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quarta-feira, 2 de março de 2011

Conversa da Treta

De há uns anos para cá, tem-se acentuado a tendência de se privilegiar treinadores académicos a treinadores que foram ex-jogadores ou que fizeram carreira dentro do futebol. Com o fenónemo Mourinho, essa tendência ganhou ainda mais relevância. Acho esta divisão uma patetice. Há bons e maus treinadores nos dois lados da barricada. A academia garante tanta competência quanto a experiência dos relvados, ou seja, nenhuma. Ler muito, adquirir muitos conhecimentos, ter tido contacto com os mais recentes estudos não tem relação directa com a competência de um treinador. Não é a forma como a pessoa se instrui que advoga a sua qualidade, mas as ideias que possui e, em suma, a sua inteligência.

Os partidários da academia são ainda religiosamente favoráveis à metodologia de treino da moda: a periodização táctica. O problema da periodização táctica não é a periodização táctica, mas o que cada um acha que é a periodização táctica e a importância excessiva da discussão acerca dela. Há os que acham que ela é a coisa moderna que os modernos devem modernamente seguir, para não passarem modernamente por antiquados. Estes são os mais estúpidos, aqueles para quem, no fundo, trabalhar em periodização táctica é a única coisa que faz sentido, ainda que não saibam explicar porquê. Dizem-se adeptos da periodização táctica porque sabem que é a metodologia que corresponde ao que é moderno e porque faz lembrar Mourinho. Depois, até sabem mais ou menos em que consiste, mas não percebem que benefícios se podem extrair dela que não os óbvios. São, no fundo, fanáticos, pessoas que gostam de uivar que as equipas não devem ter preparadores físicos, que subir escadas não faz sentido nenhum e que o que interessa é treinar situações de jogo. Ouviram dizer estas coisas e agora repetem-nas, crendo-se diferentes.

Antes de prosseguir, queria deixar claro que a metodologia de treino é apenas um ingrediente e não tem o peso que estes fanáticos pretendem que tenha. Acho que, em teoria, há coisas que mais facilmente se adquirem treinando segundo a periodização táctica, mas acho também que há riscos enormes que dificilmente os fanáticos saberão acautelar. Agora, o que me parece importante referir é que se trata apenas de uma metodologia, ou seja, da maneira como se educa uma equipa. A conversa sobre metodologias centra-se no "como". Mais importante que essa conversa é uma que se centre no "quê". Um treinador que ache que a melhor maneira de chegar à baliza adversária é através da solicitação do seu ponta-de-lança de dois metros, utilizando um jogo directo, pode ser o melhor do mundo a operacionalizar treinos em periodização táctica, mas nunca será um grande treinador. É o melhor do mundo apenas a ensinar certos comportamentos à sua equipa. Falta saber se esses são os comportamentos que mais interessam à equipa. Treinar em periodização táctica não significa, por isso, treinar bem. Significa apenas treinar de modo diferente. Jaime Pacheco, se de repente aderisse à periodização táctica, continuaria a ser Jaime Pacheco. Continuaria a dar preferência ao músculo, embora agora não desse sovas aos seus jogadores e os pusesse antes a entrar duro uns sobre os outros, em exercícios com situações de jogo. E continuaria a ser um treinador sem ideias. A conversa abstracta sobre metodologia, por isso, é uma conversa frívola. O que interessa são as ideias. Se as houver, depressa se perceberá quais os melhores exercícios para as pôr em prática.

Dito isto, acho que o treino analítico, puro e duro, tem os dias contados. Por treino analítico entendo treino que divida as componentes física, técnica, táctica e psicológica e que as ministre separadamente. O treino analítico entende, por exemplo, que a componente táctica se subordina às componentes física e técnica, sendo por isso necessário preparar os atletas fisicamente e tecnicamente para que possam depois adquirir preparação táctica. Não acredito nisto porque acho que o jogo é específico e a melhor preparação é aquela que tem em conta todas as componentes em simultâneo. Não significa isto que não possam nem devam haver exercícios descontextualizados, que não deva haver trabalho adicional de ginásio, etc. O treino deve-se centrar sobre o comportamento, a decisão (e isso é tão táctico quanto técnico, físico e psicológico), mas não tem necessariamente de ser exclusivamente contextualizado. Ou seja, um exercício de posse de bola descontextualizado, sem as referências da situação de jogo, como sejam a baliza e o posicionamento relativo dos colegas, tem potencialidades que o melhor exercício de posse de bola contextualizado não tem: potencia situações imprevistas e obriga os jogadores a arranjar soluções inovadoras, estimulando por isso a criatividade e não forçando habituações excessivas. Do meu ponto de vista, o que é mais importante é educar o comportamento dos jogadores, obrigá-los a pensar e a descobrir por si quais as melhores soluções para cada lance. A periodização táctica pode funcionar, sobretudo para algumas coisas, mas pode também dificultar essa educação. É sobre as benefícios e os malefícios deste tipo de treino que pretendo falar em seguida.

