Depois de duas semanas, nos jogos frente a União de Leiria e Nacional da Madeira, em que não só foi decisivo como rubricou excelentes exibições, Nuno Assis é novamente tema deste espaço. A qualidade, mais do que suficiente para que Quique Flores tivesse ficado com ele no Benfica a época passada e para que Carlos Queiroz já se tivesse lembrado dele para a selecção, é inegável. Trata-se de um dos melhores jogadores da Liga a actuar fora dos três grandes e será, juntamente com Hugo Viana, o jogador mais injustiçado quando o seleccionador nacional divulgar a convocatória para o mundial. Há, apesar disso, uma determinada fatia da populaça para quem Nuno Assis é um jogador banal e para quem as suas qualidades são pouco interessantes. A essa fatia de gente escandalosamente impudica decidi chamar Master Kodro. A referência não é, por isso, directa ao conhecido palrador, embora se baseie nele e nas suas ideias tacanhas acerca de Nuno Assis, mas uma sinédoque que, partindo da opinião de uma pessoa, a expande a um universo alargado de carneiros que comungam da opinião e não deviam falar de futebol. O texto é por isso sobre Nuno Assis e sobre pessoas que não percebem, em particular, o valor de Nuno Assis e, em geral, de futebol.
De Nuno Assis tem dito Master Kodro atrocidades como, por exemplo, que é um jogador de contra-ataque. O seu problema com o passado de Nuno Assis é relevante, mas não creio que seja essa a principal causa de tais ideias. A sua opinião radica, isso sim, num erro apreciativo que está enraízado na forma como olha para uma partida de futebol. Como acha que Nuno Assis deve ser responsável por pautar o jogo ofensivo da sua equipa, acha que ele deve fazer passes de ruptura, deve furar por entre a defesa, deve provocar desequilíbrios, etc. Está na base deste erro assumir que os jogadores têm funções. Assim, quando uma equipa cria oportunidades de golo, mas não marca, os culpados são os avançados; quando a equipa não consegue cruzar para os avançados, o problema são os extremos; quando a equipa não consegue penetrar na defensiva adversária, o problema são os médios de ataque. Isto é tão redutor quanto imbecil. E Nuno Assis é precisamente o tipo de jogador que sabe que um médio de ataque não serve para as coisas que Master Kodro pensa que serve.
A teoria assenta ainda na verificação de que é em contra-ataque que Nuno Assis dá mais nas vistas. O que tenho a dizer a isto é que é em contra-ataque que qualquer jogador dá mais nas vistas. Isso não é exclusivo de Nuno Assis. Em contra-ataque, há sempre mais espaços, as jogadas são mais objectivas, a quantidade de soluções a considerar é menor. E bons executantes, como Nuno Assis e tantos outros, têm tendência a fazer-se notar e a serem decisivos neste tipo de lances. É natural, pois, que em contra-ataque Nuno Assis dê nas vistas. Mas em contra-ataque Nuno Assis não é muito diferente de Tiago Targino, por exemplo. E é quase herético tentar assemelhar dois jogadores tão distintos. Aquilo em que Nuno Assis é francamente diferente dessa outra rapaziada que só é boa em contra-ataque é que é um jogador notável do ponto de vista intelectual, que descobre soluções muito rapidamente, que sabe a utilidade de jogar curto. Um jogador de toque curto, que procura prioritariamente uma tabela, extraordinariamente criativo a encontrar soluções inusitadas nunca pode ser um jogador de contra-ataque. É alguém que tem uma facilidade rara para jogar em espaços curtos e entre linhas adversárias. Nuno Assis é, por isso, o oposto daquilo que Master Kodro pensa que é.
