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segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Benitez que há em Simeone

Dado que o futebol é um jogo de pontuações baixas (os resultados são geralmente definidos por poucos golos), é também um jogo em que os detalhes têm necessariamente um peso muito significativo. Esta circunstância faz com que seja também um jogo em que a qualidade geral de uma equipa não é suficiente para fazer a diferença perante equipas menos capazes, sobretudo em confronto directo. É por isso que o sucesso de uma equipa em competições de regularidade (como campeonatos nacionais) e o sucesso da mesma equipa em competições a eliminar (como taças nacionais ou internacionais) é por vezes tão distinto. Uma vez que os detalhes são tão importantes, o sucesso numa competição de regularidade será sempre uma pedra de toque mais fiável para aferir a verdadeira qualidade de uma equipa do que uma competição em que um pequeno deslize pode deixar por terra as melhores equipas ou um pequeno lance de sorte pode manter em prova as equipa menos capazes. O sucesso na Liga dos Campeões não é, portanto, sinónimo de competência. Se fosse, seria de esperar que uma equipa que chega a duas finais da Liga dos Campeões em 3 anos, superando algumas das melhores equipas europeias, tivesse mostrado nesses mesmos 3 anos o mesmo tipo de competência na competição interna que disputa. Nem Real Madrid nem Atlético de Madrid, no entanto, têm conseguido justificar internamente esse sucesso. Uma competição em que os jogos teoricamente mais fáceis valem tantos pontos como os jogos teoricamente mais difíceis, em que os jogos em que é preciso assumir a iniciativa valem tantos pontos como aqueles em que não o é, uma competição disputada ao longo de vários meses, durante a qual as equipas passam por diferentes momentos de forma e de confiança, tende a exigir das melhores equipas uma qualidade geral que lhes permita minimizar o peso dos detalhes. Claro está que uma equipa menos competente pode manter índices competitivos muito altos ao longo de uma época inteira, sobretudo se for encontrando motivação para isso, e assim disfarçar a falta de qualidade geral. Mas, de uma maneira geral, o sucesso numa competição de regularidade diz alguma coisa da qualidade geral da equipa que o obtém. E o sucesso continuado, ao longo de várias épocas, nessa mesma competição, mais ainda. É assim perfeitamente possível que equipas que ganham 2 Ligas dos Campeões em 3 anos (e equipas que chegam a 2 finais em 3 anos), não sejam propriamente boas equipas.

O caso paradigmático da discrepância entre o sucesso europeu e o sucesso interno que estou a tentar descrever é, a meu ver, o Liverpool de Rafa Benitez. Nas seis temporadas que passou em Inglaterra, o treinador espanhol não só nunca foi capaz de ser campeão nacional como só foi segundo por uma vez (em 2004/2005, ficou em 5º; em 2005/2006 e 2006/2007, ficou em 3º; em 2007/2008, ficou em 4º; em 2008/2009, ficou em 2º; e em 2009/2010, ficou em 7º). A banalidade destes resultados (em metade das épocas, pode-se mesmo falar de fracasso) contrasta em absoluto com a competência que a equipa foi mostrando na Liga dos Campeões, que ganhou por uma vez, precisamente num ano em que ficou em 5º no campeonato (em 2004/2005, ganha a final ao Milan; em 2005/2006, perde com o Benfica nos oitavos de final; em 2006/2007, perde na final com o Milan; em 2007/2008, perde nas meias-finais com o Chelsea; em 2008/2009, perde nos quartos de final com o Chelsea; e em 2009/2010, fica em terceiro na fase de grupos, atrás de Fiorentina e Lyon, indo depois até às meias-finais da Liga Europa, onde é eliminado pelo Atlético de Madrid). A discrepância é evidente, e explica-se pelo que disse acima: o Liverpool de Benitez foi sempre talhado para uma competição a eliminar, e aí foi sempre um adversário muito difícil de vencer, mesmo para as melhores equipas da Europa. No campeonato inglês, em que era preciso, na maioria dos jogos, assumir a iniciativa, ter a bola, penetrar em blocos defensivos densos, o Liverpool teve sempre muitas dificuldades em apresentar a regularidade que as melhores equipas apresentaram. Em 90 minutos, era um osso duro de roer; em 9 meses, era uma equipa banal. Benitez é claramente um treinador de equipas de segunda linha. Como tais equipas têm qualidade individual suficiente para disputarem 90 minutos com as melhores equipas, e como Benitez trabalha sobretudo os comportamentos defensivos dos seus jogadores, consegue formar equipas difíceis de superar em confronto directo. Em competições de regularidade, porém, só terá sucesso, como o teve em Valência, quando as melhores equipas fracassem clamorosamente (no Valência, foi campeão em 2001/2002, com apenas 75 pontos, num ano em que o Real Madrid ficou em 3º, com 66, e o Barça em 4º, com 64; em 2002/2003, ficou em 5º; e em 2003/2004, voltou a ser campeão, com apenas 77 pontos, num ano em que o Barça foi 2º, com 72, e o Real 4º, com 70). Nesses mesmos três anos, foi duas vezes eliminado nos quartos de final da competição europeia que disputava, ambas pelo Inter de Milão (em 2001/2002, na Taça Uefa, em 2002/2003, na Liga dos Campeões), e ganhou a Taça Uefa em 2003/2004.

Vejo em Diego Simeone um treinador muito parecido com Rafa Benitez. O seu Atlético de Madrid é exactamente aquilo que o Valência ou o Liverpool de Benitez foram, na década anterior: uma equipa de segunda linha, sobretudo vocacionada para não deixar jogar e para forçar o erro do adversário, e que se tornou ambiciosa a ponto de conseguir vencer qualquer adversário europeu em confronto directo. A competência europeia do Atlético contrasta, no entanto, com aquilo que a equipa vai fazendo dentro de portas. À excepção da época de 2013/2014, quando se sagrou campeão, o Atlético de Simeone não foi propriamente a equipa mais competitiva na Liga. E, mesmo nesse ano, aproveitou sobretudo uma má época dos dois principais candidatos ao título. Desde que Guardiola chegou à Catalunha, em 2008/2009, que dificilmente 90 pontos chegam para ser campeão espanhol. Guardiola foi campeão na primeira época com 87 pontos, mas nas últimas 4 jornadas (já com o título garantido) fez apenas 2 pontos. Com a pressão de ter de ganhar, é pouco credível que terminasse a Liga com menos de 95 pontos. Ao elevar o nível competitivo desta maneira, Guardiola fez com que os campeões, em Espanha, tivessem de fazer cada vez mais pontos. Nos 4 anos seguintes, não houve um campeão com menos de 96 pontos. No quinto ano, no ano em que Barça e Real fraquejaram, bastaram 90 pontos para o Atlético de Madrid se sagrar campeão. Não obstante ser uma pontuação óptima para uma equipa como o Atlético, é indissociável da pontuação inferior dos rivais. Se Barcelona e Real Madrid tivessem estado a um nível semelhante ao das épocas anteriores, ou ao nível em que voltaram a estar nas duas últimas épocas, e se assim estivessem estado desde o início da temporada, o Atlético de Madrid dificilmente teria mantido a motivação em que sustentou, semana após semana, a acumulação dos seus pontos. O mesmo se passou, de resto, esta época, em que o Atlético somou 88 pontos. A equipa manteve a ilusão do segundo lugar sobretudo porque o Real de Benitez assim o permitiu, e isso fez com que fossem acumulando vitórias, a maioria das quais pela margem mínima. Mais tarde, quando o campeonato parecia resolvido, o próprio Barcelona facilitou, perdeu uma vantagem de 9 pontos, e permitiu ao Atlético juntar à ilusão do segundo lugar a ilusão do título. Entre 2013/2014, quando foi campeão, e 2015/2016, o Atlético voltou a fazer um campeonato consentâneo com a sua real qualidade: 3º lugar com 78 pontos, a 1 ponto apenas do Valência e a 2 do Sevilha (ficou, de resto, a 14 pontos do Real Madrid e a 16 do Barcelona). Esse terceiro lugar (mais próximo das equipas que lutam pela ida à Europa do que propriamente das equipas que lutam pelo campeonato) espelha muito mais fielmente aquilo que a equipa vale, numa competição de regularidade, do que o título conquistado em 2013/2014 ou mesmo do que o terceiro lugar desta época. Na segunda época de Simeone (a primeira completa), em 2012/2013, o campeonato do Atlético de Madrid não foi, aliás, muito diferente: 3º lugar com 76 pontos, a 9 do Real Madrid e a 24 do Barcelona. É isto, a meu ver, que esta equipa tende a fazer internamente (salvo em circunstâncias atípicas), como era isto que fazia internamente o Liverpool de Benitez. Na Europa, porém, a história é outra. Logo em 2011/2012, quando sucedeu a Gregorio Manzano a meio da época, Simeone ganhou a Liga Europa. Em 2012/2013, foi eliminado da mesma Liga Europa nos 1/16 de final, pelo Rubin Kazan. Em 2013/2014 e em 2015/2016, perdeu a final da Liga dos Campeões, e em 2014/2015 foi eliminada pelo Real Madrid nos quartos de final da mesma prova.

