[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]
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domingo, 3 de novembro de 2024

[3458.] PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS: DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO || CCCXLIII

 PRESOS POR MOTIVOS POLÍTICOS: DA DITADURA MILITAR AO INÍCIO DO ESTADO NOVO || CCCXLIII *

00195. Alexandre da Charneca [?]

[Alexandre da Charneca.
Em 1928, estava deportado em Timor, de onde fugiu. Segundo um informador, encontrava-se, em 12/12/1928, no Continente.]
[alterado em 02/11/2024]

00196. Alexandre da Silva [1931]

[Alexandre da Silva.
Funchal, c. 1902. Marítimo. Filiação: Maria de Jesus, João da Silva. Casado. Residência: Rua de Santa Maria Maior, 15 - Funchal. Preso em 17/04/1931 a bordo do vapor Guiné, vindo da Madeira. Poderá ter sido coagido pelos revolucionários da Madeira a embarcar, sendo libertado em 19/05/1931.]
[alterado em 02/11/2024]

00197. Alexandre de Vasconcelos e Sá [1931]

[Alexandre de Vasconcelos e Sá.
Escola do Exército - Aspirante a Oficial. Residência: Av. Casal Ribeiro, 37. Esteve implicado na Revolta do Castelo, em 20/07/1928. Deportado para Timor em 03/09/1931, na sequência da revolta de 26/08/1931. Abrangido pela amnistia de 05/12/1932, desembarcou em Lisboa em 09/06/1933 e apresentou-se no dia 12, declarando ir residir para  a Av. Casal Ribeiro, 37.]
[alterado em 05/06/2023]

00198Alexandre Dias da Silva [1932]

[Alexandre Dias da Silva.
Porto, c. 1889. Sapateiro. Filiação: Maria da Trindade, Albano José Dias. Casado. Residência: Calçada da Boa Hora, 102 - Lisboa. Preso em 22/07/1932, "por ter dado guarida em sua casa, durante uns oito meses, ao arguido Manuel de Almeida" e ter tido contactos com Alfredo Pires e Fernando Alves Pereira. Levado, incomunicável, para uma esquadra; libertado do Aljube em 08/09/1932.]
[alterado em 30/12/2021]
[alterado em 21/03/2022]

00199. Alexandre Dionísio [1931, 1931]

[Alexandre Dionísio.
Beja, c. 1898. Empregado de comércio. Filiação: Mariana Augusta, António Dionísio. Casado. Travessa da Bica Grande, 1 - Lisboa. Preso em 19/06/1931, acusado de estar implicado no caso das camionetas de Cacilhas, juntamente com Francisco dos Santos Lamy e José Nunes PercheiroPreso em 23/10/1931 pela Secção de Justiça e Informações do Comando da PSP de Lisboa, "por suspeita de ser detentor de manifestos clandestinos". Libertado em 31/10/1931, por nada se ter provado.]
[alterado em 02/11/2024]

00200. Alexandre Gonçalves Guedes [1931]

[Alexandre Gonçalves Guedes.
Lisboa, c. 1889. Sapateiro. Filiação: Helena Marreiros, Domingos Amândio Guedes. Casado. Residência: Bairro da Liberdade a Campolide, 39 - Lisboa. Preso em 29/09/1931 pela Secção de Justiça e Informações do Comando da PSP de Lisboa, "para averiguações de caráter político". Libertado em 07/10/1931.]
[alterado em 02/11/2024]

00209. Alexandre Vieira / Alexandre Fernandes Vieira [1927]

[Alexandre Vieira || F. 04/03/1927 || PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-1-NT-8902 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

