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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Euro 2012 - 3ª Ronda

Grupo A

Terminada a fase de grupos, fica por terra a equipa que, para muitos, mais entusiasmou na primeira ronda. Como escrevi logo na altura, tinha muitas reservas quanto ao futebol dos russos. Gostava muito das unidades, agradava-me a organização da equipa, e a capacidade da mesma para sair em transição, mas tinha bastantes cautelas quanto à real capacidade da equipa para assumir o jogo. O segundo jogo contra a Polónia comprovou as minhas suspeitas, e a derrota frente à Grécia só as tornou mais claras para todos. Os números da Rússia, no primeiro jogo, que tanto entusiasmaram, deveram-se mais às facilidades que encontraram nesse jogo, especialmente em transição, do que propriamente à qualidade dos russos. Contra equipas mais fechadas, nunca souberam criar as dinâmicas certas para arranjar espaços. Contra a Grécia, então, foi deplorável. Para muitos, os gregos passam esta fase de grupo do mesmo modo que ganharam o Euro 2004. Eu não sou tão crítico. A Grécia fez um péssimo jogo contra a República Checa, mas contra a Rússia não foi inferior. Não invalida isto que não tenha tido sorte em adiantar-se no marcador, podendo assim gerir a vantagem. Teve, claro. Mas a segunda parte dos gregos foi inteligente, porque estavam em vantagem, e porque souberam como defender-se da principal arma russa, o contra-ataque. A mim, ainda que considerasse que a Rússia podia ter ido mais longe, não me surpreende a eliminação. No outro jogo, a Polónia começou como começara contra a Grécia. O problema é que as pessoas confundem qualidade com vontade de ganhar. Já contra a Grécia, os polacos tinham sido muito elogiados pelos seus vinte minutos iniciais. A verdade é que a equipa nunca apresentou muita qualidade, e as oportunidades criadas nesses primeiros vinte minutos, nesse e neste jogo, resultaram mais de uma intensidade altíssima (insustentável nos 90 minutos) do que propriamente de qualidade de jogo. Assim que os polacos começaram a perder gás, e os checos se acalmaram, a tendência do jogo virou. A partir dos 30 minutos, o jogo foi todo checo, com a equipa a trocar muito bem a bola, mesmo sem Rosicky. A República Checa vence o grupo, e vence bem, pois foi, de longe, a equipa mais interessante. Não tem muitas individualidades extraordinárias, mas tem um modelo de jogo que assenta na posse de bola, e a equipa é, colectivamente, muito competente a circular a bola e a arranjar os espaços de penetração certos. Com a capacidade de definição de Rosicky, caso esteja apto, não considero Portugal tão favorito como a grande maioria das pessoas considera.