Tal como acontecia com o Liverpool de Benitez, a discrepância entre o que o Atlético de Madrid de Simeone consegue fazer em provas a eliminar e aquilo que tende a fazer numa prova de regularidade é evidente. Sendo uma equipa vocacionada para não deixar jogar, o Atlético de Simeone tem tanta facilidade em equilibrar os jogos contra equipas mais poderosas quanto tem dificuldade em vencer jogos em que tem de assumir a iniciativa do jogo, em que tem de arranjar forma de desorganizar adversários que não querem assumir essa iniciativa: a sua principal força é também a sua principal fragilidade. É por isso que o Atlético de Madrid (como o Valência ou o Liverpool para Benitez) é o clube ideal para Simeone. Num clube de menores ambições e menor orçamento, não teria qualidade individual suficiente para apresentar uma equipa temível nos confrontos directos; e, numa equipa maior, teria de apresentar resultados em provas de regularidade que dificilmente conseguirá apresentar baseando o futebol da sua equipa unicamente no pressing, na concentração defensiva e na forma como procura o erro do adversário. A própria motivação dos jogadores, numa equipa com outras ambições, não seria tão fácil de conseguir. Uma coisa é treinar uma equipa como o Atlético de Madrid, que não tem obrigatoriamente de ficar à frente de Barcelona e Real Madrid, e convencer  os seus atletas de que, para conquistarem o que os melhores costumam conquistar e equilibrarem a contenda contra adversários de maior nomeada, devem sobretudo fazer das tripas coração para que tais adversários não explanem o futebol que os distingue; outra coisa muito diferente é treinar um clube que tem necessariamente de ser campeão, e convencer jogadores que se consideram tão bons ou melhores do que os jogadores dos principais rivais de que devem aceitar o papel de equipa inferior, abdicar da iniciativa e desenvolver sobretudo as competências defensivas. José Mourinho, cuja liderança era amplamente elogiada, falhou em Madrid precisamente porque escolheu tentar convencer os seus jogadores de que, para vencerem o Barcelona de Guardiola, precisavam de deixar de ser jogadores de futebol. Numa equipa parecida com o Atlético, que não ganhe nada há muito tempo e cujos adeptos não tenham expectativas muito elevadas (no Inter de Milão, que já disse que gostaria de treinar), Simeone pode repetir o sucesso que tem tido em Madrid. Numa equipa com mais ambições, num grande europeu, por exemplo, dificilmente conseguirá fazer sequer parecido. É exactamente por ter tido a oportunidade de treinar clubes que lutam pelo título nos seus respectivos países (Inter de Milão, Chelsea e Real Madrid) que quase ninguém reconhece hoje a Benitez a extraordinária competência que, há dez anos, poucos lhe recusavam. A incapacidade que demonstrou sobretudo nesses clubes tornou evidente que não é um treinador de equipa grande, que o sucesso que obteve principalmente no Valência e no Liverpool era afinal indissociável do tipo de equipa que comandou e do tipo de competições em que esse sucesso se verificou. Diego Simeone não é diferente, e diria mesmo que, no dia em que sair de Madrid, não será difícil ao Atlético escolher o seu sucessor: se a ideia para o clube se mantiver inalterada, não há treinador com perfil mais adequado do que Rafa Benitez.

A final da Liga dos Campeões foi, como seria de esperar, um jogo horrível. E o Atlético voltou a ser derrotado pelo velho rival. As pessoas que acham que o desfecho foi injusto devem, no entanto, ter em conta que a mesma equipa que teve o azar de perder a final nas grandes penalidades foi a mesma que teve a sorte de passar os oitavos de final após as grandes penalidades, frente a uma equipa claramente inferior, o PSV, à qual não conseguiu marcar um único golo em 180 minutos. As pessoas que, além disso, acham que o desfecho injusto teria sido outro, se o golo de Sérgio Ramos tivesse sido anulado, como devia, devem, no entanto, ter em conta que a mesma equipa que assim foi prejudicada foi a mesma equipa à qual, nos quartos de final, foi perdoada uma grande penalidade claríssima, já no período dos descontos, que, se transformada em golo, adiaria a decisão da eliminatória para o prolongamento (e a mesma equipa a quem foi concedida uma grande penalidade inacreditável, nas meias-finais, que poderia ter fechado a eliminatória mais cedo, se tivesse sido convertida). Uma equipa que depende quase exclusivamente do peso dos detalhes e das circunstâncias extrínsecas ao jogo (sorte, árbitros, etc.) para ter sucesso não pode queixar-se dos detalhes ou das circunstâncias extrínsecas. Foram esses detalhes e essas circunstâncias que lhes valeram no passado. O futebol do Atlético de Madrid é o mais parecido que há com a roleta: está sempre tão perto de perder com um adversário quando é favorito (podia bem ter caído nos oitavos de final, aos pés de uma equipa muito mais fraca) como está perto de vencer qualquer um dos principais favoritos à vitória na Liga dos Campeões. E há qualquer coisa de profundamente irracional em lamentar que a bola caia num número preto, quando se apostou no vermelho. Lamentar a sorte, num jogo de sorte, é como lamentar ter nascido português ou que faça chuva amanhã. Acontece. Tal como, há uns meses, aconteceu ao Atlético ter passado os oitavos de final, aconteceu agora ao Atlético perder outra final. Às vezes a bola cai duas vezes seguidas no preto. Acontece.

P.S. Uma das coisas que mais repudio num treinador é não aproveitar o talento que tem ao seu dispor. Diego Simeone tinha no plantel, este ano, um dos médios mais promissores do futebol espanhol. A sua ideia de jogo, porém, é incompatível com médios talentosos. Ou melhor, é incompatível com médios talentosos que têm dificuldades em abdicar daquilo que os define (a inteligência, a criatividade, etc.) para serem sobretudo os jogadores abnegados que o técnico argentino exige que sejam. Oliver Torres é da geração de Saúl Ñinguez. Falei dos dois assim que os vi, ainda jovens. Embora tenha reconhecido talento a Saúl Ñinguez (como o reconheci, por exemplo, a Campaña, ou a Suso, ou a Grimaldo), reconheci de imediato uma diferença enorme entre o talento dele e o de Oliver Torres, o melhor da sua geração, a par de Dénis Suarez (ao contrário de Oliver, este teve a sorte de ter um treinador que aposta no talento, e está a caminho de Barcelona). A verdade é que Saúl, cujo talento é inegável, tem coisas que Simeone aprecia, e foi ele que despontou esta época, não Oliver. É pena que assim seja. E é pena que haja tanta gente a aplaudir o que Simeone tem feito, e não lamente o esquecimento a que foi votado o melhor jogador do seu plantel.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Balanço Negativo

Como tive oportunidade de escrever, esta época futebolística representou, de certo modo, um retrocesso na evolução do jogo. Com um campeonato do mundo à porta ao qual alguns dos melhores jogadores do mundo chegam em más condições (ou não chegam, de todo), e a julgar por aquilo que se passou há um ano no Brasil, antevejo uma prova sofrível, o que seria a cereja no cimo do bolo. Não acredito, apesar de tudo, que um ano sirva para inverter a evolução do que quer que seja, e a tendência será, nos anos que se seguem, as coisas voltarem à normalidade. Dito isto, gostaria de fazer um balanço daqueles que foram os principais destaques desta temporada:

