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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sergi Roberto e a Timidez

Sergi Roberto é um dos médios espanhóis mais promissores. Já tinha falado do seu talento anteriormente aqui, e continuei sempre a pensar o mesmo. Ainda assim, a sua afirmação tem sido adiada época após época. Depois da saída de Fabregas e Thiago Alcântara, parecia chegada a altura dele, mas tal não foi o caso, e cheguei a pensar que o seu destino não seria muito diferente do de Jonathan dos Santos, outro médio talentoso cuja evolução estagnou por falta de oportunidades. À partida para esta época, e mesmo com a saída de Xavi, Sergi Roberto parecia ser apenas o quarto médio (as primeiras três opções para o lugar de médio ofensivo, no Barça, eram claramente Iniesta, Rakitic e Rafinha) e, pelas indicações dadas na pré-época, parecia poder jogar mais tempo a lateral direito do que propriamente a médio. Foi assim, aliás, que começou a dar nas vistas, aproveitando a lesão de Dani Alves para aparecer em grande nível, como se tivesse sido lateral toda a vida. A inteligência e a criatividade são os seus principais atributos, e Sergi Roberto parece um exemplo feliz de como isso é tudo o que um jogador de futebol realmente precisava para poder vingar, seja qual for a posição. Apesar de nunca ter sido lateral, parecia saber exactamente o que fazer em cada situação, e foi mesmo o melhor em campo em vários jogos. O regresso de Dani Alves à actividade parecia, contudo, votar Sergi Roberto ao banco de suplentes, e durante algum tempo as suas excelentes prestações não pareciam ter sido devidamente reconhecidas. A lesão de Rafinha permitiu-lhe, porém, alguma utilização como médio, e a lesão mais recente, de Iniesta, contribuiu para que fosse presença assídua no meio-campo do Barça. E o que Sergi Roberto fez, nos últimos jogos, foi o suficiente para tornar difícil a vida a Luis Enrique a partir de agora. No último fim-de-semana, acrescentou à regularidade exibicional uma preponderância ofensiva muito assinalável: além do muito que tem jogado, foram dele as duas assistências para os dois golos com que o Barcelona venceu o Getafe. A primeira, então, é qualquer coisa de sublime, e merece todo o destaque.



Sergi Roberto pertence a um tipo de jogador que, não obstante o talento inegável, parece acusar alguma timidez. Sou defensor de que, numa equipa de futebol, cada jogador deve ter um tratamento diferenciado. Havendo perfis (psicológicos, atléticos, etc.) diferentes, há naturalmente quem mereça uma oportunidade e há quem mereça dez. Um jogador mais tímido, por exemplo, precisa de mais tempo para se sentir confortável dentro de uma equipa e, portanto, precisa de mais tempo para mostrar as suas qualidades. Um jogador mais irreverente, pelo contrário, precisa de menos tempo. Até pelo talento que lhe era reconhecido quando jovem, Sergi Roberto foi sempre permanecendo em Camp Nou. Ainda assim, não se soube, durante largas épocas, tornar confortável ao jogador a sua posição na equipa, e ele continuou incapaz de se livrar da sua timidez. E, se não fosse pela circunstância das várias lesões que fustigaram o plantel às ordens de Luis Enrique, ainda não era esta época que se afirmaria. O caso de Sergi Roberto é, também por isso, muito relevante para se perceber por que é que certos jogadores que parecem destinados ao sucesso acabam por passar ao lado de grandes carreiras.

O melhor exemplo que poderia dar como comparação é o de Bruno Pereirinha. É, de longe, o jogador português mais talentoso da sua geração, e está condenado a uma carreira irrisória. Até apareceu bem no Sporting, com a confiança que advinha de terem muitas expectativas a seu respeito, mas aos poucos foi acusando a sua timidez natural. Se ao seu talento somasse a irreverência que outros têm, a sua carreira teria decerto sido diferente. Podia não ter chegado ao nível a que poderia chegar, dada a conjuntura difícil que encontrou no Sporting, mas teria certamente merecido outro género de aposta, nos mais diversos clubes. A sua timidez levou, inicialmente, a considerar que nem sequer era médio, sendo a lateral que quase todos acreditavam que podia evoluir. Até por aí o seu caso é semelhante ao de Sergi Roberto. A inteligência, como a do espanhol, permitia-lhe jogar a lateral com facilidade, e as pessoas acabaram por considerar que essa era a sua melhor posição. Não era. Como não é a de Sergi Roberto. Tem facilidade nesse lugar, porque tem um talento fora do comum e porque percebe o jogo com facilidade, mas é médio. Como Sergi Roberto é. E é como médio que se espera que Sergi Roberto evolua. No início da carreira no Barça, Iniesta passou por problemas semelhantes. O perfil psicológico dos dois não é, aliás, muito diferente. E o talento, por sinal, também não. A diferença estará sempre na evolução, e nas circunstâncias que a possibilitem. Sergi Roberto já mostrou que merece a aposta, e cabe ao treinador e ao clube perceber que um jogador, por melhor que seja, precisa de que acreditem nele e de que o deixem descobrir, por si, como acomodar a sua timidez com a sua qualidade. A meu ver, o futuro do meio-campo espanhol passa necessariamente por ele e seria um desperdício não o ver, daqui a poucos anos, a comandar a selecção do país vizinho ao lado de Thiago Alcântara e de Oliver Torres.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Legado de Luis Enrique e outras coisas

