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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Curtas de Dezembro

1. Depois de uma época que só não foi exemplar por ter deixado escapar a Liga Europa, Jorge Jesus perdeu vários jogadores e começou a época com um plantel bem menos forte do que o dos últimos anos. O sorteio da Champions não ajudou, e o Benfica acabou eliminado das competições europeias mais cedo do que nos últimos anos. À margem das circunstâncias adversas, o futebol encarnado depende, mais do que nunca na era de Jesus, da qualidade individual, e é essa a principal crítica que lhe deve ser feita. Num modelo como o de Jesus, o mínimo desinvestimento tem um impacto significativo, e o desempenho ofensivo dos encarnados, esta época, é quase exclusivamente explicado pelos golos de Talisca, pelas arrancadas de Salvio e Gaitan, e pela qualidade de Enzo.

2. O Porto de Lopetegui é uma equipa de oito e oitenta. Tem um plantel formidável do meio-campo para diante; tem uma plantel banalíssimo do meio-campo para trás; tanto goleia como empata com o Boavista; tanto sufoca o adversário do primeiro ao último minuto como se deixa surpreender depois de estar a vencer por alguns golos de diferença. Agrada-me a atitude ofensiva da equipa e agrada-me a intenção de pressionar alto; desagradam-me, porém, as variações constantes de flanco, o excesso de vertigem e a incapacidade, mais ou menos geral, para controlar o ritmo de jogo. Não sei o que acontecerá na segunda metade da época, até porque, sobretudo numa prova de regularidade como é o campeonato, uma equipa assim tanto arrisca o fracasso quanto o sucesso.

3. Marco Silva está a fazer um trabalho interessante. Um clube como o Sporting deve ambicionar sempre o título. O que não pode fazer, num momento complicado em que não pode, de maneira nenhuma, competir com o investimento dos dois rivais e que vem na sequência de anos de crise desportiva, é anunciar publicamente essa ambição. Enquanto "outsider", o Sporting pode sempre intrometer-se nessas contas, como aconteceu o ano passado; enquanto candidato, dificilmente. Não tem plantel para isso e entra em campo pressionado para ganhar. Não obstante, Marco Silva tem apresentado bons indicadores. É verdade que ter Nani - que só por questões extra-desportivas não está a jogar num dos dez melhores clubes europeus - ajuda muito, mas a equipa tem comportamentos interessantes. Acima de tudo, é menos mecânica do que a equipa de Leonardo Jardim, que obteve o máximo do que poderia ter obtido a época transacta, e isso é já um indício do quanto poderá evoluir no futuro. Era importante agora, a meu ver, que dessem finalmente oportunidades a dois jogadores da equipa B que, por quaisquer razões, continuam na gaveta: Chaby e Iuri.

4. Em Espanha, o Real Madrid só não é campeão se não quiser. Dia sim, dia não, a imprensa portuguesa diz que Mourinho é o melhor do mundo. Mas basta ver as diferenças do Real de Mourinho para o Real de Ancelotti para se perceber que, no mínimo, a imprensa portuguesa é tendenciosa. Mourinho jogava com médios como Khedira, Granero ou Diarra. Chegou a jogar com Pepe no meio-campo. Modric nunca foi opção. Ancelotti joga só com dois médios: Modric e Kroos. Não é preciso falar de títulos para que se percebam as diferenças. Mesmo sem Ozil e sem Di Maria, jogando num sistema de jogo que nem sempre oferece uma boa rede de apoios, o Real é uma máquina de futebol de ataque. E isso tem a ver, acima de tudo, com as ideias de Ancelotti a respeito do seu meio-campo. É aí que é profundamente diferente de Mourinho. E é por aí que o seu Real é bem mais competente e criativo do que o Real de Mourinho. Voltemos alguns anos atrás no tempo, lembremo-nos de que foi ele quem "inventou" um meio-campo inteiro para que um jogador que nunca sequer tinha jogado como médio-defensivo se pudesse tornar o melhor dos últimos quinze anos nessa posição e teremos a melhor descrição possível de Carlo Ancelotti.