[Porto - Santo Ildefonso, 11/09/1880. Filho do ferroviário José Fernandes Vieira. Operário gráfico e jornalista. Aos dez anos era aprendiz de latoeiro em Viana do Castelo e depois, aos quinze, iniciou, em Coimbra, a sua vida de tipógrafo, profissão a que ficou sempre associado. Destacou-se enquanto figura relevante do movimento operário e do sindicalismo revolucionário nos últimos anos da Monarquia e durante toda a I República. A sua intervenção sindical e política esbateu-se a partir da década de 1930Dirigiu, em Viana do Castelo, "O Lutador", órgão local da Federação das Associações Operárias e filiou-se na Associação dos Compositores Tipográficos quando se fixou em Lisboa. Conviveu com Adolfo Lima [28/05/1874-27/11/1943], António Tomás Pinto Quartin [15/01/1887-07/02/1970], Aurélio Pereira da Silva Quintanilha [24/04/1892-27/06/1987], Emílio Martins Costa [21/02/1877-17/02/1952], João Evangelista Campos Lima [1877-1956] e Neno Vasco [09/05/1878- 15/09/1920], quase todos da sua geração, e tornou-se ativista do sindicalismo revolucionário. Em 1908, durante escassos seis meses, dirigiu o diário "A Greve", em colaboração com o anarquista Pinto Quartin e o socialista Fernandes Alves, periódico substituído, em Novembro de 1910, pelo semanário "O Sindicalista". Esteve ativo durante os 16 anos da República: participou no Congresso Operário de 1911 e no Congresso Nacional Operário de Tomar, realizado em Março de 1914, assembleia onde se deliberou a criação da União Operária Nacional e seria eleito secretário-geral da Comissão Executiva; integrou, em 1916/1917, a Comissão de Sindicalistas que diligenciou junto de Afonso Costa devido à galopante carestia de vida; foi o primeiro diretor do jornal "A Batalha", cujo primeiro número saiu em 23 de Fevereiro de 1919; e interveio, como delegado, no II Congresso Operário Nacional, realizado em Setembro de 1919, em Coimbra, reunião que criou a Confederação Geral do Trabalho (CGT) em substituição da União Operária Nacional. Manteve um trajeto muito peculiar no movimento sindical, não procurando rupturas com os diferentes intervenientes da época e convivendo com alguns dos principais intelectuais republicanos e socialistas. Preso por oito vezes, sem nunca ir a julgamento, passou pelas prisões do Limoeiro e do Governo Civil, tendo também permanecido detido no Forte de Elvas. Chefiou a tipografia da "Seara Nova" e, depois, a da Biblioteca Nacional quando Jaime Cortesão [29/04/1884- 14/08/1960] e Raul Proença [10/05/1884-20/05/1941] assumiram a sua direção. Foi aqui que, já depois de instituída a Ditadura Militar e demitidos aqueles, Alexandre Vieira seria preso pela nona vez, na sequência de um conflito laboral com Fidelino de Figueiredo [20/07/1888-20/03/1967], o novo diretor da instituição nomeado em 16 de Fevereiro. Preso em 03/03/1927 e levado para o Governo Civil, onde permaneceu uma semana. Passou, em 10/03/1927, para o Forte de Monsanto e, em 14/05/1927, seguiu para a Cadeia do Limoeiro, sendo libertado, sob fiança e a aguardar julgamento, dois dias depois.]
[alterado em 03/11/2024]

00210. Alexandrina Andrade Silva [1929]

[Alexandrina Andrade Silva.
Faro, c. 1893. Comerciante. Filiação: Maria Antónia de Andrade, João Rosa de Andrade. Solteira. Residência: Rua do Mundo n.º 67 - Lisboa. Presa em 29 de Agosto de 1929, "por ter ligações com vários foragidos políticos, entre eles, com José Domingos [Domingues] dos Santos [08/05/1885-16/08/1958]", estadista da I República que participou na componente civil da revolta de Fevereiro de 1927 contra a Ditadura Militar. Libertada em 15/09/1929, depois de aberto o respetivo processo, verifica-se pelo seu Cadastro Político que antes da detenção, bem como depois, era atentamente vigiada nos contactos que mantinha com o namorado Mário Silva, preso e incomunicável, por haver a possibilidade daquele dirigente republicano ainda se encontrar em Lisboa e estar em preparação, com data marcada, novo movimento contra o regime ditatorial recém instaurado, envolvendo também o capitão Jaime [Pereira Rodrigues] Batista, entretanto evadido de Ponta Delgada em Outubro, onde se encontrava com residência fixada. Consta da mesma Biografia que, nas vésperas de 7 de fevereiro, «Almeida Santos e outros estiveram em casa da epigrafada onde foram dar a senha que era "Avante e Fé"».]
[alterado em 24/04/2023]

[João Esteves]

domingo, 28 de novembro de 2021

[2624.] DAVID DE CARVALHO [I] || 1899 - 1985: DO SINDICALISMO DA 1.ª REPÚBLICA À MILITÂNCIA ANTIFASCISTA

 * DAVID DE CARVALHO *

[06/11/1899 - 26/11/1985]

[David de Carvalho || Fotografia cedida pelo neto David de Carvalho]

Há Homens e Mulheres que, mesmo tardiamente, rompem o anonimato e surpreendem pelo percurso, coragem, abnegação, integridade e generosidade em tempos adversos, mantendo-se coerentes com os ideais que cedo perfilharam.

