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domingo, 9 de dezembro de 2007

As asneiras de Luís Freitas Lobo

Antes de mais, gostava de referir que poucas coisas há, sobre futebol, que valham a pena ler além dos textos de Luís Freitas Lobo. A excepção será, certamente, a crónica semanal de Jorge Valdano, todos os sábados, n'A Bola. Embora muito do que diga seja correcto e útil, Luís Freitas Lobo tem, de vez em quando, afirmações pouco convincentes. Tentei, pois, reunir aquelas que me parecem mais problemáticas.

1."Hoje, trincos ou pivots-defensivos, refinaram a forma de jogar e aumentaram a influência no jogo colectivo. São, tacticamente, os jogadores mais importantes para o equilíbrio da equipa, numa posição que é a âncora que mantêm o onze preso ao campo durante 90 minutos."

Percebo perfeitamente o argumento de Luís Freitas Lobo: um jogador que actue naquela posição central influi significativamente no desempenho defensivo e no desempenho ofensivo da equipa. Mas não concordo que seja o jogador mais importante. Aliás, afirmar que há posições mais importantes que outras é não entender o futebol como um jogo colectivo. Os processos ofensivos dividem-se em várias fases, todas elas importantes. Se a equipa atacar bem nas primeiras fases, mas não o fizer na última, de nada vale. Assim, são tão importantes, nos processos ofensivos, os jogadores que participam nas primeiras fases como os que participam nas últimas. A defender, acontece o mesmo. A equipa deve defender em bloco e todos têm o seu papel. Não há jogadores mais importantes que outros a defender, como não há jogadores mais importantes que outros a atacar. O médio-defensivo, apesar da sua posição nuclear, não tem mais importância que qualquer outro jogador.

2. "Os grandes craques são de geração expontânea ou produtos de formação? É uma questão antiga, mas em qualquer debate, sempre se falou na formação como a suprema referência de fazer grandes jogadores. Uma escola onde se adquirem as bases e os movimentos que depois vão servir de suporte a toda uma carreira futura. Parece uma opinião pacifica, mas há quem ouse desafiar estas teorias. Pensamos nas origens dos grandes jogadores de todos os tempos, de Pelé e Maradona, e vemos que nelas em vez de campos relvados e chuteiras último modelo, estão baldios de terra e pés descalços. Dirão que esses não contam, são excepções, porque são génios. Uma teoria desmoronada quando pisamos terras brasileiras e se descobrem craques até debaixo das pedras. Ou, até, noutros locais menos imagináveis. Até aos 22 anos, em vez de passar pelos escalões de formação, ele trabalhou como mecânico de automóveis, pintor e repositor de supermercado. Um belo dia, alguém lhe deu uma bola para os pés. Com ela dominada, foi desde as profundezas da Bahía até á relva de Alvalade. É esta a essência de Liedson. A leveza do bom futebol em cada jogada. Natural, simples, como cada golo que marca. Em que escola aprendeu aqueles movimentos, aquela capacidade de rematar e seduzir a baliza? Liedson seria um «case study» perito para entender os mitos e as utopias da formação e entender qual o verdadeira influência do chamado «futebol de rua» no processo de crescimento do grande jogador da actualidade. Deve ele crescer selvagem ou lapidado cientificamente? A solução estará a meio caminho destas duas vertentes. Acredito que mais do que ensinar, um treinador na formação deve antes guiar cada talento para este descobrir qual o melhor caminho de o explorar. A cada jogo, a cada golo que marca, olhando para o futebol de Liedson percebe-se que, afinal, os grandes craques não se fabricam nem se procuram, simplesmente... encontram-se!"

