mais de 17 anos de encarceramento, Fernando Vicente regressou a Paul, onde retomou a militância clandestina no Partido Comunista, apesar de vigiado pela PIDE, e constrói uma família. 

A filha guarda, passados estes anos todos, uma imagem muito feliz deste pai que, como preso político, não podia tirar a carta de condução, levava, por vezes, "minha mãe, eu e o meu mano... todos na pasteleira do Paul a Torres, 7/8 km", ou quando, na "nossa casa, amanhava a nossa horta, jantava e jogava  o jogo da malha, desenhado na tijoleira, connosco".  



[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509-m0516-m0512]

Em um outro Relatório de um agente da PIDE, datado de 27 de Janeiro de 1957, é dado conta que Fernando Vicente trabalhava em Torres Vedras, nas oficinas da empresa de camionagem de João Henriques.

[ANTT || Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0509-m0516-m0514]

Mas Fernando Vicente não interrompeu a militância comunista e, já muito doente, foi novamente preso em 18 de Setembro de 1963, levado para o Aljube e, em 20 de Fevereiro de 1964, transferido para Caxias, de onde foi libertado em 14 de Março.

[Fernando Vicente || ANTT || RGP/4225 || PT-TT-PIDE-E-010-22-4225_m0063]

Quando da segunda prisão, Fernando Vicente foi barbaramente torturado, sujeito à tortura do sono e da estátua durante cerca de onze dias. Quando a mulher, Otília Alice Machado Vicente, a filha, então com nove anos, e um tio, já idoso, o foram visitar ao Aljube, «parecia um bicho todo inchado, lábios mordidos e a sangrar, desfigurado». Finda essa primeira visita, e quando os familiares se preparavam para sair, foram acusadas de ter apanhado um papel deitado pelas grades. Então, a mulher e a filha, em pânico, foram fechadas numa cela e revistadas de forma humilhante por uma agente de «saia travada, sapatos pretos de salto alto e cabelo ao alto, preto». O tio de Fernando Vicente também foi, temporariamente, encerrado numa cela e quando saiu «parecia um mendigo», com o «fato e casaco castanho completamente roto de cima abaixo!».

Fernando Vicente faleceu em 22 de Janeiro de 1965, quando ainda não tinha completado os 51 anos e dois dias depois de a mulher festejar o aniversário, tendo o funeral tido lugar no dia 24, no Cemitério de S. João, em Torres Vedras.

Segundo a filha de Fernando Vicente, num acto de enorme generosidade e solidariedade, o pai de Guilherme da Costa Carvalho «durante Anos dava uma mesada à minha Mãe para ajuda do sustento familiar». 

[Diário de Lisboa || 23/01/1965 || p. 13]

Um ano após a sua morte, realizou-se uma romagem ao cemitério, a qual foi «interrompido pela polícia de choque com cães polícias que irromperam no local empurrando dezenas de pessoas e pisando sepulturas sem qualquer respeito» [Manuel Fernandes / URAP]. 

Muitas outras evocações se seguiram, antes e depois de Abril de 1974. Em 20 de Janeiro deste mesmo ano, deu-se nova romagem à sua campa, tendo a polícia de choque comparecido com um vasto aparato policial [Venerando António Aspra de Matos, Blogue Vedrografias].

[Venerando António Aspra de Matos || Blogue Vedrografias]

Militante muito prestigiado, Fernando Vicente continua a merecer diversas homenagens por parte do Partido Comunista: em 2015, no cinquentenário do seu falecimento, foi organizada uma Exposição na Biblioteca Municipal de Torres Vedras, onde constavam vários objectos, folhetos e manuscritos seus.

[José Patrício || Blogue a terra e agente]

[João Esteves]

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

[2195.] ANTÓNIO MARREIROS [I] || MARINHEIRO DEPORTADO PARA O TARRAFAL

* ANTÓNIO MARREIROS *
[06/01/1910 - 12/07/1971]

Este esboço biográfico de António Marreiros, "aquele que esteve preso no Tarrafal porque era contra o Salazar" [p. 37] só se tornou possível a partir do rigoroso livro José António Cabrita A PIDE em Pinhal Novo. Para que a memória não esmoreça [Câmara Municipal de Palmela, 2017], sendo que as informações apresentadas e documentação referida têm por suporte aquela obra.