1. O Fim de uma Era

Quando a época passada terminou, e o Barça de Luis Enrique conquistou os três principais títulos, tive o ensejo de escrever um texto que, por vários motivos, acabei por nunca escrever. O que queria ter dito na altura e não disse é o que, muito abreviadamente, direi agora. O Barça ganhou tudo e, para muitos, voltou ao domínio do futebol europeu. A minha opinião é ligeiramente diferente: o Barça ganhou tudo, e perdeu finalmente a hegemonia que teve na última década. Pode parecer um contrassenso, mas creio que as conquistas do ano passado são o ponto final de uma era que começou com a chegada de Guardiola ao clube. O futebol da equipa de Luis Enrique já não tinha muito a ver com aquele que Guardiola preconizava (e que Tito Villanova e Tata Martino, mal ou bem, mantiveram), e o sucesso desse futebol significa a ruptura decisiva com o passado. Correndo o risco de parecer incoerente, uma vez que defendo que esse futebol já não tinha muito a ver com a da grande equipa de há uns anos, acho que muito desse sucesso se deve ao que os jogadores aprenderam com Guardiola: muito do que seria o trabalho do treinador é dispensado pelo que os jogadores, em termos colectivos, ainda retêm dessa altura. O mérito de Luis Enrique nas conquistas da equipa é, aliás, muito reduzido. Além de um conjunto de jogadores que cresceram a fazer uma série de coisas que agora fazem de olhos fechados, contou com jogadores que, do ponto de vista individual, fizeram toda a diferença. Para dizer de outro modo, o Barcelona ganhou tudo como poderia ter perdido tudo e como várias equipas ganham tudo. Jupp Heynckes ganhou tudo pelo Bayern há uns anos, e não me parece que lhe deva ser dado um mérito especial. Há sempre alguém que tem de ganhar, e o ano passado calhou ao Barcelona. Ao ganhar desse modo, como ganharia qualquer outra equipa, o Barça voltou a ser uma equipa normal. E a hegemonia que teve, e que continuava a assustar toda a gente, acabou. Por outras palavras, foi a melhor equipa dos últimos dez anos, mas arrisco-me a dizer que não será a melhor dos próximos. Se o impacto de Guardiola se viu até ao ano que passou, culminando com o triplete de Luis Enrique, o impacto de Luis Enrique ver-se-á daqui a 5 anos, quando o Barça for uma equipa banal.

2. A Lesão de Messi

Há um pormenor que costuma ser negligenciado quando se fala nas conquistas europeias: as lesões. Os dois anos em que Guardiola não ganhou a Champions quando ao serviço do Barcelona foram pautados por lesões relativamente longas ou recorrentes de jogadores importantes: Ibrahimovic, Iniesta, Villa, etc.. A equipa de Luis Enrique teve um ano praticamente imaculado, a esse nível, e isso também foi decisivo. Foi-o, de modo evidente, na forma como pôde superar o Bayern de Guardiola, fustigado por lesões, mas foi-o também ao longo de toda a época. Não houve lesões de grande duração em nenhum jogador importante, e isso permitiu à equipa manter os seus índices de produtividade. Que o tenha sido não me parece, de modo nenhum, irrelevante. Repetir a sorte de uma época sem lesões é praticamente impossível, e creio que isso ditará um ano bem mais modesto em termos de conquistas. A primeira lesão importante aconteceu este fim-de-semana, e ainda não se sabem bem as consequências dela. Apesar de ser preferível perder Messi nesta altura, dois meses (mais um mês ou dois até recuperar o melhor ritmo) é tempo suficiente para que o Barça perca terreno, por exemplo, no campeonato. Messi, aliás, foi decisivo nos jogos decisivos da época passada, e o principal responsável pelo sucesso de Luis Enrique nas provas a eliminar (em vários jogos da Champions, concretamente contra o Bayern, e na final da Taça do Rei, por exemplo). Sem Messi, o Barça de Guardiola era só a mesma equipa menos o seu melhor jogador. Sem Messi, o Barça de Luis Enrique vale menos de metade.