Não adianta referir, uma vez mais, a qualidade duvidosa de Liedson. Finjamos que o texto não é sobre o 31 do Sporting, mas apenas sobre a questão da formação. Há, em primeiro lugar, falsidades que não podem passar em claro. Maradona e Pelé têm, de facto, origens humildes. Mas afirmar que não tiveram formação é absolutamente ridículo. Alguém acredita que, se Maradona não tivesse saído do Argentino Juniors para o Boca e do Boca para o Barça, se teria tornado no melhor de todos os tempos? Alguém acredita que, se Maradona só começasse a jogar futebol federado aos 22 anos, teria feito a mesma carreira incomparável? Por pior que tenha sido a sua formação, ela existiu. Ter contacto com a competição também é formação. Nenhum grande jogador começa a jogar à bola aos 22 ou 23 anos. Em países pobres como o Brasil, no qual todos os miúdos jogam à bola na rua e para os quais a bola é o único brinquedo, é natural que surjam muitos talentos. Estes talentos são essencialmente intuitivos: amadurecem através da intuição individual, da percepção de cada um e das necessidades que o futebol de rua impõe. Sem passarem do futebol de rua para um clube federado, essa intuição nunca passa disso mesmo. Assim, um jogador que cresça selvagem, que não tenha a experiência de jogar em campeonatos competitivos, que não tenha a experiência do "futebol a sério", nunca passa de um jogador instintivo. E o instinto também é ensinado. Os jogadores que não passam por formação têm lacunas tácticas enormes, pois não foram domesticados para as deixarem de ter. São jogadores que só podem emprestar o seu instinto. Isso, no futebol moderno, é muito pouco. Acredito, apesar de tudo, que muitos jogadores que passam por todos os escalões de formação nunca chegam a ser grandes jogadores. Mas isso porque lhes falta o talento. Aquilo em que não acredito é que haja jogadores que, sem passarem por formação, apesar de muito talentosos, acabem por ser grandes. Isto acontece também em arte. Nenhum artista, por mais talentoso que seja, sem o contacto com outros artistas, sem o contacto com a História da Arte, sem o contacto com quem o pode ensinar, consegue tornar-se um grande artista. Assim, ao contrário do que pensa Luís Freitas Lobo, a solução não está a meio caminho destas duas vertentes: nenhum jogador que não seja ensinado, cujo talento não seja lapidado, dará um grande jogador. Ao contrário do que também pensa Luís Freitas Lobo, os grandes craques não se encontram, simplesmente. Fabricam-se! Ainda que o talento já lá esteja, têm de passar por um processo de amadurecimento que, individualmente, sem o contacto com a formação, jamais obtêm.

3. "Terminam os jogos da Champions e surge uma série de dados estatísticos. Remates, cantos, posse de bola… e, nos últimos tempos, um novo dado: os quilómetros que durante os noventa minutos cada jogador correu! É difícil encontrar dado estatístico mais absurdo e inócuo do que este. Em vez de quanto correu o jogador o que devia surgir era quantos quilómetros correu a bola impulsionada por acção desse jogador." "Mais do que colocar um conta-quilómetros num jogador, devia-se colocá-lo na bola e, no fim, ver qual das equipas a fez correr mais. Um dado para perceber o que é jogar bem."

Concordo com o primeiro período: de facto, nada mais improfícuo que contar os quilómetros que cada jogador correu. Correr muito não significa correr bem e, muito menos, jogar bem. Mas não concordo com a alternativa que Luís Freitas Lobo propõe. Contar os quilómetros que a bola percorre? Para quê? Uma equipa que opte por um futebol directo faz correr a bola, de cada vez, dez vezes mais do que uma equipa que opte por um futebol curto. E isso significa que a primeira joga melhor que a segunda? Claro que não. É que isso nem sequer ajuda a perceber a quantidade de bola que a equipa teve. Numa equipa como a primeira, a bola percorre dez vezes mais espaço, mas pode perder-se logo de seguida. Numa equipa como a segunda, se não se fizerem dez passes (o que já seria bom), perder-se-ia estatisticamente para a primeira. O que significa isto, então? Rigorosamente nada. Contar os quilómetros que a bola percorre é tão absurdo como contar os quilómetros que os jogadores correm.

