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domingo, 4 de maio de 2008

Erro de Casting ou Casting Errado?

Luís Freitas Lobo, num artigo sobre Tiago, explica, e bem, por que razão o internacional português não rendeu o que se esperaria dele nesta época. Diz Freitas Lobo:

"Na Juventus de Rainieri, [Tiago] entrou num 4x4x2 clássico em linha e com grande distância entre-linhas como um dos membros de um duplo-pivot central. Deixou de ter apoios para jogar curto, tocar e desmarcar-se, numa progressão apoiada, até à entrada da área, para ter à sua frente um corredor inteiro para percorrer, seja em posse, seja à espera de um passe, seja na recuperação. Não é este o habitat indicado para o futebol de Tiago. Assim, fica fora dos timings do jogo, ritmos e espaços."

Concordo, na íntegra, com isto. Acho que as características de Tiago não lhe permitem ser um jogador de topo neste sistema e, mais, que o 442 clássico, além de todas as lacunas que lhe reconheço, é das tácticas nas quais os jogadores têm de ser mais completos. Porque o futebol caminha na direcção da especialização, a própria táctica é um fóssil. Por exemplo, um médio de topo neste sistema tem de ser óptimo a atacar e óptimo a defender, tem de ser criativo, saber ler o jogo e, ao mesmo tempo, correr quilómetros (o que provoca desgaste, sobretudo psicológico, e retira discernimento), ser forte nos duelos corpo a corpo, etc. Para uma táctica destas, há poucos médios de qualidade. O melhor, aquele que melhor se enquadra neste sistema, que tanto ataca como defende com qualidade, talvez seja Steven Gerrard. Tendo em conta tudo isto e tendo em conta que Tiago nunca se evidenciou num sistema idêntico, que foi sempre um jogador de apoios curtos, não seria de espantar que não fosse capaz de vingar na Juventus. Outro exemplo foi Hugo Viana no Newcastle, ou no Valência. Diz ainda Freitas Lobo:

"O seu melhor lugar é como um dos médios interiores no vértice avançado de um meio campo em triângulo só com um pivot-defensivo. Ou seja, no centro de um 4x3x3. Assim, sente as costas protegidas por um trinco forte e depois, de perfil com outro médio culto, faz as transições defesa-ataque-defesa. Foi assim, com as linhas próximas, que brilhou no Lyon, à frente de Diarra, e a lado de Juninho. Tal como fez no Chelsea."

Sem dúvida. Mas num 442 losango também renderia, como interior. Ou em qualquer táctica que privilegie o jogo em apoios, na qual tenha, a seu lado, alguém com quem trocar a bola, para que nunca tenha de jogar comprido, ou de fazer uso da capacidade de transporte, aspectos do jogo em que é um jogador mediano. Os seus melhores jogos na selecção foram ao lado de Deco, porque aí consegue ter alguém que lhe facilite o jogo, que lhe dê soluções colectivas e não o obrigue à individualidade, na qual é banal.

Tiago é um jogador de colectivo e não tem capacidade para resolver sozinho os problemas da equipa, seja a construir o jogo ofensivo, seja a transportar a bola, seja a jogar comprido, seja a recuperar bolas ou a ganhar lances de cabeça. Nesse sentido, jamais se integraria com facilidade numa táctica como o 442 clássico, que é uma táctica iminentemente individual, que não privilegia um jogo em apoios e na qual os jogadores têm de acumular funções.

Freitas Lobo resume bem os porquês de Tiago ter tido uma época tão abaixo do que se esperaria dele, mas fica por aí. Quero pegar no seu argumento para concluir três coisas que não poderia deixar de dizer:

1) Que o 442 clássico - repetindo o que disse acima - no contexto actual do futebol, é uma táctica que não privilegia o colectivo e que os jogadores, sobretudo os do meio-campo, são obrigados a preencher espaços maiores, a esforços redobrados, a demasiadas tarefas e funções. Isto faz com que um jogador de meio-campo, para ser eficaz nesta táctica, tenha de possuir uma capacidade que só os melhores do mundo possuem. Neste contexto, esta táctica só poderá ser desempenhada com sucesso por equipas com capacidade para contratar os melhores do mundo.

2) Que não foi Tiago em si, ou seja, o jogador, quem falhou, mas sim a contratação de Tiago. Quero com isto dizer que, tendo o aval de Ranieri (desconheço se o teve, mas tenho de partir do pressuposto de que teve), a contratação de Tiago foi um erro. Se o plano era jogar em 442 clássico, o treinador italiano deveria ter percebido que Tiago não era o jogador ideal para esse sistema, uma vez que as suas características são totalmente opostas às que se requerem num médio nesta táctica. Ranieri terá contratado, então, Tiago pelo bom futebol que praticou noutra equipa, não tendo em conta as suas características, mas apenas a posição que ocupava em campo. Em vez de querer um médio competente para um 442 clássico, terá apenas desejado um médio.

3) Que este tipo de erros grosseiros (como foi exemplo também a contratação de Leandro Lima, um médio de toque curto, para jogar entre linhas, coisa que a equipa de Jesualdo não contempla) denota a incapacidade da grande maioria dos treinadores em reconhecer os atributos de cada jogador, bem como a incapacidade destes para perceber que os atributos intelectuais são de todo mais importantes na adequação de um jogador a um modelo de jogo do que os atributos técnicos e físicos. É fácil, portanto, concluir que Ranieri, como Jesualdo, como grande parte dos treinadores, olha apenas para os atributos técnicos e físicos dos jogadores, descuidando os atributos intelectuais, sem dúvida mais relevantes. Em Tiago, ter-se-á visto que é um jogador de boa técnica, com boa capacidade de passe e remate, mas não se terá visto, com certeza, que não é um jogador para ritmos demasiado altos, que é bom a nível posicional, fornecendo correctamente os apoios, que reconhece que os processos ofensivos passam por diferentes etapas, que não arrisca passes demasiado longos, privilegiando a segurança e a posse de bola, que precisa de ter várias soluções de passe perto de si, pois não é forte em acções individuais, etc. São estes atributos, estas capacidades intelectuais e não as capacidades técnicas e físicas, que definem a posição de um jogador, bem como o papel que o mesmo pode desempenhar num colectivo. E foram estes atributos intelectuais que não se tiveram em conta quando se decidiu contratar o internacional português.

Discordo, portanto, que Tiago tenha sido um erro de casting. O próprio casting (bem como a quem competia fazê-lo) esse sim, é que foi um erro.