Em Portugal, Jesus voltou a ser campeão. Tenho falado muito acerca do quão importantes são, para o reconhecimento de um treinador, um jogador ou uma equipa, as circunstâncias que os mesmos não controlam, como o acaso, o talento dos adversários, as decisões de terceiros, etc., e esta época de Jesus é disso um extraordinário exemplo. Para muitos, porque ganhou mais títulos do que nunca e porque esteve pertíssimo de ganhar tudo o que podia ganhar, este foi o melhor dos cinco anos de Jesus à frente do Benfica. Não só discordo amplamente disto como me parece absurdo que se tenha tal opinião. O Benfica começou muito mal a época, tendo uma participação medíocre na Liga dos Campeões e perdendo muito terreno para o principal adversário. Se o Porto não estivesse fragilizado e conseguisse manter a qualidade do futebol que apresentou no início da época, o Benfica teria tido muitas dificuldades em recuperar o terreno perdido e, pior do que isso, em atingir os níveis de confiança que viria a atingir no final da época. Quando se fala na época no Benfica, concede-se o mau arranque, mas considera-se que a segunda metade da época o compensou. Esquece-se, porém, que só o compensou porque as coisas começaram a correr mal aos adversários dos encarnados. Os níveis de confiança subiram porque os resultados começaram a ser positivos, não o contrário. O Benfica termina a época a poder ganhar tudo porque internamente não teve adversários à altura, o que permitiu à equipa convencer-se de que não tinha defeitos e, assim, elevar bastante os níveis de confiança que, no início, estavam bastante debilitados. Foram as circunstâncias externas, não a qualidade do Benfica propriamente dita, que ditaram o sucesso desportivo desta época. O Benfica de Jesus, tal como o do ano passado, é mais calculista do que nunca. Defensivamente, tornou-se uma equipa fortíssima, mas ofensivamente depende cada vez mais das características atléticas dos seus jogadores. Em termos de criatividade colectiva, foi mesmo o ano mais fraco dos cinco anos de Jesus.

Em Espanha, o Atlético de Madrid foi campeão. Já disse a maior parte das coisas que tenho a dizer sobre a equipa de Simeone, mas posso dizer mais uma ou outra. Continuo sem conseguir dar mérito a uma equipa cuja principal arma é a agressividade com que disputa os seus lances. Não o consigo não por não valorizar o empenho e a crença daquelas jogadores, mas porque acho que, em futebol, níveis de agressividade como os do Atlético de Madrid são contraproducentes. São-no no sentido de desposicionarem e desgastarem excessivamente quem os pratica, já para não falar do risco que é jogar 90 minutos com entradas a pedir cartão, e só podem ter gerado sucesso por factores alheios ao jogo. Em primeiro lugar, pela conivência das equipas de arbitragem. Foram pouquíssimos os jogos do Atlético de Madrid a que assisti em que não ficasse um ou dois jogadores por expulsar. Em segundo lugar, porque os adversários foram bem mais fracos do que em anos anteriores. Por fim, porque a fragilidade dos adversários e a possibilidade do título no horizonte criaram a ilusão aos jogadores de que eram melhores do que são, o que os fez transcenderem-se. O Atlético de Madrid foi campeão e Simeone é hoje um dos treinadores mais aplaudidos na Europa. Individualmente e colectivamente, contudo, a equipa é banalíssima. Há jogadores com futuro, mas são poucos: Courtois, Arda, Adrián e Oliver, principalmente, sendo que os últimos dois praticamente nem foram opção. Colectivamente, não há um princípio de jogo que se possa dizer que seja extraordinário. Ofensivamente, então, desafio mesmo a que me digam que tipo de jogadas é que a equipa privilegia. Assim que as coisas começarem a correr menos bem, a confiança com que chegaram até ao topo evapora-se. E é nessa altura que a verdadeira qualidade ficará à vista. A minha previsão é de que esse momento não tardará.

Em Inglaterra, igualmente, o ano foi muito fraco. Como previa há um ano, a reforma de Alex Ferguson e o regresso de Mourinho iam fazer com que o campeonato inglês fosse mais disputado do que tinha sido nos últimos anos. Não esperava, porém, que, além de disputado, fosse tão mal disputado. Wenger continua a ser pouco perspicaz, em termos defensivos, e isso custou-lhe mais um campeonato. Andou durante muito tempo na frente, mas não teve estofo, na recta final da prova, para preparar a equipa para ser campeã. Ao contrário, todavia, do que se conjecturava, o seu Arsenal esteve mais perto dos principais candidatos, o que comprova que, quando o plantel se mantém, a tendência é tornar-se melhor. A próxima época, não perdendo ninguém, mostrará um Arsenal mais experiente e certamente mais capaz de se impor quando as coisas correrem menos bem. Mourinho foi a principal desilusão (tendo em conta que de André Villas-Boas, depois do que fizera no ano anterior, dificilmente esperava mais do que meia temporada em Londres) e o Chelsea, repleto de jogadores talentosos, acabou a temporada a jogar à Di Matteo. Mata fora o melhor jogador do Chelsea nos últimos dois anos, e foi o primeiro a ser ostracizado por Mourinho. Seguiu-se Óscar. Sobrou Hazard, o que é manifestamente pouco. Abdicar de dois dos três jogadores mais criativos da equipa é de uma estupidez inacreditável. Mourinho pode continuar a ser um treinador atento, muito esperto e competitivo, mas, depois da lobotomia, deixou de pertencer ao restrito grupo dos melhores treinadores do mundo. O Chelsea só não foi campeão porque Mourinho já não é Mourinho. Pellegrini não é um treinador genial, mas é um treinador com uma ideia de jogo interessante. Conseguiu ser campeão porque o principal adversário, pelo menos em termos de recursos, andou o ano inteiro a jogar como uma equipa pequena. Sobre David Moyes e o que aconteceu ao Manchester United, francamente, não me surpreende. O seu Everton foi sempre uma equipa deprimente, e era natural que não conseguisse melhor em Manchester. Conseguir ficar atrás da sua antiga equipa, agora bem melhor treinada, aliás, foi obra. Sobre Brendan Rodgers, não tenho uma opinião muito formada. Não vi muitos jogos do Liverpool, mas os que vi não me entusiasmaram particularmente. É uma equipa competitiva, muito agressiva, e que me parece beneficiar disso por jogar em Inglaterra. Mas não vejo uma equipa criativa, capaz de resolver problemas complicados, e com uma ideia de jogo clara, que não se baseie unicamente em recuperar a bola em zonas adiantadas ou em atacar vertiginosamente. É uma espécie de Atlético de Madrid, ainda que não tão agressiva e com menos qualidade individual, que dependerá muito, no futuro, daquilo em que os jogadores puderem acreditar.

Em ano de estreia na Alemanha, Guardiola fez muitas coisas boas, mas podia ter feito mais. Em termos de títulos, francamente, foi uma época muitíssimo positiva. Ser campeão a 7 jornadas do fim, vencer a Taça e alcançar as meias-finais da Liga dos Campeões é muito bom, e dificilmente se podia pedir mais. Em termos de evolução de ideia de jogo, também me parece irrefutável que este Bayern se tornou mais forte e mais dominador do que era, ainda que não tenha ganho tanto. Faltou, no entanto, uma coisa que, a meio da época, parecia mais ou menos evidente e possível, a capacidade de a equipa continuar a evoluir num modelo de jogo tão exigente como aquele que Guardiola propõe. A minha opinião é a de que Guardiola sentiu demasiadas pressões e, a meio da temporada, não obstante a equipa estar cada vez mais sólida e cada vez mais capacitada para jogar como pretendia, decidiu fazer a vontade a quem o criticava. Aproveitando-se da vantagem no campeonato, começou a preparar a equipa para jogar como jogara em anos anteriores, arriscando menos quando em posse, e isso fez com que os bávaros parassem de aprender a jogar dentro de um modelo que exige coisas que só com muita prática se aprendem. Pareceu-me, porém, que Guardiola nunca se satisfez com isso, e a verdade é que foi em alguns jogos mais exigentes que voltou às suas ideias arrojadas. Na Liga dos Campeões, por exemplo, nunca jogou com dois médios de perfil, como o passou a fazer na segunda metade do campeonato. O que aconteceu foi que, nos dois únicos jogos em que se exigia perfeição à equipa em posse, os bávaros não conseguiram ser perfeitos. E não o foram, essencialmente, porque a exigência de Guardiola na segunda metade da época não foi suficiente. Jogaram de acordo com uma ideia de jogo boa, mas sem o devido nível de preparação para ela. Sem essa preparação, e sem a sorte do jogo que o Real Madrid acabou por ter, o Bayern acabou por desconcentrar-se e terminou a eliminatória dando uma imagem que não é a verdadeira imagem da equipa. Não sei se Guardiola prepara grandes mudanças no plantel para a época que vem, mas o mais importante seria tentar convencer os jogadores de que, apesar do desaire, aquela é a melhor maneira de serem uma equipa de futebol.