Benefícios

Não vou falar de benefícios gerais, pois esses parecem-me conceptualmente errados. Dizer que a especificidade da periodização táctica é melhor do que a falta de especificidade do treino analítico não quer dizer nada e carece de explicação. A especificidade, a meu ver, é útil para certas coisas, mas prejudicial noutras. Vou antes referir aspectos em que me parece que a metodologia da periodização táctica pode potenciar a aprendizagem. Uma vez que o treino assenta sobre comportamentos, são os comportamentos colectivos que esta metodologia mais pode potenciar. Por exemplo, operacionalizar uma defesa à zona que tenha por referências a posição da bola, a baliza e o posicionamento dos colegas tem tudo a ganhar se trabalhado de um modo estritamente contextualizado. Aliás, algo que requer tanta coordenação entre tantos elementos só pode funcionar plenamente se trabalhado de modo contextualizado. Trabalhar a defesa à zona, porque se trata de um comportamento colectivo, é um dos benefícios da periodização táctica. Os atletas adquirirão rotinas de posicionamento e comportamento que dificilmente adquiririam sem o treino específico. O mesmo se passa em situações de transição defensiva e ofensiva. Uma equipa pretende que, no momento da recuperação de bola, o avançado se desloque do centro para a direita e que a bola seja posta nesse local para se iniciar a transição. O treino específico e contextualizado irá potenciar essa aprendizagem. Em suma, a metodologia da periodização táctica é benéfica para todo o comportamento colectivo que requeira repetição e sistematização. Mas nem tudo em futebol requer repetição e nem sempre a sistematização é benéfica.

Malefícios

Uma das principais críticas à periodização táctica consiste em defender que uma metodologia que se baseia na repetição de estímulos atrofia a criatividade e a capacidade de improvisação do atleta. Acho a crítica injusta porque aquilo que se pretende não é que o atleta se comporte sempre da mesma maneira, mas que a equipa tenha comportamentos padronizados. Isto é, a periodização táctica serve para criar hábitos nos comportamentos colectivos, não nos comportamentos individuais. Serve para criar soluções colectivas sistemáticas e para oferecer, por sistema, as mesmas várias soluções ao portador da bola, não para obrigar o portador da bola a decidir sempre da mesma maneira. Isto não implica que isto não seja um perigo. E tenho sérias dúvidas que a maioria dos treinadores entenda esta ténue diferença. A periodização táctica, para muitos, serve para cultivar o estímulo que entendem ser o mais correcto em cada atleta. Com isso, atrofiam-lhe a capacidade de decisão. Um dos malefícios, portanto, da periodização táctica, está no facto de a especificidade poder travar a criatividade. Mas há mais. Acho a crítica acima injusta, mas acho também que há um lado da mesma que interessa ter em atenção. O comportamento colectivo, em futebol, depende de duas coisas: do comportamento de cada um dos elementos desse colectivo e da relação entre cada um desses elementos. A periodização táctica é especialmente útil para melhorar este segundo ponto, a relação entre os elementos do colectivo, mas é insuficiente ou até prejudicial no que diz respeito ao comportamento individual. A periodização táctica preocupa-se excessivamente com a abstracção do colectivo, esquecendo que o colectivo, em futebol, tem esta dupla dimensão. Só entendendo o treino colectivo nesta dupla dimensão, como treino de indivíduos e treino de relações entre indivíduos, se pode extrair o máximo de uma equipa. Se, por um lado, a periodização táctica pode ter o condão de aperfeiçoar mais facilmente a coordenação colectiva, ou seja, de melhorar com mais facilidade a relação entre indíviduos, devendo por isso ser adoptada em exercícios cujo objectivo seja afinar essa relação (defesa à zona, pressing, situações de transição, bolas paradas, etc.), tem por outro lado o problema de tornar demasiado específico o comportamento individual. É por isso que as equipas que trabalham em periodização táctica são, normalmente, mais organizadas, mas também equipas com menos capacidade de improviso, demasiado específicas. Assim é porque o treino a que estão sujeitas assenta na repetição e na sistematização, o que, como expliquei, acarreta virtudes e defeitos. Depois, há ainda o problema adicional de cultivar certos comportamentos num jogador, mas não cultivar nele a necessidade desses comportamentos. Um dos maiores problemas de quem trabalha em periodização táctica, a meu ver, tem a ver com o grau de consciência com que os atletas repetem as suas acções. Na minha opinião, sistematizar comportamentos só tem verdadeiro interesse se, ao mesmo tempo, for ensinado ao jogador o porquê de, em determinadas acções, fazer aquilo para o qual está a ser preparado. Percebendo a razão pela qual se deve comportar de tal maneira, mais facilmente o jogador adquirirá o comportamento correcto e melhor preparado estará para a imprevisibilidade do jogo. Ora, tenho sérias dúvidas que a grande maioria dos treinadores que trabalham em periodização táctica tenha competência para fazer perceber aos jogadores o porquê dos comportamentos que lhes são exigidos. E essa será uma das razões principais para o atrofio da criatividade e da capacidade de improvisação a que muitas dessas equipas acabam por ficar sujeitas. Há ainda outros riscos no uso desta metodologia, embora menores, em meu entender. É comum dizer-se que, não se treinando especificamente competências físicas e técnicas, não é possível, ou é difícil, que os atletas adquiram os requisitos físicos e técnicos de que necessitam. Ora, creio que compete ao treinador exigir o máximo em cada exercício e estar atento à execução do mesmo. Se assim for, o treino específico prepará fisicamente tão bem ou melhor os atletas quanto o treino analítico.