David de Carvalho é um desses nomes que importa resgatar, carregando consigo dezenas de anos de luta e de lutas, desde a já longínqua 1.ª República, onde se envolveu, através do sindicalismo e do jornalismo, nas lutas por melhores condições de vida dos mais desfavorecidos e do operariado, até aos 48 anos de fascismo, durante os quais se bateu, ininterruptamente, pela Liberdade.

Nos dois regimes, conheceu, com excessiva frequência, as arbitrariedades das detenções, os regimes prisionais, as perseguições, com tudo o que acarretavam quanto à instabilidade profissional, económica e familiar. Desempenhou várias profissões e, entre 1920 e 1959, terá vivenciado cerca de 20 prisões: seis, durante a República; catorze, durante o fascismo.

Tinha 74 anos aquando do 25 de Abril de 1974 e durante onze anos, até ao seu falecimento em 26 de Novembro de 1985, continuou a militância em prol dos mais desfavorecidos e a defesa do seu acesso à cultura e usufruto do conhecimento. Aquando da sua morte, a imprensa soube evocar o invulgar percurso de resistente.

Importa, de novo, dar-lhe vida e reencontrá-lo na História do século  XX.

Filho de Adelina da Conceição Santos e de Adriano de Carvalho, alfaiate, David de Carvalho nasceu em 6 de Novembro de 1899, em Lisboa.

Cedo conheceu o mundo do trabalho e das desigualdades e, por influência familiar ou necessidade, começou por seguir a profissão de alfaiate, tendo-a abandonado quando já era meio-oficial. Depois, foi empregado de livraria, ajudante de soldador, ajudante de serralheiro, operário sem trabalho e, quando ingressou nas Juventudes Sindicalistas, era escriturário na Companhia de Gás. 

Numa carta a António Ventura, datada de 26 de Julho de 1977, David de Carvalho não só procura clarificar o seu relacionamento com Alexandre Vieira, as discordâncias com os anarcossindicalistas quanto às suas opções no seio do movimento sindical e as diversas divisões que enfraqueceram este durante a 1.ª República e início da Ditadura Militar, como descreve parte do seu percurso desde muito jovem e a sua consequente adesão às Juventudes Sindicalistas no início dos anos 20:

«Desde a adolescência acompanhei as lutas dos operários, assisti a lutas que eles travavam com a polícia nas ruas, logo nos primeiros anos da República, passei a devorar toda a literatura revolucionária que topava, deixei-me absorver pela literatura anarquista, que outra não havia no tempo. Aprendi a cantar a Internacional nas manifestações de rua e nos comícios do Primeiro de Maio.»

 [Carta de David Carvalho a António Ventura, datada de 26/07/1977: FMS - Casa Comum / Fundo Alberto Pedroso

Terá aderido às Juventudes Sindicalistas quando tinha 20 anos, ganhando destaque no núcleo de Lisboa, a cuja comissão administrativa pertenceu: ficou «incumbido dos trabalhos de propaganda e de organização e assistência a secções de bairro e de profissões» e começou a colaborar, com artigos doutrinários, no órgão O Despertar.

Participou, enquanto delegado do Núcleo de Lisboa, no Conselho Federal convocado por José de Sousa, então Secretário-Geral da Federação das JS, para propor a sua transformação em Juventudes Comunistas, o que foi recusado: na sequência das demissões que sucederam ao fracasso daquela proposta, David de Carvalho foi eleito para o Comité Federal das Juventudes Sindicalistas, juntamente com Fernando de Almeida Marques, que passou a ser o seu Secretário-Geral, José Maria Esteves e Raul dos Santos. Assumiu, então, a direcção de O Despertar e, enquanto redactor-principal, procurou torná-lo mais abrangente e diversificado quanto ao conteúdo.

[David de Carvalho || A gestão sindical no período revolucionário || 1922 || ANTT]

Em 1922, estava já como redactor de A Batalha, assinou o folheto A gestão sindical no período revolucionário, editado pela Federação das Juventudes Sindicalistas, e foi delegado, juntamente com Fernando de Almeida Marques e Luís de Carvalho, ao Congresso Nacional da CGT realizado na Covilhã em Outubro, tendo sido o relator da Tese "Relações das Juventudes Sindicalistas com a Organização Operária", contribuindo para que aquela organização operária reconhecesse a existência formal da Federação. O sucedido nessa reunião ficou descrito no relatório manuscrito da sua autoria, intitulado "A conquista duma posição. Relatório da delegação das Juventudes Sindicalistas aos III Congresso Operário Nacional e à Confederação Gráfica Nacional". 