A principal prova do futebol europeu foi, talvez, o espelho mais fiel da tenebrosa temporada futebolística que se viveu este ano. Desde jogos horripilantes, como a primeira mão da eliminatória que opôs o Atlético de Madrid ao Chelsa, a decisões dramáticas no tempo regulamentar, como o povo tanto gosta, esta edição da Liga dos Campeões teve mais a ver com religião do que com futebol propriamente dito. As equipas que melhor futebol apresentaram foram sendo eliminadas, fosse pelo azar ditado pelo sorteio, como o Manchester City e o Arsenal, fosse por cobardia, como o PSG, fosse por erros próprios ou porque o futebol, em última análise, é um jogo que se presta a isso, como o Borussia de Dortmund ou o Barcelona, e nas meias-finais só já havia uma equipa cujo futebol era minimamente interessante. Quando, nas quatro semi-finalistas, há apenas uma das seis equipas que melhor futebol mostraram, pouco mais há a dizer. O Real acabou por vencer a décima e foi o menos mau que poderia ter acontecido. A equipa continua longe de jogar bem, mas consegue juntar um leque de jogadores que, do ponto de vista individual, pode ser decisivo. Foi-o, de facto, nos quartos de final e nas meias-finais, e foi por esse leque de individualidades que marcou presença na final. Há, no entanto, muito, mas mesmo muito, a melhorar no ano que vem, sobretudo porque a ambição de ganhar uma competição que não ganhavam há largos anos, o principal dínamo emocional da equipa esta temporada, já não existe, e porque há uma série de jogadores (Ronaldo à cabeça) cuja idade forçará a que o seu rendimento seja, a partir de agora, tendecialmente inferior.

domingo, 27 de abril de 2014

Idade das Trevas

Vivem-se hoje, no que diz respeito ao futebol, tempos idênticos àqueles que o mundo conheceu na sequência do declínio do Império Romano, tempos de obscuridade em que o progresso parece ter sido interrompido. Um pouco por todo o lado, triunfam as equipas cuja principal virtude é a transpiração, sendo o maior exemplo disto o Atlético de Madrid de Simeone, uma equipa tão competitiva quanto retrógrada. A primeira mão da meia-final da Liga dos Campeões que opôs o Atlético de Madrid ao Chelsea foi, a todos os níveis, um dos jogos mais deploráveis do século XXI. Haver num campo de futebol duas equipas e nenhuma delas ser uma equipa de futebol não só não é coisa que se esperasse ver numa meia-final de uma competição tão importante como não é coisa que se tenha visto muito nos últimos 20 anos. Não obstante, não quero falar muito deste Atlético de Madrid, ou do Chelsea de Mourinho. O sucesso de Guardiola em Barcelona contribuiu muito, a meu ver, para o progresso do futebol, e os anos que se seguem tratarão de o comprovar, ainda que esse progresso se faça paulatinamente e, pelo meio, haja retrocessos pontuais, como parece ser o caso desta época.

A melhor forma de falar da escuridão que tem sido esta temporada futebolística, com pouquíssimas novidades dignas de interesse, é opor dois treinadores, um que pertence ao século passado, outro que é um visionário. Refiro-me a Tata Martino e a Pep Guardiola. Martino tem, apesar de tudo, uma virtude: a de não ter tentado uma revolução. Percebeu que tinha de continuar o trabalho de Guardiola e de Tito Villanova, e percebeu que o melhor a fazer era não mexer muito. As pessoas esquecem-se, por exemplo, que a primeira volta do Barcelona, este ano, foi impecável (mesmo sem Messi durante alguns meses), e isso se deve, sobretudo, à forma como Martino procurou fazer com que os jogadores continuassem a jogar da maneira como sabiam. Faltou a Martino, porém, tudo o resto. Faltou perceber que jogar de determinada maneira implica fazer um sem número de coisas, faltou ser capaz de manter os jogadores concentrados em jogos de baixa exigência, faltou dar minutos de descanso a alguns jogadores (como Xavi) e mostrar a outros que a equipa precisa deles  não apenas quando não há outros para jogar (Bartra, Song e Sergi Roberto) e faltou ser capaz de ler bem aquilo que os jogos pediam dele. Até à eliminatória com o Atlético de Madrid, para a Liga dos Campeões, estes problemas pareciam pouco visíveis. O Barça tinha superado um adversário difícil, o Manchester City, tinha mostrado que continuava superior ao Real Madrid, nos confrontos directos, e só dependia de si para ser campeão.

Tudo terminou quando uma equipa super-agressiva, que joga à margem das leis, na maioria das vezes, deixou a nu os principais problemas de Tata Martino. É verdade que o Atlético de Madrid, com árbitros menos ingleses (os primeiros dez minutos da segunda mão foram vergonhosos, com o Atlético a criar sistematicamente situações de perigo que começam em faltas não assinaladas por Howard Webb), dificilmente teria passado essa eliminatória, mas o que é constrangedor é que isso nunca fora um problema, por exemplo, no tempo de Guardiola. Martino começou a perder a eliminatória quando sugeriu que, para vencer a equipa de Simeone, o Barça precisava de ser tão intenso como o Atlético. Não percebeu que, contra equipas intensas, o melhor antídoto é ser pouco intenso, é ficar com a bola, reduzir o ritmo de jogo, circular em segurança, cansar o adversário, levá-lo para onde quer, etc.. Contra uma equipa cuja principal estratégia ofensiva é pressionar alto para aproveitar os possíveis erros do adversário, a melhor contra-estratégia é arriscar, sair a jogar pelos centrais, fazer baixar os três médios para criar linhas de passe interiores, e adiantar os laterais. O Barcelona tentou fazer a sua circulação habitual, mas muito timidamente, e abandonando-a sempre que sentiu medo de cometer erros. Contra uma equipa que faz da intensidade com que joga a sua maior arma, a melhor estratégia é sempre fazer com que essa intensidade não tenha relevância. E isso faz-se tendo a bola, entrando nas zonas de pressão do adservário apenas para sugerir ao adversário que pode recuperar a bola, saindo delas imediatamente e, com isso, cansando o adversário. 

Quando se fala de posse de bola, esquece-se geralmente de que ela tem um uso passivo e um uso activo. Diz-se que ter muita bola não serve para nada, e muitos treinadores até preferem que a equipa adversária tenha a bola para lha poderem tirar. Esquece-se de que quem tem a bola não tem apenas a bola; tem também a possibilidade de conduzir o adversário para onde quiser. O Barcelona de Tata Martino não tem apenas menos posse de bola, em quantidade, do que tinha o Barça de Guardiola. É também muito menos inteligente a fazer um uso táctico da bola. O Barcelona de Guardiola usava a bola para descansar, para se reorganizar, para retirar a iniciativa de jogo ao adversário, mas usava a bola também de forma activa, entrando no bloco para solicitar que o adversário activasse a sua pressão, saindo rapidamente do bloco para circular por fora e assim ir explorar os espaços deixados em aberto pela pressão que entretanto o adversário activara. Este Barcelona continua a usar a bola de forma passiva muito bem, continua a ser capaz de ter mais bola que os adversários, e continua a ser capaz de, ocasionalmente, activar combinações estonteantes entre os seus jogadores, mas não sabe usar a bola, porque não tem treinado para isso, como um engodo. E esse uso era precisamente aquilo que, há uns anos, fazia com que houvesse um fosso gigantesco entre essa equipa e as restantes. Esse fosso, actualmente, deixou de existir, e o Barcelona é uma equipa tão permeável aos detalhes quanto outra qualquer. Ainda que continue a ser dos melhores conjuntos, e ainda que continue a ter alguns dos melhores jogadores do mundo, já não é uma equipa que, em condições normais, ganha sempre. Acresce a esse problema um outro, que com ele se relaciona: o facto de Tata Martino não perceber que, para jogar como o Barcelona deve jogar, em toque curto, com posse, tem de cumprir um vasto leque de requisitos. Não pode, por exemplo, ter a linha defensiva sediada no meio-campo, a dez ou mais metros do médio-defensivo; tem de haver uma sucessão de coberturas que impossibilite que o adversário consiga criar linhas de passe assim que recupera a bola.