3. Xavi e Iniesta

Apesar de ter perdido a titularidade a época passada, Xavi foi quase sempre utilizado por Luis Enrique. Quando jogava de início, o Barça era quase sempre melhor, apesar de praticamente ninguém conseguir ver isso. Quando entrava, a equipa passava automaticamente a jogar melhor. Ainda que em final de carreira, aquele que foi, muito possivelmente, o melhor jogador de sempre, no que diz respeito à tomada de decisão, mantinha uma influência incrível, e só aqueles que acham que o futebol requer os melhores atletas não eram capazes de percebê-lo. Como o futebol é dominado por essa gente, tornou-se praticamente consensual que a era de Xavi no Barça chegara ao fim. Tenho para mim que não foi só a era de Xavi que terminou. Com Xavi, foi-se também a melhor equipa de sempre. Aliás, restam dessa equipa poucos jogadores: Dani Alves, Piqué, Busquets, Iniesta e Messi. Com a saída de Xavi (e a de Pedro), a somar-se às saídas em anos anteriores de Thiago Alcântara e Fabregas, por exemplo, o futebol de toque curto, mais pensado do que corrido, chegou ao fim. O próprio Iniesta, se virmos bem, é um autêntico órfão em campo. Messi tem capacidades atléticas (e idade) que lhe permitem adaptar-se a um estilo de jogo diferente, e o entendimento com jogadores mais vertiginosos torna-se fácil. Iniesta não as tem, e o seu futebol eclipsa-se a cada dia que passa. Não quero ser mal entendido: esse futebol não se eclipa por  Iniesta já não ter capacidades físicas para mantê-lo vivo, mas porque já não está rodeado de colegas a quem interessa jogar o mesmo jogo. Cada jogador é aquilo que o rodeia. E Iniesta deixou de estar rodeado dos mais inteligentes. O Barça de Luis Enrique já não é o Barça de Xavi e Iniesta. Em tempos, num lance que não consigo situar (imaginava, erradamente, ter sido o lance em Old Trafford que permitira a Paul Scholes fazer o golo que eliminou o Barça nas meias finais da Champions de 2007/2008), Xavi falhou um passe decisivo à entrada da área por tê-lo feito sem perceber antecipadamente se o colega a quem passava a bola estaria à espera de recebê-la. Ninguém me compreendeu, porque para quase toda a gente não se deve passar a bola antes de olhar a ver se lá está o colega. Xavi, ao falhar esse passe, antecipava o Barcelona de Guardiola. Antecipava-o na medida em que antecipava aquilo que o Barcelona de Guardiola permitia a todos os jogadores, e em especial ao próprio Xavi: jogar de olhos fechados e passar sem precisar de perceber se o colega vai estar onde deve estar. Xavi passou a bola, nesse dia, para onde devia estar o colega. Só que o colega não estava lá porque não tinha sido ensinado a perceber antecipadamente onde Xavi queria que ele estivesse. O Barcelona de Guardiola fez-se sobretudo disto: todos pareciam saber com antecedência suficiente as intenções dos colegas. Numa equipa assim, ninguém superava Xavi. Tinha sempre mais passes que toda a gente, percorria sempre mais metros do que os outros. Sem bola, dava mais opções ao portador do que qualquer outro colega. Com ela, era sempre o mais eficaz, optasse pelo passe curto ou pelo passe longo. Agora que a equipa de Xavi e Iniesta já não existe, a única boa notícia é que estão os dois (especialmente Xavi) mais próximos de se tornarem treinadores de futebol.