5. O novo Barcelona começou muito bem. Luis Enrique conseguiu que a equipa jogasse com o bloco tão subido quanto na era de Guardiola, com os sectores muito juntos e a pressionar muito alto. Ao mesmo tempo, ia apostando em jovens jogadores de grande talento, como Munir, usava aos três e aos quatro médios criativos, e conseguia dinâmicas inacreditáveis. Tudo isso se foi, pouco a pouco, dissipando. Às vezes fala-se da coragem de um treinador sem se saber muito bem do que se fala. Para mim, coragem é manter as ideias quando as coisas não correm bem. E o que Luis Enrique fez, a partir de dada altura, foi mostrar que não a tem. Primeiro, foi Piqué, de longe o melhor central do plantel (seguido de Bartra) a ser encostado. Luis Enrique prefere Mascherano e Mathieu porque são mais compenetrados, metem mais o pé, esfolam-se mais, etc.. Depois, foi a derrota diante do Real Madrid. O Barça ainda não tinha sofrido golos no campeonato, jogava bem e fazia coisas que mais nenhuma equipa (salvo o Bayern de Guardiola) faz. Depois da derrota com o rival da capital, o Barça é uma equipa mais banal do que o Barça de Tata Martino. Já não joga com a defesa subida, já não aproxima os sectores, já não pressiona alto, e já nem sequer é capaz de fazer um jogo de posse como antes. Entretanto, desde que Luis Suarez passou a poder jogar, Pedro Rodriguez nunca mais foi titular e Munir raramente foi chamado. Mais do que nunca, o Barça é uma equipa de avançados, e o seu treinador espera que Neymar, Messi e Suarez, para os quais os outros oito jogam, resolvam individualmente o que o colectivo deixou de querer resolver.

6. Paco Jémez foi um dos nomes mais falados para substituir Tata Martino. A direcção do Barça acabou por escolher mal, e Paco Jémez manteve-se aos comandos do Rayo Vallecano. Esta entrevista devia ser lida por toda a gente, mas principalmente por Luis Enrique, que é quem tem a responsabilidade, pela herança que tem, pela tradição do clube e pelas características dos jogadores que possui, de fazer o que nela é ensinado. Para Jémez, ter a bola a todo o custo, arriscando se for preciso arriscar, é o que mais importa, e metê-la na frente é sempre pior do que procurar alguém perto com critério. Além disso, é o adversário que tem de se preocupar com a sua equipa, não a sua equipa com o adversário, e a defesa defende os espaços, não os adversários. Por outro lado, quando um lateral sobe, deve estar preocupado com tudo menos com o facto de ter de vir defender a seguir: a equipa encarregar-se-á de compensar essa subida colectivamente. Para Paco Jémez, é falso que não se possa pressionar durante 90 minutos essencialmente porque pressionar, em seu entender, é um esforço colectivo que depende mais de ajudas, coberturas e posicionamentos relativos do que com esforço muscular, agressividade perante o portador da bola e perseguições individuais. Empatar, acrescenta ainda, é o pior resultado que pode obter: prefere perder, porque, evidentemente, pode perder dois jogos em cada três e fazer os mesmos pontos que faz com três empates. Há pouca gente que pensa assim, e há pouca gente que não vai achar em quase tudo o que Paco Jémez diz um certo atrevimento. E, no entanto, diz mais coisas acertadas em meia-dúzia de respostas do que se diz em dez anos de cursos de formação de treinadores.

7. Nuno Espírito Santo começou a sua aventura em Valência e tem sido bastante elogiado. Evidentemente, é elogiado porque tem tido bons resultados. O futebol do Valência baseia-se, porém, no erro do adversário e no contra-golpe. Tudo o que Nuno pretende é que a equipa chegue rapidamente à baliza adversária, assim que rouba a bola. Defensivamente, os comportamentos da equipa nem são maus, parecendo saber exactamente o que fazer nos momentos de pressing. Mas com bola exigia-se muito mais. E exigia-se sobretudo menos pressa. O Sevilha, o Villareal e o Rayo Vallecano, para dar exemplos de equipas com orçamentos inferiores ou muito inferiores, jogam muito mais à bola do que o Valência, e quando as coisas começarem a correr menos bem e os resultados começarem a ser menos lisonjeiros, talvez caia em desgraça com a mesma velocidade com que caiu em graça.