Se, contra o Atlético de Madrid, ficou evidente que Tata Martino é um treinador banal, não percebendo sequer que a equipa de Simeone não é sequer muito forte em termos zonais e que bastava ter jogado com dois extremos constantemente abertos (Martino percebeu a meio da época que tinha mais sucesso jogando com Iniesta e Neymar nas alas, ou seja, com jogadores menos profundos e que gostam de vir para dentro, mas achou que essa fórmula era a fórmula certa para todo e qualquer jogo) para que houvesse mais espaço pelo meio (aliás, foi assim que o passe de Iniesta pôde entrar, no golo de Neymar), algumas das novidades tácticas apresentadas por Guardiola no seu Bayern de Munique devem ajudar a confirmar que o catalão é mesmo de outra galáxia. É verdade que Guardiola tem cedido a algumas pressões dos dirigentes bávaros e é verdade que algumas das suas ideias, por esse motivo, têm demorado a ser implementadas. Mas nota-se, sobretudo quando as coisas correm bem e sente a possibilidade de testar coisas diferentes, uma vontade enorme de revolucionar o futebol dos alemães. A mais recente das surpresas tácticas confirma que quem acha que, em futebol, já tudo foi inventado, é um imbecil. Tal como mostrou, na Catalunha, que ainda era possível jogar em 343 ao mais alto nível, mostra agora que um lateral não é necessariamente só o que as pessoas pensam que é. Para muitos, o lateral serve para jogar pela linha. Mais defensivamente ou mais ofensivamente, é papel do lateral jogar encostado à lateral, pensa quase toda a gente. Para Guardiola, para quem os laterais foram sempre, como outros jogadores quaisquer, participantes de tudo o que equipa faz, isso nunca foi bem assim. Apesar disso, nunca os laterais de Guardiola tinham sido médios. Até agora.

Desde o início da época que se percebia que os laterais do Bayern não faziam bem o mesmo que os laterais do Barça de Guardiola, integrando a manobra ofensiva por dentro e não por fora do extremo. Agora, contudo, Guardiola parece interessado em fazer dos laterais não apenas participantes do jogo interior no último terço do terreno, mas médios de construção. Assim que a equipa entra em processo ofensivo, os centrais abrem, o médio defensivo baixa, formando uma linha de três atrás, e os laterais, em vez de subirem no terreno pela linha, vêm para dentro, para a zona deixada vaga quer pelo abaixamento do médio-defensivo, quer pela subida dos outros dois médios, que passam a preocupar-se em solicitar linhas de passe dentro do bloco adversário. O que acontece é a equipa passar a jogar com três defesas, dois médios defensivos, dois extremos bem abertos, e dois médios atacantes, constantemente preocupados em explorar os espaços atrás dos médios adversários. Introduzindo esta dinâmica logo na primeira fase de construção, Guardiola consegue assim manter bastantes jogadores no meio-campo, de maneira a dar linhas de passe próximas na primeira fase de construção sem perder a profundidade e a largura dos extremos e sem perder médios dentro do bloco adversário, algo a que dá muitíssima importância e algo que nem Kroos nem Schweinsteigger têm conseguido dar-lhe. Com esta estratégia, a equipa parece conseguir manter o adversário o mais aberto possível (dado o posicionamento dos extremos, que deixam de ter de vir tanto para dentro) e parece ser capaz de manter vários homens dentro do bloco adversário, a solicitar linhas de passe entre as linhas adversárias, duas coisas que, até agora, estava a ter dificuldades em conseguir em simultâneo. Tal como o 343 na Catalunha servira para ter muitos médios ofensivos entre as linhas adversárias, sem perder a largura que força a que o adversário esteja aberto, esta dinâmica parece assim permitir duas das coisas a que Guardiola mais importância dá, em termos ofensivos.

Não obstante ter algumas reservas quanto a mudanças de posições relativas de jogadores de processo defensivo para processo ofensivo, reconheço que é das coisas mais engenhosas que já vi um treinador pensar. E sentir que há quem seja capaz de surpreender com coisas nunca antes tentadas, em termos tácticos, é das coisas mais gratificantes, para quem percebe o jogo. A mim, Guardiola continua a surpreender-me. É pena que Beckenbauer, que ainda esta semana não percebeu nada do que se passou no jogo da primeira mão da meia-final da Liga dos Campeões contra o Real Madrid (o Bayern só jogou mal quando abdicou da posse de bola com que dominou toda a primeira parte), ache que o Bayern deve continuar a ser uma equipa banal, sujeita à mesma aleatoriedade da fortuna que todas as outras. E é pena que Guardiola, por força da pressão que Beckenbauer tem exercido com a sua estupidez, não possa reformar a equipa como deseja. Num ano de trevas, como este, há quem queira que as trevas engulam até a única pessoa que não se conforma em viver nas trevas. Os estúpidos só estão bem se todos à volta deles forem estúpidos como eles.

terça-feira, 4 de março de 2014

Três Apontamentos

No fim-de-semana passado, sem ninguém saber porquê, nem mesmo o seu treinador, Miguel Rosa ficou na bancada e não defrontou o antigo clube. O Benfica ganhou sem jogar bem e beneficiou de um erro do árbitro, mas continuo a achar que ninguém deu importância àquilo que realmente importa. Maus jogos e vitórias à custa de foras-de-jogo mal tirados acontecem a toda a hora. Que um jogador que andou claramente a ser queimado nas últimas cinco épocas se tenha desvinculado do clube que andou a tentar acabar com a sua carreira e que, ainda assim, continue a ser queimado é que me parece motivo de uma investigação. Se houvesse jornalismo a sério em Portugal, e se por algum milagre parte desse jornalismo fosse dedicado ao jornalismo desportivo, andava meio país de volta de Miguel Rosa, dos dirigentes do Belenenses e dos Carraças que para aí andam. É inacreditável que um dos mais promissores jogadores da sua geração, mesmo tendo conseguido libertar-se do vínculo com o clube ao qual deu mais de metade da vida, continue a ser prejudicado por, de algum modo, ter pisado os calos a alguém com suficiente poder para lhe arruinar a carreira. Fora das quatros linhas, o futebol são hienas. Como tenho opiniões controversas acerca do que fazer a hienas, abstenho-me de dizer mais do que isto.

No mesmo fim-de-semana, uma paulobentice por um discípulo. O futebol das equipas de Abel é tão pobre que ficar do lado do treinador, por mais razão que possa ter, me parece idiota. Não sei o que se passou, e na verdade não preciso. A ser verdade o que foi noticiado, Iuri Medeiros entrou em campo na segunda parte, provavelmente já amuado, e não mostrou muita vontade, sobretudo em defender. Devo dizer que o simples facto de um dos mais talentosos jogadores da equipa ficar no banco me parece mais grave do que qualquer amuo de um miúdo de 20 anos. O problema de Abel é que nunca foi muito talentoso. Quando se tem talento, e se vê outros que não o têm a jogar no lugar de quem o tem, é difícil arranjar motivação. Alegam os mais conservadores que poder um dia jogar na equipa principal devia ser motivação suficiente para Iuri. Quem o alega não sabe o que é jogar futebol, não sabe o que é ter consciência de que se é muito melhor do que certos colegas e ser preterido porque esses colegas são mais "esforçados", não sabe o que é ter expectativas quanto à progressão numa carreira curta como a de jogador de futebol e sentir, semana após semana, que essa progressão depende de quem não percebe nada do jogo, etc.. Iuri Medeiros é um dos melhores jogadores da sua geração. Tem mau feitio? É irreverente? Acha que é vedeta? Estes jogadores motivam-se pondo-os a jogar, dando-lhe responsabilidades acrescidas. Ninguém com o perfil dele fica melhor jogador por ser castigado. Os castigos vão apenas fazer com que se sinta mais revoltado e com menos vontade de mostrar o que vale. Se querem ensinar-lhe alguma coisa, a ser solidário, por exemplo, façam com que se sinta responsável por alguma coisa: dêem-lhe a responsabilidade de bater os cantos, de usar a braçadeira de capitão, etc.. Enquanto não compreenderem que os jogadores de futebol, nos dias que correm, não cumprem deveres só porque é isso que devem fazer, não compreenderão nada e continuarão a desperdiçar talentos. Para que alguém como Iuri faça em campo o que Abel gostaria que ele fizesse, era preciso que Abel o convencesse de que ele, mais do que um dever a cumprir, tem uma responsabilidade para com ele mesmo. Mas isso, dado o perfil de treinador de Abel, é coisa que dificilmente será capaz de fazer. Esperemos, para o bem de Iuri e do futebol português, que Abel não dure muito tempo nestas funções.