4. "Para Luisão, cada jogo, cada jogada, parece que se tornou um teste. Esta semana desabafou. Sente-se quase o «patinho feio» da equipa. Disse não compreender porque não gostavam dele. Compreende-se o desabafo. Por princípio, os adeptos gostam mais de cisnes. Luisão nunca o será. Mas, na fábula, como na vida, os «patinhos feios» sempre foram mais inteligentes que os «cisnes». Num campo de futebol, também."

Luisão não compreende por que não gostam dele? Se for, preciso, eu explico. Luís Freitas Lobo acha que Luisão, enquanto "patinho feio", é mais inteligente que os outros. Han??? As palavras "Luisão" e "inteligente", na mesma frase, fazem-me alguma confusão. Luisão é inteligente? Como assim? Inteligente como que tem... hmmm... digamos... inteligência? E neste planeta? Só pode ser uma piada. Luisão é, a todos os níveis, horrível. Não é rápido; não é agil; é mau, muito mau, a nível posicional; não é inteligente a dobrar os companheiros; não sabe sair a jogar; apesar da sua altura, não é imponente no futebol aéreo como se desejaria. Luisão não tem nenhum atributo que faça dele um grande jogador. Continua a ser incrivelmente absurdo que algum dia alguém se tenha lembrado de o levar à selecção brasileira. Não, Luisão não é um cisne. Mas também não é um patinho feio. Luisão não é nada...

5. "Para essas quatro posições, tem cinco com saber táctico: (Veloso - Vukcevic - Izmailov - Moutinho - Romagnoli). Poucos, para um sistema física e tacticamente tão exigente. Quando mexe nas peças, a máquina ressente-se de imediato."

Falando do Sporting e do esquema em losango, Luís Freitas Lobo sugere que Paulo Bento tem poucas alternativas para o meio-campo. Segundo ele, só estes cinco têm "saber táctico" para jogar ali. Às vezes, sinceramente, acho que Luís Freitas Lobo tem problemas de memória, ou algo parecido. Vou dar mais dois nomes, assim à parva: Pereirinha e Farnerud. Se fala em "saber táctico", é porque não está a pôr em causa o valor dos restantes jogadores do plantel, mas apenas a dizer que, bons ou maus, não sabem cumprir tacticamente. Ora, pode-se achar o que se quiser de Pereirinha ou de Farnerud, menos achar que, tacticamente, não têm saber. Farnerud é, posicionalmente, óptimo. Podem apontar-lhe todos os defeitos que quiserem, mas tacticamente é irrepreensível. Pereirinha, então, é um caso gritante. Para a idade que tem, é demasiado adulto. Compreende perfeitamente as necessidades da equipa e, tacticamente, da sua idade, não há ninguém que lhe chegue aos calcanhares. É absolutamente injusto falar disto e esquecê-lo. Luís Freitas Lobo, como muita gente que tem dado palpites sobre o que vai mal no Sporting, também errou. Acha ele que, para o esquema do Sporting, o plantel oferece poucas soluções que possam cumprir tacticamente. Como maior parte dos que dão palpites, Luís Freitas Lobo acertou ao lado.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

2 trincos: o maior erro do futebol moderno

Antes de tudo, queria referir que este texto foi escrito há coisa de um ano, antes portanto de começar a época transacta, e que só não tinha sido ainda aqui escrito por evidentes necessidades de edição. Achando, pois, conveniente altura para o fazer, aqui ficam as ideias (ideias essas que continuo a defender) de há um ano em relação sobretudo à utilização de dois médios-defensivos, bem como em relação à importância vital dos apoios quando a equipa tem a posse de bola...

