No fim-de-semana passado, sem ninguém saber porquê, nem mesmo o seu treinador, Miguel Rosa ficou na bancada e não defrontou o antigo clube. O Benfica ganhou sem jogar bem e beneficiou de um erro do árbitro, mas continuo a achar que ninguém deu importância àquilo que realmente importa. Maus jogos e vitórias à custa de foras-de-jogo mal tirados acontecem a toda a hora. Que um jogador que andou claramente a ser queimado nas últimas cinco épocas se tenha desvinculado do clube que andou a tentar acabar com a sua carreira e que, ainda assim, continue a ser queimado é que me parece motivo de uma investigação. Se houvesse jornalismo a sério em Portugal, e se por algum milagre parte desse jornalismo fosse dedicado ao jornalismo desportivo, andava meio país de volta de Miguel Rosa, dos dirigentes do Belenenses e dos Carraças que para aí andam. É inacreditável que um dos mais promissores jogadores da sua geração, mesmo tendo conseguido libertar-se do vínculo com o clube ao qual deu mais de metade da vida, continue a ser prejudicado por, de algum modo, ter pisado os calos a alguém com suficiente poder para lhe arruinar a carreira. Fora das quatros linhas, o futebol são hienas. Como tenho opiniões controversas acerca do que fazer a hienas, abstenho-me de dizer mais do que isto.
No mesmo fim-de-semana, uma paulobentice por um discípulo. O futebol das equipas de Abel é tão pobre que ficar do lado do treinador, por mais razão que possa ter, me parece idiota. Não sei o que se passou, e na verdade não preciso. A ser verdade o que foi noticiado, Iuri Medeiros entrou em campo na segunda parte, provavelmente já amuado, e não mostrou muita vontade, sobretudo em defender. Devo dizer que o simples facto de um dos mais talentosos jogadores da equipa ficar no banco me parece mais grave do que qualquer amuo de um miúdo de 20 anos. O problema de Abel é que nunca foi muito talentoso. Quando se tem talento, e se vê outros que não o têm a jogar no lugar de quem o tem, é difícil arranjar motivação. Alegam os mais conservadores que poder um dia jogar na equipa principal devia ser motivação suficiente para Iuri. Quem o alega não sabe o que é jogar futebol, não sabe o que é ter consciência de que se é muito melhor do que certos colegas e ser preterido porque esses colegas são mais "esforçados", não sabe o que é ter expectativas quanto à progressão numa carreira curta como a de jogador de futebol e sentir, semana após semana, que essa progressão depende de quem não percebe nada do jogo, etc.. Iuri Medeiros é um dos melhores jogadores da sua geração. Tem mau feitio? É irreverente? Acha que é vedeta? Estes jogadores motivam-se pondo-os a jogar, dando-lhe responsabilidades acrescidas. Ninguém com o perfil dele fica melhor jogador por ser castigado. Os castigos vão apenas fazer com que se sinta mais revoltado e com menos vontade de mostrar o que vale. Se querem ensinar-lhe alguma coisa, a ser solidário, por exemplo, façam com que se sinta responsável por alguma coisa: dêem-lhe a responsabilidade de bater os cantos, de usar a braçadeira de capitão, etc.. Enquanto não compreenderem que os jogadores de futebol, nos dias que correm, não cumprem deveres só porque é isso que devem fazer, não compreenderão nada e continuarão a desperdiçar talentos. Para que alguém como Iuri faça em campo o que Abel gostaria que ele fizesse, era preciso que Abel o convencesse de que ele, mais do que um dever a cumprir, tem uma responsabilidade para com ele mesmo. Mas isso, dado o perfil de treinador de Abel, é coisa que dificilmente será capaz de fazer. Esperemos, para o bem de Iuri e do futebol português, que Abel não dure muito tempo nestas funções.
Muito se tem falado do Atlético de Madrid de Diego Simeone esta época. A minha opinião mantém-se mais ou menos a mesma, independentemente de este ano estar envolvido na luta pelo título. Reconheço que, defensivamente, o Atlético é uma equipa que raramente se desorganiza, que defende com muitos homens junto da bola, e que sabe escolher os momentos de pressão. Reconheço também que essas são as únicas virtudes da equipa. O resto é fé, muita fé, níveis de confiança altíssimos, e a equipa mais parecida com o Boavista de Jaime Pacheco desde que deixaram de permitir dez entradas acima do joelho por jogo. O desafio deste fim-de-semana, frente ao rival de Madrid, tirou todas as dúvidas. Mourinho tinha construído uma equipa de caceteiros (até Ozil batia), uma equipa que só com muita boa vontade dos árbitros, sobretudo nos jogos contra o Barcelona, era capaz de terminar a partida com onze jogadores. Passado o período de Mourinho, essa equipa perdeu boa parte desses maus hábitos, salvo talvez os dois animais que jogam como defesas centrais. Devo dizer, porém, que essa equipa, ao pé do Atlético de Madrid de Diego Simeone, era uma equipa de escuteiros. Ao intervalo, este fim-de-semana, quantos jogadores do Atlético de Madrid teriam conseguido permanecer em campo, com um árbitro rigoroso? O Atlético entra em campo com onze arruaceiros, e a arruaça é, sem sombra de qualquer dúvida, a arma pela qual conseguem nivelar as suas partidas. Tudo espremido, o futebol do Atlético de Madrid de Simeone dava talvez para andar a lutar pela manutenção (em termos colectivos, claro). Valem os agarrões, os puxões, as entradas violentas, a agressividade bem à margem das leis, a pressão constante, intimidatória, mesmo, sobre os árbitros, etc.. O Atlético ganha os seus jogos, geralmente, porque empurra - literalmente - os adversários para o seu último reduto, acabando por marcar nalgum lance confuso, num ressalto, ou numa perda de bola qualquer. Raramente se vêm jogadas pensadas. Vencem pelo desgaste, pela garra, pela provocação, pela dureza física. O Boavista de Jaime Pacheco também não jogava futebol. Confesso, todavia, que julgava que equipas que confundem futebol com lutas de galos tivessem os dias contados. Infelizmente, não têm. De tempos a tempos, lá aparece um arruaceiro, secundado por outros arruaceiros, a comandar onze arruaceiros e a gozarem da complacência de quem tem medo de arruaceiros. Como se viu no passado, equipas assim duram enquanto durar aquilo que as anima: a crença de que podem superar-se e a complacência de quem os deixa jogar de acordo com leis diferentes. Quando se acabarem estas coisas - digamos assim - acaba-se tudo. A Diego Simeone auguro, por isso, pouco mais do que augurava a Jaime Pacheco há década e meia: um ou outro título no currículo, talvez um contrato num clube com maiores aspirações, um resto de carreira repleto de fracassos sucessivos e a posteridade recordando-se eternamente do quão feio era o futebol das suas equipas.