Muito se tem falado do Atlético de Madrid de Diego Simeone esta época. A minha opinião mantém-se mais ou menos a mesma, independentemente de este ano estar envolvido na luta pelo título. Reconheço que, defensivamente, o Atlético é uma equipa que raramente se desorganiza, que defende com muitos homens junto da bola, e que sabe escolher os momentos de pressão. Reconheço também que essas são as únicas virtudes da equipa. O resto é fé, muita fé, níveis de confiança altíssimos, e a equipa mais parecida com o Boavista de Jaime Pacheco desde que deixaram de permitir dez entradas acima do joelho por jogo. O desafio deste fim-de-semana, frente ao rival de Madrid, tirou todas as dúvidas. Mourinho tinha construído uma equipa de caceteiros (até Ozil batia), uma equipa que só com muita boa vontade dos árbitros, sobretudo nos jogos contra o Barcelona, era capaz de terminar a partida com onze jogadores. Passado o período de Mourinho, essa equipa perdeu boa parte desses maus hábitos, salvo talvez os dois animais que jogam como defesas centrais. Devo dizer, porém, que essa equipa, ao pé do Atlético de Madrid de Diego Simeone, era uma equipa de escuteiros. Ao intervalo, este fim-de-semana, quantos jogadores do Atlético de Madrid teriam conseguido permanecer em campo, com um árbitro rigoroso? O Atlético entra em campo com onze arruaceiros, e a arruaça é, sem sombra de qualquer dúvida, a arma pela qual conseguem nivelar as suas partidas. Tudo espremido, o futebol do Atlético de Madrid de Simeone dava talvez para andar a lutar pela manutenção (em termos colectivos, claro). Valem os agarrões, os puxões, as entradas violentas, a agressividade bem à margem das leis, a pressão constante, intimidatória, mesmo, sobre os árbitros, etc.. O Atlético ganha os seus jogos, geralmente, porque empurra - literalmente - os adversários para o seu último reduto, acabando por marcar nalgum lance confuso, num ressalto, ou numa perda de bola qualquer. Raramente se vêm jogadas pensadas. Vencem pelo desgaste, pela garra, pela provocação, pela dureza física. O Boavista de Jaime Pacheco também não jogava futebol. Confesso, todavia, que julgava que equipas que confundem futebol com lutas de galos tivessem os dias contados. Infelizmente, não têm. De tempos a tempos, lá aparece um arruaceiro, secundado por outros arruaceiros, a comandar onze arruaceiros e a gozarem da complacência de quem tem medo de arruaceiros. Como se viu no passado, equipas assim duram enquanto durar aquilo que as anima: a crença de que podem superar-se e a complacência de quem os deixa jogar de acordo com leis diferentes. Quando se acabarem estas coisas - digamos assim - acaba-se tudo. A Diego Simeone auguro, por isso, pouco mais do que augurava a Jaime Pacheco há década e meia: um ou outro título no currículo, talvez um contrato num clube com maiores aspirações, um resto de carreira  repleto de fracassos sucessivos e a posteridade recordando-se eternamente do quão feio era o futebol das suas equipas.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Curtas da Época

Nos últimos dois anos, o blogue deixou de ser actualizado com a regularidade de antes, e muitas foram as efemérides cujo debate se dispensou. Ao contrário de outros sítios, que preservaram a sua natureza noticiosa, deixou talvez de ser lugar de reunião para se discutir os mais comezinhos assuntos e passou a ser lugar de discussões pontuais, mais sobre assuntos de carácter geral do que sobre particularidades desportivas do momento. Gostaria, evidentemente, de manter os dois tipos de discussão, mas, à falta de melhor, optei por discorrer sistematicamente sobre os temas que mais me interessam. Ora, embora muito tenha acontecido esta época, pouco foi sendo discutido aqui. Numa tentativa (que não o é mais do que isso) de sumariar algumas das mais importantes incidências da temporada que agora acabou, aqui fica um conjunto de breves observações a esse respeito.

1 - O Sporting cumpriu, talvez, a pior época de sempre. Muito se tem dito sobre a queda competitiva do clube nos últimos anos, quando comparado com os rivais, mas pouca coisa acertada se tem ouvido. Há que assumir, de uma vez por todas, que a maneira de reerguer o Sporting passa essencialmente por não copiar os exemplos do Benfica e do Porto, não só porque não há dinheiro para investir como também porque o Sporting é um clube diferente, com virtudes e defeitos diferentes.

2 - Por falar em Sporting, Liedson regressou ao campeonato português, mas para reforçar o ataque portista. O homem que simboliza, a meu ver, as causas dos principais problemas desportivos do Sporting na última década foi uma ameaça constante para as defesas adversárias. Como sempre, de resto.

3 - Vítor Pereira sagrou-se bicampeão nacional. Reconheço que a forma como a equipa pressiona é notável, mas a equipa azul e branca só foi realmente um colectivo quando os jogadores decidiram que deveria sê-lo. Sempre que o Porto não teve James (e não o teve durante muito tempo, se contarmos o tempo que demorou a adquirir a melhor forma) a entrar entre linhas, aproximando-se de Lucho, e sempre que Izmailov não pode dar o contributo à equipa, o Porto foi ofensivamente uma nulidade. Vivia das acelerações dos extremos, do suor dos médios e da qualidade individual de um ou outro jogador.

4 - O jogo do título foi no Dragão. O Porto acabou por ser um justo vencedor porque, apesar de não ter jogado bem, foi a única equipa que quis os três pontos. Mas a forma como venceu o jogo e, por conseguinte, o campeonato, não podia ter sido mais irónica. O Porto não estava a jogar bem, não estava a ser capaz de penetrar no bloco encarnado e não estava a conseguir ser ameaçador, sequer. Em vez de reagir a esta evidência como um treinador, ou seja, racionalmente, Vítor Pereira recorreu à superstição. De uma assentada, pôs dois amuletos da sorte em campo, Liedson e Kelvin. Do outro lado, Jesus tinha feito a melhor acção do dia, pois tinha acabado de fazer entrar Aimar. Mas foi a superstição que venceu. Acontece, de vez em quando. Liedson e Kelvin nunca serão jogadores de futebol, Vítor Pereira não sabe explicar o que aconteceu, mas o Porto ganhou e foi campeão. É assim a vida.

5 - Jorge Jesus é, possivelmente, um dos treinadores mais interessantes, do ponto de vista ofensivo, no campeonato português. Mas, como o escrevi no texto anterior, nas últimas temporadas foi progressivamente abdicando de ser quem é e, neste momento, é só mais um como tantos outros. Na minha opinião, esta época perdeu muito mais do que os três troféus que esteve perto de ganhar.

6 - Agora é de vez. Aquele que foi, muito provavelmente, o melhor de sempre a jogar em Portugal vai deixar o futebol português. Os verdadeiros amantes de futebol estão bem conscientes do que acabam de perder.

7 - O Braga de Peseiro foi, em alguns momentos da época, a equipa que melhor futebol praticou em Portugal. Como é evidente, Peseiro tem inúmeros defeitos, principalmente a nível defensivo, e a sua equipa acabou por pecar por isso. Não obstante, fez um trabalho bastante bom.

8 - De Paulo Fonseca é preciso ver mais do que uma época de trabalho em que teve as condições certas para triunfar. O Paços jogou bom futebol, em alguns momentos, mas não é certo que muito disso não se tenha devido à extraordinária reunião de alguns jogadores bem acima da média, André Leão, Vítor e Josué, para falar apenas dos três que me parecem mais evidentes. Devo lembrar, aliás, que Josué só se tornou titular indiscutível a meio da temporada, e que, portanto, é pouco claro que as ideias de Paulo Fonseca sejam exactamente aquelas que esses três, quando jogaram juntos, conseguiram pôr em prática.