Queria deixar claro, em primeiro lugar, que o que aqui vou dizer é pensado, sobretudo, para o caso de equipas pretensamente superiores, com ambições, que assumam o jogo. Uma equipa pequena, para quem o empate pode servir, tem o direito de ter uma interpretação diferente do jogo, mas uma equipa que queira vencer todos os desafios não pode deixar de pensar como aqui o exemplificarei.

Um dos grandes pecados – na minha opinião, o maior – do futebol dos dias que correm é a pretensa necessidade de dois trincos, ou médios defensivos. Essa utilização é a principal causa, em primeiro lugar, da pobreza em que o espectáculo se tornou, proporcionando um futebol mais defensivo, o que anula, em parte um possível futebol ofensivo do adversário, mas igualmente elimina a qualidade do seu próprio futebol. Poucos são os treinadores que não utilizam, pelo menos, 2 médios defensivos. É um erro grosseiro e, não raro, sem justificação. Para aqueles que defendem que uma equipa moderna tem de precaver a retaguarda com uma abundância de jogadores de características defensivas, algumas perguntas bastam para que se perceba que essas mesmas pessoas não conseguem avançar uma razão suficientemente aceitável para essa utilização. Em primeiro lugar, porquê dois trincos? Para fechar, o mais possível, os espaços defensivos – dirão alguns. Pois, e por que não 3 centrais? Depois, por que razão dar preferência a 2 trincos e não a 2 médios ofensivos? Será, porventura, mais importante preencher espaços defensivos que espaços ofensivos? Será mais útil ser coeso defensivamente que expressivo ofensivamente? Se sim, porquê? Acaso uma equipa que saiba defender bem, mas que ataque mal, tem argumentos para virar um resultado desfavorável quando bem lhe apetecer? Não será melhor o contrário? Saber atacar bem e não dar muita importância à defesa, uma vez que é mais fácil defender para quem não está rotinado a defender do que atacar a quem não está rotinado a atacar? Ou será melhor, isso sim, um equilíbrio de forças, conseguido por uma estrutura sólida que defende e ataca como um bloco? A estas perguntas, as mesmas pessoas não serão capazes de responder com agudez.

Mas a pergunta mais fácil, e pela qual acho que todos os argumentos desses defensores ruem, é: Para que serve o trinco? Ou melhor, quais as funções de um trinco? Os mais arrojados não hesitarão, certamente, em responder o seguinte: “Recuperar bolas”. Pois, a função do trinco é recuperar, então, bolas. Exacto. E a do médio ofensivo é pôr a equipa a jogar, ainda que os seus 10 companheiros insistam em pontapear a bola sem nexo e nunca na sua direcção? E a do avançado é marcar golos, mesmo que a sua equipa não passe de meio-campo? Francamente, essas pessoas não sabem o que é o futebol. Não se pode reduzir um jogador a uma função específica, ignorando o todo. Um trinco pode ser um bom recuperador de bolas, mas essa não é, de longe, a característica prioritária que deverá possuir. Recuperar bolas, para falar no caso do trinco, é algo que a equipa, enquanto todo, deverá realizar. Não é ao trinco que compete isso. Da mesma forma, não é ao médio de ataque que compete pautar o jogo de ataque da sua equipa. Isso é algo que a equipa toda deve ser capaz de fazer, se bem que ele, pelas suas características, possa ter uma responsabilidade acrescida. Um jogador não pode ter uma função específica tão redutora. A função específica de cada um deve ser aquela que, em primeiro lugar, se relaciona imediatamente com as pretensões da equipa. Se o trinco só serve para recuperar bolas, é uma unidade a menos sempre que se ataca? Muitos dirão que sim. Que estulta percepção do jogo! O trinco é dos elementos mais importantes no processo ofensivo de uma equipa, ainda que tenha, principalmente, um papel passivo no mesmo.