[David de Carvalho || Relações das Juventudes Sindicalistas com a Organização Operária || 1922]

Em 18 de Março de 1923, assistiu à reunião de 45 anarquistas em Alenquer, de onde saiu a resolução de criar a União Anarquista Portuguesa (UAP), e nesse mesmo ano aparece como Secretário da revista anarquista Claridade

À medida que se evidenciava enquanto sindicalista com ligações aos grupos anarquistas, surgiam as perseguições e sucessivas prisões, abrangendo os anos de 1920, 1921, 1922 e 1923. Embora as informações sejam imprecisas, na primeira, era acusado de atentar contra a vida do director da Polícia de Investigação Criminal, José Reis, «que muito se evidenciava na perseguição a elementos operários»: após cinco meses de cativeiro, foi absolvido, tal como os restantes jovens indiciados, por falta de provas.

[David De Carvalho || ANTT || PT-TT-PVDE-Polícias-Anteriores-1-NT-8902 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Voltaria a ser detido uma e outra vez: da terceira vez, o motivo era o suposto envolvimento no atentado ao consulado americano na sequência do julgamento e condenação à morte dos anarquistas Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti. Novamente absolvido ao fim de escassos meses, «por um tribunal sumário, o famoso tribunal de defesa social, que os plenários do fascismo muito me fariam recordar mais tarde, pela sua semelhança de métodos e organização.» [Carta a António Ventura, 26/07/1977].

Segundo escreveu David de Carvalho na missiva já referida, as prisões subsequentes durante a 1.ª República estiveram associadas a momentos de atentados pessoais ou rebentamento de bombas, procurando-o inculpar, sendo libertado ao fim de uns dias, por falta de provas.

Com as detenções, vinham os despedimentos e as dificuldades em arranjar emprego por oposição dos patrões, passando a ser identificado como jornalista. Na sequência do agravar das discordâncias com os seus militantes, abandonou as Juventudes Sindicalistas e  ingressou, em 1922, na redacção do jornal A Batalha, de onde saiu em conflito com Manuel Joaquim de Sousa, que o dirigia, e outros anarquistas. Regressou em 1925, depois de ter tentado o jornalismo em periódicos republicanos, colaborando no seu Suplemento e na revista Renovação, editada pelo mesmo periódico, aí permanecendo até à sua destruição e encerramento pela Ditadura Militar em 27 de Maio de 1927.

Depois de ter sido um dos anarquistas mais activos dos anos 20, acabou por romper ideologicamente com o anarquismo e aproximou-se do Partido Comunista, de que terá passado a fazer parte a partir de 1927, conservando, «ao contrário do que infelizmente aconteceu com muitos [...] as mesmas relações de amizade e camaradagem, com os anarquistas que se mantinham e com os comunistas que se afastavam.» [Carta a António Ventura, 26/07/1977] O Diário de Lisboa, aquando do seu falecimento, corrobora esse percurso: «Libertário de formação, activista do movimento anarcossindicalista, David de Carvalho aproximou-se do Partido Comunista» [Diário de Lisboa, 27/11/1985], sendo militante durante a clandestinidade e após Abril de 1974. 

Apesar das divergências quanto às orientações do movimento sindical, manteve uma relação cordial e de amizade com Alexandre Vieira, a quem tratava por camarada, não esquecendo «a influência tão benéfica que o Vieira exerceu no conhecimento que hoje suponho ter das coisas que nos interessam, em relação às questões sociais» [Carta a Alexandre Vieira, datada de 01/08/1932].