9 - Em Inglaterra, o Arsenal voltou a ficar à frente do Tottenham. Como o referira a meio da época, contra a opinião de alguns papalvos, a equipa de Villas-Boas não é melhor que a de Redknapp, e o trabalho do português em Londres foi uma decepção. A equipa é mais inglesa do que nunca e sem Gareth Bale, então, nem nos lugares europeus teriam ficado.

10 - Para o ano que vem, a Liga Inglesa será uma prova totalmente diferente. Por um lado, o Manchester United, com a saída de Ferguson, será com certeza menos hegemónico. Por outro, os novos treinadores de Chelsea e City quererão decerto desafiar essa hegemonia. Por fim, o Arsenal prepara-se finalmente, ao fim de alguns anos, para conseguir manter os seus principais jogadores. Com os reforços certos, e com a manutenção das ideias, Wenger pode finalmente voltar a sonhar com uma equipa candidata ao título.

11 - Em Espanha, aconteceu o que previa há mais de um ano: o Real Madrid de Mourinho, ao contrário do que se dizia na altura, não era uma equipa regular. O futebol dos merengues não teve nunca qualidade para se impor numa competição de regularidade e os 15 pontos de diferença para o Barcelona expressam isso mesmo. Foi a época transacta, não esta, que foi anormal. Mourinho trabalhou sempre para bater os catalães, e a equipa foi-se transcendendo até conseguir esse objectivo. Depois disso, o balão esvaziou-se, a irregularidade exibicional veio ao de cima e os níveis motivacionais baixaram drasticamente. Sim, é verdade que continuou a ter uma equipa competitiva, que foi sempre às meias-finais da Champions, que manteve o seu Real sempre num patamar relativamente elevado, mas a passagem de Mourinho por Espanha foi um tremendo fracasso. E foi-o sobretudo porque o Real Madrid tinha a obrigação de ser uma equipa diferente.

12 - Diego Simeone é um treinador banalíssimo. Soube convencer um excelente conjunto de jogadores de que podiam fazer mais do que lutar pelos lugares europeus, soube transformar o Atlético de Madrid numa equipa fortíssima, em termos mentais, capaz de encarar todos os jogos como uma final, e isso valeu-lhe um excelente campeonato e mais um troféu. Mas o futebol da equipa, também neste caso, depende excessivamente da motivação individual e colectiva. Como noutros casos, a pedra de toque de que me sirvo para avaliar o desempenho de um treinador é a qualidade do futebol apresentado, e essa nunca foi extraordinária.

13 - Em Itália, o campeonato voltou a ser um passeio para a Juventus. Há uns anos, achei que o futebol italiano se preparava para renascer, mas os sucessivos escândalos desportivos, as dificuldades financeiras de muitas equipas e o desinteresse dos investidores estrangeiros encarregaram-se de manter as equipas italianas num patamar inferior às espanholas e às inglesas. Tacticamente, é a par da Liga Espanhola o campeonato mais interessante. Mas perdeu muita qualidade individual, nos últimos anos, e tanto o futebol francês como o alemão parecem ter agora melhores argumentos para discutir o estatuto de terceira potência europeia.

14 - Quando se soube que Guardiola ia para o Bayern, Mourinho disse que nunca treinaria na Alemanha. No fim da época, mostrou-se que as duas equipas mais fortes da Europa jogavam na Alemanha, e que, se calhar, o campeonato alemão anda demasiado subestimado.

15 - Por falar em Guardiola, soube-se há pouco tempo que o treinador catalão quis levar Pirlo, ainda este jogava no AC Milan, para o meio-campo do Barça. A intenção, segundo contou o próprio jogador, seria ir rodando com Busquets, Xavi e Iniesta. Numa altura em que Césc Fabregas ainda não chegara a Camp Nou, já Guardiola pensava num meio-campo só de artistas. Se dúvidas houvessem, Guardiola não pensa como os outros. Para o meio-campo, pensa-se sempre num equilíbrio entre artistas e trabalhadores. No meio-campo de Guardiola só há espaço para artistas. Teria sido a cereja no topo do bolo, um meio-campo de anões, alguns dos quais parecem jogar de bengala. O futebol não tem nada a ver com capacidades físicas, e é por perceber isso como nenhum outro alguma vez o percebeu que Guardiola é diferente de toda a gente.

16 - O novo desafio germânico de Guardiola é, aliás, um dos principais aperitivos da época que aí vem. Para muitos, Guardiola terá muitas dificuldades em fazer melhor do que Jupp Heynckes, pelo simples facto de o Bayern ter vencido tudo esta temporada. Para mim, há muita coisa a melhorar. Ganhar tudo numa época é óptimo, mas não é o que define uma grande equipa. Ter a capacidade para ganhar tudo, época após época, isso sim, é uma equipa. Heynckes ganhou tudo esta temporada porque os jogadores se superaram. Tenho enormíssimas dúvidas de que, com Heynckes, o Bayern ganhasse alguma coisa na época que vem. A motivação da equipa atingiu o seu máximo, e a tendência natural seria relaxar. Com Guardiola, porém, tudo será diferente: os jogadores estarão motivados nem que seja para aprenderem a jogar de uma maneira que não sabem. O que há a melhorar? A qualidade do futebol da equipa. Em termos de qualidade colectiva, o Bayern não foi excepcional, e é aí que Guardiola deverá manobrar. Se, no final, ganha alguma coisa ou não, é pouco relevante.

17 - Miguel Rosa voltou a fazer uma época deslumbrante, desta vez no Benfica B. Como é que não se lhe dá uma hipótese na equipa principal?

18 - O Europeu de sub-21 terminou, e mais uma vez a diferença da selecção espanhola para as outras foi abismal. Como é que é possível não perceber que, mais do que os elogios, é preciso imitar o trabalho que se faz no país vizinho?

19 - A equipa ideal do euro sub-21, em 433, apesar de os extremos não serem extremos (Isco) ou de serem inferiores aos dois melhores extremos do torneio (Munian e Sarabia), os quais foram pouco utilizados, todavia: GK: David De Gea; DR: Ricardo van Rhijn; DE: Daley Blind; DC: Marc Bartra e Stefan de Vrij; MD: Kevin Strootman; MC: Marco Verratti e Thiago Alcântara; E: Isco e Wijnaldum; AC: Álvaro Morata.

20 - No mundial de sub-20, é a euforia do costume com uma selecção nacional banal. Num grupo paupérrimo (a selecção cubana nem para as distritais tem qualidade), Portugal até parece uma super-potência. Mas o futebol português volta a pecar por uma falta de imaginação gritante, por um conjunto de jogadores cujas principais virtudes são as aptidões atléticas, e por uma falta de competência, a nível de equipa técnica, que já não se usa. Edgar Borges é do século passado, e é por isso que Ricardo Esgaio, que poderia jogar quer a lateral, quer a médio-direito, não joga para jogar João Cancelo e Ricardo. Tiago Silva é, também, o melhor médio ofensivo desta geração, mas parece ser a última das opções de Edgar Borges. É verdade que esta selecção não é tão fraca como aquela que, há dois anos, chegou à final do mundial. Não tem, pelo menos na onze inicial, picaretas como Mário Rui, Danilo Pereira ou Saná. Mas o onze que tem sido escolhido não é muito melhor. Aproveitam-se talvez o guarda-redes José Sá, o central Tiago Ilori, e o médio João Mário, sobretudo se perceber que não é médio de ataque. Mika não é nada, Tiago Ferreira é tudo o que um central não devia ser e João Cancelo, se tivesse neurónios, até podia vingar. Ricardo Alves não sabe o que é ser médio defensivo, Ricardo tem tanta imaginação como uma couve de bruxelas e Tozé tem vontade e pouco mais.

21 - Bruma é a grande estrela da companhia, quer para portugueses, quer para estrangeiros. Reconheço que é forte no um para um e que está moralizado, mas continuo a achar que a euforia em torno dele é excessiva. Quando chegarem os jogos a sério é que será possível perceber o quanto pode dar. Bruma tem algumas dificuldades a pensar em espaços curtos, e só quando tiver pouco espaço e pouco tempo é que se poderá perceber se as suas qualidades são mesmo qualidades, ou se são fogo-fátuo.