O que importa aqui definir, então, é qual é a missão do trinco. Já ficou explicado que um trinco não é um recuperador de bolas, porque isso é missão do conjunto e não de um só homem. De uma forma mais vasta, a missão do trinco é igual à missão de qualquer um dos outros jogadores: ocupar os espaços que lhe estão destinados, de acordo com a posição em que foi instruído. Isto significa, de uma forma lata, que a preocupação principal de qualquer jogador é apenas a ocupação correcta do respectivo espaço. Embora pareça simples, ocupar espaços é das coisas mais complexas e modificáveis que podem existir num jogo de futebol. Ocupar um espaço não é apenas ocupá-lo: o espaço a ocupar é influenciado pela posição da bola no terreno, pela posição dos companheiros e pela posição dos adversários. E é isto tudo que um jogador tem de ter em conta. Voltemos ao caso concreto do trinco. A sua missão divide-se em sub-missões, dependendo da situação de jogo. Sem bola, com a sua equipa a defender, tem por missão ocupar um espaço à frente da linha de defesa, não para travar as entradas dos médio ofensivos adversários, como se pensa, mas para cortar linhas de passe. É tão-somente isto a sua tarefa defensiva: cortar linhas de passe. O trinco não tem que ir ao choque; não tem que tentar ser ele a roubar a bola ao adversário, deixando desguarnecido o seu lugar; não tem que marcar directamente o adversário que ali lhe aparecer. O papel do trinco é fechar, em cada instante, o maior número de linhas de passe. Daí a importância de um jogador inteligente nesta posição, pois é necessário não apenas disponibilidade física para constantes movimentações como também uma lucidez táctica extraordinária, capaz de interpretar os lances com rapidez e correcção. A nível ofensivo, como disse, o trabalho do trinco não é menos importante, ao contrário também do que se pensa. Numa equipa que jogue em ataque organizado, a posse de bola é absolutamente vital. Assim, ao trinco compete acompanhar a circulação da mesma, fazendo cobertura por trás ao possuidor da bola, facultando uma linha de passe e, ao mesmo tempo, posicionando-se no melhor local para travar um contra-ataque, no caso de a bola ser perdida. O trinco deve, pois, suportar o portador da bola, servindo ao mesmo tempo de primeiro escudo defensivo. Imaginando um meio campo com três ou com quatro unidades, só para falar de médios centro (refiro-me, por isso, a uma táctica como o 4-3-3 ou como o 4-4-2 em losango), o trinco é aquele que deverá ocupar sempre o espaço atrás do portador da bola, quer ele seja o interior direito, o interior esquerdo, ou o médio de ataque, no caso do 4-4-2 em losango. Os outros médios sem bola devem fazer os apoios laterais, criando assim o maior número de linhas de passe disponíveis para quem transporta a bola. No caso do portador da bola ser um ala, isto no 4-3-3, o apoio directo é dado, lateralmente, pelo interior desse lado e, por trás, pelo lateral, ficando o trinco encarregue de um sub-apoio, posicionando-se nas costas do interior que dá o apoio lateral. Portanto, qualquer que seja o portador da bola, o trinco tem que estar em movimento e fornecer opções de passe. Com a bola em seu poder, tem a possibilidade de decidir o destino a dar-lhe, sendo contudo recomendado que a entregue de forma simples, para que outros mais habilitados possam decidir que destino lhe dar.

