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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Di Maria e o Real Madrid

A especulação acerca da ida de Angel Di Maria para o Real Madrid tem sido insistente e o interesse dos merengues, ao que parece, não refreou com a chegada de José Mourinho. Antes da consumação ou não do negócio, gostaria de falar do jogador, da sua evolução desde que chegou ao Benfica e daquilo que pode fazer no futuro.

Quando chegou, relativamente desconhecido, muitos demoraram a perceber as suas competências. Afirmei peremptoriamente que se tratava de um jogador muito evoluído do ponto de vista técnico e que fora uma boa contratação. Do oito ao oitenta, as opiniões que antes desconfiavam do seu valor, defendem agora que se trata de um jogador extraordinário, que foi dos principais responsáveis pelo excelente campeonato do Benfica e que tem qualidade suficiente para jogar num grande clube europeu. Não concordo com nenhuma das três etiquetas acima. Acho que Di Maria tem qualidades, é um bom jogador, mas está longe de ser extraordinário, de ter sido dos jogadores mais importantes do Benfica e de ter qualidade para dar o salto para outras montras. Aliás, não acho que a sua evolução tenha sido tão pronunciada quanto isso.

Di Maria é um atleta cujas principais virtudes são individuais. Digo "individuais" por oposição a colectivas, mas o que quero, na verdade, dizer com isto não é apenas que se trata de um jogador individualista. Há jogadores cuja utilidade para o colectivo se resume àquilo que inventam individualmente. Não é neste grupo que quero colocar Di Maria, até porque me parece que o principal crescimento que teve nas mãos de Jorge Jesus foi o de pôr ao serviço de uma ideia colectiva as suas principais características. Há um segundo grupo de jogadores que, devidamente enquadrados, servem o colectivo de um modo individual. O que quero dizer com isto é que há jogadores cujas principais características são "individuais" e que podem ser úteis do ponto de vista colectivo apenas se o colectivo se adaptar a essas características e lhas requerer. Maior parte dos treinadores procura sistematizar um modelo de jogo que possa tirar partido das características individuais dos seus atletas e, conseguindo-o, conseguem também que a individualidade desses atletas tenha um sentido colectivo que antes não tinha. Foi o que Jorge Jesus fez com Di Maria. De certo modo, Di Maria não cresceu, não melhorou competências; o que se modificou foi que as suas competências passaram a servir uma intenção colectiva. Daí o seu futebol ter ganho algum sentido.

De acordo com esta sugestão, Di Maria não cresceu como jogador; beneficiou, isso sim, de as suas acções passarem a ter um sentido que antes não tinham. Foi portanto necessário, para que pudesse ser minimamente útil, que o colectivo tomasse a iniciativa de lhe incorporar a individualidade e que o modelo de jogo lhe concedesse certas regalias. O terceiro tipo de jogadores, do qual ainda não falei, é aquele cujas principais características são "colectivas". Estou a falar, claro está, da tomada de decisão, do sentido posicional, da inteligência, da cultura táctica, da criatividade, do talento, etc. Estes são aqueles que não precisam da adequação do modelo, são aqueles que, por perceberem o jogo, são capazes de se adequar à variedade dos modelos, desde que modelos que valorizem o colectivo, são aqueles que mantêm a bitola quando aumenta a exigência competitiva e a exigência dos próprios modelos. Di Maria não se insere nestes, nem tem, em muita quantidade, nenhuma destas características. É evidente que há coisas que um bom treinador, num curto espaço de tempo, consegue fazer perceber a um jogador que carece destas características, como seja o seu papel em campo, as suas responsabilidades tácticas, aquilo que se espera dele nos diferentes momentos do jogo, etc. Mas ninguém, por melhor que seja, modifica de um ano para o outro, a capacidade de decisão ou o talento de um atleta já formado. Jorge Jesus não mudou isto em Di Maria. Aquilo que fez foi conceder à velocidade e à capacidade de desequilibrar de Di Maria um papel importante no seu modelo. E isto, sobretudo porque o modelo tinha qualidade, fez com que o futebol de Di Maria ganhasse utilidade.

Ora, é aqui que entram o Real Madrid e José Mourinho. Ao chegar a Madrid, Mourinho tratou de mitigar a euforia em torno da contratação do argentino do Benfica. Não creio, porém, que tenha referido as principais razões pelas quais se deveria pensar melhor nessa contratação. Para ser honesto, é com algumas reservas que vejo Mourinho novamente interessado em contratar um atleta, tal como acontecera com Quaresma, que precisa de usufruir de várias regalias dentro do modelo de jogo da equipa para que consiga ter algum protagonismo. A dúvida em relação a Di Maria não terá a ver, por certo, apenas com o rendimento do jogador num campeonato mais competitivo e perante um grau de exigência superior. Essa dúvida deve ser posta essencialmente em confronto com aquilo que se espera do jogador. No Benfica, tal como Quaresma no Porto, Di Maria era a principal referência da equipa no momento de transição defesa-ataque e o modelo de jogo estava preparado para fazer uso do argentino nesse momento específico. Foi essa conjuntura que permitiu que as características individuais do atleta chegassem para que se tratasse de um jogador útil ao colectivo. No Real, a menos que seja concedido a Di Maria um papel e um protagonismo idênticos, não acredito que o rendimento do argentino venha a ser suficientemente bom. É com isto, creio, que Mourinho vai ter de lidar e é com base nesta ideia que a contratação do argentino deveria ser pensada.