Tornado jornalista profissional, esteve na origem do Sindicato dos Profissionais da Imprensa, aderente à Federação do Livro e do Jornal e, com o triunfo da Ditadura e a destruição de A Batalha, David de Carvalho foi um dos fundadores, juntamente com Alfredo Marques, Baptista Dinis, Mário Quintela e Mário Salgueiro, «grupo de jornalistas que à causa da Liberdade se têm dedicado com ardor, e continuam dedicando-se, apesar de todas as vicissitudes», de O Povo (1928-1930), Diário Republicano da Tarde com sede no Largo do Calhariz, 17: «a união de todos os republicanos, em defesa da República, seria o primeiro e imediato objectivo de O Povo, ao mesmo tempo combatendo todas as manifestações reaccionárias que pretendessem asfixiar as conquistas da Democracia e da Liberdade, expressas na fórmula República». No entanto, Mário Salgueiro,  o redactor-principal, entendeu dar outra orientação ao jornal, «atacando pessoalmente certos vultos republicanos», o que esteve na origem de uma circular, datada de 22 de Janeiro de 1930, dos restantes redactores societários a demarcarem-se daquele, procurando que o jornal retomasse «a sua característica republicana, liberal e anti-clerical» [Circular de "O Povo", 22/01/1930, FMS - Casa Comum / Fundo Alberto Pedroso].

Após este insucesso, David de Carvalho esteve no Diário Liberal, Jornal Republicano da Manhã a funcionar no mesmo edifício de O Povo, participou no periódico clandestino O Rebelde e, em 1933 ou 1934, ingressou na Emissora Nacional, através de Mário Neves, envolvendo-se, activamente, na luta contra o Fascismo: (re)começavam décadas de prisões e perseguições, sem que alterasse o rumo e os princípios.

[David de Carvalho || ANTT || RGP/5842 || PT-TT-PIDE-E-010-30-5842_P5] 

Preso em 25 de Janeiro de 1937, «para averiguações», e levado para a 1.ª Esquadra, foi entregue à SPS da PVDE em 29 de Janeiro: transferido para o Aljube em 1 de Março, foi libertado no dia 10 [Processo 110/937].

Em Outubro de 1945, estava entre os 300 signatários da moção aprovada no Centro Almirante Reis aquando da criação do Movimento de Unidade Democrática, tendo colaborado com a sua Comissão Central, o que levou à expulsão, por motivos políticos, da Emissora Nacional.

Trabalhou, então, às escondidas, como tarefeiro em serviços do Estado e tornou-se tradutor e revisor em editoras, a par da sua militância antifascista. Participou activamente nas campanhas presidenciais de Norton de Matos (1949) e de Ruy Luís Gomes (1951) e esteve envolvido no Movimento Nacional Democrático, quer nas comissões de Lisboa, quer na Comissão Central, colaborando, entre outros, com Albertino Macedo, José Morgado, Maria Isabel Aboim Inglês, Maria Lamas, Ruy Luís Gomes e Virgínia Moura

[David de Carvalho || F. 25/06/1951 || ANTT || RGP/5842 || PT-TT-PIDE-E-010-30-5842_P4]

Novamente preso, «para averiguações», em 23 de Junho de 1951, levado para o Aljube e libertado em 4 de Agosto [Processo 109/951].

As prisões sucediam-se, mesmo que por poucos meses e com escassos intervalos de tempo. No ano seguinte, em 19 de Fevereiro, seria detido em S. João do Estoril, sempre com a informação de «para averiguações»: levado para o Aljube, três dias depois estava em Caxias, de onde foi libertado em 22 de Março [Processo 25/952].

[David de Carvalho || F. 21/12/1953 || ANTT || RGP/5842 || PT-TT-PIDE-E-010-30-5842_P3]

Nova prisão no mesmo ano, em 25 de Setembro, com a mesma rotina: primeiro Aljube, depois Caxias, em 2 de Outubro, e a liberdade em 10 de Fevereiro de 1953 [Processo 164/952]. E o ano não acabaria sem outra detenção, sempre «para averiguações», em 20 de Dezembro, seguindo directamente para Caxias e libertado em 23 de Janeiro de 1954 [Processo 160/53].

[David de Carvalho || F. 22/11/1955 || ANTT || RGP/5842 || PT-TT-PIDE-E-010-30-5842_P2]

No ano seguinte, em 9 de Novembro de 1955 [Processo 106/955], David de Carvalho retornaria ao Aljube e passaria para Caxias em 30 do mesmo mês, sendo punido, em 11 de Janeiro de 1956, com «cinco dias de prisão em cela disciplinar a pão e água», «por se ter dirigido por escrito ao Director da prisão,  ao mesmo tempo e nos mesmos termos que outros, o que constitui manifestação colectiva [...] além de ser em manifesta indisciplina os termos empregados» [ANTT, RGP/5842].