A opinião de Master Kodro cai ainda no exagero de dizer que se comprova a si mesma pelo facto de ele só fazer grandes jogos contra as grandes equipas, em desafios em que o Vitória passa a maior parte do tempo em contra-ataque. Além de isto ser mentira, como facilmente se verifica pelos dois últimos jogos, por exemplo, denuncia um problema perceptivo grave e que é comum à grande maioria dos adeptos de futebol. É que, para estas pessoas, fazer um grande jogo é estar associado aos momentos decisivos do mesmo. Ora, sempre que Nuno Assis não protagoniza jogadas de relevo, a opinião de Master Kodro é de que fez um mau jogo. Isto é francamente estúpido. Em muitos jogos, sobretudo em jogos em que os adversários se encolhem lá atrás e reduzem os espaços, é natural que jogadores mais imaginativos, mais criativos e inteligentes procurem soluções mais simples, soluções que permitam à equipa manter a posse de bola e gerir pacientemente o seu ataque. O que Master Kodro pretende é que Nuno Assis se arme em super-herói e invente jogadas de génio. Não é assim que funciona. É precisamente por Nuno Assis ser extraordinariamente inteligente que não cai nessa tentação, que não procura desequilíbrios individuais, que não arrisca passes de ruptura condenados à priori ao fracasso. O seu jogo é o que tem de ser quando há pouco espaço: procura soluções curtas, joga atrás, ao lado, fazendo girar a bola até que o colectivo (e não o indivíduo) consiga desequilibrar o adversário. Nuno Assis põe o colectivo à frente do individual e, como tal, nesse tipo de jogos, dá menos nas vistas. Para pessoas que não sabem olhar para um jogo de futebol, isto significa que não faz um bom jogo. Ora, pelo contrário, é precisamente por isso que ele faz um bom jogo.
A carneirada a que chamo Master Kodro é, por isso, um conjunto alargado de pessoas que não sabe ver futebol, que olha para o jogo como uma soma de bonecos. Há dias, num transporte público, estava sentado ao lado de dois velhos que comentavam o jogo da selecção realizado no dia anterior. Falavam, como qualquer adepto de futebol, pretensiosamente, julgando infalíveis as suas opiniões. Aquela que registei com maior interesse foi a de que Paulo Ferreira jamais poderia ir ao mundial, pois não era nem nunca fora um bom jogador. Admitindo que, sendo velhos, fossem pessoas com um grau de senilidade relevante, não deixa de ser engraçado que sustentassem opiniões que muita gente sustenta. Esquecendo agora a falta de memória das pessoas em causa e a qualidade óbvia que Paulo Ferreira teve há uns anos, é importante tentar perceber por que é que se ousa dizer (e não há pouca gente a pensar assim) que Paulo Ferreira não tem qualidade. Para mim, é óbvio. A opinião de Master Kodro, ou seja, a opinião do comum adepto de futebol, tem tendência a privilegiar jogadores espalhafatosos, jogadores que manifestam atributos visíveis. Paulo Ferreira não é rápido, não é agressivo, logo não presta. Preferem-se Bosingwa, Miguel e João Pereira porque dão mais nas vistas. Paulo Ferreira é melhor jogador que qualquer um destes e só admitiria que fosse suplente de Bosingwa pois aquilo que este pode oferecer, em termos de velocidade, é mesmo extraordinário. Mas Paulo Ferreira é mais inteligente, defende melhor, é posicionalmente muito mais forte e tem na lucidez e na experiência pontos a favor. Não querendo insistir na análise do jogador do Chelsea, serve esta história para ilustrar o modo de pensar de Master Kodro. Master Kodro gosta de jogadores que dêem nas vistas. E gosta desse tipo de jogadores porque o seu cérebro não tem capacidade para processar mais do que é visível. Como não se é capaz de conceptualizar o jogo a um nível mais profundo, tudo o que não sejam correrias loucas, agressividades de gorilas e macacadas com bola não é relevante. A capacidade intelectual de um jogador de futebol é, para Master Kodro, um mito e pouco lhe interessa percebê-la. É por isso que vê em Nuno Assis tanta banalidade. O que, porém, é irónico nisto tudo é que é precisamente ao ver banalidade num jogador que é tudo menos banal que denuncia a própria banalidade do seu olhar. Aquele que, tendo à frente dos olhos um objecto invulgar, é incapaz de perceber onde reside o carácter invulgar da coisa, não tem especial apetência para ver coisas. Master Kodro é aquele que não surpreende no mundo mais do que aquilo que é facilmente perceptível a quem tem olhos, e o seu Nuno Assis, isto é, o objecto que o comum observador julga que vê, é por isso muito mais Master Kodro que Nuno Assis, é muito mais o próprio reflexo da mediocridade de Master Kodro do que o verdadeiro Nuno Assis. É do emaranhado deste novelo de porcaria em que se constitui o conjunto de gente pequena que fala de futebol que este espaço procura escapar, alertando para aquilo que este tipo de gente, Master Kodro, não é capaz de ver. O trabalho é hercúleo e, possivelmente, ineficaz. Mas vale a pena, nem que seja pela consciência de estar certo.