8. Em Inglaterra, o campeão Manchester City cometeu, a meu ver, o maior pecado que um campeão pode cometer: não ter mudado nada para a nova época. Os campeões precisam de estímulos novos para continuarem a querer ser os melhores, e uma boa maneira de criá-los seria modificar qualquer coisa, sobretudo na forma de atacar da equipa. Sem grandes reforços e sem grandes mexidas na maneira da equipa jogar, o City perderá a pouco e pouco a capacidade de continuar no topo em Inglaterra.

9. O Arsenal de Wenger continua incapaz de ser uma equipa competitiva durante toda a época. Embora o investimento comece a aproximar-se do investimento feito por alguns rivais, e embora consiga finalmente preservar os melhores jogadores de ano para ano, mantêm-se os principais problemas na equipa: as competências defensivas e as lesões. É pena, porque a equipa consegue fazer coisas que a esmagadora maioria das equipas não consegue. E é pena porque Wenger é dos treinadores mais interessantes, do ponto de vista ofensivo. Gosto do estilo, mas tenho de reconhecer que, se não caprichar mais, sobretudo na forma como a equipa defende, o estilo de Wenger não é suficiente.

10. O Chelsea de Mourinho tem o melhor plantel, de muito longe, da Premier League. E mesmo com um meio-campo composto por Matic, Fabregas e Óscar, o futebol praticado é, na maioria das vezes, muito pobre. Defensivamente, a equipa não podia ser mais competente, mas continua a preferir entregar a decisão dos jogos às iniciativas individuais e ao aproveitamento dos detalhes do que às qualidades colectivas. Ainda assim, é capaz de chegar para ser campeão. Em Espanha, em Itália, em França e na Alemanha, Mourinho dificilmente seria campeão a jogar desta maneira. Mas em Inglaterra não há uma equipa capaz de ser regular desde que Ferguson se reformou, e isso é tudo o que importa. O seu Chelsea é competente defensivamente, e isso talvez seja suficiente.

11. Entretanto, Mourinho não perde uma oportunidade para aludir a Guardiola. Quando lhe perguntaram se podia ganhar quatro competições esta época, disse que não porque, ao contrário de outros campeonatos, o campeonato inglês não tem pausa de Inverno e até se joga no Natal. Já aqui tinha sugerido que a carreira de Mourinho pode ser descrita, a partir de certo momento, como uma tentativa de resposta a uma certa obsessão. Agora parece que encontrou outra.

12. Depois de uma época quase brilhante, o Liverpool de Brendan Rodgers está a fazer uma campanha sofrível. A saída de Suarez e a lesão de Sturridge fazem com que o ataque da formação inglesa seja muito diferente do que foi a época passada, e essa pode ser uma explicação para o sucedido, até porque não há muitas mais diferenças. Gosto de pensar, contudo, que uma equipa em que Mario Balotelli é titular em praticamente todos os jogos e em que Lazar Markovic mal tem oportunidades para jogar é uma equipa que não merece muito mais do que a modesta posição que ocupa. Pode-se tentar explicar o insucesso do Liverpool de muitas maneiras, mas referir um treinador que avalia tão mal a qualidade individual dos atletas que tem à sua disposição é capaz de ser suficiente.