Esta prisão, juntamente com a de Domingos Jorge da Costa Gomes, Fernando Pais Lopes Cipriano, Júlio da Conceição Silva Martins, Mário Vítor Cardoso de Sena Lopes, Natália Costa Gomes e Salomão Lemos Figueiredo, estava relacionada com as actividades no âmbito do Movimento Nacional Democrático, a cuja Direcção pertencia, e foi denunciada publicamente por um folheto, assinado por "Um patriota", no qual se referia que aqueles, ao «fim de seis meses de quase completo sequestro e desumanos maus-tratos», estavam a ser alvo de um «iníquo processo em que à falta de elementos de culpa os acusa de dirigentes comunistas, atribuindo-lhes estas funções à mistura com actividades democráticas», com a finalidade de «acabar com a actividade legal da oposição» ["Concidadãos", s/d, FMS - Casa Comum / Arquivo Mário Soares].

Desta vez, David de Carvalho foi julgado, condenado a pena de prisão maior e ficando abrangido pelas medidas de segurança que, ainda mais arbitrariamente, podiam prolongar aquela. Assim, em 26 de Julho de 1956, o 4.º Juízo Criminal de Lisboa condenou-o em 2 anos e 15 dias de prisão maior, com medidas de segurança [Processo 44/956] e, embora tenha recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 23 de Janeiro de 1957, confirmou a sentença: David de Carvalho foi transferido para o Aljube em 3 de Fevereiro, seguiu para Peniche em 16 de Março e, em 7 de Julho de 1958, iniciou o cumprimento de medidas de segurança por mais 14 meses, só saindo em liberdade condicional em 5 de Setembro de 1959, embora a última fotografia que consta do RGP/5842 tenha gravado a data de 8 de Setembro. Tinha, então, quase 60 anos e o envelhecimento em casa prisão torna-se notório. A passagem da liberdade condicional a definitiva só seria concedida pelo tribunal em Setembro de 1964.

[David de Carvalho || F. 08/09/1959 || ANTT || RGP/5842 || PT-TT-PIDE-E-010-30-5842_P1]

Em Peniche, foi companheiro de cela, entre outros, de Carlos Brito: «unia-os uma profunda amizade», referindo este que «o número de prisões do "velho David"» foi «excepcionalmente grande» [informação do neto David de Carvalho].

David de Carvalho andou, pelo menos, 40 anos a caminho das prisões, a primeira que se conhece data de 1920 e a última foi em 1955, sendo libertado em 1959.

Após o 25 de Abril, foi jornalista no jornal O Diário, onde manifestou a sua preocupação e reservas quanto a textos do seu "Suplemento Cutural" por evidenciarem certo elitismo de conteúdos, mais destinados «a camadas ilustradas e sem nenhuma ligação com as massas», e integrou a Célula dos Escritores da Organização Regional de Lisboa do Partido Comunista.

[David de Carvalho || Os Sindicatos Operários e a República Burguesa (1910-1926) || Seara Nova || 1977]

Em 1977, publicou o livro Os Sindicatos Operários e a República Burguesa (1910-1926) - Crónicas vividas de um imenso conflito [Seara Nova], essencial para a compreensão das consequências do divórcio entre a República triunfante e o Operariado, bem como das dissensões entre as diferentes correntes do sindicalismo da época, sublinhando «que o povo não tem ainda os seus historiadores como os tem a burguesia, embora se diga sempre que é o povo que faz a história; ele a faz, na verdade, porém, ninguém a escreveu ainda» [p. 13].

A vida atribulada de David de Carvalho, com todos os sacrifícios pessoais e políticos que a militância sindical e antifascista acarretou durante décadas, não podia deixar de influir na vida familiar, tanto mais que em 1932, tinha uma filha pequena, Carmen, «que é todo o meu encanto na vida», como confessava a Alexandre Vieira em carta onde lhe oferecia a sua casa, na Rua Buenos Aires, 27 [Carta a Alexandre Vieira, 01/08/1932]. Posteriormente, nasceria o filho Adriano, nome do avô paterno.

Aquando do seu desaparecimento físico aos 86 anos, em 26 de Novembro de 1985, num artigo intitulado "Um sindicalista da velha guarda - Faleceu o jornalista David de Carvalho", o Diário de Lisboa, jornal onde na década de 30 chegara a ser, «por necessidade», revisor, evocou o «homem que desde jovem se dedicou, corajosamente, à luta pela emancipação dos trabalhadores e pela Liberdade», «uma personalidade estimada pela sua delicadeza, lealdade, convívio aberto e agradável» e que deixou nos jornais operários, «dispersa, acaso esquecida, a sua produção como jornalista» [Diário de Lisboa, 27/11/1985]. Já O Jornal, acrescentava «o seu espírito lúcido, penetrante e culto», sendo «um inveterado contador de histórias, nomeadamente nas tertúlias políticas e intelectuais do Chiado».

