Mostrar mensagens com a etiqueta Treinadores. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Treinadores. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O professor Manuel Sérgio

O professor Manuel Sérgio, que de há uns tempos para cá ganhou a fama de saber alguma coisa de futebol, escreve com assiduidade num jornal desportivo. Além da tendência para gostar um pouco de tudo, como se nada fosse suficientemente mau para merecer a sua censura, tendência da qual Luís Freitas Lobo é o principal cultor, o professor Manuel Sérgio gosta de defender que a teoria e a prática andam de mãos dadas. Apesar do truísmo, o professor repete a ideia em todos os seus artigos, como se estivesse a dizer alguma coisa que a maioria das pessoas não percebesse. A ideia, em si, não só não é extraordinária, como é absolutamente vaga. O professor Manuel Sérgio acha que não, acha que ela contém os mistérios do universo, e não é capaz de aceitar a possibilidade de haver um mau treinador que alie a teoria à prática. Do seu ponto de vista, maus treinadores são aqueles que só têm prática, ou aqueles que só têm teoria. Os que aliam a teoria à prática são necessariamente bons. José Mota, cuja teoria podia ser resumida através da fórmula "Futebol = Luta de Galos", costuma saber passar dessa teoria à prática, pondo os seus atletas a jogar qualquer coisa desse género. De acordo com o argumento do professor Manuel Sérgio, isto é um bom treinador. De acordo com o argumento que reforçarei de seguida, o professor Manuel Sérgio é um tontinho.

A Academia, em termos gerais, tem o hábito de criar este tipo de tontos. São pessoas que, por se terem destacado dentro da Academia, acham que ela tem valor por si. E tudo aquilo que dizem é influenciado pela crença de que a formação que têm lhes dá uma determinada autoridade. Para dar um exemplo, o professor Manuel Sérgio costuma inundar os seus textos com citações de pensadores famosos, acreditando que coisas ditas por pessoas que toda a gente conhece, mesmo que fora de contexto, ajudam a enobrecer o que diz e dão força às teorias que sustenta. Este tipo de vício, o de achar que uma frase de Platão ou Nietzsche é lei, é aquilo que estou a tentar dizer que abunda em muitos académicos. Habituaram-se a ouvir pessoas a defender teorias com base no que os antepassados mais célebres diziam, um hábito, aliás, de outro regime, e acham agora que defender ideias é uma espécie de concurso para ver quem consegue citar mais antepassados. A Academia é muito isto. E o professor Manuel Sérgio, que desde que começou a escrever sempre lembrou que era académico, e que isso o distinguia de alguma maneira, costuma defender as suas ideias assim. Argumentar, para ele, é atirar com tralha antiga aos outros. Influenciado por aquilo que antigamente se achava ser um argumento, e que de facto é um argumento em regimes totalitários, o professor Manuel Sérgio chegou aos jornais desportivos e à opinião pública de pança cheia, como se a sua sabedoria acerca do jogo se justificasse por ser um velho jarreta, por ser académico e por conhecer algumas frases de gente que acha que é importante. 

No seu artigo mais recente, insurge-se contra Jorge Valdano, ainda que conte uma história patusca acerca do dia em que o conheceu, e da elegância do argentino, que muito respeita, e tal e tal. A razão pela qual se insurge contra Valdano é uma frase proferida por este num livro: "Nunca ouvi Mourinho dizer uma frase sobre futebol, digna de ser recordada". Mourinho é o campeão pelo qual a donzela Manuel Sérgio torce porque, evidentemente, o fenómeno Mourinho, como a muitas outras pessoas medíocres (o conselheiro Acácio, por exemplo, que agora comenta assiduamente na SportTV), tornou-o famoso. O sucesso de Mourinho foi tal que, para o explicar, deu-se voz a algumas pessoas que, até aí, ninguém conhecia. Desde treinadores a professores, todos ficaram a ganhar com isso. E o professor Manuel Sérgio foi um deles. Foi, digamos assim, o responsável por explicar o lado filosófico do sucesso de Mourinho. Como Mourinho o trouxe para a ribalta, o professor Manuel Sérgio decidiu que devia intervir a favor do seu protegido. E desatou a dizer disparates, uns na forma de argumentos à pedrada, outros na forma de citações sem nexo, a maioria deles revelando a senilidade que o define. Eis um exemplo:

"Há muitos anos já, o José Mourinho me escutou: "Quem só teoriza não sabe, quem só pratica repete"

Não obstante a brasileirismo do português, o professor Manuel Sérgio é suficientemente vaidoso para achar que ensinou o que de mais importante Mourinho aprendeu. Decidiu proteger Mourinho, portanto, porque acha que Mourinho pôs em prática os seus ensinamentos. Decidiu proteger Mourinho porque acha que o futebol das equipas de Mourinho foi, de alguma maneira, influenciado por ele. Eis outro exemplo dos disparates do professor Manuel Sérgio:

"No conhecimento científico, não há teoria sem prática, nem prática sem teoria, se bem que (e volto a palavras minhas) a prática seja mais importante do que a teoria e a teoria só tenha valor, se for a teoria de uma determinada prática."

Ao professor Manuel Sérgio, que gosta tanto de citar autores, bastava que se lhe citasse Aristóteles para que percebesse que estas três linhas não têm pés nem cabeça. Isto para não falar da implicação maior destas afirmações, a de que toda a gente devia ir para cursos profissionais. Para o distinto professor, tudo é prática. E a única teoria que tem valor é a teoria que se debruça sobre uma prática. Na insigne indústria do sapato, por exemplo, só há espaço para sapateiros e para teorizadores do sapato. E o modelo de sociedade que daqui decorre é um em que cada indivíduo ou vai para sapateiro (ou para outra profissão prática qualquer) ou para teorizador de sapatos (ou de outra arte qualquer). É mais ou menos o modelo proposto por Platão, com a importante diferença de só conceber a classe dos artesãos. Isto faria do professor Manuel Sérgio um pedagogo de tontos, não fosse o azar de fazê-lo um pedagogo tonto, como se vê no exemplo seguinte:

"se associarmos, no treinador de futebol Jorge Valdano, a teoria à prática, podemos aplaudir a teoria, até o seu humanismo, mas a prática (como treinador de futebol, repito-me) rasa o sofrível"

Jorge Valdano não teve grande sucesso como treinador, logo tudo o que diz é inconsequente. Para o professor Manuel Sérgio, o que autoriza uma pessoa a falar e a ter razão não são as ideias e os argumentos; são os resultados práticos. Seja o que for que Valdano diga, é necessariamente falso porque ainda não teve sucesso com essas ideias. Não sei o que o professor Manuel Sérgio acha que sabe, mas toda a História da Ciência consiste em pessoas que formularam teorias, que foram ridicularizadas enquanto essas teorias não foram aceites e que passaram à posteridade quando se percebeu que tinham razão. Toda a História da Ciência é sobre teorias que, depois de corroboradas, transformaram a prática para sempre. Valdano pode nem nunca ter sucesso como treinador, mas isso só implica que não diga coisas acertadas na cabeça tacanha de quem não sabe nada do que pensa que sabe. Veja-se mais um exemplo:

"Vejamos agora, sem irmos até ao pormenor, o que de mais significativo fez José Mourinho: completou 100 jogos, na Liga dos Campeões; foi campeão em Itália, em Inglaterra, em Portugal e em Espanha; venceu duas vezes a Liga dos Campeões e uma vez a Taça UEFA (hoje, Liga Europa)"

Para o professor Manuel Sérgio, o currículo de Mourinho fala por si. Com um currículo destes, tem necessariamente de ser bom treinador e de ter boas ideias sobre o jogo. Não interessa muito como e com que meios conseguiu o que conseguiu. O que interessa é que teve sucesso. Há cerca de três quartos de século, também houve quem tivesse dominado a Europa quase toda. Por isso, para o professor Manuel Sérgio, a máquina nazi também deve ser elogiada. Não interessa o poderio bélico desigual; só interessa o sucesso das manobras militares. O que Mourinho fez no Porto, e também na sua primeira passagem no Chelsea, é evidentemente invejável. O que fez depois disso é banal. E é-o não porque passou a ter piores resultados (o que aconteceu), mas porque passou a conceber o jogo de maneira diferente, ou seja, porque passou a teorizar de maneira diferente. Passemos para o último exemplo:

"E se consultarmos o livro Mourinho - a descoberta guiada, do prof. Luís Lourenço, aí encontraremos, na força expressiva das palavras, uma admiração incontida dos seus jogadores, pelo treinador e o homem que José Mourinho é".

Não sei se isto é desonestidade intelectual, se infantilidade. Gostava de conhecer um livro sobre uma pessoa que contivesse testemunhos de outras pessoas que dissessem mal dessa pessoa, mas não conheço. O professor Manuel Sérgio, pelos vistos, deve conhecer, ou não acharia que palavras elogiosas de jogadores num livro sobre um treinador pudessem servir de argumento para comprovar a qualidade desse treinador. Enfim... O professor Manuel Sérgio é um tontinho que tem hoje espaço na opinião pública porque teve a sorte de alguém que conhecia ter tido sucesso. Admira Mourinho não porque Mourinho seja um grande treinador, mas porque acha que Mourinho ilustra a única teoria que tem, e que repete ad nausea, uma teoria que, além de vaga, é falaciosa. Além de tonto, é por isso um bocado parasitário. A sua existência, pelo menos a sua existência pública, depende de outros. Não obstante, acha-se um intelectual de primeira água. Muito da sociedade contemporânea se explica pelo tipo de fénomeno que o professor Manuel Sérgio afinal incorpora: uma pessoa que dá ares de saber alguma coisa, mas que não sabe nada, e que de repente chega a milhares de outras. O melhor que podia fazer o professor Manuel Sérgio era, por isso, pedir que o empalhassem.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Académico