Para finalizar, gostaria de dizer que, em tempos, também eu fui traído pelo equívoco que esta conversa inútil implica. No rescaldo do fenómeno Mourinho, fui levado a acreditar que a capacidade de explicar certas coisas e a capacidade de perceber como fazer com que a equipa sistematize comportamentos eram sintomas de qualidades de treinador. Sei hoje que não é assim. Carlos Carvalhal será um dos melhores exemplos. Em tempos, por ter lido a sua tese de licenciatura e por ter percebido que tinha certas competências técnicas, acreditei que era um grande treinador. Não é. É um treinador mediano, que sabe trabalhar bem e potenciar ao máximo certos aspectos de uma equipa, mas que carece de uma compreensão do jogo que se distinga de outros treinadores. Vítor Pontes é outro exemplo. Estes treinadores conseguem, por norma, que as suas equipas sejam defensivamente organizadas, e que tenham as transições minimamente trabalhadas. Mas isso é tão pouco que não chega para fazer a diferença. Lá está, são pessoas que são capazes de tirar o melhor do método em que trabalham, mas que não são capazes de escapar aos perigos que o método acarreta. Por norma, as suas equipas são pouquíssimo criativas. Carlos Azenha é outro dos treinadores modernos a que este texto se dirige. E talvez seja aquele que melhor exemplifica a inutilidade desta conversa. Trata-se de um treinador académico, que parece ter conhecimentos teóricos diferentes, mas que é tão mau ou pior do que qualquer outro treinador medíocre. A curta passagem de José Guilherme pela Académica poderia também servir como exemplo.

Como disse acima, a conversa que se centra no "como" é conversa da treta. Privilegiar uma determinada metodologia de trabalho em detrimento de outra é apenas um pequeno aspecto a considerar nas competências gerais de um treinador, um aspecto tão relevante como, por exemplo, o sistema táctico preferido. Há várias fórmulas para chegar ao sucesso e, não obstante considerar que a periodização táctica tenha virtudes, optar por ela em vez de uma metodologia tradicional não significa praticamente nada. Aliás, não se percebendo certas coisas bem mais importantes acerca do jogo, diria mesmo que essa opção é absolutamente irrelevante. Não percebendo, por exemplo, a importância de ter os sectores sempre juntos, em todos os momentos do jogo, a importância das coberturas defensivas e ofensivas, a importância da tomada de decisão no cômputo geral das acções individuais, etc., diria que pouco importa ser o melhor do mundo a perceber como é que se pode fazer com que os atletas adquiram certos comportamentos. Pensar, por isso, que existe uma espécie moderna de treinadores que está mais capacitada que a espécie antiga, e que a diferença de espécie se explica pela conjuntura teórica em que esses treinadores foram formados, é uma forma errada de pensar. Não existe diferença de espécie nenhuma. Existem treinadores competentes, treinadores mais ou menos competentes e treinadores incompetentes. E a competência não é algo que se adquira por se pertencer a uma determinada espécie e não a outra.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Os erros de David Luiz

Anda para aí muito boa gente deslumbrada com os desempenhos de David Luiz, como se se tratasse do novo Beckenbauer. David Luiz tem qualidades, mas continua a ter defeitos que teima em não corrigir. Mais estranho do que o entusiasmo dos adeptos, é a insistência de Jorge Jesus no jogador, quando Sidnei lhe é francamente superior. Sidnei não comete erros posicionais, não é impetuoso em excesso e não inventa, sendo muito mais seguro a sair a jogar. Aliás, este é outro dos erros em que se insiste. Considera-se que David Luiz é forte a sair a jogar, mas a única coisa em que ele é forte é em fazer disparates. Sair a jogar não significa ser melhor tecnicamente, não significa ser capaz de conduzir a bola para o ataque; significa saber escolher o colega certo a quem endossar a bola, significa desarmar no sentido de ficar com a posse de bola e não de a cortar para fora, significa tomar boas decisões e não somente ter a capacidade de colocar a bola à distância. Nisto tudo Sidnei é bem superior a David Luiz. Ainda assim, o principal problema de David Luiz é em termos defensivos, na quantidade de erros que continua a cometer. E há quem se atreva a comparar-lhe os erros aos de Daniel Carriço, provavelmente o melhor central a actuar em Portugal.