[David de Carvalho || Fotografia cedida pelo neto]

Aos netos deixou uma grata e inesquecível memória, contida numa saudade duradoura: se «deixou, certamente, uns grãos de herança política», «aos descendentes, deixou uma gigantesca montanha de cultura e de valores».

NOTA: Este texto não teria sido possível sem a confiança e amizade de David de Carvalho que, há uns meses, disponibilizou informações, documentação e fotografias do seu avô. Uma História incompleta, tantas são as peças de vida de David de Carvalho que estão, ainda, por revelar.

[João Esteves]

terça-feira, 2 de abril de 2019

[2092.] ALEXANDRE VIEIRA [II] || IV CONGRESSO DA INTERNACIONAL SINDICAL VERMELHA (1928)

* ALEXANDRE FERNANDES VIEIRA *
[11/09/1880 - 26/12/1973]

Em Março de 1928, Alexandre Vieira partiu para Moscovo para participar, como observador, no IV Congresso da Internacional Sindical Vermelha, em representação da Associação dos Compositores Tipográficos de Lisboa, relatando essa experiência no livro Delegacia a um Congresso Sindical [Edição do Autor, 1960]. 

[Fotografia retirada do livro Alexandre Vieira - 30 anos do sindicalismo português || Alberto Pedroso e António Ventura || 1985]

A delegação portuguesa integrava cinco sindicalistas, sendo os quatro restantes: Abílio Artur Alves de Lima, operário do Arsenal da Marinha e dirigente do Comité Executivo dos Partidários da Internacional Sindical Vermelha; Augusto Machado, jornalista operário e dirigente do Comité Executivo dos Partidários da Internacional Sindical Vermelha; Gambetta das Neves, do Sindicato do Pessoal da CP, onde era empregado de escritório; e Bernardo Gonçalves Bandurra, em representação do Sindicato do Pessoal do Arsenal do Exército, sendo que os primeiros três nomes integravam o Partido Comunista desde a 1.ª República.

No regresso, Alexandre Vieira foi forçado a permanecer cerca de quatro anos anos em França, chegando a Paris em 14 de Maio de 1928, para não ser preso em Portugal. 

[João Esteves]

terça-feira, 19 de março de 2019

[2079.] ALEXANDRE VIEIRA [I] || O CASO DA BIBLIOTECA NACIONAL - MARÇO DE 1927

* ALEXANDRE FERNANDES VIEIRA *
[11/09/1880 - 26/12/1973]

[Alexandre Vieira || 04/03/1927 || ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-1-NT-8902_m0042 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Operário gráfico / tipógrafo e jornalista, Alexandre Vieira destacou-se enquanto figura relevante do movimento operário e do sindicalismo revolucionário nos últimos anos da Monarquia e durante toda a 1.ª República, tendo sido o primeiro director do periódico A Batalha, esbatendo-se a sua intervenção sindical e política a partir da década de 1930.

Filho do ferroviário José Fernandes Vieira, nasceu no Porto, na freguesia de Santo Ildefonso, em 11 de Setembro de 1880, com apenas dez anos era aprendiz de latoeiro em Viana do Castelo e aos quinze iniciou, em Coimbra, a sua vida de tipógrafo, profissão a que ficou sempre associado. 

Dirigiu, em Viana do Castelo, O Lutador, órgão local da Federação das Associações Operárias e filiou-se na Associação dos Compositores Tipográficos quando se fixou em Lisboa.

Conviveu com Adolfo Lima [28/05/1874 - 27/11/1943], António Tomás Pinto Quartin [15/01/1887 - 07/02/1970], Aurélio Pereira da Silva Quintanilha [24/04/1892 - 27/06/1987], Emílio Martins Costa [21/02/1877 - 17/02/1952], João Evangelista Campos Lima [1877 - 1956] e Neno Vasco [09/05/1878 - 15/09/1920], quase todos da sua geração, e tornou-se activista do sindicalismo revolucionário. 

Em 1908, durante escassos seis meses, dirigiu o diário A Greve, em colaboração com o anarquista Pinto Quartin e o socialista Fernandes Alves, periódico substituído, em Novembro de 1910, pelo semanário O Sindicalista.