 4. As Inconsistências e os Estúpidos

Quando, na segunda época de Guardiola, Ibrahimovic marcou 16 golos na Liga Espanhola em 2034 minutos (num total de 21 golos em 3285 minutos jogados em todas as competições), quase toda a gente concluiu que tinha sido uma má época do sueco. Apressaram-se então a dizer que falhara na Catalunha, ainda que o seu contributo para a manobra ofensiva do Barça tivesse sido inestimável, e que Guardiola se equivocara ao contratá-lo. Guardiola e Ibrahimovic não parecem ter-se entendido às mil maravilhas, é verdade, mas duvido que o rendimento do sueco tenha sido o problema. Guardiola começava a perceber que precisava de colocar Messi numa posição central, e Ibrahimovic não parecia disposto a jogar noutra posição. A saída de Ibrahimovic do clube pareceu dar razão àqueles que defenderam o mau investimento, e o principal argumento foi sempre aquele que os estúpidos mais depressa invocam: os números. Ora, os números de Ibrahimovic nessa primeira época são praticamente os mesmos que os de... isso, acertaram: Luis Suarez! Suarez fez, a época transacta, os mesmos 16 golos em 2180 minutos na Liga Espanhola (num total de 25 golos em 3535 minutos em todas as competições). Em média, Suarez marcou menos golos por minuto jogado na Liga Espanhola do que Ibrahimovic. Com quatro agravantes. A primeira é a de que o Barça de Luis Enrique, enquanto equipa, fez mais 12 golos do que o de Guardiola nessa época, o que significa que Ibrahimovic fez 16,3% dos golos da equipa e Suarez apenas 14,5%. A segunda é a de que, apesar de ter começado a jogar mais tarde, Suarez nunca se lesionou, o que fez com que nunca tivesse quebras de rendimento, coisa que não aconteceu com Ibrahimovic, que esteve constantemente a recuperar de lesões. A terceira é a de que, além dos golos, Suarez não ofereceu mais nada à equipa, o que também não foi o caso com Ibrahimovic, cujo envolvimento com o colectivo foi muito importante. A quarta é a de que Luis Suarez foi bem mais caro do que Ibrahimovic. Tudo somado, até para aqueles que gostam de apoiar os seus argumentos nos números, é impossível defender que Ibrahimovic tenha feita uma má primeira época e  que Suarez tenha feito uma boa época. Mas - surpresa das surpresas - é exactamente isso que é defendido de modo generalizado! Suarez é hoje tido como um dos elementos mais importantes da equipa catalã, está eleito entre os três melhores jogadores da temporada passada, e há sobre ele uma opinião generalizada muito favorável. Não é impressionante que assim seja. A maior parte das pessoas baseia as suas opiniões no que ouvem dizer e o que ouvem dizer é geralmente o que não interessa ouvir. Neste caso, Suarez é tido como uma grande contratação porque o Barça ganhou a Champions e porque Suarez é aquele tipo de avançado do qual se condescende porque é aguerrido. Não tem metade da qualidade de Ibrahimovic, não fez metade do que Ibrahimovic fez em Barcelona e, como se demonstra, nem sequer marcou mais golos do que Ibrahimovic. O futebol continua a ser dos estúpidos, e os estúpidos continuam a fazer-se ouvir a outros estúpidos. Um dos avançados mais sobrevalorizados da actualidade já pode dizer que foi eleito para melhor jogador do mundo; o melhor avançado da história do jogo nunca chegou a sê-lo, e provavelmente já não virá a sê-lo.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Curtas de Dezembro

1. Depois de uma época que só não foi exemplar por ter deixado escapar a Liga Europa, Jorge Jesus perdeu vários jogadores e começou a época com um plantel bem menos forte do que o dos últimos anos. O sorteio da Champions não ajudou, e o Benfica acabou eliminado das competições europeias mais cedo do que nos últimos anos. À margem das circunstâncias adversas, o futebol encarnado depende, mais do que nunca na era de Jesus, da qualidade individual, e é essa a principal crítica que lhe deve ser feita. Num modelo como o de Jesus, o mínimo desinvestimento tem um impacto significativo, e o desempenho ofensivo dos encarnados, esta época, é quase exclusivamente explicado pelos golos de Talisca, pelas arrancadas de Salvio e Gaitan, e pela qualidade de Enzo.

2. O Porto de Lopetegui é uma equipa de oito e oitenta. Tem um plantel formidável do meio-campo para diante; tem uma plantel banalíssimo do meio-campo para trás; tanto goleia como empata com o Boavista; tanto sufoca o adversário do primeiro ao último minuto como se deixa surpreender depois de estar a vencer por alguns golos de diferença. Agrada-me a atitude ofensiva da equipa e agrada-me a intenção de pressionar alto; desagradam-me, porém, as variações constantes de flanco, o excesso de vertigem e a incapacidade, mais ou menos geral, para controlar o ritmo de jogo. Não sei o que acontecerá na segunda metade da época, até porque, sobretudo numa prova de regularidade como é o campeonato, uma equipa assim tanto arrisca o fracasso quanto o sucesso.

3. Marco Silva está a fazer um trabalho interessante. Um clube como o Sporting deve ambicionar sempre o título. O que não pode fazer, num momento complicado em que não pode, de maneira nenhuma, competir com o investimento dos dois rivais e que vem na sequência de anos de crise desportiva, é anunciar publicamente essa ambição. Enquanto "outsider", o Sporting pode sempre intrometer-se nessas contas, como aconteceu o ano passado; enquanto candidato, dificilmente. Não tem plantel para isso e entra em campo pressionado para ganhar. Não obstante, Marco Silva tem apresentado bons indicadores. É verdade que ter Nani - que só por questões extra-desportivas não está a jogar num dos dez melhores clubes europeus - ajuda muito, mas a equipa tem comportamentos interessantes. Acima de tudo, é menos mecânica do que a equipa de Leonardo Jardim, que obteve o máximo do que poderia ter obtido a época transacta, e isso é já um indício do quanto poderá evoluir no futuro. Era importante agora, a meu ver, que dessem finalmente oportunidades a dois jogadores da equipa B que, por quaisquer razões, continuam na gaveta: Chaby e Iuri.