Este texto tem, por isso, a pretensão de revelar alguns dos erros recentes do brasileiro, erros graves que não têm a ver, como muitos julgam, com o facto de jogar a lateral e não a central. Os seus erros têm a ver com índices de concentração, com sentido posicional, com capacidade para se manter emocionalmente estável, com precipitações, com excesso de confiança, etc. E têm acontecido ora quando joga a lateral, ora quando joga a central. Recupero, então, as últimas duas partidas do Benfica (em Poltava e na Luz contra o Setúbal), por ter estado ligado aos três golos sofridos pelos encarnados nesses desafios. Houve ainda outro lance no jogo frente ao Vitória que não deu em golo por mero acaso e no qual David Luiz, após um passe de Di Maria - creio -, passe bastante arriscado, é certo, abordou o lance de forma excessivamente passiva, deixando a bola passar-lhe por trás e sendo captada pelo avançado setubalense que, depois, driblou o central encarnado, acabando, no entanto, por chutar por cima. De qualquer modo, não consegui arranjar imagens do lance, pelo que não falarei mais dele.

Vamos então aos lances:



1. O lance corresponde ao primeiro golo do Vorskla. Em jogada de contra-ataque do Vorskla Poltava, conduzido pela direita, David Luiz, a actuar a lateral-esquerdo nesse jogo, está estranhamente do lado direito do ataque. O que estava lá a fazer não sei. Sei que não estava onde devia e o Poltava ataca por onde ele deveria estar, obrigando toda a equipa do Benfica a um reajustamento que permite que o lance na área seja disputado apenas pelo avançado ucraniano que faz o golo e por Luís Filipe. É certo que Moreira não fica bem na fotografia, mas David Luiz é o primeiro a comprometer. Além disto, a forma como não acompanha a jogada, sendo que lhe era possível ter chegado à area, ainda que pelo lado direito, denota a pouca preocupação com o papel defensivo que deveria estar a desempenhar. Para acabar em beleza, alguém lhe chama a atenção e é possível vê-lo, no final da jogada, no canto superior esquerdo, protestando com esse alguém.

2. No segundo golo, o mau posicionamento de David Luiz é ainda mais gritante. Inicia a jogada estranhamente metido para dentro e bem à frente da linha de defesa. Depois, reage a um passe na zona central, abrindo ainda mais o buraco que criara do seu lado. Como é óbvio, a bola entra na direita, onde não está ninguém, obrigando Sidnei a corrigir essa lacuna e ficando a defesa desprotegida. O cruzamento acaba por encontrar um avançado ucraniano, que se antecipa a Luis Filipe e faz golo. Javi Garcia ainda tenta ocupar um lugar central, mas David Luiz nem se preocupa em ocupar, pelo menos, a posição de Javi Garcia, que lhe fora fazer a dobra. O lance denota, uma vez mais, displicência, falta de concentração e uma péssima tomada de decisão.

3. A culpa do golo do Vitória de Setúbal pode bem ser atribuída a Quim, que sai dos postes quando não o deveria ter feito. Mas David Luiz é o primeiro responsável, pois tem o lance controlado, mas, por excesso de confiança, demora a atacar a bola e, quando o faz, já Hélder Barbosa lá chegara. Poderia ter resolvido facilmente o lance quer passando de cabeça para César Peixoto, quer aliviando mais prontamente a bola. Mas não o fez. Confiou demasiado na sua capacidade de reacção e acabou por facilitar.