22 - Quanto a Aladje, a ideia que fica é que já tem idade para ter filhos a jogar no mesmo torneio. Continuo sem perceber a insistência em formar equipas jovens com atletas com idades propositadamente falsificadas. O que é que se ganha com isto?

23 - Uma vez que faltam neste mundial algumas das habituais potências mundiais em escalões jovens (Brasil, Argentina, Alemanha, Holanda, etc.), reúnem-se as condições para que Portugal chegue longe. Um jogo com a Espanha é o que todos pedem, e seria, sem dúvida alguma, o adversário mais indicado para testar a real competência deste conjunto de jogadores.

24 - A selecção espanhola é, uma vez mais, o alvo a abater. Embora seja impressionante como o consegue ser, em quase todos os escalões, considero esta selecção, em termos de colectivo, bem inferior a outras. Não obstante a qualidade individual, que me parece muito semelhante à de outros escalões, vê-se pouca paciência a circular a bola, pouca capacidade para criar apoios próximos, demasiadas variações de flanco, de iniciativas individuais (sobretudo dos homens da frente e de alguns laterais), e uma verticalidade que não condiz com aquilo a que o futebol espanhol nos habituou. Não gostei particularmente do trabalho de Lopetegui nos sub-21, apesar da vitória claríssima, e ainda estou a gostar menos deste. É uma pena que, embora os espanhóis consigam formar fornadas de jogadores todos os anos, não sejam capazes de manter a bitola a nível de treinadores.

25 - Ainda sobre esta selecção espanhola, continua a falar-se demasiado em Delofeu e Jesé Rodriguez. São, claramente, os jogadores mais maduros desta selecção, e os mais reputados, mas estão longe de ser os melhores. É notável, no entanto, que se junte agora a estes o jogador do Liverpool, Suso. Há dois anos, ninguém falava em Suso. Agora, como já fez alguns jogos na Premier League, já tem reputação suficiente para merecer umas palavras. Os comentadores desportivos não vêem os jogos que estão a comentar; têm uma ficha à frente com os apontamentos que tiraram, repetem meia-dúzia de ladainhas, e acabam invariavelmente a gabar o que toda a gente gaba.

26 - Parece-me que Gerard Delofeu melhorou significativamente, nos últimos anos. De resto, estando no Barcelona, seria natural que isso acontecesse. Agora já não aproveita cada bola que ganha para experimentar ultrapassar o seu opositor directo. Já tem na cabeça mais do que as suas competências individuais e já procura vir para o meio, à procura de apoios frontais. Está, por isso, no bom caminho, e reconheço-lhe finalmente algumas competências para que possa vir a ser um jogador de topo. Quanto a Jesé Rodriguez, nem pensar. Mantém as mesmas características de há 2 anos, e não espero grandes coisas dele.

27 - Já há dois anos Suso me pareceu um jogador muito interessante. Tendo sido aposta em Liverpool, aparece moralizado neste torneio, e tem assumido algum protagonismo. Embora lhe reconheça talento, continuo a achar que os dois melhores jogadores desta geração são Denis Suárez e Oliver Torres. E destes, talvez por serem pouco exuberantes, ou talvez por não terem a reputação dos outros três, poucos falam. São os jogadores mais inteligentes, e aqueles que, por isso mesmo, melhor preparados me parecem estar para enfrentar as exigências do futebol sénior.

28 -Na final da taça das Confederações, vitória justa do Brasil. Foi a equipa mais compenetrada e, não obstante um futebol excessivamente musculado e aos trambolhões, com muitos problemas quer ao nível da decisão com bola, quer a nível posicional, foi a melhor equipa em campo. Os brasileiros acabaram por ter sorte por marcarem nos momentos em que marcaram, e da forma como o fizeram, mas a verdade é que o mau jogo espanhol não justificava um resultado positivo. É verdade, também, por outro lado, que as condições climatéricas favorecem quem está habituado a elas, e que o desgaste a que a Espanha foi sujeita na meia-final terá certamente condicionado a equipa na final. A Del Bosque pede-se que tire desta competição as devidas conclusões: se quer ser campeão do mundo no ano que vem, em condições climatéricas como estas, vai ter de rodar muito os seus jogadores, sobretudo os cinco mais adiantados, e desde o primeiro dia.

29 - Várias conclusões poderiam ser tiradas do que aconteceu nesta competição: que o Brasil é o principal candidato ao título mundial do ano que vem, que o reinado da Espanha chegou finalmente ao fim, que Scolari é um óptimo treinador. Há que perceber, no entanto, várias coisas. Para os espanhóis, como de resto para os italianos, esta competição não tinha a mesma importância que para os brasileiros. Basta ver como, numa meia-final, depois de 120 minutos desgastantes, quando a capacidade de concentração dos atletas não podia ser mais baixa, só à sexta grande penalidade é que alguém falhou. Espanhóis e italianos abordaram as grandes penalidades com que se poderiam apurar para uma final sem qualquer pressão porque, precisamente, a Taça das Confederações era só uma prova de fim de época. Acresce a isto que os espanhóis já ganharam tudo e têm pouco a provar. A única conclusão a tirar, do que aconteceu neste torneio, é que o mundial do Brasil do ano que vem vai ser tão mau ou pior do que o de 2002, no Japão e na Coreia. O futebol não é, definitivamente, um jogo de climas tropicais, e a qualidade de jogo será muitíssimo afectada pelas temperaturas e pela humidade a que se jogar daqui a um ano. Em condições destas, as competências intelectuais dos jogadores e as competências tácticas das equipas têm menos peso, enquanto os detalhes terão certamente maior importância. Não me surpreenderá, por isso, se algumas equipas europeias ficarem pelo caminho logo na primeira fase, como não me surpreenderá que as equipas sul-americanas (e talvez uma ou outra africana) façam uma boa prova. Será, creio, um mundial de fraca qualidade, em que os mais fracos verão as discrepâncias para os mais fortes serem drasticamente reduzidas. Mais do que um mundial de futebol, será um mundial dos que têm muita força de vontade.

30 - Como se deve ter percebido, não gostei minimamente do futebol do Brasil. Além de haver jogadores incrivelmente sobrevalorizados (como David Luiz, Hulk e Paulinho), o colectivo é banalíssimo. Defensivamente, desposicionam-se com facilidade, ocupam mal os espaços e reagem erradamente ao que quer que o jogo lhes peça. Ofensivamente, dependem excessivamente da inspiração individual. Há, no entanto, uma boa notícia: Neymar. O jovem craque mostrou finalmente mais do que dribles estonteantes, capacidade para irritar defesas e números de circo. Mostrou que pode jogar ao mais alto nível, que percebe a utilidade de procurar apoios curtos, de tabelar, etc.. Há dois anos, quando foi copiosamente derrotado pelo Barcelona, foi humilde em reconhecer a supremacia catalã. Na altura, tal atitude podia querer dizer várias coisas. Hoje percebe-se que era mesmo "humildade", que Neymar estava mesmo convencido de que o adversário lhe tinha ensinado alguma coisa. Não estava apenas resignado; tinha aprendido uma lição. Nos últimos dois anos, aplicou essa lição ao craque que era e tornou-se finalmente jogador de futebol. Há dois anos, procurava insistentemente Paulo Henrique Ganso. Fazia-o, parece-me, por diversão e por respeito, porque Ganso era dos mais habilidosos e lhe dava gozo fazê-lo. Hoje procura quem quer que lhe ofereça um apoio, e isso é o suficiente para que vingue no clube em que oferecer apoios ao portador da bola é o principal requisito de qualquer jogador. Dou a mão à palmatória: nunca fui demasiado hostil a Neymar, mas também nunca me encantou por aí além. Hoje, no entanto, ainda que por razões certamente diferentes daquelas pelas quais é aplaudido, acho que Neymar me provou que devia ter sido mais paciente a formar a minha opinião. Não alinho pela teoria de António Tadeia, de que Neymar é super-inteligente a jogar futebol, mas reconheço que perdeu alguns vícios e que pode melhorar bastante a esse nível no futuro. E isso costuma ser decisivo.

31 - Xavi a olhar para o chão, com a mão sobre a testa, no momento da grande penalidade que Sergio Ramos haveria de falhar, na final da competição - eis o momento mais interessante do torneio. Aliás, Sergio Ramos tem tanto a ver com esta selecção como um cristão tem a ver com a teoria do Big Bang.