13. Gostei muito do trabalho de Pochettino no Espanyol e, do que vi em Inglaterra, só posso dizer bem. A aventura com o Tottenham não tem sido tão feliz quanto isso, ainda que a equipa mantenha as aspirações intactas (está a cinco pontos do acesso à Liga dos Campeões) e há muita gente que tem criticado o seu trabalho. A primeira coisa que gostava de dizer é que Pochettino herdou uma equipa absurda, quase toda formatada pela ideia absurda de jogo que André Villas-Boas tentou implementar. A qualidade individual do Tottenham, ao contrário do que se possa pensar, é muito má, quando se pensa que o clube tem aspirações europeias: Lloris, Verthongen e Lamela são talvez os únicos que podiam jogar num clube maior. Daí que exigir a Pochettino outra coisa que não ficar entre os dez primeiros me pareça um exagero. Ainda assim, não se vê o técnico argentino a jogar para os pontos. Pelo contrário, é das poucas equipas da Premier League que tenta fazer coisas diferentes, que tenta jogar pelo meio, que tenta invadir espaços entre linhas, que joga com os apoios próximos. As derrotas não têm ajudado e vê-se que muitos dos jogadores não gostam de ter de pensar tanto e preferiam um futebol mais à inglesa. Há uns anos, Juande Ramos tentou fazer coisas parecidas e os jogadores do Tottenham, na altura, fizeram-lhe a cama. Lembro-me de ter dito que, embora tivesse regressado às vitórias com Harry Redknapp, o Tottenham perdera nessa altura uma boa oportunidade de se tornar um clube grande em Inglaterra. Não me enganei, ainda que os quartos e quintos lugares de Redknapp tenham dado alegrias a muita gente. Com Pochettino, o Tottenham tinha finalmente a oportunidade de ser, a médio prazo, uma equipa muito forte em Inglaterra. É verdade que os jogadores não são os melhores para isso, mas, para já, era pelo menos importante que esses mesmos jogadores não preferissem ser jogadores de equipa pequena. Infelizmente, é isso que me parece que querem ser.

14. Tim Sherwood, antigo treinador do Tottenham, percebe tanto de futebol como um lagarto ao sol percebe de física quântica. Na sequência da recente derrota do Tottenham com o Chelsea, sugeriu que o belga Verthongen é "muito mau a defender". Para Sherwood, defender é aquilo a que, nas distritas e na Premier League, vulgarmente se chama ter caparro. Verthongen, realmente, não tem caparro. Ou não faz grande uso dele. Isso não significa que não saiba defender. É com preconceitos deste género, preconceitos de que o futebol está completamente cheio, que continuamos a ter de lidar. Esta gente ganha milhões e continua a pensar como o velho que vai à bola ao Domingo a dizer que o futebol era bom era no tempo dos cinco violinos.

15. Na Alemanha, o Bayern vai chegar de novo à viragem do ano com o campeonato praticamente no bolso. É verdade que a resistência interna não é muita, e que o Dortmund, ainda por cima, tratou de facilitar a vida aos bávaros, mas não deixa de ser uma proeza. Quanto ao futebol da equipa, vai crescendo aos poucos e, mesmo sem alguns dos melhores intérpretes, Guardiola tem os seus pupilos cada vez mais próximos do que pretende. Além do 433 da época passada, a equipa joga agora também em 343 e em 352 com uma facilidade impressionante. A linha defensiva está sempre muito alta, o que é absolutamente decisivo para quem queira jogar como Guardiola joga, e os sectores sempre muito juntos, pelo que é fácil depois à equipa adaptar-se a um posicionamento diferente. Mais significativo ainda é perceber que o 343, por exemplo, não serve tanto para abrir a frente de ataque, pois os extremos são essencialmente jogadores para jogar por dentro e vir solicitar o passe a zonas entre a linha defensiva e a linha de meio-campo, quanto serve para ter mais gente no meio. A diferença de Guardiola para os restantes treinadores de futebol é tanta que fazer com que as pessoas a percebam é muito difícil.

16. Por cá, nos últimos dias, o Benfica recebeu o Belenenses, que jogou sem Miguel Rosa e sem Deyverson, possivelmente os dois jogadores mais influentes da equipa esta época. Se calhar é patetice minha, mas isto é capaz de ser um caso de polícia. Miguel Rosa desvinculou-se do Benfica e, mesmo assim, continua a ver a sua carreira comprometida por quem quer que no Benfica tenha algum poder. Já o ano passado tinha sido assim, e voltou a sê-lo este ano. E a única coisa que se faz é assobiar para o lado. Há muita coisa que vai mal no futebol. Há pouca coisa tão abjecta como isto.