Fez ontem notícia que o professor Jorge Castelo, académico reputado e comentador televisivo nas horas vagas, iria integrar a equipa técnica de Ricardo Sá Pinto. Os que acham que os académicos estão subvalorizados incharam imediatamente, apoiaram a decisão, e desejaram boa-sorte ao senhor professor. Os que acham que aos académicos faltam competências de campo torceram o nariz. Como é sabido, acho que a competência de um treinador, ou de quem quer que trabalhe numa equipa técnica, tem pouco a ver com ser ou não ser académico. Há coisas que a academia dá que a experiência de campo jamais pode dar; mas há coisas que a experiência de campo dá que nenhuma academia é capaz de simular. Nem o supra-sumo dos académicos, por si só, é garantidamente competente, nem aquele que absorveu melhores experiências de campo o pode ser. Dirão os mais incautos que alguém que reúna competências académicas e científicas e experiência de campo está mais apto do que quem só reúna uma delas. Subjaz a quem assim pensa o mesmo erro: o de presumir que a competência de alguém depende necessariamente de qualquer coisa tão circunstancial e breve como a experiência passada directamente relacionada com o jogo. A competência depende de muita coisa, e de muita coisa da qual não se estaria certamente à espera que pudesse depender. Sim, dificilmente poderá haver um bom treinador que não tenha competências futebolísticas relevantes, que não tenha aprendido o que normalmente se aprende em cursos de treinador, mas isso é uma infimíssima parte daquilo que produz um bom treinador. A sua competência depende de conhecimentos futebolísticos, mas depende também de inteligência em bruto, de bom senso, de conhecimento prático, de capacidade de reflexão, de espírito crítico, etc. Pode ser que isto surpreenda alguém, mas estou em crer que, bem mais importante do que conhecer as coisas que o professor Jorge Castelo divulga nos seus livros, é mais determinante à formação da personalidade de um bom treinador conhecer toda a obra de Dickens, ou a teoria da evolução de Darwin. O que causa estranheza nesta afirmação é que parece que Dickens e Darwin, embora francamente mais geniais do que o professor Jorge Castelo, parecem ter menos a ver com futebol do que o professor. Evidentemente, a aplicação ao futebol do que se pode aprender com os primeiros não é clara, ao passo que a aplicação ao futebol dos ensinamentos do professor Jorge Castelo, bons ou maus, é directa. O que estou a sugerir, porém, é que as competências de um bom treinador dependem menos das coisas que aprendeu sobre o jogo e que pode aplicar directamente ao seu trabalho do que propriamente de tudo o resto que lhe molda o carácter. Sim, estou plenamente convencido que um treinador que nunca leu Jorge Castelo pode ser mais competente do que todos aqueles que o leram. Isto porque a competência em futebol não é determinada pela soma das coisas que se leu a respeito de futebol, tal como a competência de um político não é determinada pelas coisas que sabe acerca de política. Serve esta introdução não só para baixar as expectativas em relação ao que se segue, como para, de um modo enviesado, preparar o leitor para a amostra de disparates que um académico reputado pode fazer publicar num livro.

Ao falar sobre o professor Jorge Castelo, podia evidentemente falar de lambe-botice. Não é nada que não me desse um certo prazer, como facilmente perceberá o leitor. Mas achei que teria mais piada, pelo menos desta vez, dar relevância à nova aventura desportiva a que o académico se atira agora partilhando um exercício que descobri ser muitíssimo interessante. Consiste o exercício em abrir ao acaso o livro Futebol - A Organização Dinâmica do Jogo, de 2004, da autoria do professor Jorge Castelo, em citar aquilo que se encontrar na página em que o livro inadvertidamente se abrir, em comentar o que se vir escrito, e em repetir o procedimento enquanto me apetecer. Parece aborrecido? Estou em posição de prometer que será bem divertido. Peço ainda atenção não só para o conteúdo das citações, como para a forma das mesmas, pois que no português utilizado (nomeadamente na colocação das vírgulas) se evidenciam desde logo alguns dos problemas no modo de pensar do dito académico. Tentarei ainda sublinhar aquilo que for mais interessante, em cada uma das citações, para facilitar a compreensão das mesmas.

1. [pp.181]

"Se não for possível retardar o contra-ataque ou, o ataque rápido do adversário, logo após a perda da posse de bola, é fundamental:

A) Criar as condições mais favoráveis, para enfraquecer o diminuto espírito colectivo deste método ofensivo, por forma a que não haja qualquer tipo de possibilidade (veleidade) dos adversários poderem cimentar esses propósitos em qualquer momento do jogo. Inclui-se neste âmbito, a impossibilidade de se utilizar a segunda vaga de ataque.

B) Desgastar psicologicamente os adversários, evitando que estes possam pôr em prática os seus comportamentos táctico-técnicos, em especial, os atacantes sobre quem recai a organização deste método de jogo. À medida que os procedimentos de suporte a estes métodos ofensivos se tornam ineficazes, os atacantes descrêem das suas próprias capacidades diminuindo gradualmente a sua actividade de jogo."

Observações: Ou seja, para parar um contra-ataque adversário, diz-nos o académico, há que a) criar condições favoráveis para pará-lo (que raciocínio formidável!!), ou então b) correr atrás dos adversários a raspar com um garfo num prato para "desgastar psicologicamente os adversários", que acabam inevitavelmente por descrer "das suas próprias capacidades". É ou não é um método defensivo brilhante? Eu avisei que isto ia ser divertido. Mas há mais, e logo na mesma página.

2. [pp.181] [Sobre procedimentos para prevenir o contra-ataque]

"Quando de posse de bola a equipa deverá:

A) Manter uma organização defensiva de base (...)

B) Marcar individual e agressivamente, todos os jogadores que não estejam directamente empenhados na defesa da sua própria baliza. Nestas circunstâncias, devem-se utilizar os melhores defesas em termos individuais ou, criar condições de superioridade numérica, no caso da equipa adversária contar com jogadores de elevada capacidade táctico-técnica individual ofensiva (resolução de situações de 1x1)"

Observações: Para o professor Jorge Castelo, portanto, a equipa que ataca e tem a posse de bola deve guardar, apesar de ter a bola, dois ou três defesas para "marcar individual e agressivamente" alguns adversários. Levando à letra, enquanto 7 ou 8 atacam, 2 ou 3 defendem, enquanto 7 ou 8 andam à procura de dar linhas de passe, oferecer coberturas, etc., 2 ou 3 andam atrás de adversários que, por sua vez, andam atrás de quem tem a bola. Isto é jogar futebol ou é jogar à apanhada?

3. [pp.274]

"Denominamos de superfície de contacto, a parte do corpo que entra voluntariamente em contacto com a bola, que em si oferecer uma multitude de superfícies, consoante esteja animada ou não. Podemos, estabelecer dois aspectos fundamentais no que diz respeito à superfície de contacto com a bola:

1) Quanto maior for a superfície de contacto, maior é a precisão da acção.2) Quanto menor for a superfície de contacto, maior é a potência, que se poderá imprimir à bola."

Observações: Em primeiro lugar, parece que, para o professor Jorge Castelo, a bola não é redonda, pois oferece "uma multitude de superfícies". Às vezes o português é traiçoeiro, mas neste caso não ponho as mãos no fogo. Quanto à teoria de que, quanto maior a superfície de contacto, maior a precisão, quanto menor, maior a potência, tenho a dizer que o professor é capaz de não ter equacionado todas as possibilidades. Será que um remate com a ponta de um dedo é mais potente do que um remate com o peito do pé? Será que um passe com as costas é mais preciso do que um passe de bico? Será que a precisão e a potência têm alguma coisa a ver com a superfície de contacto? Cheira-me que a teoria não é boa! Continuemos, porque isto promete.

4. [pp.312]

"As combinações tácticas podem ser classificadas em:

1) Combinações Simples (combinações a dois ou "passa-e-sai"): (i) o portador da bola fixa a acção do adversário directo (penetração), (ii) executa um passe a um companheiro, que consubstancia um deslocamento ofensivo de apoio, seguido de um deslocamento imediato (passar e mover), para um espaço ou posição facilitadora e favorável para receber a bola.

2) Combinações directas (um-dois ou passa-e-sai): (i) o portador da bola fixa a acção do adversário directo (penetração), (ii) execução de um passe a um companheiro que consubstancia um deslocamento ofensivo de apoio, seguido de um deslocamento imediato (passar e mover) para um espaço ou posição facilitadora e favorável para a recepção da bola e, (iii) devolução da bola ao portador inicial.

3) Combinações indirectas (combinações a três jogadores). A utilização de combinações simpes (a dois), são muitas vezes difíceis de concretizar, face às grandes concentrações de jogadores ou à falta de espaços livres. São assim fáceis de anular sempre, que a cobertura defensiva é assegurada. De modo a garantir um maior desequilíbrio na organização defensiva, integra-se mais um jogador, realizando uma combinação a três, que abre mais possibilidades. Em função da iniciativa (selecção de uma opção), da circunstância (local da acção espaço) e, da colocação ou posicionamento do adversário directa (penetração), (ii) executa um passe a um companheiro, que realiza um deslocamento ofensivo de apoio, seguido de um deslocamento imediato (passar e mover) para um espaço ou, posição facilitador e favorável para a recepção da bola, e (iii) devolução da bola, não ao portador inicial, mas a um 3º jogador cuja situação favorável resulta de um benefício directo (fruto da acção que desencadeou) e, um benefício indirecto (fruto da acção desenvolvida pelo primeiro portador da bola)."

Observações: Devo confessar que foi sem fôlego que terminei de citar isto. A minha pergunta é: por que é que o professor Jorge Castelo, para designar as acções de passe e tabela, precisou de escrever tanto e em grego? Para mim, é um mistério. Apesar disso, ficamos a saber que, para Jorge Castelo, quando há pouco espaço e uma tabela não resolve o problema, pode uma equipa surpreender tudo e todos com a inclusão de um terceiro elemento na acção ofensiva. Combinações entre três jogadores? Por esta é que uma defesa não esperava!

5. [pp.320]

"As formas de se conseguirem mais situações de bola parada, são as seguintes:

1) Passar a bola para o espaço nas "costas" da defesa adversária. Os passes para o espaço nas "costas" dos defesas causam-lhes sempre problemas, porque partem para uma posição desconfortável, tendo que rodar em direcção à sua própria baliza.

2) Através de cruzamentos. Os cruzamentos para as "costas" da defesa, especialmente para a zona central causam um desconforto enorme aos defesas. Na maioria dos casos, estes ao deslocarem-se em direcção à sua própria baliza, intervêm sobre a bola enviando-a para lá da linha final.

3) Através da acção de dribles. Os atacantes, ao optarem por uma situação de 1x1 na zona ofensiva, poderão retirar grandes dividendos, através de situações (de pontapés livres directos ou indirectos) muito vantajosas para a sua equipa.

4) Pressionando os defesas. Quando a bola é introduzida nas "costas" da organização defensiva, os atacantes devem pressionar constantemente os adversários (mesmo que estes cheguem primeiro), disputando com eles a bola, diminuindo-lhes o tempo e o espaço para a poderem jogar. Esta limitação (em termos de tempo e espaço), determina que a execução técnica tenha que ser perfeita, logo, se os defesas não estão confiantes da sua capacidade, frequentemente entram em "pânico". Neste sentido, embora pareça estranho, todos os defesas devem estar marcados por um atacante, os quais mesmo não tendo a certeza de chegar primeiro à bola, devem tentar disputá-la com o defesa adversário.

5) Rematando. Quanto mais uma equipa rematar, mais oportunidades tem de criar situações secundárias de remate. Algumas advêm de ressaltos e outras de pontapés de canto. As equipas devem estar preparadas para rematar em qualquer oportunidade, sobre esta pressão os defesas têm mais probabilidades de cometer erros e, originar mais situações de bola parada."