4. O quarto lance nada tem a ver com David Luiz. Penso que os três anteriores chegam e sobram para que se reflicta um pouco sobre a sua pretensa qualidade. É o lance do quinto golo do Benfica ante o Vitória de Setúbal e é para mim uma ilustração perfeita daquilo que foi o jogo da Luz. Tinha dito que Saviola foi a chave do desafio e que, pela sua movimentação, desconcertou toda a defesa sadina. Nesta jogada, é evidente o porquê dessa minha afirmação. O lance começa com um passe de Luisão para Di Maria, que cruza para Cardozo ajeitar para Ramires. Repare-se, em primeiro lugar, no espaço que há entre os defesas sadinos e o meio-campo, permitindo a entrada de Ramires. Repare-se igualmente no espaço que há entre cada um dos defesas sadinos. Isto só é possível porque Carlos Azenha veio à Luz defender primitivamente homem a homem. Mas repare-se agora onde está Saviola. Atrás de Di Maria. E perto dele - incrível! - o seu marcador directo. O mais caricato do lance é ver Di Maria pronto a cruzar, com um defesa perto dele, enquanto o marcador directo de Saviola, em vez de estar a olhar para o lance e perceber como se deveria posicionar em função do mesmo, anda à procura de Saviola, virando várias vezes a cabeça para ver se o pequeno argentino não lhe escapava. Nos dias que correm, este comportamento defensivo é ridículo. Este lance demonstra inequivocamente que as razões pelas quais o Vitória foi humilhado na Luz não tiveram nada a ver com a inexperiência dos jogadores nem com qualquer aspecto emocional relacionado com o desenrolar do desafio. Teve a ver, exclusivamente, com a abordagem táctica ao jogo por parte do seu treinador. Se os jogadores estão preocupados com homens em vez de estarem organizados, o único responsável é o treinador. Carlos Azenha não o quis admitir. Falou em desorientação dos jogadores após o terceiro golo. Qual desorientação? Os jogadores já entraram em campo desorientados. E entraram desorientados porque tinham de andar a perseguir individualidades. A movimentação de Saviola, fugindo das zonas de finalização e com isso arrastando os defesas que deveriam ocupar esses espaços, foi por isso a chave da partida.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Coisas por dizer

O período de férias impediu que pudesse falar de certas coisas, bem como concluir certas discussões. Ficaram pendentes, entre outras, discussões sobre aquilo que significa um central ser bom a sair a jogar (que não tem nada a ver com o ter boa qualidade de passe ou ser capaz de transportar e progredir com a bola), assunto que retomarei noutro texto, e discussões sobre a legitimidade da opinião, sendo que, para muitos, é consequência de qualquer regime democrático o poder dizer-se disparates. A cada um destes assuntos dedicarei, brevemente, um texto, mas para já importa falar do que se passou esta semana, pois há muito a dizer.

1. Começando pelo que se passou em Portugal ou com os clubes portugueses, uma palavra para a eliminação do Sporting ante uma Fiorentina a jogar muito mal e outra para o Nacional, que conseguiu eliminar o Zenit da Liga Europa. O Sporting confirmou o terrível início de época e, ironicamente, foi mesmo um dos jogadores a quem menos se podem apontar defeitos quem acabou por estar ligado ao golo de Jovetic. Do Nacional, não vi nada, mas este Zenit, sem as principais figuras e sem o treinador Dirk Advocaat, é certamente uma equipa bem diferente e muito menos forte do que o era há um ano.

2. Continuando no Sporting, Liedson voltou aos golos antes da estreia pela selecção nacional. Agora já ninguém se lembra que não marcava desde Maio e já é novamente o maior avançado de todos os tempos. Mesmo que tenha falhado golos escandalosos, lances esses que, se fossem protagonizados por Nuno Gomes, mereceriam ingente reprovação.

3. O Porto também venceu e há quem diga que Varela já começa a mostrar credenciais. Não sei se é pelo facto de ter participado no primeiro golo, no qual cruza sem olhar, ou se é por ter marcado o segundo, num lance em que o defesa esquerdo da Naval ficou a dormir. Neste tipo de jogos, contra adversários incompetentes a defender como o caso da Naval, jogadores explosivos como Varela têm facilidade em encontrar os espaços para poderem executar. O problema será quando estes espaços não existirem. Aí, Varela será só mais um.

4. O Benfica goleou o Setúbal. Desde cedo, antes mesmo do segundo golo, que me pareceu que o desfecho final seria algo parecido com o que aconteceu. As razões eram óbvias. Jesus não iria pedir nunca para os seus pupilos abrandarem e os erros de organização da equipa sadina eram gritantes. Há quem diga que as bolas paradas definiram o jogo. Discordo inteiramente disso. Antes dos lances que deram os golos, já o Benfica demonstrara conseguir penetrar com facilidade na defesa sadina, abrindo espaços graças à falta de educação táctica do conjunto liderado por Carlos Azenha. É verdade que o factor emocional terá ajudado ao desnivelamento do resultado, mas não foi a principal causa. O principal problema setubalense teve a ver com a forma como abordou o jogo. Interessado em marcações individuais, abdicou da organização própria. Sem talento, sem capacidade para sair das zonas de pressão e sem competência para fechar os espaços, a equipa sadina andou de um lado para o outro atrás dos jogadores do Benfica. É natural que uma equipa dinâmica, com jogadores que, sem bola, procuram os espaços livres, consiga arrastar um adversário que se preocupa com os adversários directos. Desconfio até que esta será a primeira de várias goleadas ao longo da época. Naval, Académica, Belenenses e Leixões, sobretudo pelo modo como jogam, são as equipas na calha para o que se segue.

