Véspera de ano novo. Abre o guarda-roupa e estende sobre a cama o vestido branco. Olha-se no espelho, já tem os cabelos escovados e presos, a maquiagem feita, mas se apressa, já é tarde e na cozinha a ceia está sendo preparada: ave no forno, arroz à grega, e descansadas na travessa maçãs verdes para a salada Waldorf.
Mexe a panela, espia o forno, põe a champanhe para gelar e volta-se a preparar a salada.Enquanto retira as finas fatias das cascas da maçã, ela relembra a infância quando não havia preparações para o ano vindouro, todos os dias eram feitos de festa simples, de pé no chão, roupa de qualquer cor e tecido, o prato na mesa era simples e feito no fogão à lenha, se esperava apenas saúde, paz e fartura na mesa. O futuro era o presente, vivido com alegria e encantamento.
Cortou as maçãs e ao sentir o cheiro sorriu ao relembrar a primeira vez que alguém lhe disse ter plantado na frente da casa uma macieira, árvore esra que por anos foi vigiada por ela e pelas crianças da rua, aguardando verem nascer e amadurecer ali uma doce maçã verde, pois só viam a tal, nas propagandas da tv e ainda assim em preto e branco. Lembrou ainda que houve quem dissesse ter visto a maçã cair no chão e ter provado, sentindo no paladar o seu sabor levemente ácido e aveludado, da fruta do paraíso que atraiu por tentação Eva e Adão, verdinha, verdinha.
Agora ali, véspera de ano novo, corta entre as mãos enrugadas e trêmulas de ansiedade maçãs verdes tão facilmente encontrada nos supermercados, por vezes insípida e sem encanto algum, para a salada de nome estrangeira, e também sente-se estranhamente, pela terna lembrança dos dias felizes que viveu sem esperar a virada do ano, com tantos preparativos, e sem uma taça de champanhe espumada, ou uma ceia farta, mas faz para si um desejo de que para o ano novo a vida se achegue como maçã verde, doce, leve, aveludada, feito o desejo de criança descobrir o sabor da fruta desejada. Entre os preparativos para o ano novo, anseia apenas que ele venha doce e cheio de vida como uma simples maçã verde, doce, suculenta, nunca proibida, mas ao alcance das mãos.
Paula Belmino