Ora bem, se em termos defensivos a utilização de dois trincos pode continuar a parecer producente (não o é sobretudo porque a equipa defende mais atrás e porque, permitindo por isso o avanço de maior número de adversários, gera mais possibilidades de sobrarem bolas para a entrada da área, onde pode aparecer um remate) a nível ofensivo parece ficar explicado que é, obviamente, um erro ter dois jogadores a fazerem coberturas a apenas um, isto no caso de três médios centro. Numa equipa que privilegie a posse de bola (e qualquer equipa que assuma o jogo tem, obrigatoriamente, de a privilegiar, sob pena de ser mal sucedida), os apoios são fundamentais. Uma posse de bola bem sucedida só é possível se o portador da bola tiver opções de passe junto de si, constantemente. Logo, se os apoios são tão importantes, 2 trincos inviabilizam uma boa posse de bola, pois não permitem um fornecimento de apoios apurado. Assim, uma equipa que jogue com 2 trincos (tirando a França, porque o Zidane até sozinho poderia jogar) nunca será uma equipa de grande volume de futebol. Terá de optar por um futebol mais rectilíneo, mais directo, apostando na velocidade ou nas capacidades individuais dos seus dianteiros, ou seja, entregando a sua sorte à inspiração de dois ou três jogadores. Em última análise, uma equipa com 2 trincos nunca joga, verdadeiramente, em equipa. Os 2 trincos servem para que os médios de ataque e os avançados tenham mais liberdade, mas não são capazes de ajudá-los, quando necessário. E um treinador que opte por 2 trincos não sabe trabalhar a posse de bola, talvez imaginando que esta se possa reter graças apenas à qualidade da recepção e do passe, que insistentemente deverão treinar. O factor mais importante para a posse de bola não é de ordem técnica (não é a qualidade de passe, a velocidade de execução, etc.) mas sim a existência, regular, de linhas de passe. E essa existência não depende da disponibilidade de um jogador, mas de toda a equipa. Todos têm que estar em sintonia. Daí a posse de bola ter de ser algo a trabalhar em equipa e não individualmente.

Outra coisa que importa salientar é a questão do "pressing". Muitos treinadores que utilizam dois trincos, pedem também aos jogadores que pressionem alto. Ora, nada mais incoerente. A utilização de dois trincos visa, ainda que erradamente, preencher espaços defensivos. Isso faz-se à custa de espaços ofensivos, que passam a estar menos preenchidos. Ora, é completamente contraditório preencher espaços defensivos e pedir que se pressione alto quando os jogadores que deveriam pressionar estão amarrados a posições atrasadas. Ou seja, uma táctica com 2 trincos impossibilita a utilização de pressão à saída da área do adversário, coisa que qualquer equipa de teor ofensivo deveria ser capaz de empreender, pois a sua prioridade deve ser manter a bola, quando a tem, e recuperá-la o mais rápido possível, quando não a tem. Contudo, muitos treinadores pedem as duas coisas às suas equipas: preocupações defensivas e "pressing" alto. A minha teoria é que não sabem por que razão devem fazer nem uma nem outra coisa.