17. Por falar em mafiosos, um dos sites portugueses com maior afluência, o TV Golo, foi há tempos bloqueado por todas as operadoras, segundo consta, na sequência de uma ordem judicial desencadeada por uma queixa da Sporttv. O site em questão disponibilizava links para videos de golos e apanhados dos melhores lances de jogos de muitas ligas. Não sei muito bem o que leva uma empresa como a Sporttv a sentir-se lesada por um site deste género (ainda por cima, tanto quanto pude perceber, o site inglês okgoals.com disponibiliza boa parte do que era disponibilizado pelo tvgolo.com), da mesma maneira que não consigo compreender a maior parte das razões contra a livre divulgação de conteúdos na internet, em geral. De qualquer modo, é no mínimo irónico que esta acção moralizadora dos costumes dos utilizadores da internet tenha vindo precisamente de uma empresa que, pelo menos até há bem pouco tempo, detinha o monopólio do negócio do futebol em Portugal e que o vendia como queria e pelos preços que queria. Haja escrúpulos...

terça-feira, 3 de junho de 2014

Balanço Negativo

Como tive oportunidade de escrever, esta época futebolística representou, de certo modo, um retrocesso na evolução do jogo. Com um campeonato do mundo à porta ao qual alguns dos melhores jogadores do mundo chegam em más condições (ou não chegam, de todo), e a julgar por aquilo que se passou há um ano no Brasil, antevejo uma prova sofrível, o que seria a cereja no cimo do bolo. Não acredito, apesar de tudo, que um ano sirva para inverter a evolução do que quer que seja, e a tendência será, nos anos que se seguem, as coisas voltarem à normalidade. Dito isto, gostaria de fazer um balanço daqueles que foram os principais destaques desta temporada:

Em Portugal, Jesus voltou a ser campeão. Tenho falado muito acerca do quão importantes são, para o reconhecimento de um treinador, um jogador ou uma equipa, as circunstâncias que os mesmos não controlam, como o acaso, o talento dos adversários, as decisões de terceiros, etc., e esta época de Jesus é disso um extraordinário exemplo. Para muitos, porque ganhou mais títulos do que nunca e porque esteve pertíssimo de ganhar tudo o que podia ganhar, este foi o melhor dos cinco anos de Jesus à frente do Benfica. Não só discordo amplamente disto como me parece absurdo que se tenha tal opinião. O Benfica começou muito mal a época, tendo uma participação medíocre na Liga dos Campeões e perdendo muito terreno para o principal adversário. Se o Porto não estivesse fragilizado e conseguisse manter a qualidade do futebol que apresentou no início da época, o Benfica teria tido muitas dificuldades em recuperar o terreno perdido e, pior do que isso, em atingir os níveis de confiança que viria a atingir no final da época. Quando se fala na época no Benfica, concede-se o mau arranque, mas considera-se que a segunda metade da época o compensou. Esquece-se, porém, que só o compensou porque as coisas começaram a correr mal aos adversários dos encarnados. Os níveis de confiança subiram porque os resultados começaram a ser positivos, não o contrário. O Benfica termina a época a poder ganhar tudo porque internamente não teve adversários à altura, o que permitiu à equipa convencer-se de que não tinha defeitos e, assim, elevar bastante os níveis de confiança que, no início, estavam bastante debilitados. Foram as circunstâncias externas, não a qualidade do Benfica propriamente dita, que ditaram o sucesso desportivo desta época. O Benfica de Jesus, tal como o do ano passado, é mais calculista do que nunca. Defensivamente, tornou-se uma equipa fortíssima, mas ofensivamente depende cada vez mais das características atléticas dos seus jogadores. Em termos de criatividade colectiva, foi mesmo o ano mais fraco dos cinco anos de Jesus.