4. Em Espanha, o Real Madrid só não é campeão se não quiser. Dia sim, dia não, a imprensa portuguesa diz que Mourinho é o melhor do mundo. Mas basta ver as diferenças do Real de Mourinho para o Real de Ancelotti para se perceber que, no mínimo, a imprensa portuguesa é tendenciosa. Mourinho jogava com médios como Khedira, Granero ou Diarra. Chegou a jogar com Pepe no meio-campo. Modric nunca foi opção. Ancelotti joga só com dois médios: Modric e Kroos. Não é preciso falar de títulos para que se percebam as diferenças. Mesmo sem Ozil e sem Di Maria, jogando num sistema de jogo que nem sempre oferece uma boa rede de apoios, o Real é uma máquina de futebol de ataque. E isso tem a ver, acima de tudo, com as ideias de Ancelotti a respeito do seu meio-campo. É aí que é profundamente diferente de Mourinho. E é por aí que o seu Real é bem mais competente e criativo do que o Real de Mourinho. Voltemos alguns anos atrás no tempo, lembremo-nos de que foi ele quem "inventou" um meio-campo inteiro para que um jogador que nunca sequer tinha jogado como médio-defensivo se pudesse tornar o melhor dos últimos quinze anos nessa posição e teremos a melhor descrição possível de Carlo Ancelotti.

5. O novo Barcelona começou muito bem. Luis Enrique conseguiu que a equipa jogasse com o bloco tão subido quanto na era de Guardiola, com os sectores muito juntos e a pressionar muito alto. Ao mesmo tempo, ia apostando em jovens jogadores de grande talento, como Munir, usava aos três e aos quatro médios criativos, e conseguia dinâmicas inacreditáveis. Tudo isso se foi, pouco a pouco, dissipando. Às vezes fala-se da coragem de um treinador sem se saber muito bem do que se fala. Para mim, coragem é manter as ideias quando as coisas não correm bem. E o que Luis Enrique fez, a partir de dada altura, foi mostrar que não a tem. Primeiro, foi Piqué, de longe o melhor central do plantel (seguido de Bartra) a ser encostado. Luis Enrique prefere Mascherano e Mathieu porque são mais compenetrados, metem mais o pé, esfolam-se mais, etc.. Depois, foi a derrota diante do Real Madrid. O Barça ainda não tinha sofrido golos no campeonato, jogava bem e fazia coisas que mais nenhuma equipa (salvo o Bayern de Guardiola) faz. Depois da derrota com o rival da capital, o Barça é uma equipa mais banal do que o Barça de Tata Martino. Já não joga com a defesa subida, já não aproxima os sectores, já não pressiona alto, e já nem sequer é capaz de fazer um jogo de posse como antes. Entretanto, desde que Luis Suarez passou a poder jogar, Pedro Rodriguez nunca mais foi titular e Munir raramente foi chamado. Mais do que nunca, o Barça é uma equipa de avançados, e o seu treinador espera que Neymar, Messi e Suarez, para os quais os outros oito jogam, resolvam individualmente o que o colectivo deixou de querer resolver.

6. Paco Jémez foi um dos nomes mais falados para substituir Tata Martino. A direcção do Barça acabou por escolher mal, e Paco Jémez manteve-se aos comandos do Rayo Vallecano. Esta entrevista devia ser lida por toda a gente, mas principalmente por Luis Enrique, que é quem tem a responsabilidade, pela herança que tem, pela tradição do clube e pelas características dos jogadores que possui, de fazer o que nela é ensinado. Para Jémez, ter a bola a todo o custo, arriscando se for preciso arriscar, é o que mais importa, e metê-la na frente é sempre pior do que procurar alguém perto com critério. Além disso, é o adversário que tem de se preocupar com a sua equipa, não a sua equipa com o adversário, e a defesa defende os espaços, não os adversários. Por outro lado, quando um lateral sobe, deve estar preocupado com tudo menos com o facto de ter de vir defender a seguir: a equipa encarregar-se-á de compensar essa subida colectivamente. Para Paco Jémez, é falso que não se possa pressionar durante 90 minutos essencialmente porque pressionar, em seu entender, é um esforço colectivo que depende mais de ajudas, coberturas e posicionamentos relativos do que com esforço muscular, agressividade perante o portador da bola e perseguições individuais. Empatar, acrescenta ainda, é o pior resultado que pode obter: prefere perder, porque, evidentemente, pode perder dois jogos em cada três e fazer os mesmos pontos que faz com três empates. Há pouca gente que pensa assim, e há pouca gente que não vai achar em quase tudo o que Paco Jémez diz um certo atrevimento. E, no entanto, diz mais coisas acertadas em meia-dúzia de respostas do que se diz em dez anos de cursos de formação de treinadores.