5. Uma das coisas que Carlos Azenha disse quando chegou a Setúbal foi que ia defender à Sacchi. Marcações individuais é o antónimo disso. Mais um que pensa que ler é saber o significado das palavras que vêm escritas nos livros...

6. Se, como treinador, a sua competência não poderia ter ficado mais abalada, como líder poderia ter-se salvado. Optou por não o fazer. Em vez de defender os jogadores, em vez de poupá-los o mais possível à humilhação de modo a recuperá-los e a transmitir-lhes confiança, Carlos Azenha optou por sacudir a água do capote e colocou as culpas num plantel inexperiente, em jogadores de escalões secundários e na incapacidade dos mesmos para aguentar a pressão. Chamou-lhes , no fundo, incompetentes, mentalmente fracos e imaturos. Boa!

7. O melhor em campo, apesar dos três golos de Cardozo e das três assistências e um golo de Aimar, foi Javier Saviola. As movimentações sem bola do pequeno argentino foram perfeitas. Às vezes, parecia que arrastava meia-equipa sadina, abrindo espaços para os colegas, e ainda ficava sozinho. Foi muito por causa da sua movimentação que o Setúbal, apostando em marcações individuais, se desorganizou defensivamente. Sem Saviola, a história teria certamente sido outra.

8. O Braga continua líder e parece jogar cada vez melhor. Domingos, enquanto treinador, sempre me pareceu pouco coerente. As suas equipas tanto tinham coisas fantásticas como denotavam erros de principiante. O seu trabalho na Académica e no Leiria não foi perfeito, embora também não tenha sido fraco. Para já, o seu Braga está a jogar bem. Vamos ver no que dá. As minhas desconfianças começam, contudo, no facto de a aposta em Rodrigo Possebon não ser clara.

9. Hugo Viana está de volta. A pergunta que fica é: se o Sporting andava atrás de um médio, se não tinha muito dinheiro para gastar e se Hugo Viana até manifestou interesse em vestir a camisola verde e branca, por que razão não foi o escolhido?

10. Em Espanha, o Barcelona entra a ganhar com tranquilidade. Já o Real, superou o Deportivo com muitas dificuldades. Pellegrini vai ter muito que fazer para conseguir estar à altura de Guardiola. É sugestão minha que poderia começar por confiar mais em Gago, provavelmente o melhor médio-defensivo da actualidade.

11. O Barcelona conquistou a Supertaça Europeia num jogo de sentido único. O Shaktar interessou-se apenas em defender e o Barcelona mandou no jogo do princípio ao fim. Em muitos momentos, porém, não conseguiu ser rápido na circulação de bola de modo a aproveitar o espaço entre os diferentes elementos ucranianos. Como tal, não conseguiu muitas ocasiões de golo. A ausência de Iniesta deixa o Barça menos criativo e Ibrahimovic está ainda longe da forma física ideal. Valeu um lance de entendimento entre Messi e Pedro, lance que é um exemplo de como o Barcelona é uma equipa e não um conjunto de jogadores. Depois do golo, destaque para a forma como o Shaktar não conseguiu ter bola durante os cinco minutos que faltavam. Mais nenhuma equipa no mundo consegue trocar a bola durante tanto tempo quando o adversário precisa dela.

12. Em Itália, o Inter de Mourinho começou mal, mas compensou goleando o rival de Milão. O primeiro golo é uma obra-prima e um exemplo de como o futebol se joga pelo meio e não insistentemente pelas alas. A circulação rápida da bola e a movimentação constante dos jogadores acabou por abrir espaços para a entrada de um dos médios, neste caso, Thiago Motta, que só teve que escolher um lado. O Inter deste ano promete reavivar tudo o que de bom José Mourinho conseguiu ao serviço de Porto e Chelsea.

13. A Juventus continua a ser, para mim, o principal adversário doméstico do Inter. Desta feita, venceu sem apelo nem agravo a Roma e Diego, o tal que era fraquinho, foi o herói da partida.