Grupo B

Não tive a oportunidade de assistir ao jogo que opôs Alemanha a Dinamarca, pelo que me abstenho de falar do mesmo. Ainda assim, pelo que vi nos outros jogos, creio que os alemães são os justos vencedores deste grupo. No outro jogo, finalmente uma boa exibição de Portugal. É preciso, no entanto, perceber que, do outro lado esteve a equipa mais fraca, em termos colectivos, deste europeu, se excluirmos a Irlanda, e que o espaço que Portugal encontrou para jogar neste jogo, e que não encontrou noutros, se deve acima de tudo a isso. Deve-se a isso, e deve-se também ao facto de os portugueses, após recuperarem a bola, não quererem chegar imediatamente à baliza adversária, apenas com um ou dois passes. Nesse capítulo, acho que há mérito da equipa de Paulo Bento, que foi bem mais paciente e inteligente do que nos outros jogos. Também ajudou o facto de os holandeses terem marcado primeiro, condicionando a estratégia conservadora inicial. A perder, Portugal foi obrigado a assumir o jogo, e foi nessa altura que melhorou. Depois, com espaço entre os atacantes e os defesas holandeses, soube criar as condições certas para atacar a baliza holandesa, e venceu com toda a justiça. Embora já tenha sido referenciado no Lateral-Esquerdo, não queria deixar passar a oportunidade de falar no primeiro golo português. Os intervenientes foram João Pereira e Ronaldo, mas quem acha que Portugal chegaria ao golo com outro avançado em campo que não Hélder Postiga está enganado. Para mim, mais do que um jogo de individualidades, ou de soma de individualidades, o futebol é um jogo de relações, e quando se elogia um passe de alguém, esquece-se sempre de perceber que, sem a solicitação do colega, qualquer passe genial está condenado ao insucesso. Para dar um exemplo claro, quem acha que Xavi é o que é porque tem uma visão de jogo que mais ninguém possui, desengane-se. É óbvio que ele tem uma visão de jogo muito boa, mas não é essa a principal razão para que tenha tanto sucesso com os seus passes. Uma visão de jogo como a de Xavi muitos há que a tenham. O que acontece é que Xavi joga com vários colegas (no Barça ou na selecção espanhola) que lhe fazem a papinha toda, em termos de desmarcação. Quero com isto dizer que o passe de João Pereira, embora muito bom, só teve sucesso porque os colegas (e aqui, obviamente, não é só Ronaldo), ao movimentarem-se sem bola, criaram as condições certas para que tivesse sucesso. O movimento de aproximação de Postiga, complementado com o movimento de ruptura de Ronaldo, criou a linha de passe que, de outro modo, não existiria. É este conjunto de coisas que normalmente se negligencia, e é este tipo de soluções "invisíveis" que um avançado que se movimenta tão bem como Hélder Postiga oferece à equipa em que joga. Aliás, tendo Portugal talvez o extremo que melhores movimentos de ruptura, em diagonal, faz, o avançado ao lado de quem mais renderá será necessariamente um que faça movimentos de aproximação bem feitos, criando com isso os espaços nas suas costas em que tal extremo possa entrar. No Real Madrid, Ronaldo rende muito mais com Benzema do que com Higuain precisamente porque o francês faz este tipo de movimentos muito melhor do que o argentino. Nem que fosse pelas características de Ronaldo, Postiga era desde logo o homem certo para jogar nesta selecção.

Grupo C

Antes de mais, importa salientar que estão neste grupo 3 dos principais candidatos, na minha opinião, ao prémio de melhor jogador da competição. Falo de Andrés Iniesta, Andrea Pirlo, e Luka Modric. Assombrosa, a forma como Modric, praticamente sozinho, ia mandando a selecção espanhola para casa. A Croácia não fez, apesar de tudo, um grande jogo. Jogou 65 minutos atrás da linha da bola, e reservou o último terço da partida para tentar marcar um golo. Tendo a Itália, no outro jogo, marcado logo na primeira parte, é para mim incompreensível a falta de coragem de Bilic. Ainda por cima, tendo bastante qualidade individual ao seu dispor. A estratégia defensiva da Cróacia foi bem sucedida, mas sobretudo por demérito da Espanha, que fez um jogo muito fraco. Duas são as razões, a meu ver, para tal exibição: saber que o empate bastava, e Vicente del Bosque. O treinador espanhol quer jogar à Barcelona, mas não sabe o que é preciso para o fazer. Para mim, a utilização de um duplo-pivot é usualmente uma má opção. Mas numa equipa que joga curto, a passo, sempre organizada, faz especial confusão. Se gosta tanto de Xabi Alonso, tire Busquets; se quer mesmo o futebol do Barcelona, deixe o catalão sozinho, a fazer coberturas a uma dupla de médios ofensivos. Para jogar contra equipas que baixam o bloco, é absolutamente necessário que se invadam espaços centrais entre linhas, e o que Vicente del Bosque tem feito, ao utilizar um avançado exclusivamente interessado em movimentos de ruptura, e um duplo-pivot, é tirar sistematicamente dois jogadores desses espaços. Iniesta e Silva ainda vêm dentro, procurar esses espaços, mas é pouco para as exigências que duas linhas de quatro impõem. A Espanha seria campeã da Europa se jogasse em 433, com Busquets, Xavi e Iniesta no meio-campo, Silva, Pedro e Fabregas na frente. Assim, como está, não ponho as mãos no fogo. A equipa é incapaz de invadir os espaços entre linhas com a qualidade com que poderia fazê-lo, e é também incapaz de pressionar imediatamente a seguir à perda da bola. É um caso evidente de como o sistema táctico prejudica as dinâmicas. A outra chamada de atenção é para os laterais, que são incapazes de perceber que, vindo os extremos para dentro, a profundidade tem de ser dada por eles. Arbeloa não sabe isto, e não é capaz de dar isso à equipa. Jordi Alba tem vontade, mas tem muito que aprender. De referir, ainda, que a insistência em fazer saltar do banco um jogador como Navas, para se integrar num colectivo como este, é não perceber nada do assunto. E ainda não ter utilizado Fernando Llorente nem Mata é criminoso. Nota muito negativa para Vicente del Bosque, portanto. No outro jogo, pouca história. A Itália utilizou um sistema táctico diferente, e há uma particularidade interessante. Prandelli é um treinador com ideias ofensivas, e percebe a importância dos espaços centrais para a progressão com bola. Assim, a atacar, o 442 clássico da Itália desmonta-se, e Marchisio e Motta, os dois alas, vêm para dentro, formando um quadrado com Pirlo e De Rossi, e permitindo que sejam os laterais a dar largura. Ganha com isto, a Itália, gente no meio. Mas parece-me que haver uma diferença tão grande na relação entre jogadores entre a fase defensiva e a fase ofensiva implica uma certa desorganização no momento da perda da bola. Um caso a rever, no jogo contra a Inglaterra, caso Prandelli não regresse ao modelo anterior.