De Nuno Assis tem dito Master Kodro atrocidades como, por exemplo, que é um jogador de contra-ataque. O seu problema com o passado de Nuno Assis é relevante, mas não creio que seja essa a principal causa de tais ideias. A sua opinião radica, isso sim, num erro apreciativo que está enraízado na forma como olha para uma partida de futebol. Como acha que Nuno Assis deve ser responsável por pautar o jogo ofensivo da sua equipa, acha que ele deve fazer passes de ruptura, deve furar por entre a defesa, deve provocar desequilíbrios, etc. Está na base deste erro assumir que os jogadores têm funções. Assim, quando uma equipa cria oportunidades de golo, mas não marca, os culpados são os avançados; quando a equipa não consegue cruzar para os avançados, o problema são os extremos; quando a equipa não consegue penetrar na defensiva adversária, o problema são os médios de ataque. Isto é tão redutor quanto imbecil. E Nuno Assis é precisamente o tipo de jogador que sabe que um médio de ataque não serve para as coisas que Master Kodro pensa que serve.
A teoria assenta ainda na verificação de que é em contra-ataque que Nuno Assis dá mais nas vistas. O que tenho a dizer a isto é que é em contra-ataque que qualquer jogador dá mais nas vistas. Isso não é exclusivo de Nuno Assis. Em contra-ataque, há sempre mais espaços, as jogadas são mais objectivas, a quantidade de soluções a considerar é menor. E bons executantes, como Nuno Assis e tantos outros, têm tendência a fazer-se notar e a serem decisivos neste tipo de lances. É natural, pois, que em contra-ataque Nuno Assis dê nas vistas. Mas em contra-ataque Nuno Assis não é muito diferente de Tiago Targino, por exemplo. E é quase herético tentar assemelhar dois jogadores tão distintos. Aquilo em que Nuno Assis é francamente diferente dessa outra rapaziada que só é boa em contra-ataque é que é um jogador notável do ponto de vista intelectual, que descobre soluções muito rapidamente, que sabe a utilidade de jogar curto. Um jogador de toque curto, que procura prioritariamente uma tabela, extraordinariamente criativo a encontrar soluções inusitadas nunca pode ser um jogador de contra-ataque. É alguém que tem uma facilidade rara para jogar em espaços curtos e entre linhas adversárias. Nuno Assis é, por isso, o oposto daquilo que Master Kodro pensa que é.
A opinião de Master Kodro cai ainda no exagero de dizer que se comprova a si mesma pelo facto de ele só fazer grandes jogos contra as grandes equipas, em desafios em que o Vitória passa a maior parte do tempo em contra-ataque. Além de isto ser mentira, como facilmente se verifica pelos dois últimos jogos, por exemplo, denuncia um problema perceptivo grave e que é comum à grande maioria dos adeptos de futebol. É que, para estas pessoas, fazer um grande jogo é estar associado aos momentos decisivos do mesmo. Ora, sempre que Nuno Assis não protagoniza jogadas de relevo, a opinião de Master Kodro é de que fez um mau jogo. Isto é francamente estúpido. Em muitos jogos, sobretudo em jogos em que os adversários se encolhem lá atrás e reduzem os espaços, é natural que jogadores mais imaginativos, mais criativos e inteligentes procurem soluções mais simples, soluções que permitam à equipa manter a posse de bola e gerir pacientemente o seu ataque. O que Master Kodro pretende é que Nuno Assis se arme em super-herói e invente jogadas de génio. Não é assim que funciona. É precisamente por Nuno Assis ser extraordinariamente inteligente que não cai nessa tentação, que não procura desequilíbrios individuais, que não arrisca passes de ruptura condenados à priori ao fracasso. O seu jogo é o que tem de ser quando há pouco espaço: procura soluções curtas, joga atrás, ao lado, fazendo girar a bola até que o colectivo (e não o indivíduo) consiga desequilibrar o adversário. Nuno Assis põe o colectivo à frente do individual e, como tal, nesse tipo de jogos, dá menos nas vistas. Para pessoas que não sabem olhar para um jogo de futebol, isto significa que não faz um bom jogo. Ora, pelo contrário, é precisamente por isso que ele faz um bom jogo.