Daqui parto para alguns exemplos práticos, tentado ilustrar este ponto de vista. Há dois anos, Co Adrianse utilizou um sistema que, para muitos, era demasiado louco e estava destinado ao fracasso: um 3-3-4. Eu próprio achei descabido, sobretudo porque a defesa do Porto oferecia pouca confiança. Porém, foi campeão, dominou sempre os jogos e raramente concedeu oportunidades de golo aos adversários, acabando mesmo por se tornar a melhor defesa dos últimos 20 anos, superando mesmo as marcas de Mourinho. E porquê? Simplesmente porque a sua equipa pressionava tão alto e com tantas unidades que recuperavam a bola sempre muito à frente. Contra equipas que se defendem lá atrás, como a grande generalidade das do campeonato português, um sistema como este é, claramente, um dos mais correctos. A fraca qualidade do sector recuado nem sequer foi posta à prova. Escolhi, contudo, este exemplo também por outra razão. Num sistema como este, com apenas três defesas e com quatro avançados, a utilização de dois trincos, no caso, o Raul Meireles e o Paulo Assunção, não é descabida. Aqui, os trincos têm uma missão defensiva acrescida, que é compensar os flancos desguarnecidos. Já a nível ofensivo, devem fazer a cobertura aos três homens que se encontram à sua frente, isto é, aos alas (porque não há laterais para fazer os apoios por trás) e ao médio ofensivo. Daqui vou para outro exemplo em que, excepcionalmente, a utilização de 2 trincos não é contraproducente: um 4-2-3-1. De notar, antes de tudo, que isto nada tem a ver com um 4-5-1 ou com um 4-3-3. E muito menos com o 4-2-3-1 que se vulgarizou desde os tempos de Bobby Robson, com 2 trincos, um médio ofensivo e dois extremos, o que mais não é que um 4-5-1 mascarado. Num 4-2-3-1, os 3 médios que sucedem ao avançado são médios centro e não extremos, fazendo os dois de cada lado, contudo, trabalho exterior. A principal diferença é que, ao não existirem alas, a equipa não tem tanta profundidade, ganhando, por outro lado, criatividade e preenchimento de espaços na zona central. Exemplos da utilização desta táctica, não sendo muito comuns, podem encontrar-se no Portugal de Humberto Coelho, em que Nuno Gomes era o avançado, João Pinto, Figo e Rui Costa os três médios sem posição fixa, e Paulo Bento e Vidigal os trincos que faziam as coberturas destes três médios. Escusado será dizer que a equipa trocava extraordinariamente bem a bola. Outro exemplo foi o Porto de Mourinho, num jogo da Liga dos Campeões contra o Manchester United, em casa, em que Mourinho, sem poder contar com Costinha, fez actuar Maniche ao lado de Pedro Mendes, fazendo estes cobertura a Alenitchev, Deco e Carlos Alberto. Além do fantástico espectáculo que proporcionaram, tiveram um resultado positivo, vencendo por 2-1, o que ajudaria a passar a eliminatória... Nesta táctica, portanto, os médios ofensivos descaídos para as alas não têm a cobertura de um médio interior, como teriam os alas no 4-3-3. Logo, essa cobertura será compensada pela utilização de mais um trinco. Por alto, pode dizer-se que deve haver sempre um médio ofensivo a mais que trincos: se houver 2, haverá 1 trinco, se 3, 2 trincos. Daqui, parto para o 4-4-2 losango, com o qual terminarei. Fernando Santos, a época passada, começou por utilizá-lo, desistindo dele porque os jogadores pareciam não entender o que o técnico pretendia e voltando a ele umas jornadas mais tarde, mantendo-o até final da época. Primeiro, o 4-4-2 losango, pela ocupação complexa dos espaços, é uma táctica que demora muito tempo a interiorizar. Exemplo disso foi o Sporting de Peseiro, que demorou até começar a atinar, mas que depois, por pouco, não limpava tudo. Este sistema, no Benfica, apesar de todas as suas virtudes, pareceu sempre demasiado infecundo. E porquê? Porque os jogadores não jogavam em apoios. E não era algo que não fizessem por não saber, mas porque não o trabalhavam, certamente. Ou seja, o desenho táctico, por si só, não é nada. Apesar de esta táctica ser das mais correctas em termos de apoios, pois permite posicionamentos perfeitos para esse efeito, não funcionará nunca na perfeição se não se cultivar um futebol apoiado, em que os jogadores joguem juntos e criem constantes linhas de passe. Ao contrário do Benfica, que se apresentou sempre muito desunido, o Sporting de Paulo Bento faz isso na perfeição. A equipa é compacta a defender e joga bom futebol porque tem os apoios e as coberturas bastante bem estudadas. Especialmente nesta táctica, os apoios têm de ser bem feitos. Sem eles, uma táctica que privilegia a ocupação de espaços centrais como esta, torna-se pouco útil e só as iniciativas individuais lhe podem valer.