Grupo D

Era o grupo mais fraco dos quatro, em termos de qualidade colectiva das equipas, e isso acabou por se reflectir na fraca qualidade dos jogos. Do jogo em que a Suécia bateu a França, pude ver apenas o resumo. O golo de Ibrahimovic é fenomenal (pelo gesto técnico, e pela própria jogada, que é bem construída), e os suecos acabam por ir para casa de cabeça erguida! Quanto à França, mais uma vez, não surpreende. Os franceses não têm apresentado consistência nem qualidade suficiente para que mereçam o rótulo de favoritos. Quanto à Inglaterra, venceu o grupo, mas não fez uma única exibição digna de nota. Não sei até onde esta mediania dos ingleses os pode levar. Para já, segue-se a Itália, num jogo em relação ao qual não sei bem o que esperar. Dependerá muito, parece-me, do que Prandelli quiser fazer. Quanto à Ucrânia, sai do Euro algo ingloriamente. Os ucranianos não eram, enquanto equipa, extraordinários, mas não foram muito inferiores aos franceses, e nada inferiores aos ingleses. Individualmente, gostei bastante de Iarmolenko. Konoplianka, o outro extremo, é um jogador de drible fácil, mas nem sempre toma boas decisões. Iarmolenko, esse sim, vale a pena seguir com atenção. Outro ponto de interesse no jogo foi a inclusão de Milevsky no onze. Brilhante, como sempre, ainda que discreto, passou ao lado dos holofotes da partida, para os comentadores. José Peseiro, aliás, insistiu durante quase toda a segunda parte que era o jogador mais apagado, que devia ser substituído, etc.. E nem sequer o mencionou no lance do golo mal anulado aos ucranianos, ainda que tivesse sido ele a isolar, de um modo praticamente impossível, o colega. O caso dos pontas-de-lança, neste Euro, é até muitíssimo interessante de analisar. Mais do que demonstrar o que quer que seja acerca de pontas-de-lança, demonstra de que modo analisa o desempenho de um ponta-de-lança aquele que vê um jogo. É que não foi por acaso que se elogiaram desmedidamente avançados como Lewandowsky, Kerzhakov, e Mandzukic, e que se criticaram sistematicamente jogadores como Samaras, Postiga, e Milevsky. Acontece que os primeiros são mais vistosos, destacam-se porque rematam muito à baliza, porque se embrulham muito com os defesas, porque têm tendência para querer resolver os problemas da equipa sozinhos. Os segundos não são assim. As competências que possuem são competências mais colectivas: a movimentação sem bola, a capacidade para tabelar, a tomada de decisão, a capacidade para segurar a bola, a qualidade entre linhas. Não são jogadores que se destaquem por si, mas que percebem o que é o jogo, em todos os momentos, e aquilo que o jogo exige deles. São discretos porque percebem a inutilidade de ir ao choque em todas as bolas, a inutilidade de correr feitos parvos para tudo o que é sítio, e a inutilidade de querer resolver a partida, qualquer que seja a situação em que se encontram. A maioria das pessoas, porém, vê futebol como se habituou a vê-lo. Vê-o como um conjunto de acções isoladas, e tende, por isso, a prestar atenção a muito poucas coisas, e apenas àquelas que, por norma, aparecem nos resumos dos jogos. Vêem, por isso, muito mal. E não vêem, na maioria dos casos, o que é mais importante.