Observações: Não sei muito bem por que é que será útil a uma equipa saber por que métodos é que se podem obter mais lances de bola parada, mas Jorge Castelo parece pensar que sim. Dá-nos 5 formas de aumentar os lances de bola parada, e quase todos com coisas engraçadíssimas pelo meio. Acredita o professor, por exemplo, que a equipa deve tentar muitos passes para as costas dos defesas, pois estes sentem-se sempre desconfortáveis com isso. Um passe para as costas da defesa é, por isso, como um cisco no olho: é desconfortável e incomoda. Aliás, se após um passe para as costas dos defesas, esses defesas forem pressionados e não estiverem "confiantes da sua capacidade", são bem capazes entrar em pânico, como nos informa. Uma bola nas costas da defesa, seguida de pressão, é para os defesas como tentar escapar de um navio a naufragar. É claro que isso deve ser explorado por uma equipa. Conclui, por isso, o professor Jorge Castelo, que "embora pareça estranho, todos os defesas devem estar marcados por um atacante". Caro professor, não parece; é mesmo estranho. Se todos os defesas estiverem marcados por um atacante, quem é que faz o passe? E para quem? Para um atacante que estiver ao pé de um defesa, por estar a marcá-lo? É de mim ou há qualquer coisa nesta teoria que não bate certo? Como se não bastasse, Jorge Castelo acredita ainda que os atacantes devem forçar situações de 1x1, tal como "devem estar preparados para rematar em qualquer oportunidade". Não sei bem de que modo rematar serve para ganhar livres ou cantos, mas a ideia de que uma equipa deve rematar em qualquer oportunidade é suficientemente estúpida para que não a mencione. Então e se, por exemplo, se der uma situação de 2x0? É uma boa oportunidade para rematar, e, segundo Jorge Castelo, uma equipa deve rematar. Aproveitar a superioridade numérica não só não pode fazer tanto sentido, para o académico, como rematar, como ainda reduz a possibilidade de se ganhar uma bola parada. Formidável!

6. [pp.89]

"Os jogadores deverão tentar objectivar o golo, o maior número de vezes possível. Para isso é importante que estes reflictam correctamente a concepção e o método de jogo, previamente preconizado pela equipa."

Observações: Segundo o professor Jorge Castelo, portanto, uma equipa de futebol é uma espécie de cão com cio: qualquer que seja a situação, quaisquer que sejam as circunstâncias do jogo, o importante é "objectivar o golo". Eu diria que o académico, neste aspecto em particular, parece um velho jarreta a falar.

7. [pp.157] [Sobre os aspectos favoráveis da marcação homem a homem]

"Os aspectos favoráveis do método individual são os seguintes:

1) Possibilidade de se anular um jogador de grande capacidade táctico-técnica, por um jogador de menores recursos. Esta diferença de capacidades é compensada por outras características, tais como a perseverança, o empenho e a vontade, mas também pelo facto de os procedimentos defensivos serem mais fáceis de executar que os procedimentos ofensivos.

2) Estabelece missões facilmente compreendidas no plano táctico, por parte dos jogadores, pois, cada um pode concentrar a sua atenção e esforço num só adversário, numa só missão.

3) Transmite, quando é eficazmente aplicado, uma autoconfiança de extrema importância no desenrolar do jogo, porque a defesa ganha mais duelos do que perde. Simultaneamente verifica-se um desmerecimento por parte dos atacantes, que vão desacreditando das suas reais possibilidades.

4) Provoca um desgaste táctico-técnico, físico e principalmente psicológico aos jogadores sujeitos a este tipo de marcação, pois estão sujeitos de forma contínua e permanente a uma marcação impiedosa e agressiva. Mesmo nas situações em que o defesa perde momentaneamente o contacto com o atacante, este continua a reagir e a proceder, como se tivesse efectivamente marcado. Com efeito, após algum tempo de jogo, o atacante desenvolve nele próprio um constrangimento psicológico, que o leva a actuar como se tivesse marcado, quando na realidade não está. Estas situações são bem visíveis no comportamentos dos pontas-de-lança, que ao receberem a bola de costas para a baliza adversária, ao serem pressionados pelo defesa central, a devolvem quase de imediato ao companheiro em apoio frontal. Todavia, nos casos em que não estão pressionados têm a tendência de executar a mesma resposta táctico-técnica, em vez de rodarem e direccionar os seus comportamentos para a baliza adversária.

5) Reduz a iniciativa do adversários que está sob influência deste tipo de marcação, pois nunca tem espaço e tempo para exprimir as suas capacidades táctico-técnicas.

6) Consegue-se permanentemente um certo equilíbrio numérico em qualquer situação momentânea de jogo em qualquer espaço.

7) Potencializa-se a sua eficácia, quando utilizado, logo, após a equipa ter conseguido o golo. Aumenta-se assim, o carácter perturbador da situação, em que a equipa para além de sofrer o golo, está perante um obstáculo adicional, que se consubstancia por uma marcação mais agressiva e individualizada."

Observações: E quando se pensava que a jarretice não podia ir mais longe, eis que o professor nos surpreende. Eu chamaria atenção para os pontos 4) e 7), que consistem em argumentos sofisticadíssimos para a utilização deste método defensivo. Mas antes de falar deles, gostaria de falar de outras coisas. Para o professor Jorge Castelo, este é o método melhor para anular "um jogador de grande capacidade táctico-técnica", coisa de que, por exemplo, Maradona, um dos jogadores com maior "capacidade táctico-técnica" da História, discordava. Gostaria ainda de falar do substantivo "desmerecimento", coisa que acontece aos atacantes quando marcados individualmente (caro professor, não quereria antes dizer "esmorecimento"?), e do verbo "ter" em vez do verbo "estar", em frases como "como se tivesse efectivamente marcado" e "que o leva a actuar como se tivesse marcado, quando na realidade não está". Sem sombra de dúvida, uma boa prova da imensa categoria deste académico respeitado. Sigamos agora para o prometido. Acredita Jorge Castelo que a marcação ao homem desgasta psicologicamente o jogador que sofre essa marcação e, não satisfeito com isso, acredita também que esse desgaste dá lugar a um "constrangimento psicológico" que o leva a comportar-se em todas as ocasiões como se estivesse marcado. Significa isto que, para Jorge Castelo, um jogador de futebol, quando marcado em cima durante algum tempo, passa a comportar-se como o cão de Pavlov, reagindo à ausência da marcação do mesmo modo que reagiria à sua presença. Podemos, portanto, concluir que o enormíssimo académico tem um jogador de futebol em tão boa conta como um rato de laboratório, como alguém cuja capacidade de decisão é facilmente manipulável. Eu não sei que jogos o professor tem visto, mas eu não me lembro de nenhum avançado que, ficando inesperadamente isolado frente ao guarda-redes, voltasse para trás apenas porque não era normal dispor de uma situação como essa, estando mais habituado a outro tipo de comportamento. Este é, aliás, um bom exemplo daquilo que dizia ao início, acerca de as competências de um bom treinador dependerem acima de tudo de coisas que têm pouco a ver com conhecimentos futebolísticos. Se o professor Jorge Castelo procurasse aperfeiçoar os seus conhecimentos em áreas que nada têm a ver com o futebol, se soubesse, por exemplo, que um ser humano adulto e perfeitamente racional dificilmente responderia condicionadamente como o cão de Pavlov, não publicaria disparates como estes. Mais chocante ainda é achar que este método defensivo é especialmente eficaz a seguir a um golo obtido. Parece presumir o académico que defender ao homem, além de criar problemas de raciocínio aos adversários, ainda os desmotiva, sobretudo a seguir a situações em que a perda de motivação se torna mais plausível, como seja um golo sofrido. Além, portanto, de servir para transformar homens em asnos, defender ao homem é também útil para deixá-los melancólicos e abatidos. Permitam-me a analogia: defender ao homem, para o professor Jorge Castelo, é mais ou menos como um navio pirata em que os piratas, depois de pilharem os navios que abordam, não só embebedam os marinheiros do navio abordado, deixando-os incapazes de responder racionalmente, como também lhes levam toda a água potável, fazendo-os acreditar que não têm possibilidade nenhuma de sobreviver. É claro que um método defensivo deste tipo não dá hipóteses nenhumas. Perante tamanhos benefícios, nem sequer consigo perceber como é que caiu em desuso.

Enfim, já vai longa a amostra. O professor Jorge Castelo defende isto e muito mais. Para o que interessa, isto basta. Este senhor vai agora trabalhar num dos clubes mais importantes do país. E não publicou isto há 30 anos, como se poderia pensar. Publicou-o há 8, o que significa que dificilmente pensará de modo diferente. Para aqueles que defendem a aposta incondicional em académicos, o meu conselho é que é reflictam um pouco antes de falar. A academia não pode, obviamente, ser representada por um único exemplo, ainda que esse seja o mais reputado dos exemplos, mas também não pode, por si só, ser uma fonte de saber incontornável. A principal diferença do professor Jorge Castelo para o comum dos treinadores é a de ter reputação. Nos dias que correm, por mais disparates que se digam, por mais pateta que se seja, a reputação, o nome, os rótulos, e a capacidade de dar palmadinhas nas costas das pessoas certas, são os atributos mais importantes para se chegar longe. Em vez de se contratar competência, contratam-se aparências. O académico agradece, engorda os bolsos, acrescenta uma linha ao currículo, e os estúpidos continuam a bater-lhe palmas, quem sabe esperando que um dia os recompense o académico, lembrando-se deles em qualquer ocasião de necessidade.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Excessos Excessivamente Excessivos

Como o título indica, este será um texto sobre coisas excessivas, sobre asneiras que as pessoas repetem, sobre ideias demasiado consagradas, sobre acontecimentos exageradamente discutidos, etc..

1. Numa entrevista, quando ainda era treinador do Braga, Jorge Jesus disse que aprendera no mesmo sítio que Guardiola e que, por isso, o seu modelo, em termos de princípios de jogo, era idêntico ao do Barcelona. O excessivo, aqui, não é o exagero da coisa, mas a redução da ideia de modelo ao conjunto de princípios gerais: futebol ofensivo, pressão alta, linhas subidas, etc. Os princípios de jogo do Barcelona vão muito para além disto e é esse muito que o distingue. O modelo de jogo de Jesus, tendo virtudes, não é por isso sequer primo do modelo de Guardiola.

2. Outra coisa excessiva a respeito do modelo de Jesus é o entusiasmo que causa. O problema desta relação entre qualidade do modelo e entusiasmo que provoca é que é falaciosa. O melhor modelo não é o que galvaniza mais as bancadas, o que cria mais oportunidades de golo, o que motiva mais os jogadores. Não há relação de causalidade entre qualidade e efeitos exteriores na audiência, resultados práticos ou capacidade de motivação. O melhor modelo, e esta é a minha definição, é aquele que faz depender o colectivo o menos possível das individualidades. Nesse aspecto, o modelo de Jorge Jesus tem-se revelado cada vez mais banal. Depende excessivamente - e isto é algo que ando a dizer desde o início da época passada, embora se revele cada vez mais - da vertigem que as individualidades são capazes de colocar no jogo; depende das correrias dos laterais, da velocidade a que cada jogador reage à perda de bola, da espontaneidade de cada elemento, etc. Se é verdade que, jogando deste modo, impede os adversários de se organizar do melhor modo, impede também a própria equipa de jogar de modo organizado. O modelo de Jesus prepara a equipa para ser forte em momentos de desorganização, mas limita-a não a preparando para ser competente quando é preciso inventar essa desorganização.