7. Nuno Espírito Santo começou a sua aventura em Valência e tem sido bastante elogiado. Evidentemente, é elogiado porque tem tido bons resultados. O futebol do Valência baseia-se, porém, no erro do adversário e no contra-golpe. Tudo o que Nuno pretende é que a equipa chegue rapidamente à baliza adversária, assim que rouba a bola. Defensivamente, os comportamentos da equipa nem são maus, parecendo saber exactamente o que fazer nos momentos de pressing. Mas com bola exigia-se muito mais. E exigia-se sobretudo menos pressa. O Sevilha, o Villareal e o Rayo Vallecano, para dar exemplos de equipas com orçamentos inferiores ou muito inferiores, jogam muito mais à bola do que o Valência, e quando as coisas começarem a correr menos bem e os resultados começarem a ser menos lisonjeiros, talvez caia em desgraça com a mesma velocidade com que caiu em graça.

8. Em Inglaterra, o campeão Manchester City cometeu, a meu ver, o maior pecado que um campeão pode cometer: não ter mudado nada para a nova época. Os campeões precisam de estímulos novos para continuarem a querer ser os melhores, e uma boa maneira de criá-los seria modificar qualquer coisa, sobretudo na forma de atacar da equipa. Sem grandes reforços e sem grandes mexidas na maneira da equipa jogar, o City perderá a pouco e pouco a capacidade de continuar no topo em Inglaterra.

9. O Arsenal de Wenger continua incapaz de ser uma equipa competitiva durante toda a época. Embora o investimento comece a aproximar-se do investimento feito por alguns rivais, e embora consiga finalmente preservar os melhores jogadores de ano para ano, mantêm-se os principais problemas na equipa: as competências defensivas e as lesões. É pena, porque a equipa consegue fazer coisas que a esmagadora maioria das equipas não consegue. E é pena porque Wenger é dos treinadores mais interessantes, do ponto de vista ofensivo. Gosto do estilo, mas tenho de reconhecer que, se não caprichar mais, sobretudo na forma como a equipa defende, o estilo de Wenger não é suficiente.

10. O Chelsea de Mourinho tem o melhor plantel, de muito longe, da Premier League. E mesmo com um meio-campo composto por Matic, Fabregas e Óscar, o futebol praticado é, na maioria das vezes, muito pobre. Defensivamente, a equipa não podia ser mais competente, mas continua a preferir entregar a decisão dos jogos às iniciativas individuais e ao aproveitamento dos detalhes do que às qualidades colectivas. Ainda assim, é capaz de chegar para ser campeão. Em Espanha, em Itália, em França e na Alemanha, Mourinho dificilmente seria campeão a jogar desta maneira. Mas em Inglaterra não há uma equipa capaz de ser regular desde que Ferguson se reformou, e isso é tudo o que importa. O seu Chelsea é competente defensivamente, e isso talvez seja suficiente.

11. Entretanto, Mourinho não perde uma oportunidade para aludir a Guardiola. Quando lhe perguntaram se podia ganhar quatro competições esta época, disse que não porque, ao contrário de outros campeonatos, o campeonato inglês não tem pausa de Inverno e até se joga no Natal. Já aqui tinha sugerido que a carreira de Mourinho pode ser descrita, a partir de certo momento, como uma tentativa de resposta a uma certa obsessão. Agora parece que encontrou outra.

12. Depois de uma época quase brilhante, o Liverpool de Brendan Rodgers está a fazer uma campanha sofrível. A saída de Suarez e a lesão de Sturridge fazem com que o ataque da formação inglesa seja muito diferente do que foi a época passada, e essa pode ser uma explicação para o sucedido, até porque não há muitas mais diferenças. Gosto de pensar, contudo, que uma equipa em que Mario Balotelli é titular em praticamente todos os jogos e em que Lazar Markovic mal tem oportunidades para jogar é uma equipa que não merece muito mais do que a modesta posição que ocupa. Pode-se tentar explicar o insucesso do Liverpool de muitas maneiras, mas referir um treinador que avalia tão mal a qualidade individual dos atletas que tem à sua disposição é capaz de ser suficiente.