14. Em Inglaterra, atenção ao Arsenal. Wenger parece ter deixado de lado, de vez, o 442 clássico. Com isso, deitou fora a principal fonte de problemas do futebol da sua equipa. A jogar em 433, com a filosofia de jogo que sempre revelou, este Arsenal será certamente mais consistente. Para já, um arranque de campeonato impressionante, com duas goleadas, só travado por um resultado injusto em casa do campeão. Em termos individuais, só um idiota poderia dizer que este Arsenal tem argumentos para rivalizar com Chelsea, Liverpool e Manchester, mas em termos colectivos é a equipa mais interessante em Inglaterra. A jogar assim, num 433 com um médio-defensivo nas costas de dois jogadores mais ofensivos e com dois extremos com liberdade para virem para o meio, o Arsenal mantém a dinâmica ofensiva que sempre possuíu sem se desequilibrar constantemente, como acontecia antigamente. Joga assim de forma mais pausada e não sempre em constante velocidade. O futebol é mais atractivo e mais seguro, ao mesmo tempo. Com o regresso de Nasri e Rosicky, se não abandonar estas ideias, o Arsenal tem tudo para fazer uma grande época.

15. O Chelsea lidera e mantém viva a candidatura ao título. O Liverpool começou mal e o Manchester não está em grande forma. O City terá muitos problemas ao longo do campeonato, assim como o Tottenham, que para já ocupa o segundo lugar, com os mesmos pontos que o Chelsea. Vai ser, porém, o campeonato mais interessante dos últimos anos.

16. Em França, Lisandro tem-se fartado de marcar golos. Mas o que é espantoso é mesmo como Cissokho é titular em vez de Grosso. Ferrara é que não desperdiçou a oportunidade de resgatar o internacional italiano e a Juventus arrecada mais uma boa contratação.

17. Na Alemanha, o Bayern de Van Gaal não começou bem, mas Robben veio dar uma injecção de qualidade e já valeu uma vitória. Espera-se um resto de época interessante.

18. Curiosidade de última hora: alguém sabe onde anda Co Adriaanse? Pista: foi campeão na última época, uma vez mais, e o seu nome continua a rimar com competência. Pena é que haja incompetentes, mesmo entre os holandeses, que tenham tanta ou mais reputação. Estou a falar de um que, por acaso, até lidera o campeonato holandês.

sábado, 4 de julho de 2009

Um treinador competente ou um fala-barato?

Aplaudo de pé, quando assim tem de ser, os clubes que decidem ter à frente da sua equipa técnica treinadores que, apesar de um currículo curto ou pouco reputado, parecem discernir, com relativa facilidade, as exigências do futebol moderno. Muitas dessas contratações, contudo, devem-se ao acaso e não a uma estratégia ponderada. Por exemplo, a contratação de Jorge Jesus pode mesmo ser o melhor que Vieira fez até hoje à frente do Benfica, mas duvido que isso se tenha ficado a dever a uma ponderação acertada. Falando de treinadores, é cada vez mais normal os clubes procurarem académicos que não tiveram, enquanto jogadores, um percurso necessariamente interessante. Esta distinção, porém, radica num erro. É tão errado presumir que um ex-jogador tem vantagens em relação a quem não jogou ou a quem não jogou ao mais alto nível, porque viveu o jogo por dentro, quanto presumir que um académico, porque leu e investigou certas coisas mais ao pormenor, tem vantagens em relação a quem não o fez. A qualidade de um treinador não depende da quantidade de literatura que conseguiu acumular, nem da quantidade de experiência que o seu currículo enquanto jogador lhe forneceu. Ser um bom treinador tem essencialmente a ver com competência. Saber muito ou ter muita experiência pode não ter nada a ver com competência.

Esta posição extrema, que é a posição de muito boa gente, tornaria fácil identificar bons treinadores. Assim, aqueles que estudaram, que se educaram, que tiveram contacto com os mais modernos métodos de treino, estariam numa posição privilegiada. Isto não é verdade e há exemplos de treinadores bastante competentes que foram jogadores no passado. Acredito, de facto, que a experiência enquanto jogador não chega e que um ex-jogador só se pode tornar um bom treinador se se cultivar, se for inteligente. Mas o contrário não é menos verdade. Por mais culta que seja uma pessoa, a reflexão sobre o jogo, a aplicação da cultura à particularidade do futebol é essencial. Poderia dar o exemplo de Queiroz. Para muitos, porque é um académico, tem de ser bom treinador. Mas não é. Nem nunca foi. É apenas alguém que teve um percurso diferente. Até pode ter métodos de treino mais sofisticados que muitos dos treinadores actuais, até pode conhecer mais coisas, até pode estar mais informado, mas se as suas ideias não são boas, de nada lhe vale. E as ideias são aquilo que de mais importante um treinador deve ter. Ter ideias não se segue de estudar muito, como não se segue de conhecer o jogo enquanto jogador. São coisas distintas; não existe uma relação de causalidade entre elas.