3. Talvez o melhor exemplo de como o modelo tem graves problemas seja Saviola. O argentino - têm dito - não está na sua melhor forma. Isto é absolutamente falso. Tem tido menos preponderância neste Benfica porque este Benfica, pelo modo como joga, não procura valorizar aquilo em que Saviola pode fazer a diferença, sobretudo em ataque posicional. Ao jogar excessivamente em velocidade, o Benfica passa a focar o seu interesse em jogadores velozes e fortes fisicamente e perde de vista aquilo que os mais criativos, como Saviola, podem emprestar em criação de espaços curtos. Saviola, como aliás Pablo Aimar, foram os jogadores que, o ano passado, puderam permitir ao Benfica ser uma equipa com outras soluções que não as corridas desenfreadas. Este ano, Jesus tem gradualmente abdicado desse tipo de soluções e os dois argentinos foram perdendo protagonismo. Com essa perda de protagonismo, perdeu também o Benfica imprevisibilidade e passou a depender mais daquilo que cada jogador é capaz de dar, enquanto individualidade.

4. No final da época passada, quando elegemos André Villas Boas como o melhor treinador do campeonato, tínhamos em conta precisamente estes defeitos do modelo de Jesus. Um ano volvido, acreditamos ainda mais na diferença entre os dois. Não obstante um ou outro problema no modelo do Porto, é certo que é o modelo que, em Portugal, maior qualidade apresenta, pois é aquele que depende menos da soma das suas individualidades. O que é excessivo, neste ponto, é portanto a incompreensão de como o Porto deste ano, radicalmente diferente do do ano anterior, soube superiorizar-se ao Benfica de Jesus, tal como este, na época passada, se superiorizara ao Porto de Jesualdo.

5. O principal defeito do modelo portista, a meu ver, está na tarefa distinta dos extremos. Toda a equipa privilegia uma posse de bola curta e o passe ao drible, à excepção dos extremos, que parecem ter liberdade para individualizar os lances. É verdade que Hulk e Varela são fortes no um para um e é verdade que várias das suas acções individuais podem trazer benefícios ao colectivo. Também é verdade que há movimentações sem bola, sobretudo de abaixamento, que os extremos fazem e que se inserem na ideia colectiva. Mas existe, no meu entender, uma fé excessiva na capacidade individual destas unidades que pode ser prejudicial à equipa. Os extremos são jogadores essencialmente verticais e que têm a tarefa de definir os lances. Raramente são utilizados na gestão passiva e racional da bola, o que impossibilita que o Porto consiga ser ainda mais dominador do que é quando a tem. Assim sendo, o Porto é fortíssimo a controlar o jogo com bola nos dois primeiros terços do terreno, mas não o é nas imediações da área. Raramente consegue penetrar em defesas sólidas e densas sem utilizar a arma das individualidades: os remates de meia distância, o drible, o um para um, etc. Falta envolvência ofensiva em espaços curtos a esta equipa e muito por causa da excessiva verticalidade que é pedida ou autorizada ao trio da frente.

6. São excessivas também as previsões catastróficas do futuro sportinguista. Basta lembrar o que era o Benfica antes de Jorge Jesus para se perceber que tudo pode mudar de um ano para o outro, havendo a sorte de se contratar competência. É evidente que os recursos financeiros do Benfica são outros, mas a principal causa da mudança está no cargo de treinador. Tenha o Sporting a sapiência de contratar um treinador competente e a próxima época será certamente diferente. É também evidente que os rivais estão muitíssimo fortes e que ganhar o título poderá depender muito do que esses rivais forem capazes de fazer para o ano. Mas, com um treinador capaz, pelo menos a intromissão na luta pelo título é um horizonte mais do que realista. Do que me pude aperceber das eleições que se avizinham, o único candidato que poderia relançar imediatamente o Sporting é Dias Ferreira. Não por ter competências excepcionais como presidente ou como pessoa, mas porque foi o único que apresentou um treinador que me parece apropriado para as aspirações do Sporting. E o treinador deveria ser, sem dúvida, a principal preocupação eleitoral.

7. A valorização de Domingos é outra das coisas que me faz alguma confusão. É interessante que o diga agora, um dia depois de um apuramento histórico do Braga. Campanhas europeias históricas ou alguns resultados surpreendentes não chegam para qualificar um treinador. Se chegasse, Jaime Pacheco teria de ser recorrentemente uma das cogitações para treinar um grande. É verdade que, na Europa, o Braga está a fazer mais do que se esperaria. Mas internamente está a fazer menos. Num ano em que o Sporting está tão mal e em que o Guimarães não tem pedalada para mais, um treinador de grande qualidade teria de deixar o Braga em terceiro lugar. Concordo que Domingos tem qualidades, sobretudo ao nível da preparação estratégica dos jogos e da implementação de certos conceitos defensivos. Mas o seu Braga não é, nem nunca foi, uma equipa capaz de dominar jogos. Trata-se de uma equipa organizada, sim, mas ofensivamente medíocre. E já o ano passado o era, fazendo a campanha interna que fez por questões mentais, por se ter adiantado na classificação num momento precoce da época e, por isso, ter adquirido forças extra para superar os obstáculos. Numa equipa grande, Domingos teria, a meu ver, enormes dificuldades para se impor.

8. Muitos terão visto o jogo da segunda mão entre Barcelona e Arsenal e muitos terão opiniões sobre esse jogo. Não vou falar do jogo, mas de um pormenor que não sei até que ponto terá passado despercebido. Os noventa minutos foram todos praticamente jogados em 30 metros. Quando assim acontece, por norma, esses são os trinta metros mais próximos da baliza de quem defende. Não foi isso que se passou neste jogo. O jogo foi jogado apenas em trinta metros, mas praticamente no meio-campo. Deveu-se esse facto a duas razões: à atitude defensiva do Arsenal, por um lado, e à opção, invulgar em quem opta apenas por defender, por uma linha defensiva muito subida. O Arsenal jogou basicamente com duas linhas, uma de seis jogadores e outra com quatro, mas tentou fazê-lo na zona de meio-campo e não à frente da sua baliza. A intenção era evitar que o Barcelona jogasse entre linhas, mas sem recuar em demasia. Com isso, o jogo foi de tendência unicamente catalã, como tantas vezes acontece, mas disputado numa zona do terreno pouco comum. Quem viu o desafio com atenção viu por isso um jogo altamente atípico, jogo esse que, na minha opinião, é representativo de um tipo de futebol que se jogará no futuro.

9. Já se falou muito de treinadores; fale-se agora de jogadores. Um dos mais criticados, no início da época, em Espanha, era o francês Karim Benzema. Benzema pode não ser um jogador extraordinário de costas para a baliza, como apoio vertical, mas não é, também, dos piores. Depois, é tecnicamente muito evoluído e é capaz de se desembaraçar com alguma facilidade em espaços curtos. Sempre achei as críticas que faziam ao francês, que eram unicamente baseadas no facto de não marcar golos, incrivelmente desajustadas. A mobilidade de Benzema e a facilidade com que combinava com os colegas emprestaram ao Real Madrid, nessa fase, algo de muito positivo. A arrastar marcações, então, foi determinante. Ninguém foi capaz de ver isso e, agora que voltou a marcar, acham que evoluiu e que está mais confiante. Nada mais falso. Karim Benzema está igual. Mas, como marca golos, as pessoas mudaram a opinião. É um bom exemplo de como a imbecilidade se pode propagar.

10. Em Portugal, dois jogadores de quem se tem falado recentemente e em relação aos quais não consigo compreender o entusiasmo: Djalma e Rúben Brígido. O primeiro é um extremo veloz e habilidoso. Só. Poderá crescer, eventualmente, até a um nível aceitável, mas duvido que venha a ser um jogador de topo. Falta-lhe, sobretudo, compreender e pôr em prática ideias colectivas, e carece de imaginação. A menos que se torne muito forte no um para um, coisa que ainda não é, nem de perto nem de longe, poderá ter alguma utilidade, e ainda assim apenas num modelo que privilegie tais características. Quanto a Rúben Brígido, o melhor que se pode dizer dele é que é atrevido. Sim, arrisca ir para cima dos defesas e não tem medo de falhar. Nunca percebi por que razão tais características são coisas positivas. É demasiado vertical, procura sempre o desequilíbrio, e não é capaz de perceber as necessidades da equipa em cada situação. Tem boa técnica, embora não seja especialmente forte no um para um, mas raramente toma boas decisões. É um jogador agressivo com bola, espontâneo, objectivo, como dizem, mas pouco imprevisível. Tenho também sérias dúvidas que algum dia tenha capacidade para singrar ao mais alto nível.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Conversa da Treta

De há uns anos para cá, tem-se acentuado a tendência de se privilegiar treinadores académicos a treinadores que foram ex-jogadores ou que fizeram carreira dentro do futebol. Com o fenónemo Mourinho, essa tendência ganhou ainda mais relevância. Acho esta divisão uma patetice. Há bons e maus treinadores nos dois lados da barricada. A academia garante tanta competência quanto a experiência dos relvados, ou seja, nenhuma. Ler muito, adquirir muitos conhecimentos, ter tido contacto com os mais recentes estudos não tem relação directa com a competência de um treinador. Não é a forma como a pessoa se instrui que advoga a sua qualidade, mas as ideias que possui e, em suma, a sua inteligência.

Os partidários da academia são ainda religiosamente favoráveis à metodologia de treino da moda: a periodização táctica. O problema da periodização táctica não é a periodização táctica, mas o que cada um acha que é a periodização táctica e a importância excessiva da discussão acerca dela. Há os que acham que ela é a coisa moderna que os modernos devem modernamente seguir, para não passarem modernamente por antiquados. Estes são os mais estúpidos, aqueles para quem, no fundo, trabalhar em periodização táctica é a única coisa que faz sentido, ainda que não saibam explicar porquê. Dizem-se adeptos da periodização táctica porque sabem que é a metodologia que corresponde ao que é moderno e porque faz lembrar Mourinho. Depois, até sabem mais ou menos em que consiste, mas não percebem que benefícios se podem extrair dela que não os óbvios. São, no fundo, fanáticos, pessoas que gostam de uivar que as equipas não devem ter preparadores físicos, que subir escadas não faz sentido nenhum e que o que interessa é treinar situações de jogo. Ouviram dizer estas coisas e agora repetem-nas, crendo-se diferentes.