Resumindo, a utilização de um só trinco e o jogar apoiado estão intimamente ligados, essencialmente porque um jogo de apoios perfeito exige a utilização de apenas um homem a efectuar os apoios por trás. A utilização de mais do que um médio defensivo implica um fornecimento de apoios deficiente e dificulta a posse de bola, a opção por um futebol curto e as transições mais lentas (absolutamente necessárias numa equipa que queira comandar os ritmos de jogo, como qualquer equipa de topo). Em 90 minutos de futebol directo, com transições rápidas, como em Inglaterra, por exemplo, esta necessidade não será prioridade. Mas é-me totalmente inconcebível que uma equipa ambiciosa, que queira ganhar sempre, seja ingénua ao ponto de praticar um futebol directo durante 90 minutos, permitindo espaços desnecessários, não retendo a posse de bola em alturas cruciais do jogo, não gerindo esforços ou ritmos, e funcionando sempre com linhas rígidas, incapazes de se estenderem ou encolherem consoante as necessidades do jogo. Quero com isto dizer que, tirando o Chelsea de Mourinho e o Arsenal de Wenger, todas as outras equipas inglesas são tacticamente ingénuas, e que essa ingenuidade pode, muitas vezes, ser observável pela utilização de mais do que um trinco.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Outro "Mito"...

Falo do mito que se criou em redor do trinco, médio defensivo, número seis, etc...
Deve ser um jogador em que destacam as seguintes características: garra, pulmão, agressividade, e disponibilidade para correr quilómetros. Petit, por exemplo, será o paradigma desta definição. Concordo, que numa equipa pequena, quer a nível social, como ideológico, realmente este tipo de definição seja correcto. Numa equipa de dimensão ofensiva esta definição torna-se falaciosa.

Pirlo, Redondo, Sousa, Guardiola... Nos últimos anos, alguém me consegue apresentar um médio defensivo com mais qualidade que eles? Algum melhor? Albertini, também era bom. Mas não tinha o nível destes. Mas nenhum deles se destacavam nos aspectos acima referidos. Qualidade de passe, visão de jogo, inteligência... Mas não eram, nem de perto, nem de longe, "raçudos", tão pouco se destacavam ( e destacam) pelas maratonas realizadas dentro de campo. E pego nestes jogadores porque se enquadram, totalmente, no que pretendo de um médio defensivo. No futebol que preconizo, o médio defensivo, por paradoxal que pareça, é, acima de tudo, a âncora do futebol atacante da sua equipa. A partir da sua localização, devemos partir para as transições ofensivas, de uma forma apoiada. Deve partir dele o primeiro traço, ainda que de uma forma suave, para um quadro que se deseja belo. Não espero que faça maravilhas com a bola, antes que seja rápido no seu endosso, e perspicaz na avaliação das opções de passe, considerando os riscos que a equipa, no momento, deve ou não correr.
Um grande médio defensivo, de uma grande equipa, correr muito é mau sinal. Este facto pode funcionar até como um delator de um erro, quer no modelo do jogo, quer de uma má associação entre os vários sectores. Por exemplo, um desiquilíbrio causado por um lateral, que ao subir desguarnece o sector defensivo, obriga este elemento a compensar essa acção, na maior parte das vezes. O ser este elemento responsável por este equilíbrio, não está em causa. Uns poderão concordar, outros nem por isso. Mas mais importante que este pormenor, é o facto de que esta situação, tornando-se repetitiva, demonstra que alguma coisa vai mal nas transiçoes atacantes da equipa. Seja o lateral que não respeita a cadência certa para se integrar no ataque, ou porque a equipa não está a aproveitar a sua presença da melhor forma... Enfim, podem ser vários motivos... Mas este facto vai levar a que o trinco se desgate. Da mesma forma que o nosso cérebro, ao detectar uma descida do nível de açúcar no sangue, cria uma estratégia que passa por nos conduzir a um estado de fome, levando-nos a comer, se nos concentrármos apenas no médio defensivo de uma equipa, conseguimos nos aperceber, atravéz da sua movimentação, do que vai mal, ou bem, nessa mesma equipa...

É importante perceber que a missão de um trinco, é muito mais que o ocupar de espaços, e interceptar linhas de passe. A sua movimentação é fundamental para o posicionamento, e atitude da equipa. Mais do que um guerreiro, tem de ser um estratega. Ou então não. Perguntem antes ao Jaime Pacheco...