A carneirada a que chamo Master Kodro é, por isso, um conjunto alargado de pessoas que não sabe ver futebol, que olha para o jogo como uma soma de bonecos. Há dias, num transporte público, estava sentado ao lado de dois velhos que comentavam o jogo da selecção realizado no dia anterior. Falavam, como qualquer adepto de futebol, pretensiosamente, julgando infalíveis as suas opiniões. Aquela que registei com maior interesse foi a de que Paulo Ferreira jamais poderia ir ao mundial, pois não era nem nunca fora um bom jogador. Admitindo que, sendo velhos, fossem pessoas com um grau de senilidade relevante, não deixa de ser engraçado que sustentassem opiniões que muita gente sustenta. Esquecendo agora a falta de memória das pessoas em causa e a qualidade óbvia que Paulo Ferreira teve há uns anos, é importante tentar perceber por que é que se ousa dizer (e não há pouca gente a pensar assim) que Paulo Ferreira não tem qualidade. Para mim, é óbvio. A opinião de Master Kodro, ou seja, a opinião do comum adepto de futebol, tem tendência a privilegiar jogadores espalhafatosos, jogadores que manifestam atributos visíveis. Paulo Ferreira não é rápido, não é agressivo, logo não presta. Preferem-se Bosingwa, Miguel e João Pereira porque dão mais nas vistas. Paulo Ferreira é melhor jogador que qualquer um destes e só admitiria que fosse suplente de Bosingwa pois aquilo que este pode oferecer, em termos de velocidade, é mesmo extraordinário. Mas Paulo Ferreira é mais inteligente, defende melhor, é posicionalmente muito mais forte e tem na lucidez e na experiência pontos a favor. Não querendo insistir na análise do jogador do Chelsea, serve esta história para ilustrar o modo de pensar de Master Kodro. Master Kodro gosta de jogadores que dêem nas vistas. E gosta desse tipo de jogadores porque o seu cérebro não tem capacidade para processar mais do que é visível. Como não se é capaz de conceptualizar o jogo a um nível mais profundo, tudo o que não sejam correrias loucas, agressividades de gorilas e macacadas com bola não é relevante. A capacidade intelectual de um jogador de futebol é, para Master Kodro, um mito e pouco lhe interessa percebê-la. É por isso que vê em Nuno Assis tanta banalidade. O que, porém, é irónico nisto tudo é que é precisamente ao ver banalidade num jogador que é tudo menos banal que denuncia a própria banalidade do seu olhar. Aquele que, tendo à frente dos olhos um objecto invulgar, é incapaz de perceber onde reside o carácter invulgar da coisa, não tem especial apetência para ver coisas. Master Kodro é aquele que não surpreende no mundo mais do que aquilo que é facilmente perceptível a quem tem olhos, e o seu Nuno Assis, isto é, o objecto que o comum observador julga que vê, é por isso muito mais Master Kodro que Nuno Assis, é muito mais o próprio reflexo da mediocridade de Master Kodro do que o verdadeiro Nuno Assis. É do emaranhado deste novelo de porcaria em que se constitui o conjunto de gente pequena que fala de futebol que este espaço procura escapar, alertando para aquilo que este tipo de gente, Master Kodro, não é capaz de ver. O trabalho é hercúleo e, possivelmente, ineficaz. Mas vale a pena, nem que seja pela consciência de estar certo.