Antes de prosseguir, queria deixar claro que a metodologia de treino é apenas um ingrediente e não tem o peso que estes fanáticos pretendem que tenha. Acho que, em teoria, há coisas que mais facilmente se adquirem treinando segundo a periodização táctica, mas acho também que há riscos enormes que dificilmente os fanáticos saberão acautelar. Agora, o que me parece importante referir é que se trata apenas de uma metodologia, ou seja, da maneira como se educa uma equipa. A conversa sobre metodologias centra-se no "como". Mais importante que essa conversa é uma que se centre no "quê". Um treinador que ache que a melhor maneira de chegar à baliza adversária é através da solicitação do seu ponta-de-lança de dois metros, utilizando um jogo directo, pode ser o melhor do mundo a operacionalizar treinos em periodização táctica, mas nunca será um grande treinador. É o melhor do mundo apenas a ensinar certos comportamentos à sua equipa. Falta saber se esses são os comportamentos que mais interessam à equipa. Treinar em periodização táctica não significa, por isso, treinar bem. Significa apenas treinar de modo diferente. Jaime Pacheco, se de repente aderisse à periodização táctica, continuaria a ser Jaime Pacheco. Continuaria a dar preferência ao músculo, embora agora não desse sovas aos seus jogadores e os pusesse antes a entrar duro uns sobre os outros, em exercícios com situações de jogo. E continuaria a ser um treinador sem ideias. A conversa abstracta sobre metodologia, por isso, é uma conversa frívola. O que interessa são as ideias. Se as houver, depressa se perceberá quais os melhores exercícios para as pôr em prática.

Dito isto, acho que o treino analítico, puro e duro, tem os dias contados. Por treino analítico entendo treino que divida as componentes física, técnica, táctica e psicológica e que as ministre separadamente. O treino analítico entende, por exemplo, que a componente táctica se subordina às componentes física e técnica, sendo por isso necessário preparar os atletas fisicamente e tecnicamente para que possam depois adquirir preparação táctica. Não acredito nisto porque acho que o jogo é específico e a melhor preparação é aquela que tem em conta todas as componentes em simultâneo. Não significa isto que não possam nem devam haver exercícios descontextualizados, que não deva haver trabalho adicional de ginásio, etc. O treino deve-se centrar sobre o comportamento, a decisão (e isso é tão táctico quanto técnico, físico e psicológico), mas não tem necessariamente de ser exclusivamente contextualizado. Ou seja, um exercício de posse de bola descontextualizado, sem as referências da situação de jogo, como sejam a baliza e o posicionamento relativo dos colegas, tem potencialidades que o melhor exercício de posse de bola contextualizado não tem: potencia situações imprevistas e obriga os jogadores a arranjar soluções inovadoras, estimulando por isso a criatividade e não forçando habituações excessivas. Do meu ponto de vista, o que é mais importante é educar o comportamento dos jogadores, obrigá-los a pensar e a descobrir por si quais as melhores soluções para cada lance. A periodização táctica pode funcionar, sobretudo para algumas coisas, mas pode também dificultar essa educação. É sobre as benefícios e os malefícios deste tipo de treino que pretendo falar em seguida.

Benefícios

Não vou falar de benefícios gerais, pois esses parecem-me conceptualmente errados. Dizer que a especificidade da periodização táctica é melhor do que a falta de especificidade do treino analítico não quer dizer nada e carece de explicação. A especificidade, a meu ver, é útil para certas coisas, mas prejudicial noutras. Vou antes referir aspectos em que me parece que a metodologia da periodização táctica pode potenciar a aprendizagem. Uma vez que o treino assenta sobre comportamentos, são os comportamentos colectivos que esta metodologia mais pode potenciar. Por exemplo, operacionalizar uma defesa à zona que tenha por referências a posição da bola, a baliza e o posicionamento dos colegas tem tudo a ganhar se trabalhado de um modo estritamente contextualizado. Aliás, algo que requer tanta coordenação entre tantos elementos só pode funcionar plenamente se trabalhado de modo contextualizado. Trabalhar a defesa à zona, porque se trata de um comportamento colectivo, é um dos benefícios da periodização táctica. Os atletas adquirirão rotinas de posicionamento e comportamento que dificilmente adquiririam sem o treino específico. O mesmo se passa em situações de transição defensiva e ofensiva. Uma equipa pretende que, no momento da recuperação de bola, o avançado se desloque do centro para a direita e que a bola seja posta nesse local para se iniciar a transição. O treino específico e contextualizado irá potenciar essa aprendizagem. Em suma, a metodologia da periodização táctica é benéfica para todo o comportamento colectivo que requeira repetição e sistematização. Mas nem tudo em futebol requer repetição e nem sempre a sistematização é benéfica.

Malefícios

Uma das principais críticas à periodização táctica consiste em defender que uma metodologia que se baseia na repetição de estímulos atrofia a criatividade e a capacidade de improvisação do atleta. Acho a crítica injusta porque aquilo que se pretende não é que o atleta se comporte sempre da mesma maneira, mas que a equipa tenha comportamentos padronizados. Isto é, a periodização táctica serve para criar hábitos nos comportamentos colectivos, não nos comportamentos individuais. Serve para criar soluções colectivas sistemáticas e para oferecer, por sistema, as mesmas várias soluções ao portador da bola, não para obrigar o portador da bola a decidir sempre da mesma maneira. Isto não implica que isto não seja um perigo. E tenho sérias dúvidas que a maioria dos treinadores entenda esta ténue diferença. A periodização táctica, para muitos, serve para cultivar o estímulo que entendem ser o mais correcto em cada atleta. Com isso, atrofiam-lhe a capacidade de decisão. Um dos malefícios, portanto, da periodização táctica, está no facto de a especificidade poder travar a criatividade. Mas há mais. Acho a crítica acima injusta, mas acho também que há um lado da mesma que interessa ter em atenção. O comportamento colectivo, em futebol, depende de duas coisas: do comportamento de cada um dos elementos desse colectivo e da relação entre cada um desses elementos. A periodização táctica é especialmente útil para melhorar este segundo ponto, a relação entre os elementos do colectivo, mas é insuficiente ou até prejudicial no que diz respeito ao comportamento individual. A periodização táctica preocupa-se excessivamente com a abstracção do colectivo, esquecendo que o colectivo, em futebol, tem esta dupla dimensão. Só entendendo o treino colectivo nesta dupla dimensão, como treino de indivíduos e treino de relações entre indivíduos, se pode extrair o máximo de uma equipa. Se, por um lado, a periodização táctica pode ter o condão de aperfeiçoar mais facilmente a coordenação colectiva, ou seja, de melhorar com mais facilidade a relação entre indíviduos, devendo por isso ser adoptada em exercícios cujo objectivo seja afinar essa relação (defesa à zona, pressing, situações de transição, bolas paradas, etc.), tem por outro lado o problema de tornar demasiado específico o comportamento individual. É por isso que as equipas que trabalham em periodização táctica são, normalmente, mais organizadas, mas também equipas com menos capacidade de improviso, demasiado específicas. Assim é porque o treino a que estão sujeitas assenta na repetição e na sistematização, o que, como expliquei, acarreta virtudes e defeitos. Depois, há ainda o problema adicional de cultivar certos comportamentos num jogador, mas não cultivar nele a necessidade desses comportamentos. Um dos maiores problemas de quem trabalha em periodização táctica, a meu ver, tem a ver com o grau de consciência com que os atletas repetem as suas acções. Na minha opinião, sistematizar comportamentos só tem verdadeiro interesse se, ao mesmo tempo, for ensinado ao jogador o porquê de, em determinadas acções, fazer aquilo para o qual está a ser preparado. Percebendo a razão pela qual se deve comportar de tal maneira, mais facilmente o jogador adquirirá o comportamento correcto e melhor preparado estará para a imprevisibilidade do jogo. Ora, tenho sérias dúvidas que a grande maioria dos treinadores que trabalham em periodização táctica tenha competência para fazer perceber aos jogadores o porquê dos comportamentos que lhes são exigidos. E essa será uma das razões principais para o atrofio da criatividade e da capacidade de improvisação a que muitas dessas equipas acabam por ficar sujeitas. Há ainda outros riscos no uso desta metodologia, embora menores, em meu entender. É comum dizer-se que, não se treinando especificamente competências físicas e técnicas, não é possível, ou é difícil, que os atletas adquiram os requisitos físicos e técnicos de que necessitam. Ora, creio que compete ao treinador exigir o máximo em cada exercício e estar atento à execução do mesmo. Se assim for, o treino específico prepará fisicamente tão bem ou melhor os atletas quanto o treino analítico.

Para finalizar, gostaria de dizer que, em tempos, também eu fui traído pelo equívoco que esta conversa inútil implica. No rescaldo do fenómeno Mourinho, fui levado a acreditar que a capacidade de explicar certas coisas e a capacidade de perceber como fazer com que a equipa sistematize comportamentos eram sintomas de qualidades de treinador. Sei hoje que não é assim. Carlos Carvalhal será um dos melhores exemplos. Em tempos, por ter lido a sua tese de licenciatura e por ter percebido que tinha certas competências técnicas, acreditei que era um grande treinador. Não é. É um treinador mediano, que sabe trabalhar bem e potenciar ao máximo certos aspectos de uma equipa, mas que carece de uma compreensão do jogo que se distinga de outros treinadores. Vítor Pontes é outro exemplo. Estes treinadores conseguem, por norma, que as suas equipas sejam defensivamente organizadas, e que tenham as transições minimamente trabalhadas. Mas isso é tão pouco que não chega para fazer a diferença. Lá está, são pessoas que são capazes de tirar o melhor do método em que trabalham, mas que não são capazes de escapar aos perigos que o método acarreta. Por norma, as suas equipas são pouquíssimo criativas. Carlos Azenha é outro dos treinadores modernos a que este texto se dirige. E talvez seja aquele que melhor exemplifica a inutilidade desta conversa. Trata-se de um treinador académico, que parece ter conhecimentos teóricos diferentes, mas que é tão mau ou pior do que qualquer outro treinador medíocre. A curta passagem de José Guilherme pela Académica poderia também servir como exemplo.