Em Espanha, o Atlético de Madrid foi campeão. Já disse a maior parte das coisas que tenho a dizer sobre a equipa de Simeone, mas posso dizer mais uma ou outra. Continuo sem conseguir dar mérito a uma equipa cuja principal arma é a agressividade com que disputa os seus lances. Não o consigo não por não valorizar o empenho e a crença daquelas jogadores, mas porque acho que, em futebol, níveis de agressividade como os do Atlético de Madrid são contraproducentes. São-no no sentido de desposicionarem e desgastarem excessivamente quem os pratica, já para não falar do risco que é jogar 90 minutos com entradas a pedir cartão, e só podem ter gerado sucesso por factores alheios ao jogo. Em primeiro lugar, pela conivência das equipas de arbitragem. Foram pouquíssimos os jogos do Atlético de Madrid a que assisti em que não ficasse um ou dois jogadores por expulsar. Em segundo lugar, porque os adversários foram bem mais fracos do que em anos anteriores. Por fim, porque a fragilidade dos adversários e a possibilidade do título no horizonte criaram a ilusão aos jogadores de que eram melhores do que são, o que os fez transcenderem-se. O Atlético de Madrid foi campeão e Simeone é hoje um dos treinadores mais aplaudidos na Europa. Individualmente e colectivamente, contudo, a equipa é banalíssima. Há jogadores com futuro, mas são poucos: Courtois, Arda, Adrián e Oliver, principalmente, sendo que os últimos dois praticamente nem foram opção. Colectivamente, não há um princípio de jogo que se possa dizer que seja extraordinário. Ofensivamente, então, desafio mesmo a que me digam que tipo de jogadas é que a equipa privilegia. Assim que as coisas começarem a correr menos bem, a confiança com que chegaram até ao topo evapora-se. E é nessa altura que a verdadeira qualidade ficará à vista. A minha previsão é de que esse momento não tardará.

Em Inglaterra, igualmente, o ano foi muito fraco. Como previa há um ano, a reforma de Alex Ferguson e o regresso de Mourinho iam fazer com que o campeonato inglês fosse mais disputado do que tinha sido nos últimos anos. Não esperava, porém, que, além de disputado, fosse tão mal disputado. Wenger continua a ser pouco perspicaz, em termos defensivos, e isso custou-lhe mais um campeonato. Andou durante muito tempo na frente, mas não teve estofo, na recta final da prova, para preparar a equipa para ser campeã. Ao contrário, todavia, do que se conjecturava, o seu Arsenal esteve mais perto dos principais candidatos, o que comprova que, quando o plantel se mantém, a tendência é tornar-se melhor. A próxima época, não perdendo ninguém, mostrará um Arsenal mais experiente e certamente mais capaz de se impor quando as coisas correrem menos bem. Mourinho foi a principal desilusão (tendo em conta que de André Villas-Boas, depois do que fizera no ano anterior, dificilmente esperava mais do que meia temporada em Londres) e o Chelsea, repleto de jogadores talentosos, acabou a temporada a jogar à Di Matteo. Mata fora o melhor jogador do Chelsea nos últimos dois anos, e foi o primeiro a ser ostracizado por Mourinho. Seguiu-se Óscar. Sobrou Hazard, o que é manifestamente pouco. Abdicar de dois dos três jogadores mais criativos da equipa é de uma estupidez inacreditável. Mourinho pode continuar a ser um treinador atento, muito esperto e competitivo, mas, depois da lobotomia, deixou de pertencer ao restrito grupo dos melhores treinadores do mundo. O Chelsea só não foi campeão porque Mourinho já não é Mourinho. Pellegrini não é um treinador genial, mas é um treinador com uma ideia de jogo interessante. Conseguiu ser campeão porque o principal adversário, pelo menos em termos de recursos, andou o ano inteiro a jogar como uma equipa pequena. Sobre David Moyes e o que aconteceu ao Manchester United, francamente, não me surpreende. O seu Everton foi sempre uma equipa deprimente, e era natural que não conseguisse melhor em Manchester. Conseguir ficar atrás da sua antiga equipa, agora bem melhor treinada, aliás, foi obra. Sobre Brendan Rodgers, não tenho uma opinião muito formada. Não vi muitos jogos do Liverpool, mas os que vi não me entusiasmaram particularmente. É uma equipa competitiva, muito agressiva, e que me parece beneficiar disso por jogar em Inglaterra. Mas não vejo uma equipa criativa, capaz de resolver problemas complicados, e com uma ideia de jogo clara, que não se baseie unicamente em recuperar a bola em zonas adiantadas ou em atacar vertiginosamente. É uma espécie de Atlético de Madrid, ainda que não tão agressiva e com menos qualidade individual, que dependerá muito, no futuro, daquilo em que os jogadores puderem acreditar.