[António Marreiros || ANTT || RGP/4261 || PT-TT-PIDE-E-010-22-4261]

Filho de Gertrudes da Conceição [18/09/1889 - 16/01/1958] e de Nicolau Florentino [1883 - 23/10/1961], António Marreiros nasceu em Ferrarias, freguesia de Algoz - concelho de Silves, em 6 de Janeiro de 1910.

[Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0191]

Carpinteiro e ainda a viver na freguesia de Algoz, casou com Rosália da Trindade Cabrita [m. 11/05/2000]. Posteriormente, já a viver na Cova da Piedade, ingressou na Marinha de Guerra, sendo grumete de manobra do navio Bartolomeu Dias aquando da revolta dos marinheiros de 8 de Setembro de 1936.

[Processo SPS n.º 1985, 1.º vol || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0090]

Preso nesse mesmo dia e entregue pelas autoridades da Marinha à PVDE, foi enclausurado na Mitra, transferido para a Penitenciária dez dias depois e julgado pelo Tribunal Militar Especial em 13 de Outubro, sendo condenado a 5 anos de prisão maior celular, seguidos de dez anos de degredo ou, em alternativa, a 17 anos de degredo em possessão de 2. Classe. 
 
[Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-1_m0164]

Pena pesadíssima para quem não dirigiu a revolta, apesar de ter participado nela, andando armado e ter passado para o navio Afonso de Albuquerque para o sublevar.

[Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. || PT-TT-PIDE-E-009-1985-2_m0191]

Quatro dias depois, em 17 de Outubro, António Marreiros embarcou no cargueiro Luanda a caminho do Tarrafal, de onde só sairá em Junho de 1953, mas para ainda dar entrada no Forte de Peniche.

Com mais 37 marinheiros que participaram no levantamento de Setembro, integrou a primeira leva de presos que inaugurou o Campo de Concentração, chegando na tarde de 29 de Outubro de 1936.

Aí permaneceu quase 17 anos, tendo por directores do Campo os capitães Manuel Martins dos Reis (1936-1937), José Júlio da Silva [17/11/1937 - 20/10/1938] e João da Silva [1938 - 1940], que saiu dali para dirigir a prisão do Forte de Caxias, José Olegário Antunes [1940 - 1943], que estivera à frente do Forte de São João Baptista, Filipe do Nascimento Barros [1943 - 1945] e, por fim, David Prates da Silva [1945 - 1954].

António Marreiros, que pertencia à Organização Comunista Prisional, integrou a duríssima Brigada Brava, uma criação do PIDE Henrique de Sá e Seixas e conheceu a "frigideira", onde penou 42 dias: "A história de António Marreiros, no Tarrafal, é a história de uma bruteza sem limites" [p. 62]: "Dele, provindas de punho próprio, não se revelaram cartas, ou outros escritos [...]. De António,  o que se pode ler são as dedicatórias postas no verso de meia dúzia de fotografias, todas com datas do ano de 1950" [p. 62].

[António Marreiros || Dezembro de 1949 ? || Fotografia do Acervo do filho, publicada por José António Cabrita em A Pide em Pinhal Novo]

A sua família recebeu notícias e fotografias, como a de cima, aquando da ida ao Tarrafal de Herculana e Luís Alves Carvalho, em finais de 1949, para ver o filho Guilherme da Costa Carvalho, também aí encarcerado. 

Só sairia do Tarrafal em Junho de 1953, sendo levado para Peniche, onde permaneceu preso alguns meses.

Quando foi libertado, depois de 17 anos de clausura, tinha 43 anos, os seus pais já tinham falecido sem nunca os ter voltado a ver, o filho contava 22 anos e meio.

[António Marreiros || ANTT || RGP/4261 || PT-TT-PIDE-E-010-22-4261]

Estabeleceu-se, então, em Pinhal Novo, terra onde já tinha familiares, tomando, por trespasse, uma taberna.

Como escreve José António Cabrita a finalizar o capítulo dedicado a este tarrafalista, "Bandidos! Canalhas! Era quase só o que se escutava de António Marreiros, o que esteve no Tarrafal porque era contra o Salazar, no tempo que lhe sobrou de vida depois do seu martírio no pântano da morte" [p. 69].

Fontes:
José António Cabrita, A PIDE em Pinhal Novo. Para que a memória não esmoreça, Câmara Municipal de Palmela, 2017, pp. 33-69.

ANTT, Registo Geral de Presos 4261 [António Marreiros / PT-TT-PIDE-E-010-22-4261].