Como disse acima, a conversa que se centra no "como" é conversa da treta. Privilegiar uma determinada metodologia de trabalho em detrimento de outra é apenas um pequeno aspecto a considerar nas competências gerais de um treinador, um aspecto tão relevante como, por exemplo, o sistema táctico preferido. Há várias fórmulas para chegar ao sucesso e, não obstante considerar que a periodização táctica tenha virtudes, optar por ela em vez de uma metodologia tradicional não significa praticamente nada. Aliás, não se percebendo certas coisas bem mais importantes acerca do jogo, diria mesmo que essa opção é absolutamente irrelevante. Não percebendo, por exemplo, a importância de ter os sectores sempre juntos, em todos os momentos do jogo, a importância das coberturas defensivas e ofensivas, a importância da tomada de decisão no cômputo geral das acções individuais, etc., diria que pouco importa ser o melhor do mundo a perceber como é que se pode fazer com que os atletas adquiram certos comportamentos. Pensar, por isso, que existe uma espécie moderna de treinadores que está mais capacitada que a espécie antiga, e que a diferença de espécie se explica pela conjuntura teórica em que esses treinadores foram formados, é uma forma errada de pensar. Não existe diferença de espécie nenhuma. Existem treinadores competentes, treinadores mais ou menos competentes e treinadores incompetentes. E a competência não é algo que se adquira por se pertencer a uma determinada espécie e não a outra.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Pontos sobre o Mundial

1. Os movimentos interiores de Müller eram aquilo que tornava a equipa alemã, a atacar, uma equipa imprevisível. Ao aparecer em zonas centrais, entre os médios e os avançados, concedia não só todo o flanco para as subidas de Lahm como fornecia linhas de passe verticais, povoava zonas entre linhas e unia o sector do meio-campo ao atacante. O segundo golo frente à Argentina é a demonstração disto. É o posicionamente de Müller que permite o passe vertical e o desequílbrio ofensivo decisivo. Sem Müller, a Alemanha, do ponto de vista colectivo, era só mais uma equipa.


Argentina 0-2 Germany

Perry | Vídeo do MySpace

2. Num mundial em que um elevado número de equipas apresentou um duplo-pivot defensivo no meio-campo ou, simplesmente, dois jogadores actuando de perfil, ficaram visíveis os problemas crónicos desse tipo de estrutura. A Alemanha não conseguiu suster a posse de bola espanhola e o constante povoamento da zona entre os centrais e os médios-defensivos, afundando-se no campo; o Brasil nunca foi uma equipa compacta e concedeu sempre espaços indesejáveis, caindo contra uma Holanda que pouca qualidade tem a trocar a bola; a Inglaterra e a França nunca se encontraram; a Holanda sofreu todos os golos de bola corrida por causa dessa estrutura. Só a Espanha, e sobretudo porque tem mais tempo a bola, não tem sofrido por causa dos dois jogadores lado a lado no meio-campo. A epidemia, porém, merecia uma reflexão.

3. No jogo da Holanda contra o Brasil, não foram apenas as referências ao homem evidenciadas pelo comportamento de Heitinga, Van Bronckhorst ou De Jong que permitiram ao Brasil chegar ao golo. O espaço central deveria estar sempre protegido, mas a inclusão de dois médios defensivos, ainda por cima com este tipo de comportamento, torna esse espaço um deserto. Kaká arrasta De Jong e não há maneira de Van Bommel fechar o espaço rapidamente. Assim, forma-se uma avenida que Filipe Melo aproveita, fazendo um passe rasteiro de 40 metros a isolar Robinho, possibilidade inaceitável a este nível.


Netherlands 0-1 Brazil

Simão | Vídeo do MySpace

4. Ainda a Holanda, desta vez contra o Uruguai. O golo de Forlan evidencia o problema das linhas defensivas holandesas. Com dois médios de perfil, cria-se um buraco entre linhas que Forlan aproveita. Recebe um passe vertical e, tendo todo o tempo do mundo ao seu dispor, dribla um adversário e chuta sem oposição. Apesar de facilitado pelo erro técnico do guarda-redes holandês, a chave do lance está no espaço que o duplo-pivot defensivo dos holandeses concede.


Uruguay 1-1 Netherlands

Ricardo | Vídeo do MySpace

5. O futebol da Holanda é pobre. Da afirmação não se segue que não merecesse estar onde está. A única equipa individualmente superior ou semelhante que enfrentou foi o Brasil, que também não apresentou um futebol extraordinário. Um mundial, porém, em que esta Holanda chega tão longe, só pode ser um mundial fraco. Não houve uma única equipa, das que enfrentaram a Holanda, que soubesse aproveitar as deficiências defensivas e a pobreza ofensiva dos holandeses. Junte-se ainda a isto a forma quase fortuita como a equipa adquiriu vantagem nos seus jogos e explica-se a aparente facilidade com que chegou até à final. Sobre o momento ofensivo, é sobretudo relevante falar daquilo que não se vê. Não se vêem movimentos de aproximação e, por conseguinte, capacidades colectivas interessantes na troca da bola; não se vêem os médios a dar apoios laterais ao portador da bola, quando esta está no flanco; não se vê movimentos sem bola significativos; não se vêem ideias; não se vê imaginação; não se vê capacidade para mandar no jogo. Apesar de muitos tecerem considerações positivas em relação ao futebol dos holandeses, gabando-lhe a genialidade ofensiva e o pragmatismo com que tem abordado os jogos, a Holanda tem sido pouco mais que medíocre. A genialidade é meramente individual e o pragmatismo é uma palavra mal usada para se referirem a "muitos homens atrás da linha da bola". A Holanda não defende bem, arrisca é pouco; a Holanda não ataca bem, tem é bons atacantes.

6. Wesley Sneijder tem sido, para muitos, dos melhores jogadores do torneio. Acho que todo aquele que o afirma não tem visto bem os jogos da Holanda. Não está em causa o valor do jogador. Está em causa aquilo que tem feito. Antes de mais nada, creio que esta opinião, em muitos casos, deve estar viciada pelo facto de ele já ter cinco golos. O problema é que é preciso ter em conta como é que os marcou. Contra o Japão, um frango monumental do guarda-redes nipónico; contra a Eslováquia, de baliza aberta, após trabalho de Kuyt; contra o Brasil, um cruzamento desviado por Filipe Melo e um de cabeça, após bola parada; contra o Uruguai, às três tabelas. Sneijder ainda não marcou, por assim, dizer, um golo em que pudesse dizer-se que fora seu todo ou o principal mérito. Por isso, se avaliar-lhe a prestação pelos golos obtidos já não fazia muito sentido, menos o faz quando os golos aconteceram como aconteceram. Para além disto, Sneijder tem jogado muito menos do que têm afirmado. Raramente se aproxima do portador da bola; raramente faz movimentos horizontais para criar superioridade numérica nas linhas ou fornecer apoio ao portador da bola; não vai para a confusão, procurando uma tabela. Prefere geralmente alhear-se do jogo e procurar espaços sem ninguém, para poder receber e fazer o que bem entender. Mas com isso foge ao jogo e não ajuda a equipa a encontrar soluções mais complexas. Sneijder tem-se protegido, procurando receber a bola sempre em condições ideais. Com isso, não só tem estado menos em jogo do que poderia como não tem sido colectivamente competente. Continua, sempre que tem a bola, a evidenciar uma qualidade de passe muito boa. Mas pouco mais do que isso tem apresentado. E, sinceramente, isso não chega para estar entre os melhores do torneio. Comparar a sua prestação com a de Xavi ou Iniesta, por exemplo, não faz o menor sentido.

7. Muito se falou de Fábio Coentrão e da sua forma neste mundial. Não creio que se deva ceder à euforia. A análise fria e racional mostra que Fábio Coentrão fez um bom mundial, é verdade, que foi um contributo ofensivo relevante no flanco esquerdo português. Isso é verdade e é nisso que Coentrão é, de facto, forte. Mas está longe de ser um jogador completo e de ter mostrado, neste mundial, que estava perfeitamente adaptado à posição de lateral. Dizem os que defendem o contrário que Coentrão esteve extraordinário a defender e que, se mais provas fossem precisas, que Maicon e Dani Alves não lhe criaram grandes problemas. O que estas pessoas estão a esquecer é que Portugal defendeu quase sempre enfiado no seu meio-campo e maioritariamente em organização e em superioridade numérica. É natural, nessas condições, que os defesas estejam menos expostos. Fábio Coentrão não sentiu grandes dificuldades a defender, é verdade, mas isso, por si, não significa nada. Pelo modo como Portugal defendeu, sobretudo contra o Brasil e contra a Espanha, seria natural que assim fosse. Raramente os defesas tiveram que corrigir rapidamente o seu posicionamento, raramente ficaram em igualdade numérica ou em lances de um para um com os avançados, raramente ficaram com muito espaço para cobrir. Fábio Coentrão atacou bem e isso é digno de registo. Mas fiquemos por aqui, porque não foi verdadeiramente testado para aquilo em que ainda lhe faltam atributos.

8. Num mundial pobre, em termos tácticos, não há um treinador que tenha merecido mais do que elogios ocasionais. Os dois principais nomes são os de Marcelo Bielsa e de Joachim Löw, embora ambos tivessem dado importantes tiros no pé. Bielsa começou bem e mostrou que uma equipa individualmente menos capaz pode bater o pé aos grandes e jogar deliberadamente ao ataque. Falhou rotundamente ao abdicar das suas principais ideias na eliminatória frente ao Brasil. O jogo de posse e pressão alta dos chilenos, em 343 losango, com Matías Fernandez e Valdivia como principais referências, deu lugar ao jogo veloz, em 442, sem os dois nomes acima referidos. O medo do Brasil ou a cobardia de não ter sido fiel a si mesmo valeram a Bielsa a desilusão. A de todos os chilenos e a nossa. Quanto a Joachim Löw, tem o mérito de ter colocado a selecção alemã a jogar um futebol menos germânico do que é costume. Muito disso, como já referi, era afinal fruto do comportamento criativo de uma individualidade, mas mesmo assim os alemães eram organizados e pareciam pensar de um modo colectivo. Falhou, contudo, como já falhara no Euro 2008, a opção por um 442 clássico e a ausência de movimentos atacantes imprevisíveis, para além dos protagonizados por Thomas Müller.

9. O Uruguai chegou longe, mas nunca impressionou. A caminhada teve na arbitrariedade do calendário a sua principal causa e os uruguaios tiveram apenas o mérito de nunca perder contra equipas individualmente mais fracas. Percebeu-se, todavia, que não podiam ir muito mais longe e que, assim que tivessem pela frente um conjunto mais forte, ficariam pelo caminho. Dentro dos uruguaios, é preciso porém destacar Diego Forlan, um jogador claramente acima da média. Quaanto a Luis Suarez, para muitos uma grande revelação, não posso deixar passar a oportunidade de dizer que me parece extraordinariamente sobrevalorizado. É um jogador que finaliza bem e que aparece bem em zonas de finalização. Mas é só. É incrivelmente prejudicial na construção e toma invariavelmente más decisões com bola. A quantidade absurda de golos que marcou no campeonato holandês deve ser relativizada, tal como relativizado deve ser o seu real valor. Parece-me um jogador do estilo de Mateja Kezman, muito competente num campeonato em que se passa muito tempo perto das balizas, mas sem qualidade para grandes voos.

10. Diego Maradona e Dunga montaram equipas à imagem daquilo que foram enquanto jogadores. Por razões diferentes, nem um nem outro mostraram competência enquanto treinadores de futebol. Vem isto demonstrar que, para se ser treinador, não basta ter sido jogador, por mais genial que se tenha sido. Para Maradona, o futebol é estritamente individual e, nos dias que correm, só um milagre faria com que alguém com uma concepção do jogo deste tipo pudesse ser campeão do mundo.