Em ano de estreia na Alemanha, Guardiola fez muitas coisas boas, mas podia ter feito mais. Em termos de títulos, francamente, foi uma época muitíssimo positiva. Ser campeão a 7 jornadas do fim, vencer a Taça e alcançar as meias-finais da Liga dos Campeões é muito bom, e dificilmente se podia pedir mais. Em termos de evolução de ideia de jogo, também me parece irrefutável que este Bayern se tornou mais forte e mais dominador do que era, ainda que não tenha ganho tanto. Faltou, no entanto, uma coisa que, a meio da época, parecia mais ou menos evidente e possível, a capacidade de a equipa continuar a evoluir num modelo de jogo tão exigente como aquele que Guardiola propõe. A minha opinião é a de que Guardiola sentiu demasiadas pressões e, a meio da temporada, não obstante a equipa estar cada vez mais sólida e cada vez mais capacitada para jogar como pretendia, decidiu fazer a vontade a quem o criticava. Aproveitando-se da vantagem no campeonato, começou a preparar a equipa para jogar como jogara em anos anteriores, arriscando menos quando em posse, e isso fez com que os bávaros parassem de aprender a jogar dentro de um modelo que exige coisas que só com muita prática se aprendem. Pareceu-me, porém, que Guardiola nunca se satisfez com isso, e a verdade é que foi em alguns jogos mais exigentes que voltou às suas ideias arrojadas. Na Liga dos Campeões, por exemplo, nunca jogou com dois médios de perfil, como o passou a fazer na segunda metade do campeonato. O que aconteceu foi que, nos dois únicos jogos em que se exigia perfeição à equipa em posse, os bávaros não conseguiram ser perfeitos. E não o foram, essencialmente, porque a exigência de Guardiola na segunda metade da época não foi suficiente. Jogaram de acordo com uma ideia de jogo boa, mas sem o devido nível de preparação para ela. Sem essa preparação, e sem a sorte do jogo que o Real Madrid acabou por ter, o Bayern acabou por desconcentrar-se e terminou a eliminatória dando uma imagem que não é a verdadeira imagem da equipa. Não sei se Guardiola prepara grandes mudanças no plantel para a época que vem, mas o mais importante seria tentar convencer os jogadores de que, apesar do desaire, aquela é a melhor maneira de serem uma equipa de futebol.

A principal prova do futebol europeu foi, talvez, o espelho mais fiel da tenebrosa temporada futebolística que se viveu este ano. Desde jogos horripilantes, como a primeira mão da eliminatória que opôs o Atlético de Madrid ao Chelsa, a decisões dramáticas no tempo regulamentar, como o povo tanto gosta, esta edição da Liga dos Campeões teve mais a ver com religião do que com futebol propriamente dito. As equipas que melhor futebol apresentaram foram sendo eliminadas, fosse pelo azar ditado pelo sorteio, como o Manchester City e o Arsenal, fosse por cobardia, como o PSG, fosse por erros próprios ou porque o futebol, em última análise, é um jogo que se presta a isso, como o Borussia de Dortmund ou o Barcelona, e nas meias-finais só já havia uma equipa cujo futebol era minimamente interessante. Quando, nas quatro semi-finalistas, há apenas uma das seis equipas que melhor futebol mostraram, pouco mais há a dizer. O Real acabou por vencer a décima e foi o menos mau que poderia ter acontecido. A equipa continua longe de jogar bem, mas consegue juntar um leque de jogadores que, do ponto de vista individual, pode ser decisivo. Foi-o, de facto, nos quartos de final e nas meias-finais, e foi por esse leque de individualidades que marcou presença na final. Há, no entanto, muito, mas mesmo muito, a melhorar no ano que vem, sobretudo porque a ambição de ganhar uma competição que não ganhavam há largos anos, o principal dínamo emocional da equipa esta temporada, já não existe, e porque há uma série de jogadores (Ronaldo à cabeça) cuja idade forçará a que o seu rendimento seja, a partir de agora, tendecialmente inferior.