Alexandre Vieira esteve activo durante os dezasseis anos da 1.ª República: participou no Congresso Operário de 1911 e no Congresso Nacional Operário de Tomar, realizado em Março de 1914, assembleia onde se deliberou a criação da União Operária Nacional e seria eleito secretário-geral da Comissão Executiva; integrou, em 1916/1917, a  Comissão de Sindicalistas que diligenciou junto de Afonso Costa devido à galopante carestia de vida; foi o primeiro director do jornal A Batalha, cujo primeiro número saiu em 23 de Fevereiro de 1919; e interveio como delegado ao II Congresso Operário Nacional, realizado em Setembro de 1919, em Coimbra, reunião que criou a Confederação Geral do Trabalho (CGT) em substituição da União Operária Nacional.

Preso por oito vezes, sem nunca ir a julgamento, passou pelas prisões do Limoeiro e do Governo Civil, tendo também permanecido detido no Forte de Elvas, Alexandre Vieira manteve um trajecto muito peculiar no movimento sindical, não procurando rupturas com os diferentes intervenientes da época e convivendo com alguns dos principais intelectuais republicanos e socialistas.

Chefiou a tipografia da Seara Nova e, depois, a da Biblioteca Nacional quando Jaime Cortesão [29/04/1884 - 14/08/1960] e Raul Proença [10/05/1884 - 20/05/1941] assumiram a sua direcção. Foi aqui que, já depois de instituída a Ditadura Militar e demitidos aqueles, Alexandre Vieira seria preso pela nona vez, na sequência de um conflito laboral com Fidelino de Figueiredo [20/07/1888 - 20/03/1967], o novo director da instituição nomeado em 16 de Fevereiro. 

[Alexandre Vieira || 04/03/1927 || ca-PT-TT-PVDE-Policias-Anteriores-1-NT-8902_m0042 || "Imagem cedida pelo ANTT"]

Em defesa dos direitos laborais que o novo Director resolveu retirar aos gráficos, Alexandre Vieira e mais doze operários foram recebidos por Fidelino de Figueiredo no seu gabinete, em 3 de Março de 1927. Perante a ordem de expulsão de Alexandre Vieira do edifício e a agressividade crescente de Fidelino Figueiredo, aquele, sentindo-se ameaçado fisicamente, deu-lhe dois murros. 

Alexandre Vieira foi detido, juntamente com os doze operários, e levado para o Governo Civil, onde permaneceu uma semana e foi submetido a diversos interrogatórios policiais. Em 10 de Março, passou para o Forte de Monsanto e, em 14 de Maio, seguiu, sozinho, para a Cadeia do Limoeiro, sendo libertado, sob fiança e a aguardar julgamento, dois dias depois.

O SR. ALEXANDRE VIEIRA, QUE AGREDIU O SR. DR. FIDELINO DE FIGUEIREDO (DIRECTOR DA BIBLIOTECA) COM UM TINTEIRO, RESPONDENDO PERANTE O TRIBUNAL

[Alexandre Vieira || Junho de 1927 || ANTT || PT/TT/EPJS/SF/001-001/0005/0769B]

O julgamento realizou-se no Tribunal da Boa Hora em 23 de Junho de 1927, sendo o advogado de defesa Amílcar da Silva Ramada Curto [06/03/1886 - 15/10/1961] e tendo por testemunhas Afonso Lopes Vieira [26/01/1878 - 25/01/1946], António Augusto Ferreira de Macedo [1887 - 1959], Aurélio Quintanilha e José de Figueiredo [21/12/1872 - 18/12/1937]. Foi condenado a 30 dias de prisão.

No ano seguinte, participou, "como delegado fraternal", no Congresso da Internacional Sindical Vermelha realizado em Moscovo, disso dando conta no livro Delegacia a um congresso sindical [1960].

Alexandre Vieira continuou a intervir civicamente no âmbito da Universidade Popular Portuguesa, conjuntamente com Augusto Carlos Rodrigues, Avelino Henriques da Costa Cunhal [28/10/1887 - 19/12/1966], Bento de Jesus Caraça [18/01/1901 - 25/06/1948], José Carlos de Sousa e Luís Hernâni Dias Amado [19/01/1901 - 22/01/1981]. 

Faleceu em 26 de Dezembro de 1973, com 93 anos de idade e a 4 meses de viver em plena Liberdade.

[João Esteves]