11. Esta Espanha, ao contrário do que se tem dito, não é o Barcelona. Dito isto, é mais o Barcelona do que era a selecção de 2008, ao contrário do que também algumas pessoas pensam. A selecção de 2008 não trocava tanto a bola como esta, não se detinha tanto em passes e tabelas como esta; não tinha também mais do que três jogadores do Barcelona (Xavi, Iniesta e Puyol), enquanto esta tem seis ou sete; e, sobretudo, Guardiola ainda não era treinador do Barcelona na altura, com toda a revolução que isso acarreta. No entanto, o que é preciso frisar é que esta Espanha, ainda que tenha adoptado o estilo do Barcelona, não tem os automatismos da equipa de Guardiola. Assim, o que há de Barcelona nesta equipa é a quantidade absurda de jogadores do Barcelona no onze. A única coisa que esta selecção tem do Barcelona é as individualidades. Colectivamente, como disse, só o estilo é igual. Nem a competência na pressão, nem a mecanização sem bola, nem o esquema táctico são sequer parecidos. O que é igual é o estilo.

12. O estilo da Espanha é, ainda assim, a principal bandeira desta equipa. E se os espanhóis se sagrarem campeões do mundo, será porventura a vitória conceptual mais importante desde o início do século. O que os espanhóis têm mostrado ao mundo é que este estilo, este jogar para o lado e para trás, este brincar à rabia com os adversários, o ter e querer sempre a bola, a certeza do passe, a profusão de tabelas, o jogo de apoios e pelo centro do terreno é o modo mais eficaz de ser superior a qualquer adversário. Este estilo, ainda que somente o estilo, mesmo faltando toda a mecanização e entrosamento entre jogadores, mesmo faltando limar os mais diversos detalhes, é assim o primeiríssimo e mais importante princípio que uma equipa de topo deve ter. Os espanhóis, sem serem colectivamente uma equipa bem trabalhada, gozam do facto de terem jogadores que preferem jogar neste estilo. E essa preferência faz deles, quando juntos, o mais forte conjunto em prova.

sábado, 4 de julho de 2009

Um treinador competente ou um fala-barato?

Aplaudo de pé, quando assim tem de ser, os clubes que decidem ter à frente da sua equipa técnica treinadores que, apesar de um currículo curto ou pouco reputado, parecem discernir, com relativa facilidade, as exigências do futebol moderno. Muitas dessas contratações, contudo, devem-se ao acaso e não a uma estratégia ponderada. Por exemplo, a contratação de Jorge Jesus pode mesmo ser o melhor que Vieira fez até hoje à frente do Benfica, mas duvido que isso se tenha ficado a dever a uma ponderação acertada. Falando de treinadores, é cada vez mais normal os clubes procurarem académicos que não tiveram, enquanto jogadores, um percurso necessariamente interessante. Esta distinção, porém, radica num erro. É tão errado presumir que um ex-jogador tem vantagens em relação a quem não jogou ou a quem não jogou ao mais alto nível, porque viveu o jogo por dentro, quanto presumir que um académico, porque leu e investigou certas coisas mais ao pormenor, tem vantagens em relação a quem não o fez. A qualidade de um treinador não depende da quantidade de literatura que conseguiu acumular, nem da quantidade de experiência que o seu currículo enquanto jogador lhe forneceu. Ser um bom treinador tem essencialmente a ver com competência. Saber muito ou ter muita experiência pode não ter nada a ver com competência.

Esta posição extrema, que é a posição de muito boa gente, tornaria fácil identificar bons treinadores. Assim, aqueles que estudaram, que se educaram, que tiveram contacto com os mais modernos métodos de treino, estariam numa posição privilegiada. Isto não é verdade e há exemplos de treinadores bastante competentes que foram jogadores no passado. Acredito, de facto, que a experiência enquanto jogador não chega e que um ex-jogador só se pode tornar um bom treinador se se cultivar, se for inteligente. Mas o contrário não é menos verdade. Por mais culta que seja uma pessoa, a reflexão sobre o jogo, a aplicação da cultura à particularidade do futebol é essencial. Poderia dar o exemplo de Queiroz. Para muitos, porque é um académico, tem de ser bom treinador. Mas não é. Nem nunca foi. É apenas alguém que teve um percurso diferente. Até pode ter métodos de treino mais sofisticados que muitos dos treinadores actuais, até pode conhecer mais coisas, até pode estar mais informado, mas se as suas ideias não são boas, de nada lhe vale. E as ideias são aquilo que de mais importante um treinador deve ter. Ter ideias não se segue de estudar muito, como não se segue de conhecer o jogo enquanto jogador. São coisas distintas; não existe uma relação de causalidade entre elas.

Posto isto, queria individualizar o problema. Carlos Azenha, o agora treinador do Vitória de Setúbal, pertence evidentemente à segunda classe de treinadores, aos académicos. Para muitos, a presença de Carlos Azenha na primeira liga é uma boa notícia e um sinal de esperança em relação ao avanço, a nível técnico, do nosso futebol. Não sei se concordo com isto. Por uma razão simples: porque não conheço a fundo as ideias de Carlos Azenha. Aliás, aqueles que acham que Azenha é um dos mais competentes treinadores portugueses só o podem achar porque consideram acertada a premissa acima repudiada. Isto é, quem acha que Carlos Azenha pode trazer boas coisas ao futebol português pensa imediatamente que, por ser um académico, tem vantagens em relação aos outros treinadores. Ou então conhece melhor as suas ideias do que eu. Aquilo que posso dizer com relativa segurança é que Carlos Azenha é uma pessoa informada, provavelmente com métodos de treino bastante modernos, etc. Mas nada disto, como demonstrei, implica ter boas ideias. E é aqui que reside o problema. Do pouco que conheço das ideias de Carlos Azenha, sobretudo das suas intervenções ao longo da época no Domingo Desportivo, não tenho uma opinião tão optimista. Parece-me, de facto, alguém com conhecimentos acima da média, mas parece-me também ter demasiadas certezas infundadas, demasiadas opiniões banais, demasiadas demagogias, demasiados lugares-comuns...

Certa vez, por exempo, Carlos Azenha referiu-se ao avançado hondurenho do Benfica, David Suazo, de uma forma absolutamente convencional e errada. Segundo ele, Suazo era um jogador para jogar na profundidade, útil quando era possível lançar a bola para as costas da defesa, mas que tinha imensas dificuldades quando assim não era. Ora, isto é falso. Está na base deste pensamento um erro bastante comum: pensar que os jogadores valem pelo seu atributo mais interessante. Porque Suazo era veloz, pensava-se que só era forte num tipo de jogo que beneficiasse essa velocidade. Não ver que Suazo era muito mais do que um jogador veloz é um tipo de cegueira grave. Quando Carlos Azenha, ou qualquer outra pessoa, diz que Suazo só é bom nesse tipo de jogo, está a mostrar que não vê as coisas como elas deveriam ser vistas, está a revelar que só tomou atenção, como maior parte das pessoas, aos lances em que o hondurenho, fazendo valer a sua individualidade, conseguiu produzir alguma coisa de útil. Mas produzir alguma coisa de útil não é só ter iniciativas individuais, não é só fazer valer as suas melhores características. É até, essencialmente, fazer valer as suas características colectivas. Suazo não valia só pela sua capacidade de explosão; era um jogador inteligente, muito forte a segurar a bola de costas para a baliza e a tabelar com os colegas, respeitador do colectivo e interessado em jogar em equipa. O que Carlos Azenha evidencia, ao dizer tal coisa, é que não percebeu quem era David Suazo. O que ele percebeu foi o que o hondurenho produziu e não o que poderia produzir. Se a equipa não foi capaz de tirar nada de útil dele além da sua capacidade de explosão, ele não tem culpa. Ou seja, o facto de a equipa jogar para ele de uma determinada maneira não implica que ele não pudesse ser forte noutro tipo de jogo. Aliás, foi muito útil ao Inter e nem sempre pelo seu poder de arranque ou pela sua velocidade. Carlos Azenha, como tantos outros - parece-me - fica-se pelo evidente, pelo que salta à vista, pelo espalhafatoso, pelos golos, por aquilo que toca o nervo óptico sem a mediação da racionalidade. E isso é indicador de uma falta de atenção e de uma falta de finura intelectual que me deixa com muitas reticências quanto à sua pretensa competência...

Poderia, se me lembrasse, concentrar-me noutras ideias com as quais não concordei. Vou antes concluir com as palavras que disse ao ser contratado pelo Vitória de Setúbal. Carlos Azenha disse então, com mais pompa do que com correcção, que queria o seu Vitória a "defender à Sacchi e a atacar à Van Gaal". A expressão é daquelas que entra no ouvido. Cita dois nomes pomposos e as pessoas ficam atentas. Sacchi e Van Gaal são, afinal, das melhores referências que um treinador pode ter. Mas, além da maneira forçada com que os nomes são citados, é a associação entre eles e a divisão entre processos ofensivos e defensivos que mais choca. Eu sei o que é jogar à Sacchi e o que é jogar à Van Gaal, mas o que é jogar defendendo à Sacchi e atacando à Van Gaal? A única resposta que tenho é que isto é parvoíce. São duas coisas incompatíveis. Resta saber se Carlos Azenha o sabia e o disse mais para impressionar ou se, de facto, essas são as suas ideias. Resta saber, por isso, se Carlos Azenha tem competência para corresponder às expectativas ou se não é mais do que um fala-barato...

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Bitaites de Treinadores

Para começar o ano de 2009, damos a palavra a quem sabe, ou seja, aos treinadores. Ou a quem exerce a profissão de treinador, o que vai dar ao mesmo... Mas antes de lhes passar a bola, uma ou duas coisas sobre Mourinho que podem ajudar a desmistificar algumas coisas, nas palavras do amigo e biógrafo, Luís Lourenço, assim como também nas de Rui Faria e Deco.

"Mourinho sempre disse que os seus jogadores têm que ser inteligentes e que têm que usar essa mesma inteligência." (Luis Lourenço, in Liderança: as Lições de Mourinho, pp.78)

"[...] os jogadores têm de pensar e ser inteligentes para observar e entender o que se passa e evolui à sua volta. Daí José Mourinho dizer que só quer jogadores inteligentes nas suas equipas; eles têm de perceber e para isso têm de pensar." (Rui Faria, in Liderança: as Lições de Mourinho, pp.95)

"[Mourinho é um] treinador com uma inteligência superior, muito ambicioso, que exige que os jogadores também o sejam". (Deco, in Liderança: as Lições de Mourinho, pp.200)

Agora eu: Mourinho privilegia, acima de tudo, a inteligência.