ANTT, Processo SPS n.º 1985, 1.º vol. [PT-TT-PIDE-E-009-1985-1] e Processo SPS n.º 1985, 2.º vol. [PT-TT-PIDE-E-009-1985-2].

[João Esteves]

domingo, 8 de maio de 2016

[1469.] LUÍS ALVES DE CARVALHO [I] || 1899 - 1978

* LUÍS ALVES DE CARVALHO *
[15/12/1899 - 1978]

[Porto, 22/06/1974 || Pormenor de uma fotografia de Sérgio Valente || Sérgio Valente. Um fotógrafo na revolução || Edições Afrontamento || 2015]

Os nomes têm rosto: Luís Alves de Carvalho, marido de Herculana de Jesus da Costa Dias [23/12/1900-16/05/1952] e pai de Guilherme [1921-1973] e Luísa Herculana Alves de Carvalho (Lagoa) [n. 15/07/1922], fotografado por Sérgio Valente quando cumprimenta Álvaro Cunhal por ocasião do primeiro comício do Partido Comunista realizado no Porto após o 25 de Abril de 1974. Atrás, Albertina Diogo Carvalho, a nora que, tal como Guilherme da Costa Carvalho, também conheceu a prisão e a tortura durante a ditadura.

[Pormenor de fotografia de Sérgio Valente || Sérgio Valente. Um fotógrafo na Revolução || 2015]

Escreve-se, geralmente, sobre Herculana e Guilherme da Costa Carvalho, mas não se deve esquecer o que Luís Alves de Carvalho fez pelo filho e por todos os presos políticos até 1974. Um dos problemas com que os historiadores se debatem é a ausência da identificação de muitos dos protagonistas. Por isso, os trabalhos fotográficos de Sérgio Valente constituem documentos históricos insubstituíveis.

Filho de Luísa de Azevedo ou Luísa de Jesus [15/07/1876-11/11/1966], natural do Porto, e de José Alves de Carvalho [01/04/1867-06/06/1954], natural de Celorico de Basto, Luís Alves de Carvalho nasceu em 15 de Dezembro de 1899.

Concluiu o Curso Comercial, foi contabilista da primeira cooperativa de táxis existente no Porto e, mais tarde, ligou-se à Banca, sendo corrector de fundos públicos da Bolsa do Porto durante quase cinquenta anos [Lúcia Serralheiro, "Herculana de Jesus da Costa Dias Carvalho", Dicionário no Feminino (Séculos XIX-XX), 2005]. 

Conhecido corretor da cidade do Porto, procurou, em conjunto com a mulher, minorar o sofrimento do filho sempre que este estava preso, contribuindo, também, para ajudar todos os outros presos que se encontravam na mesma situação daquele. 

Devido às suas influências, foi possível ao casal visitar Guilherme da Costa quando este estava preso no Campo de Concentração do Tarrafal, a única visita que os Tarrafalistas receberam e que nunca esqueceram, e deveu-se muito a Luís Alves de Carvalho a ideia e o custeamento do Mausoléu aos 32 resistentes antifascistas que ali morreram erigido no Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.

A correspondência trocada entre Virgínia Moura e António Lobão Vital refere, por diversas vezes, a solidariedade exemplar do casal Herculana e Luís Alves de Carvalho, sendo que, mesmo presa, Virgínia Moura procurou dar o apoio possível a este quando enviuvou em maio de 1952: "Querido António, se ainda não escreveste ao senhor Luís de Carvalho, peço-te muito muito que o faças rapidamente. É muito nosso amigo e por isso merece ser tratado por nós com todas as deferências. Ele escreveu-te logo ao outro dia do funeral da esposa. Mesmo nos momentos dolorosíssimos que passou, nunca nos esqueceu. É bem uma prova a carta que te escreveu. Eu tenho-lhe escrito." [carta de VM a ALV datada de 28 de Maio de 1952, Tem cuidado, meu amor. Cartas da prisão de Virgínia Moura e António Lobão Vital, Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2015]  

[João Esteves] 

domingo, 11 de janeiro de 2015

sábado, 27 de setembro de 2014

[0762.] TARRAFAL [II]

[23/12/1900-16/05/1952]
[Fotografia publicada por Lúcia Serralheiro no seu livro Mulheres em Grupo Contra a Corrente, Evolua Edições, 2011, p. 133]


[Fotografia de Luís Alves de Carvalho, marido de Herculana de Carvalho e pai de Guilherme da Costa Carvalho]

* Guilherme da Costa de Carvalho é, na fila do meio,  o segundo a contar da esquerda *