13. Gostei muito do trabalho de Pochettino no Espanyol e, do que vi em Inglaterra, só posso dizer bem. A aventura com o Tottenham não tem sido tão feliz quanto isso, ainda que a equipa mantenha as aspirações intactas (está a cinco pontos do acesso à Liga dos Campeões) e há muita gente que tem criticado o seu trabalho. A primeira coisa que gostava de dizer é que Pochettino herdou uma equipa absurda, quase toda formatada pela ideia absurda de jogo que André Villas-Boas tentou implementar. A qualidade individual do Tottenham, ao contrário do que se possa pensar, é muito má, quando se pensa que o clube tem aspirações europeias: Lloris, Verthongen e Lamela são talvez os únicos que podiam jogar num clube maior. Daí que exigir a Pochettino outra coisa que não ficar entre os dez primeiros me pareça um exagero. Ainda assim, não se vê o técnico argentino a jogar para os pontos. Pelo contrário, é das poucas equipas da Premier League que tenta fazer coisas diferentes, que tenta jogar pelo meio, que tenta invadir espaços entre linhas, que joga com os apoios próximos. As derrotas não têm ajudado e vê-se que muitos dos jogadores não gostam de ter de pensar tanto e preferiam um futebol mais à inglesa. Há uns anos, Juande Ramos tentou fazer coisas parecidas e os jogadores do Tottenham, na altura, fizeram-lhe a cama. Lembro-me de ter dito que, embora tivesse regressado às vitórias com Harry Redknapp, o Tottenham perdera nessa altura uma boa oportunidade de se tornar um clube grande em Inglaterra. Não me enganei, ainda que os quartos e quintos lugares de Redknapp tenham dado alegrias a muita gente. Com Pochettino, o Tottenham tinha finalmente a oportunidade de ser, a médio prazo, uma equipa muito forte em Inglaterra. É verdade que os jogadores não são os melhores para isso, mas, para já, era pelo menos importante que esses mesmos jogadores não preferissem ser jogadores de equipa pequena. Infelizmente, é isso que me parece que querem ser.

14. Tim Sherwood, antigo treinador do Tottenham, percebe tanto de futebol como um lagarto ao sol percebe de física quântica. Na sequência da recente derrota do Tottenham com o Chelsea, sugeriu que o belga Verthongen é "muito mau a defender". Para Sherwood, defender é aquilo a que, nas distritas e na Premier League, vulgarmente se chama ter caparro. Verthongen, realmente, não tem caparro. Ou não faz grande uso dele. Isso não significa que não saiba defender. É com preconceitos deste género, preconceitos de que o futebol está completamente cheio, que continuamos a ter de lidar. Esta gente ganha milhões e continua a pensar como o velho que vai à bola ao Domingo a dizer que o futebol era bom era no tempo dos cinco violinos.

15. Na Alemanha, o Bayern vai chegar de novo à viragem do ano com o campeonato praticamente no bolso. É verdade que a resistência interna não é muita, e que o Dortmund, ainda por cima, tratou de facilitar a vida aos bávaros, mas não deixa de ser uma proeza. Quanto ao futebol da equipa, vai crescendo aos poucos e, mesmo sem alguns dos melhores intérpretes, Guardiola tem os seus pupilos cada vez mais próximos do que pretende. Além do 433 da época passada, a equipa joga agora também em 343 e em 352 com uma facilidade impressionante. A linha defensiva está sempre muito alta, o que é absolutamente decisivo para quem queira jogar como Guardiola joga, e os sectores sempre muito juntos, pelo que é fácil depois à equipa adaptar-se a um posicionamento diferente. Mais significativo ainda é perceber que o 343, por exemplo, não serve tanto para abrir a frente de ataque, pois os extremos são essencialmente jogadores para jogar por dentro e vir solicitar o passe a zonas entre a linha defensiva e a linha de meio-campo, quanto serve para ter mais gente no meio. A diferença de Guardiola para os restantes treinadores de futebol é tanta que fazer com que as pessoas a percebam é muito difícil.

16. Por cá, nos últimos dias, o Benfica recebeu o Belenenses, que jogou sem Miguel Rosa e sem Deyverson, possivelmente os dois jogadores mais influentes da equipa esta época. Se calhar é patetice minha, mas isto é capaz de ser um caso de polícia. Miguel Rosa desvinculou-se do Benfica e, mesmo assim, continua a ver a sua carreira comprometida por quem quer que no Benfica tenha algum poder. Já o ano passado tinha sido assim, e voltou a sê-lo este ano. E a única coisa que se faz é assobiar para o lado. Há muita coisa que vai mal no futebol. Há pouca coisa tão abjecta como isto.

17. Por falar em mafiosos, um dos sites portugueses com maior afluência, o TV Golo, foi há tempos bloqueado por todas as operadoras, segundo consta, na sequência de uma ordem judicial desencadeada por uma queixa da Sporttv. O site em questão disponibilizava links para videos de golos e apanhados dos melhores lances de jogos de muitas ligas. Não sei muito bem o que leva uma empresa como a Sporttv a sentir-se lesada por um site deste género (ainda por cima, tanto quanto pude perceber, o site inglês okgoals.com disponibiliza boa parte do que era disponibilizado pelo tvgolo.com), da mesma maneira que não consigo compreender a maior parte das razões contra a livre divulgação de conteúdos na internet, em geral. De qualquer modo, é no mínimo irónico que esta acção moralizadora dos costumes dos utilizadores da internet tenha vindo precisamente de uma empresa que, pelo menos até há bem pouco tempo, detinha o monopólio do negócio do futebol em Portugal e que o vendia como queria e pelos preços que queria. Haja escrúpulos...