Passemos aos treinadores, então:

1. Jesualdo Ferreira:

Aquando da recente vitória do Porto sobre o Arsenal, no Dragão, tendo a equipa londrina jogado com os reservas, visto já estar apurada, Jesualdo Ferreira afirmou que a vitória do Porto sobre o Arsenal não poderia ser minimizada pelo facto de o Arsenal ter jogado sem os habituais titulares e que a sua equipa era tão nova quanto a apresentada por Arséne Wenger. Francamente, desconhecia a faceta de comediante de Jesualdo...

2. Fabio Capello (La Repubblica, 24 de Julho de 2008):

Ha visto gli ultimi Europei, dal vivo e in tv. Hanno decretato la morte del 4-4-2: non lo fa più nessuno. Lei ci ha vinto molto, alla Juventus e al Real Madrid. E' un modello tattico da consegnare alla storia?
"Nel calcio non si consegna niente alla storia. Ci sono i revival, le rivisitazioni, le piccole modifiche sul modello B. Agli Europei, in realtà, si è giocato il famoso 9-1. Non prendeteci in giro, il calcio moderno è questo: nove che difendono e una punta centrale. Tutti rientrano nella loro metà campo, anche i quattro centrocampisti offensivi. Il calcio di questi tempi è il 9-1".

Han??? No Europeu, jogou-se em 9-1??? Capello no seu melhor. A explicação é que, no futebol moderno, 9 defendem e 1 ataca. Dá-me ideia que isso de moderno não tem nada... Se há algo de moderno no futebol é o facto de todos defenderem e de todos atacarem. Já dizia Cruijff que o seu primeiro defesa era o Romário e que, se ele não defendesse na zona certa, toda a equipa teria de defender mais atrás. E o Cruijff já não é de ontem. O senhor Capello continua a revelar que está há mais de uma década parado no tempo. Para ele, há jogadores para defender e jogadores para atacar. E, ainda por cima, 90% deles servem para defender. Com esta frase, Capello revelou praticamente toda a sua filosofia: é um treinador conservador, com ideias estagnadas e nada equilibradas, incapaz de compreender a evolução que o futebol foi tendo ao longo dos últimos anos. Além da escassez de ideias novas, Capello privilegia a defesa. Para ele, é mais importante defender do que atacar. Para atacar, espera-se pela sorte, ou então pela inspiração individual dos avançados. Boa...

3. Marcelo Bielsa:

"Jamás los técnicos obsesivos se preocuparon por jugar ofensivamente. Yo soy un obsesivo del ataque. Yo miro videos para atacar, no para defender. ¿Saben cuál es mi trabajo defensivo? "Corremos todos." El trabajo de recuperación tiene 5 o 6 pautas y chau, se llega al límite. El fútbol ofensivo es infinito, interminable. Por eso es más fácil defender que crear. Correr es una decisión de la voluntad, crear necesita del indispensable requisito del talento."

O perfeito oposto da mentalidade de Capello é este comentário do ex-seleccionador argentino e actual seleccionador chileno, Marcelo Bielsa. Para Bielsa, aprender a defender é muito mais fácil que aprender a atacar, pois as possibilidades ofensivas são infinitas. Concordo totalmente com isto. Aquilo com que não concordo é com a aparente leviandade com que Bielsa trata a defesa. Defender não é só correr. Aliás, se Bielsa se preocupa com a forma como ataca, deveria preocupar-se com a forma de defender, que é sempre o princípio de qualquer ataque. O erro de Bielsa é separar tão drasticamente as duas coisas. Defender de forma correcta, isto é, com os elementos bem posicionados em campo, é a base essencial para a equipa poder passar da defesa para o ataque em pouco tempo. A ideia de Bielsa é compreensível: para defender, basta haver vontade, pelo que o trabalho a fazer é apenas motivacional, enquanto que para atacar é preciso cultivar a criatividade, o talento, a inspiração, etc. Mas o problema é que defender não é só uma coisa da vontade. Não basta apenas querer. É preciso cultura posicional, educação táctica, etc. É verdade que, para aprender a defender, não são necessários tantos esforços: basta corrigir posicionamentos defeituosos, limar vícios antigos, obrigar os jogadores a preocuparem-se com coberturas, etc. Para atacar, é preciso tudo isto e ainda apelar ao instinto criativo, à capacidade da equipa se tornar imprevisível. Isso é muito mais difícil. Tanto Capello como Bielsa parecem cair no erro de achar que defender e atacar são duas coisas distintas e intocáveis. Mas de entre os dois, privilegio claramente a mentalidade do argentino, pois compreende que o ataque é muito mais difícil de trabalhar do que a defesa.

4. Fabio Capello:

Mourinho sarà un allenatore rivoluzionario per il calcio italiano?
"Ai nostri allenatori Mourinho non ha da insegnare niente. In Italia il calcio tatticamente è una cosa molto, molto seria. Sotto l'aspetto calcistico siamo i più avanzati e ormai tutti conoscono tutto. Mourinho adesso ha in mano una macchina straordinaria e non credo farà rivoluzioni, gli sarà sufficiente portare quell'un per cento di novità".

Uma vez mais, Capello demonstra a paralisia temporal que possui. Desta vez, alia à mesma uma pitada de arrogância. Até há uns anos, isto de a Itália ser o país mais evoluído tacticamente era um mito. Confundia-se evolução táctica com jogar à defesa. E confundia-se aglomeração de jogadores atrás da linha da bola com organização defensiva. Nos últimos 5 anos, principalmente, isto foi corrigido. A Itália já não é o país do "catenaccio" e no campeonato italiano até se marcam tantos ou mais golos do que em Inglaterra, por exemplo. O campeonato, este ano, é provavelmente o mais atraente, com partidas fenomenais entre equipas de segunda linha, coisa sem igual noutros campeonatos europeus, e a grande maioria das equipas é bastante evoluída tacticamente. Aliás, é o campeonato no qual se vislumbra uma maior variedade táctica, desde o 442 clássico da Juventus ao 442 losango do Inter de Mourinho, do 4231 da Roma de Spalletti ao 433 da Fiorentina de Prandelli, do 352 ao 343, etc. Concordo, por isso, que em Itália abunde o saber táctico. Mas a frase de Capello é um frase feita. E uma frase que recorda um saber táctico de uma altura em que não havia assim tanto saber táctico. Quando Capello se refere ao saber táctico dos italianos, está a referir-se a um tempo em que isso era um mito, está a referir-se ao seu tempo e a si. E o saber táctico de Capello é como o de Ranieri: está um pouco obsoleto, no meio de tanta variedade e tanta novidade. Além disto, Capello ainda diz que Mourinho trará, no máximo, um por cento de novidade. Dizer isto é não conhecer a realidade, bem como não conhecer Mourinho. Só ao nível da metodologia de treino, Mourinho rompeu com todo o cânone. Basta lembrar que, ao chegar a Itália com este método de trabalho, suscitou imediatamente a curiosidade alheia. Carlo Ancelloti, um dos que não acha que não tem nada a aprender com Mourinho, disse imediatamente que gostaria de ir assistir a um treino do Inter, tal era o interesse que lhe despertava uma nova maneira de trabalhar. Capello, uma vez mais, revela toda a sua pouca modéstia e toda a sua parca sabedoria.

5. Mourinho:

Prefere Stankovic em posições mais centrais ou encostado à esquerda?
"Muitos pensam que o jogador mais posicional à frente da linha defensiva deve ser um jogador muito defensivo. Eu não penso assim. Penso que esse jogador deve ser um jogador com boa capacidade para jogar a bola, com qualidade, com visão, com tranquilidade, para ser quase como o homem que inicia a construção de jogo nessa zona. E o Stankovic é um jogador com experiência que pode jogar aí. Se tivermos Cambiasso para jogar na sua posição normal, obviamente que Stankovic será uma opção para jogar um pouco mais à frente, mas penso que ele pode jogar nessa posição, sim."
Um jogador como Pirlo?
"Não conheço a ideia de Carlo Ancelloti com Pirlo. Não, agrada-me um jogador de futebol, não me agrada um jogador que destrói o jogo do adversário. Gosto, nesta posição, de um jogador que joga e o Cambiasso joga e Stankovic joga e temos alguns outros que podem jogar nesta posição."

Para muitos, isto já não é novidade. Para outros, talvez não seja assim. Ficam, contudo, as palavras de Mourinho (traduzidas por mim) acerca do assunto. Para ele, um médio-defensivo não deve ser um jogador de características defensivas; deve ser alguém que saiba jogar à bola e não alguém para destruir jogo. Em 2008, essa realidade não é propriamente nova, mas, até ao aparecimento de Mourinho, tirando os holandeses, poucos ou nenhuns treinadores tinham ousado pensar desta forma. É uma das muitas revoluções que Mourinho ajudou a realizar. Num futebol a sério, verdadeiramente colectivo, como poucos o preconizam, jogadores como o típico médio-defensivo "carraça" não fazem sentido.

6. Mourinho (Conferência de Imprensa a seguir ao jogo da Supertaça contra a Roma):

[Sobre a questão de Ibrahimovic não marcar muitos golos.]
"Poderá melhorar, mas penso que, numa equipa, para jogar um futebol de controlo e um futebol com posse de bola, é sempre mais importante um super-jogador do ponto de vista técnico que um jogador que marca golos. Se uma equipa está dependente de um jogador que marca 20 ou 30 golos numa época e se o jogador se encontra num momento difícil, as coisas não serão fáceis."

Para Mourinho, o seu ponta-de-lança não tem de ser um exímio finalizador. Isto, se repararmos nas suas equipas e nos números das mesmas, não é nada de novo. Tirando Drogba, no último ano do Chelsea, e McCarthy, no último ano do Porto e após um final de época em que a equipa tudo fez para que o avançado sul-africano aumentasse o seu pecúlio, as equipas de Mourinho, sendo em conjunto o melhor ataque da prova, não têm normalmente o melhor marcador da mesma. Isto porque, nas suas equipas, marcar golo é uma coisa colectiva, da competência da equipa e não do seu avançado. Para Mourinho, para jogar ao ataque, para jogar em posse, é sempre mais importante um jogador que o possibilite do que um jogador capaz de marcar muitos golos. Assim, numa equipa que queira exercer o domínio de jogo, um jogador que valha apenas pela extraordinária capacidade finalizadora que possui não é um jogador útil. Veja-se o erro (assumido por Mourinho no final da época) que foi a contratação de Mateja Kezman. Para Mourinho, incorporar numa equipa sua um jogador que depende da sua capacidade individual de finalizador é desvirtuar o princípio absolutamente colectivo da sua maneira de pensar. Se quer uma equipa que troque a bola e consiga dominar o jogo, todos os seus elementos têm de ser benéficos para isso. Um jogador que não o seja, ainda que depois seja capaz de finalizar melhor do que outros, é sempre um corpo estranho no interior de um colectivo afinado por atributos colectivos. Sim, estou a insinuar que a Mourinho jamais lhe interessaria um jogador como Liedson...