Posto isto, queria individualizar o problema. Carlos Azenha, o agora treinador do Vitória de Setúbal, pertence evidentemente à segunda classe de treinadores, aos académicos. Para muitos, a presença de Carlos Azenha na primeira liga é uma boa notícia e um sinal de esperança em relação ao avanço, a nível técnico, do nosso futebol. Não sei se concordo com isto. Por uma razão simples: porque não conheço a fundo as ideias de Carlos Azenha. Aliás, aqueles que acham que Azenha é um dos mais competentes treinadores portugueses só o podem achar porque consideram acertada a premissa acima repudiada. Isto é, quem acha que Carlos Azenha pode trazer boas coisas ao futebol português pensa imediatamente que, por ser um académico, tem vantagens em relação aos outros treinadores. Ou então conhece melhor as suas ideias do que eu. Aquilo que posso dizer com relativa segurança é que Carlos Azenha é uma pessoa informada, provavelmente com métodos de treino bastante modernos, etc. Mas nada disto, como demonstrei, implica ter boas ideias. E é aqui que reside o problema. Do pouco que conheço das ideias de Carlos Azenha, sobretudo das suas intervenções ao longo da época no Domingo Desportivo, não tenho uma opinião tão optimista. Parece-me, de facto, alguém com conhecimentos acima da média, mas parece-me também ter demasiadas certezas infundadas, demasiadas opiniões banais, demasiadas demagogias, demasiados lugares-comuns...

Certa vez, por exempo, Carlos Azenha referiu-se ao avançado hondurenho do Benfica, David Suazo, de uma forma absolutamente convencional e errada. Segundo ele, Suazo era um jogador para jogar na profundidade, útil quando era possível lançar a bola para as costas da defesa, mas que tinha imensas dificuldades quando assim não era. Ora, isto é falso. Está na base deste pensamento um erro bastante comum: pensar que os jogadores valem pelo seu atributo mais interessante. Porque Suazo era veloz, pensava-se que só era forte num tipo de jogo que beneficiasse essa velocidade. Não ver que Suazo era muito mais do que um jogador veloz é um tipo de cegueira grave. Quando Carlos Azenha, ou qualquer outra pessoa, diz que Suazo só é bom nesse tipo de jogo, está a mostrar que não vê as coisas como elas deveriam ser vistas, está a revelar que só tomou atenção, como maior parte das pessoas, aos lances em que o hondurenho, fazendo valer a sua individualidade, conseguiu produzir alguma coisa de útil. Mas produzir alguma coisa de útil não é só ter iniciativas individuais, não é só fazer valer as suas melhores características. É até, essencialmente, fazer valer as suas características colectivas. Suazo não valia só pela sua capacidade de explosão; era um jogador inteligente, muito forte a segurar a bola de costas para a baliza e a tabelar com os colegas, respeitador do colectivo e interessado em jogar em equipa. O que Carlos Azenha evidencia, ao dizer tal coisa, é que não percebeu quem era David Suazo. O que ele percebeu foi o que o hondurenho produziu e não o que poderia produzir. Se a equipa não foi capaz de tirar nada de útil dele além da sua capacidade de explosão, ele não tem culpa. Ou seja, o facto de a equipa jogar para ele de uma determinada maneira não implica que ele não pudesse ser forte noutro tipo de jogo. Aliás, foi muito útil ao Inter e nem sempre pelo seu poder de arranque ou pela sua velocidade. Carlos Azenha, como tantos outros - parece-me - fica-se pelo evidente, pelo que salta à vista, pelo espalhafatoso, pelos golos, por aquilo que toca o nervo óptico sem a mediação da racionalidade. E isso é indicador de uma falta de atenção e de uma falta de finura intelectual que me deixa com muitas reticências quanto à sua pretensa competência...

Poderia, se me lembrasse, concentrar-me noutras ideias com as quais não concordei. Vou antes concluir com as palavras que disse ao ser contratado pelo Vitória de Setúbal. Carlos Azenha disse então, com mais pompa do que com correcção, que queria o seu Vitória a "defender à Sacchi e a atacar à Van Gaal". A expressão é daquelas que entra no ouvido. Cita dois nomes pomposos e as pessoas ficam atentas. Sacchi e Van Gaal são, afinal, das melhores referências que um treinador pode ter. Mas, além da maneira forçada com que os nomes são citados, é a associação entre eles e a divisão entre processos ofensivos e defensivos que mais choca. Eu sei o que é jogar à Sacchi e o que é jogar à Van Gaal, mas o que é jogar defendendo à Sacchi e atacando à Van Gaal? A única resposta que tenho é que isto é parvoíce. São duas coisas incompatíveis. Resta saber se Carlos Azenha o sabia e o disse mais para impressionar ou se, de facto, essas são as suas ideias. Resta saber, por isso, se Carlos Azenha tem competência para corresponder às expectativas ou se não é mais do que um fala-barato...