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Velhos são os Trapos

Foi noticiado, no defeso, que Xavi Hernandez abandonaria o clube de sempre. O motivo era o mais trivial de todos, o de que a idade avançava e as qualidades de Xavi já não eram as de outros tempos. A sustentar esta tese estavam, como sempre, os números. A época anterior, não obstante a titularidade indiscutível, fora surpreendentemente fraca, quer em golos, quer em assistências. Como sabe quem lê este blogue, creio que os números são o pior dos argumentos, em futebol. E podem mesmo ser falaciosos, como me parece ser o caso. O Barcelona de Tata Martino, sobretudo o da segunda metade da época, era uma equipa pouco dinâmica, pouco capaz de envolver os médios em acções ofensivas. É natural que Xavi, um jogador cujos números sempre dependeram do facto de o colectivo jogar de uma determinada maneira, se ressentisse, nesse aspecto. Pessoalmente, acho que o futebol do médio espanhol ainda não começou a decair, e que Xavi ainda é capaz de tudo aquilo que o distinguiu. As suas capacidades físicas podem já não ser as que foram (o que não é sequer certo), mas Xavi nunca se distinguiu por elas. Sempre foi um jogador de poucos rasgos, de poucas mudanças de velocidade, um jogador de regularidade, que faz das decisões a sua principal arma. E isso - perdoem-me os que acham que depois dos 30 anos um jogador já não é o que era - é coisa que Xavi ainda não perdeu. Aos 34 anos, continua ser o mesmo jogador cerebral que era, o mesmo jogador capaz de gerir os ritmos da equipa, capaz de jogar por fora e por dentro do bloco adversário, capaz de perceber, a cada momento, o que é melhor para a sua equipa. Há jogadores que se destacam por qualidades atléticas que, com 34 anos, dificilmente poderão ser o que eram aos 30. Com Xavi não é assim. Com Xavi - diria mesmo - ter 30 anos ou ter 38 é mais ou menos o mesmo. E desconfio que só deixa de jogar ou por preconceito do seu treinador ou quando decidir que é tempo de parar.


Contra o Eibar, na jornada passada, foi assim. Aquele lance em que tira um adversário do caminho e depois trava, ajeitando de calcanhar, com dois toques, tirando mais um adversário da frente, foi já perto do final do jogo. Alguém que, com 34 anos, faz 90 minutos e ainda tem a frescura, física e mental, para fazer uma coisa daquelas é alguém que não está acabado, como dizem. Há um preconceito muito comum no futebol moderno que consiste em presumir que um jogador que já não tem as pernas que tinha tem de dar lugar a quem as tenha. O preconceito está em considerar o futebol um jogo em que "ter pernas" é o principal requisito de quem o joga. Não só isso é falso como há jogadores que nunca se caracterizaram por "ter pernas". Há uns anos, Allegri achou que Pirlo estava velho. Dispensou-o, e ele foi ser campeão pela Juventus. Com Xavi, é mais ou menos o mesmo. Associou-se a época menos feliz do Barcelona, no ano transacto, à idade de Xavi, e fez-se crer que o maestro do meio-campo catalão tinha de dar lugar a outros. É sempre mais fácil achar que uma equipa precisa de mudar de intérpretes do que achar que precisa de mudar de interpretação. Com Luís Enrique, Xavi parece ter perdido o estatuto de titular indiscutível. Mas, no Barcelona de Luis Enrique, cuja principal virtude, em relação ao Barça de Tata Martino, é ser capaz de pressionar mais alto, e com o bloco bem mais junto, Xavi volta a ter o protagonismo que tinha antigamente. Volta a ter muita bola, em zonas avançadas do terreno, com companheiros perto de si, e volta a poder fazer o que melhor sabe. Quem vê Xavi a jogar hoje, não consegue ver grandes diferenças para o que era Xavi há 5 ou 6 anos. A idade está lá, e sempre que o Barcelona não for a equipa de posse que foi com Guardiola, uma equipa paciente, sem pressas, que joga a maior parte do tempo no meio-campo do adversário, que pressiona alto, começando as suas jogadas em terrenos muito avançados, Xavi terá as dificuldades que sempre teve. Mas se o colectivo lhe permitir potenciar as suas melhores qualidades e o proteger das debilidades que sempre teve, será o mesmo Xavi que era. Quem joga, numa equipa desse tipo, é o cérebro. E um cérebro de 34 anos está tudo menos acabado.